CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO SOCIAL À MORADIA PELO PODER JUDICIÁRIO: ESTUDO DE CASO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO

July 27, 2017 | Autor: P. Pinheiro Neto | Categoria: Jurisprudence, Civil Procedure, Ativismo Judicial, Direito a Moradia, Direitos Fundamentais Sociais
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SALMÓN, Elizabeth. "Los derechos económicos, sociales y culturales en el sistema interamericano: el camino hacia uma lectura social de los derechos civiles y políticos" In CULLETON, Alfredo; MAUÉS, Antonio; TOSI, Giuseppe; ALENCAR, Maria Luiza; WEYL, Paulo (Orgs.). Direitos humanos e integração latino-americana. Porto Alegre, Entrementes, 2011, p. 110/111.
ABRAMOVICH, Victor E. "Linhas de trabalho em direitos econômicos, sociais e culturais: instrumentos e aliados". SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos, nº 2, 2005, p. 194.
Op. Cit., p. 196.
Op. Cit., p. 198.
Op. Cit., p. 220.
A jurisprudencialização da constituição e a densificação da legitimidade da jurisdição constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 217-242, anual 2004, p. 228.
PINTO, Mónica. "Cumplimiento y exigibilidad de los derechos económicos, sociales y culturales en el marco del sistema interamericano. Avances y desafios actuales". Revista IIDH, nº 56, jul./dic. 2012, p. 59.
Op. Cit. 160.
Op. Cit. 164.
PAUTASSI, Laura. "Indicadores en materia de derechos económicos, sociales y culturales. Más allá de la medición" In ABRAMOVICH, Víctor; PAUTASSI, Laura (Comps.). La medición de derechos en las políticas sociales. Buenos Aires, Del Puerto, 2010. P. 8.
LANGFORD, Malcolm. "Judicialização dos direitos econômicos, sociais e culturais no âmbito nacional: uma análise socio-jurídica". SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos, nº 11, dez. 2009, p. 110.
Op. Cit. p. 105.
Op. Cit. p. 107.
Op. Cit. p. 113.



CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO SOCIAL À MORADIA PELO PODER JUDICIÁRIO: ESTUDO DE CASO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO.



PEDRO BENTES PINHEIRO NETO.
Advogado. Mestrando em Direito pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Pós-graduado em Direito Processual Civil pela UNIDERP e IBDP. Pós-graduado em Direito Administrativo e Administração Pública pela Escola Superior de Advocacia do Pará / PA. Professor de Direito Processual Civil da Universidade Estácio de Sá - Unidade Belém / PA. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro Fundador da Associação Norte e Nordeste de Professores de Processo (ANNEP).

RESUMO: O artigo analisa precedente do estado do Rio de Janeiro, com enfoque na concretização judicial do direito social à moradia, enquanto direito humano fundamental do cidadão.



INTRODUÇÃO E EXPOSIÇÃO DO PRECEDENTE ESCOLHIDO.

A finalidade do trabalho é analisar um precedente de tribunal nacional, que tenha concretizado direitos sociais, através de ação positiva do poder judiciário.
O caso escolhido ocorreu no estado do Rio de Janeiro, no município de Terezópolis, e versa sobre a concretização do direito fundamental à moradia.
Em decorrência das fortes chuvas que assolaram a região serrana do Estado do Rio de Janeiro, em Janeiro de 2011, a administração pública municipal (Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Defesa Civil) determinou a interdição da residência de determinados moradores, sem lhes dar qualquer amparo ou outro local para morar, enquanto durava o período chuvoso.
Os moradores, então, ajuizaram de Ação de Obrigação de Fazer, com pedido de tutela antecipada, para que fossem incluídos como beneficiários do projeto denominado "aluguel social", sob pena de pagamento de multa diária no valor de R$ 100,00 (cem reais).
Ao receber a inicial, o juízo monocrático deferiu a tutela antecipada, para determinar à parte ré que, no prazo de 05 (cinco) dias a contar da intimação, promova a inclusão da parte autora no programa assistencial próprio, pagando-lhes o benefício de "aluguel social" de até R$ 500,00 (quinhentos reais) mensais, sob pena de sequestro de valores diretamente em conta corrente do órgão público, e eventualmente multa e responsabilidade civil, criminal, administrativa e por improbidade administrativa dos agentes públicos, no caso de descumprimento da ordem.
O Município de Teresópolis interpôs o Agravo de Instrumento e apresentou contestação, alegando, e suma, que não possui condições financeiras e orçamentárias para atender todas as vítimas da tragédia e que a concessão do auxílio-moradia está condicionada à existência de verba suficiente no fundo criado especificamente para tal finalidade.
A sentença monocrática julgou parcialmente procedente o pedido inicial, confirmando a tutela antecipada, e condenou o Município de Teresópolis a pagar à parte autora o benefício denominado "aluguel social", previsto no art. 8º do Decreto Estadual nº 42.406/2010, pelo prazo de 12 (doze) meses consecutivos, contados a partir do primeiro pagamento, totalizando o valor da condenação em R$ 6.000,00 (seis mil reais). Condenou o réu ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 300,00 (trezentos reais).
Houve a interposição de recurso de Apelação interposto pelos réus, sustentando preliminar de ilegitimidade passiva, pois o Decreto nº 42.406/2010 estabeleceu a possibilidade de pagamento de aluguel social pelo Estado do Rio de Janeiro e não pelo município.
Sustentou, ainda, a ausência de interesse de agir, haja vista que os demandantes já foram contemplados com o benefício pretendido. Em relação ao mérito, alegaram que: o referido benefício foi criado pelo Estado do Rio de Janeiro, que criou tão somente o auxílio moradia, condicionado à existência de verba suficiente em fundo criado especificamente, e que deve ser observado o princípio da reserva do possível, com a redução da verba honorária.
Ao apreciar o recurso, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro afirmou que o direito a moradia é constitucionalmente previsto como preceitua o artigo 6º, caput da Constituição Federal de 1988. Estando os autores privados de desfrutarem da residência, devido à interdição do bem, cumpre a municipalidade, cumprir os termos do aludido Decreto, efetuando o pagamento de aluguel social, propiciando aos desabrigados a reconstrução de suas vidas, em nome do princípio da dignidade da pessoa humana.
A decisão registrou que deve se entender "auxílio moradia" e "aluguel social" como expressões sinônimas, na medida em que possuem a mesma finalidade, que é o atendimento material aos desabrigados em decorrência de fortes chuvas que assolaram a região serrana do Estado do Rio de Janeiro.
Por outro lado, consignou que não há que se falar em observância da reserva do possível para efeito de condenação da municipalidade ao cumprimento da obrigação em foco quando em jogo está o direito à moradia e o princípio da dignidade da pessoa humana. O direito à moradia não pode restar inviabilizado pela alegação de impossibilidade financeira e falta de dotação orçamentária.
Igualmente, aduziu que não merece amparo a alegação de que não existe previsão orçamentária para cumprimento da obrigação, pois encontrava-se comprovada a interdição da residência dos demandantes, bem como a necessidade dos mesmos. Eventuais problemas orçamentários dos entes não poderiam obstaculizar o exercício do direito fundamental dos autores, visto que o réu tem o dever de promover políticas públicas destinadas a garantir a moradia e integridade física dos cidadãos carentes, sendo pública a destinação de valores por outros entes para atender a pretensão autoral.
De mais a mais, a decisão assinalou que não há ingerência do Poder Judiciário se este apenas determina a outro Poder atuar em conformidade com direitos fundamentais previstos na Carta Magna.
Registrou, nesse linha argumentativa, que está o primeiro Poder (Judiciário) apenas agindo conforme sua missão institucional, impondo ao segundo Poder (Executivo) que também o faça. Por isso, não há como conceber que o Administrador alegue conveniência e oportunidade diante do direito fundamental que está em jogo.
O acórdão teve a seguinte ementa:

OBRIGAÇÃO DE FAZER. FORTES CHUVAS. INTERDIÇÃO DA RESIDÊNCIA DOS AUTORES. ALUGUEL SOCIAL. DIREITO À MORADIA. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. DEVER DA MUNICIPALIDADE. HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA.
1 - Consoante o disposto no artigo 8º do Decreto Estadual nº 42.406/2010, o Estado do Rio de Janeiro e o Município de Teresópolis são responsáveis solidários em relação ao pagamento do benefício de aluguel social. Rejeição da preliminar de ilegitimidade passiva.
2 - Também merece ser rechaçada a preliminar de ausência de interesse de agir, na medida em que os autores requereram o aludido benefício na esfera administrativa, mas não obtiveram êxito, sendo obrigados a recorrerem ao Poder Judiciário, para poder valer seus direitos.
3 - O direito a moradia é constitucionalmente previsto como preceitua o artigo 6º, caput da Constituição Federal de 1988. Estando os autores privados de desfrutarem da residência, devido à interdição do bem, cumpre a municipalidade, cumprir os termos do aludido Decreto, efetuando o pagamento de aluguel social, propiciando aos desabrigados a reconstrução de suas vidas, em nome do princípio da dignidade da pessoa humana. Frise-se, por oportuno, que deve ser entender "auxílio moradia" e "aluguel social" como expressões sinônimas, na medida em que possuem a mesma finalidade, que é o atendimento material aos desabrigados em decorrência de fortes chuvas que assolaram a região serrana do Estado do Rio de Janeiro.
4 - No que diz respeito ao pedido de redução dos honorários fixados, não merecem lograr êxito as razões recursais, haja vista o Enunciado nº 27 do Encontro de Desembargadores com competência em matéria cível. 5 - DESPROVIMENTO DO RECURSO.
(TJ-RJ - APL: 00162373820118190061 RJ 0016237-38.2011.8.19.0061, Relator: DES. CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 02/04/2013, NONA CAMARA CIVEL, Data de Publicação: 20/05/2013 13:18)

Eis, portanto, o resumo dos fatos e fundamentos do precedente escolhido.

ANÁLISE CRÍTICA DO JULGADO CONFORME OS AUTORES ESTUDADOS.

É possível identificar com clareza a estrutura do direito social à moradia, enquanto obrigação positiva do Estado de efetivamente garantir este direito fundamental, que está previsto na Constituição Federal, Art. 6º, caput:

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

O direito à moradia também aparece como programa de governo do Art. 23, IX, da CF que afirma ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico.
Igual previsão do direito à Moradia consta no ARTIGO 11. 1, do Pacto Internacional dos Direitos, Econômicos, Sociais e Culturais, promulgado no Brasil através do DECRETO No 591, DE 6 DE JULHO DE 1992, nos seguintes termos:

Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria continua de suas condições de vida. Os Estados Partes tomarão medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito, reconhecendo, nesse sentido, a importância essencial da cooperação internacional fundada no livre consentimento.

Apesar do pacto não ter sido citado ou utilizado como fundamentação para conclusão do julgado, é possível identificar a presença do seu conteúdo normativo e as consequências positivas da inserção da proteção dos direitos, econômicos, sociais e culturais (DESC) na mentalidade da administração pública e do poder judiciário.
O direito à moradia é uma extensão do direito à uma vida digna, que tem sido uma das mais importantes e interessantes contribuições da jurisprudência da Corte Interamericana dos direitos humanos. Elizabeth Salmón pontua que "la idea detrás de esta comprensión del derecho a la vida tiene su primera aparición expresa en la sentencia de reparaciones dada por la Corte Interamericana en el caso Loayza Tamayo Vs. Perú, 10 en la que se refiere a la frustración del proyecto de vida de la víctima como consecuencia de la violación a sus derechos fundamentales". Em seguida, a autora conclui que: "...el estado tiene el deber de adoptar medidas positivas, concretas y orientadas a la satisfacción del derecho a una vida digna".
Afinal, sem a moradia digna, é impossível, ou pelo menos muito dificultoso, realizar efetivamente o projeto de vida traçado.
E exatamente por ser um direito essencial, que marca a própria dignidade humana, ele é tratada como uma obrigação positiva do estado, que tem o dever de efetivar e elaborar normas e programas de governos para a ampla vigência, conforme consta expressamente na CF, Art. 23, IX.
Como bem pontua Abramovich: "alguns direitos que em sua essência se caracterizam por obrigações positivas do Estado estarão contidos no catálogo de direitos econômicos, sociais e culturais – por exemplo, o direito à moradia". O caso analisado é, digamos, tradicional, pois se trata do modo mais peculiar de cumprimento de uma obrigação positiva do Estado, que é aquela obrigação de "dispor de reservas orçamentárias para oferecer uma prestação de serviços", como bem lembra o professor.
Este caso em análise, à propósito, versa sobre um tipo de obrigação citada por Abramovich, quando afirma que "o Estado pode cumprir sua obrigação fornecendo serviços à população, de forma exclusiva ou em modalidades de garantia mista que incluam, além de um aporte estatal, regulamentações que contemplem os cidadãos afetados por restrições, limitações ou obrigações", como, por exemplo, a administração de créditos públicos diferenciais.
Afinal, o julgado escolhido versa sobre a efetivação de determinado crédito criado para ajudar moradores que tiveram suas residências interditadas pelo próprio ente estatal.
O autor chega a afirmar expressamente que "Em alguns temas – como o direito à moradia adequada – é expressamente reconhecida a obrigação do Estado de implementar de forma imediata uma vigilância eficaz da situação da moradia em sua jurisdição, e para isso precisa realizar um levantamento do problema e dos grupos que se encontram em situação vulnerável ou em dificuldades – pessoas desabrigadas e suas famílias, pessoas alojadas de forma inadequada, pessoas que não têm acesso a instalações básicas, pessoal que vivem em assentamentos ilegais, pessoas sujeitas ao despejo forçado e grupos de baixa renda".
Neste ângulo, a administração pública teria o dever de, previamente, fiscalizar e planejar o deslocamento de moradores em área de risco, pois o ente já sabendo do problema que atingirá o direito individual homogêneo de moradia do grupo atingido pelas chuvas.
Não houve no caso, perceba-se, a criação de um direito; mas tão somente o reconhecimento do descumprimento por parte do Estado, de uma programação governamental criada por ele mesmo, através de ações concretas, para garantir o direito de moradia em situações de calamidade, como as chuvas fortes ocorridas na região serrana carioca.
Isso porque, o Município de Teresópolis promulgou a Lei Municipal nº 2.996, de 14.01.2011, para o fim de autorizar a criação do Fundo Especial e Combate à Situação de Emergência e Calamidade Pública.
E nessa linha de pensamento, é plenamente possível notar que não existe uma ruptura da separação entre os poderes, mas apenas uma reconfiguração das funções, onde todos os poderes atuam para concretizar as promessas assumidas na constituição.
Nas palavras de Bolzan de Moraes, "dentro de uma concepção substancialista, em que todos os poderes estabelecidos atuam para concretizar os dispositivos da Carta Magna, ultrapassando os limites delineados pela concepção tradicional da divisão dos poderes".
Mais adiante, o autor reforça:
a distribuição clássica das funções dos poderes públicos, não mais sujeita a uma separação rigorosa, com o objetivo de reforçar uma estrutura de fiscalização, mas noutro sentido, mais flexível, voltada a uma finalidade de cooperação, baseada na perspectiva de que há uma unidade inexorável no Estado entre os Poderes para a realização de valores éticos substanciais positivados constitucionalmente e intensamente reclamados pela população, a qual está, de alguma maneira, expressa na função executiva peculiar ao espaço público, sem que se limite às tarefas próprias do Poder Executivo.

É muito importante ter mente essa mentalidade cooperativa entre os poderes, pois o desafio é complexo e tem como meta prioritária a redução da extrema pobreza.
Percebe-se, que a atitude estatal de criar um "auxílio moradia" ou "aluguel social" representa um esforço para eliminar a extrema pobreza e é uma medida efetiva promovida pelo ente estatal para efetivar o direito à moradia. E, como anota Monica Pinto, por mais que os modelos de proteção dos direitos sejam todos diferentes na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, qualquer sistema ou modelo, "dedeberá atender prioritariamente la realización de aquellos fundamentales derechos que permitan eliminar la extrema pobreza".
E como a pobreza significa uma máxima violação de direitos econômicos, sociais e culturais, ocorre automaticamente uma violação aos direito civis e políticos, em razão da indivisibilidade dos direitos humanos. Dessa forma, o cumprimento dessa meta significa, sem dúvidas, uma forma de desenvolvimento e uma medida adequada para dar plena efetividade ao direito de moradia.
A orientação de Monica Pinto também é relevante quando afirma que o Estado não pode alegar razões de pobreza, carência ou desastre para deixar de garantir os direitos humanos. E a decisão analisada atenta para este fato, afirmando expressamente que "Eventuais problemas orçamentários dos entes não podem obstaculizar o exercício do direito fundamental da autora, visto que o réu tem o dever de promover políticas públicas destinadas a garantir a moradia e integridade física dos cidadãos carentes, sendo pública a destinação de valores por outros entes para atender a pretensão autoral".
Se o argumento de falta de recursos fosse plausível, apenas os Estados com suficiência de recursos poderiam cumprir com as obrigações assumidas, no que concerne aos DESC, o que seria uma contradição.
Afinal, é dever do Estado incluir no orçamento e no seu plano de gestão a garantia do direito à moradia aos cidadãos afetados pelos desastres naturais, sobretudo quando previsíveis, como é o caso das fortes chuvas na região serrana do Rio de Janeiro. Ou, caso não tenha recursos, adotas medidas alternativas, criativas, para que diminuir e/ou evitar os danos correlatos.
Por outro lado, compreendendo que a questão é complexa, eventual tensão entre a garantia do direito social à moradia e a falta de recurso, pode ser solucionada pela aplicação do princípio pro homine, que é a interpretação mais favorável à vigência ampla e predominante dos direitos humanos.
Há de se observar, que a criação pelo próprio poder legislativo de um fundo ("auxílio-moradia"), se apresenta como um importante indicador de progresso dos DESC, visto que representa uma política estratégica para combater os efeitos danosos que a falta de moradia pode representar para uma vida digna e para concretização do projeto de vida.
Verificar a existência de um auxílio estatal é uma comprovação de efetivo cumprimento das obrigações estatais; é um dos elementos do que Laura Pautassi chama de "processo de integración transversal", que seria a "aferição do grau de compromisso estatal em matéria de satisfação de direitos, o que compreende todas as políticas públicas, todos os programas, todas as medidas de governo, de modo que permite incorporar no desenvolvimento auilo que os indicadores ou os sinais de progresso não captam a priori, mas que se integra dentro de um plano de ação estatal em direção à satisfação dos direitos humanos" (tradução livre).
Portanto, este seria um indicador interessante de que o Brasil, através dos esforços dos poderes legislativo, executivo e judiciário, estão cumprindo com suas obrigações.
De qualquer forma, igualmente se deseja que exista razoabilidade e proporcionalidade ao abordar o tema. Sobre esta racionalidade em relação ao direito à moradia, Langford menciona decisão da Corte Constitucional da África do Sul, em que um grupo de residentes que estavam vivendo à beira de um campo de esporte apresentou uma petição defendendo que o seu direito à moradia estava sendo violado. Informa o autor que: "A Corte determinou que as autoridades do governo não haviam tomado as medidas legislativas e outras que fossem razoáveis, dentro dos recursos disponíveis, para implementar progressivamente o direito à moradia, uma vez que os programas do governo não ofereciam auxílio emergencial algum àqueles que não possuíam acesso a um abrigo básico".
Noutro momento, o mesmo autor faz parêntese interessante sobre a forma com o direito à moradia pode ser enfrentado, dependendo do contexto e do preparo do julgador. Conta Langford: "Em um caso inovador sobre o direito à moradia na África do Sul, o autor, advogado, enviou com antecedência à residência do juiz diversos livros sobre o tema, o que parece ter tido certo efeito sobre a decisão final (ÁFRICA DO SUL, Government of the Republic of South Africa and Others vs. Grootboom and Others, 2000)".
E mais, nota-se no julgado analisado que o julgador fundamentou sua decisão em julgados anteriores, utilizando-se precedentes como fonte do direito. Essa é uma marca da judicialização dos direitos sociais e é um fator importante à existência de precedentes sobre direitos civis e políticos. Na decisão analisada, o Tribunal usa como fundamento algumas outras decisões sobre a efetivação de direitos sociais, sobretudo ao direito à moradia.
É correta e perceptível a afirmação de Malcolm Langford, ao citar Gauri e Brinks, que os tribunais "atuam como "atores pró-majoritários", no sentido de que "suas ações estreitam a brecha existente entre os anseios sociais amplamente compartilhados e políticas incompletas ou embrionárias por parte do governo; ou, ainda, entre as ações de empresas privadas e os compromissos políticos assumidos".
Elevando a importância e indispensabilidade do direito à moradia, o mesmo professor lembra de julgado da Corte Federal da Suiça, que justificou derivar o direito a uma subsistência mínima, sobretudo a moradia, com base em argumentos democráticos e substantivos: "A garantia de que as necessidades humanas vitais, como alimento, vestimenta e abrigo, serão satisfeitas é uma condição para a existência e desenvolvimento humanos como tais. Ao mesmo tempo, trata-se de um componente indispensável de um sistema de governo constitucional e democrático".
Obviamente, que a judicialização dos direitos sociais não é aplicada de forma simples, mostrando-se de difícil previsão os limites que serão estabelecidos por um tribunal, em especial em casos que implicam a realocação de recursos.
Todavia, Langford informa, com muita pertinência, que "a jurisprudência sugere que as Cortes tendem a intervir em casos de acordo com os seguintes fatores: (1) a gravidade dos efeitos da violação de direitos; (2) a precisão da obrigação estatal; (3) a participação do governo na violação; e (4) a capacidade do governo de cumprir a ordem judicial no que diz respeito aos recursos necessários para tanto".
No caso analisado todos os critérios estão presentes, visto que (1) é extremante grave uma família ficar ser moradia; (2) o direito à moradia é um dever do Estado; (3) foi o próprio estado que interditou a moradia dos autores; (4) existe plena capacidade de cumprir com a obrigação, tanto que existe um fundo específico para isso.
Por tudo, à guisa de conclusão, o precedente representa um indicador de que o Brasil está se esforçando para adimplir com suas obrigações de garantir os direitos sociais, reservando fundos nos entes estatais e demonstrando coragem, através do Poder Judiciário, para efetivar os direitos, mesmo quando se depara com a complexa insuficiência de recursos financeiros.

REFERÊNCIAS

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culturais: instrumentos e aliados". SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos, nº 2, 2005, p. 188-223.

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DOZ COSTA, Fernanda. "Pobreza e direitos humanos: da mera retórica às obrigações jurídicas – um estudo crítico sobre diferentes modelos conceituais". SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos, nº 9, dez. 2008, pp. 88-119.

LANGFORD, Malcolm. "Judicialização dos direitos econômicos, sociais e culturais no âmbito nacional: uma análise socio-jurídica". SUR. Revista Internacional de Direitos Humanos, nº 11, dez. 2009, p. 99-133.

MORAIS, José Luis Bolzan de; AGRA, Walber de Moura. A jurisprudencialização da constituição e a densificação da legitimidade da jurisdição constitucional. Revista do Instituto de Hermenêutica Jurídica, Porto Alegre, v. 1, n. 2, p. 217-242, anual 2004.

PARRA VERA, Oscar; VILLANUEVA HERMIDA, María Aránzazu; MARTIN, Agustín Enrique. "Introducción: los derechos sociales y el enfoque de derechos humanos en las estrategias de desarrollo y erradicación de la pobreza" In INSTITUTO INTERAMERICANO DE DERECHOS HUMANOS. Protección internacional de los derechos económicos, sociales y culturales. Sistema universal y sistema interamericano. San José, IIDH, 2008, p. 14-45.

PARRA VERA, Oscar. "Derechos humanos y pobreza en el sistema interamericano". Revista IIDH, nº 56, jul./dic. 2012, pp. 273-320.

PAUTASSI, Laura. "Indicadores en materia de derechos económicos, sociales y
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PINTO, Mónica. "Cumplimiento y exigibilidad de los derechos económicos, sociales y culturales en el marco del sistema interamericano. Avances y desafios actuales". Revista IIDH, nº 56, jul./dic. 2012, pp. 157-187.

RODRÍGUEZ GARAVITO, César. "Beyond the courtroom: the impact of judicial activism on socioeconomic rights in Latin America". Texas Law Review, nº 89, 2011, pp. 1669-1698.

SALMÓN, Elizabeth. "Los derechos económicos, sociales y culturales en el sistema interamericano: el camino hacia uma lectura social de los derechos civiles y políticos" In CULLETON, Alfredo; MAUÉS, Antonio; TOSI, Giuseppe; ALENCAR, Maria Luiza; WEYL, Paulo (Orgs.). Direitos humanos e integração latino-americana. Porto Alegre, Entrementes, 2011, pp. 107-132.

TEREZO, Cristina Figueiredo. A atuação do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos na defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais. Tese (Doutorado) – Universidade Federal do Pará, Instituto de Ciências Jurídicas, Programa de Pós-Graduação em Direito, Belém, 2011, pp. 26-81. (manuscrito inédito).








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