Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico: o desenvolvimento tecnológico de baterias e a ação governamental. Relevant constraints for the diffusion of the electric car: technological development of batteries and governmental action.

July 4, 2017 | Autor: C. do Nascimento ... | Categoria: Economics of Innovation
Share Embed


Descrição do Produto

Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico

127

Relevant constraints for the diffusion of the electric car: technological development of batteries and governmental action • Claudia do Nascimento Martins *

Resumo: Os primeiros automóveis, que surgiram no século XVIII, foram frutos de sucessivas aproximações e adaptações tecnológicas. Até o fim do século XIX, os carros eram produzidos em pequenas séries na Europa. Porém, no início do século XX, a indústria automobilística começou a tomar forma com a produção em massa de Henry Ford de carros a gasolina. No fim do século XIX, existiam carros movidos a três tipos de fonte energética: a vapor (estes desde o século XVIII), a energia elétrica e a combustão, ou seja, a gasolina. Porém, no início do século XX, os carros movidos a gasolina, conquistaram todo o espaço deixando para trás tanto os carros movidos a vapor quantos carros elétricos. O surgimento de ativos complementares, como o desenvolvimento de uma infraestrutura de abastecimento que solidificou seu uso, deu condições para que o motor a gasolina prevalecesse. Este texto mostra, estritamente, o desenvolvimento tecnológico de baterias e a ação governamental como condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico, Apesar de ser uma ideia antiga, o carro elétrico volta a ser vislumbrado, principalmente após o início da década de 1990, quando inúmeras questões de ordem ambiental passam a ser colocadas, bem como a possibilidade de esgotamento das reservas de petróleo. Palavras-chave: carro elétrico, condicionantes, difusão

* Claudia do Nascimento Martins, Doutoranda em Políticas Públicas, Estratégia e Desenvolvimento (UFRJ), Mestre em Economia (UFF). Economista, Professora da Universidade Veiga de Almeida.

• Artigo

Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico: o desenvolvimento tecnológico de baterias e a ação governamental

128

ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139

Abstract The first automobiles which arose in the 18th century were the result of successive technological approximations and adaptations. Until the end of the 19th century, cars were manufactured in small batches in Europe. However, in the beginning of the 20th century, the auto industry started to take shape with Henry Ford’s mass production of gasoline powered cars. In the end of the 19th century, cars were powered by three different types of energetic source: steam power (this one since the 18th century), electric power and combustion, i.e., gasoline. But, in the beginning of the 20th century, gasoline powered cars conquered all the space, leaving behind both the steam powered cars and the electric cars. The appearance of complementary assets, such as the development of a supply infrastructure which solidified its use, gave conditions for the prevailing of the gasoline motor. This text strictly shows the technological development of batteries and governmental action as relevant constraints for the diffusion of the electric car. Even though this is an old idea, the electric car, once again, gains visibility, mainly after the beginning of the 90s, when innumerous issues about environment preservation began to be considered, as well as the possibility of oil reserves exhaustion. Keywords: electric car, constraints, diffusion 1. Introdução Os primeiros automóveis, que surgiram no século XVIII, foram frutos de sucessivas aproximações e adaptações tecnológicas que, gradualmente, foram se desenvolvendo em torno de um objetivo comum: viajar rápido, com comodidade e, sobretudo, com um mínimo de esforço e máximo de segurança para seus ocupantes. Enquanto na Europa o automóvel continuou a ser produzido em pequenas séries, orientado para os ricos, o crescimento do número de carros a gasolina nos Estados Unidos era sinônimo de produção em larga escala, de preços menores e da criação de um mercado amplo. Com a produção em massa de Henry Ford, no início do século XX, a indústria automobilística realmente começou a tomar forma e as inovações ocorridas ao longo do século

XX e início do século XXI têm sido exem­plo para outros setores industriais. Argumenta-se que a energia elétrica (bateria) não é, atualmente, a fonte padrão por ser ineficiente vis-àvis o motor a combustão (gasolina). O contra-argumento é o de que, na virada do século XIX para o século XX, se a indústria automobilística tivesse deci­ dido utilizar energia elétrica, a pesquisa nesse ramo teria avançado o suficiente para tornar essa tecnologia tão eficiente, se não mais, do que a atualmente utilizada. O estudo de Cowan e Hultén (1996) ressalta os problemas técnicos de cada opção (incluindo o carro a vapor – o Locomobile que, na virada do século XX, era o carro mais popular nos Estados Unidos): i) carro a gasolina: era barulhento, problema este que, até hoje, não foi

Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico

totalmente resolvido; era difícil dar a partida; consumia muita água; tinha autonomia relativamente baixa e a velocidade máxima alcançada também era baixa. ii) carro a vapor: necessitava aquecer vinte minutos antes da viagem e consumia uma imensa quantidade de água. iii) carro elétrico: não conseguia su­ bir terrenos íngremes; sua autonomia era baixa e a velocidade máxima alcançada era baixa. Todos esses problemas estavam relacionados à baixa capacidade de armazenamento de energia das baterias e, uma vez que o desenvolvimento dessas baterias era lento, os problemas permaneceram. Segundo Cowan e Hultén (id), a indústria automobilística começou a se desenvolver rapidamente na década de 1890 e o seu mercado foi dividido principalmente entre elétrico e vapor. De acordo com os autores, em 1899 foram vendidos 1575 veículos elétricos, 1681 carros a vapor e 936 carros a gasolina. Entretanto, já nessa época, o problema da baixa capacidade da bateria já existia e, apesar da promessa, Thomas A. Edison não conseguiu solucioná-lo. Logo, enquanto as vendas de veículos elétricos nos Estados Unidos mais do que duplicaram entre 18991909, as vendas de carros a gasolina aumentaram mais de 120 vezes. O surgimento de ativos complementares ao motor a gasolina - como a descoberta de petróleo no Texas em 1901, a entrada no mercado de grandes empresas como a Texaco e criação de postos de abastecimento - deram condições para que essa tecnologia prevalecesse em relação às outras.

129

Nos primeiros anos do século XX, o veículo a gasolina superou seus concorrentes no mercado americano. Essa mesma evolução já se apresentara na França, na Grã-Bretanha e na Alema­ nha. Desta forma, o motor a combustão tornou-se o padrão da indústria automotiva, o que não significa que o veículo elétrico tenha desaparecido da mente dos homens durante o século XX. O início da década de 1990 foi marcado por inúmeras questões de ordem ambiental, cujos desdobramentos se tornariam irreversíveis em decorrência de suas repercussões de caráter global. Questões relacionadas às mudanças climáticas, aos desequilíbrios do efeito estufa e às implicações devastadoras da poluição do ar para a saúde dos seres vivos, tornaram-se relevantes na esfera global. Nas grandes cidades, o pro­ blema agravou-se devido às emissões de dió­xido de carbono dos veículos a gasolina. Além disso, a existência da possibilidade de finitude do petróleo parece cada vez mais real, principalmente por dois motivos: (i) a exploração completa das reservas de petróleo existentes e (ii) as novas descobertas de jazidas de petróleo que exigem custos maiores para sua exploração, bem como a consideração de seus impactos ambientais. Logo, quanto mais perto do fim, considerando que o petróleo é uma fonte de energia não renovável, mais alto deverá ser seu preço. Assim sendo, o carro elétrico se apresenta como uma possível resposta para as questões discutidas. Logo, uma ideia com mais de um século voltou a ser o centro das atenções. Fatores como alterações climáti-

130

ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139

cas, preços do petróleo, maior demanda por mobilidade, novos desenvolvimentos tecnológicos para motores e baterias passaram a contribuir para dar vida nova a uma ideia antiga: os automóveis elétricos. Muitos projetos relacionados aos carros elétricos, e que antes existiam apenas no papel, puderam se concretizar na primeira década do século XXI. Atualmente, diversos fabricantes de carros já oferecem ao mercado, nos salões anuais de automóveis, modelos totalmente elétricos, híbridos e plug-in, tanto para venda quanto para sua apreciação como carros-conceito. Nos carros totalmente elétricos, a energia que alimenta o motor é armazenada em uma bateria e provém de uma fonte externa, como por exemplo, uma rede elétrica, com autonomia na faixa de 70 a 160 Km. Os carros híbridos não se conectam a uma fonte externa e a energia elétrica que move o motor é produzida no interior do próprio veículo. O motor de combustão interna que aciona o gerador pode ser movido a gasolina, etanol ou óleo diesel. Logo, a energia não utilizada é armazenada para quando for necessária. Os carros plug-in constituem uma combinação dos veículos elétricos e dos veículos híbridos, pois sua bateria pode ser alimentada tanto por uma fonte externa quanto por um motor gerador situado a bordo do veículo (Erber, 2010). Assim, este texto visa fundamentar os condicionantes capazes de provocar uma difusão do carro totalmente elétrico. Primeiramente, far-se-á uma breve contextualização sobre o conceito de inovação e difusão tecnológica. Em seguida, verificar-se-á alguns dos

condicionantes necessários à difusão do carro elétrico. 2. Inovação e difusão tecnológica: breve contextualização Dosi (1988) define a atividade inovadora como um conjunto de processos de busca, descoberta, experimentação, desenvolvimento, imitação e adoção de novos produtos, novos processos e novas técnicas organizacionais. As inovações, segundo Freeman (1984), podem ser incrementais ou radicais. As inovações incrementais são aquelas que introduzem aperfeiçoamentos em produtos ou processos pré-existentes, enquanto que as inovações radicais são aquelas que introduzem novos produtos, novos processos e novas formas de organização da produção. Schumpeter (1951) entende o processo de inovação como um processo de “destruição criadora”, pois a inovação cria novos produtos e oportunidades, acar­retando a obsolescência e eliminação de outros. Assim, a dinâmica do capitalismo depende da criação de ino­ vações e da destruição de produtos e processos preexistentes. Na abordagem teórica elaborada por Schumpeter, a ino­­vação tecnológica assume um papel central na explicação do desempenho econômico, sendo um fator de diferenciação competitiva entre as empresas e o elemento principal da dinâmica capitalista. Nelson e Winter (1982), da corrente evolucionária, iniciaram uma linha de investigação apoiada principalmente em Schumpeter e consideram que a dinâmica econômica é baseada em ino­

Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico

vações em produtos, processos e nas formas de organização da produção. Os autores entendem a empresa como um depósito, em sua teoria evolutiva da mudança econômica e tecnológica, onde os conhecimentos são armazenados sob a forma de padrões de comportamento regulares e previsíveis: são os genes que assumem a forma de rotinas. A inovação, segundo eles, é uma mutação inerentemente imprevisível das rotinas. Segundo Rogers e Schoemaker (1971), a difusão pode ser definida como o processo pelo qual uma inovação é transmitida por meio de determinados canais, ao longo do tempo, entre os membros de um sistema social. Os processos de inovação e difusão não são distintos, pois, em muitas situações, a difusão contribui para o processo de inovação. A difusão nutre e orienta a trajetória de inovação, mostrando as necessidades da demanda por soluções técnicas. O sucesso da difusão tecnológica depende da capacidade de aperfeiçoamento e adaptação de um novo produto ou processo às condições específicas de um setor ou país. Desta forma, segundo Tigre, “uma inovação só produz impactos econômicos abrangentes quando se difunde amplamente entre empresas, setores e regiões, desencadeando novos empreendimentos e criando novos mercados” (2006, p.71). Tigre (id) argumenta que o processo de difusão tecnológica é examinado, usualmente, a partir de quatro dimensões básicas: (i) direção ou trajetória tecnológica, referindo-se às opções técnicas adotadas ao longo de uma trajetória evolutiva;

131

(ii) ritmo ou velocidade de difusão, que indica a velocidade de sua adoção pela sociedade, medida pela evolução do número de adotantes ao longo do tempo dentro do universo potencial de usuários; (iii) fatores condicionantes, tanto positivos, que estimulam a adoção da tecnologia, quanto negativos, que restringem seu uso. Os condicionantes podem ser de natureza técnica, econômica ou institucional: os técnicos ocorrem, à medida que uma tecnologia se difunde, com a necessidade de desenvolvimento de um conjunto de tecnologias complementares para apoiá-la; os econômicos referem-se aos custos de aquisição e implantação da nova tecnologia, assim como às expectativas de retorno do investimento e incluem também os custos de manutenção e a possibilidade de aproveitamento de investimentos já realizados em equipamentos; os insti­ tucionais referem-se a fatores como disponibilidade de financiamentos e incentivos fiscais para a inovação, clima favorável ao investimento no país, acordos internacionais de comércio e investimento, sistema de propriedade intelectual e existência de capital humano e instituições de apoio. (iv) impactos econômicos e sociais, trazendo consequências positivas e negativas para diferentes setores da economia, que podem ser analisados a partir de sua natureza econômica, social e ambiental: econômica, no sentido de alterar a demanda por determinados produtos, afetando a produção e o comércio internacional; social, no que se refere ao impacto das novas tecnologias sobre o emprego e

132

ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139

as qualificações; e ambiental, tendo em vista as preocupações da sociedade com a preservação dos recursos naturais, da água e do ar. 3. Condicionantes para a difusão do carro elétrico: algumas considerações quanto ao desenvolvimento tecnológico de baterias e a ação governamental Para North e Davis, um arranjo institucional é “(..) um arranjo entre unidades econômicas, que governa a forma pela qual essas unidades podem cooperar e/ou competir” (1971, p.7). De acordo com Fiani, “(...) os arranjos institucionais definem, por conseguinte, a forma particular como um sistema econômico coordena um conjunto específico de atividades econômicas” (2011, p. 4). Logo, considerando o setor automobilístico como um arranjo institucional, a promoção do desenvolvimento dos carros elétricos passa efetivamente por uma questão de coordenação desta atividade econômica. Contudo, não é possível promover o desenvolvimento e a difusão dos carros elétricos sem que haja uma cooperação dos agentes envolvidos. Ainda segundo Fiani (id), sem cooperação não é possível atingir o objetivo de promover o desenvolvimento, já que o progresso necessita de uma série de mudanças e investimentos que modificam significativamente as atividades econômicas, a renda e a riqueza; assim, vários agentes tomam decisões que têm que ser consistentes entre si. Desta forma, promover a coo­ peração entre os agentes envolvidos na produção dos carros movidos a energia

elétrica não implica apenas a redução das possibilidades de conflito, mas entende-se como uma condição sine qua non para a sua difusão. Alguns movimentos estão sendo realizados nesse sentido. Empresas privadas, em parceria com governos de diferentes países, têm incentivado a P&D (Produção e Desenvolvimento) tanto dos ativos complementares que envolvem o veículo elétrico – como as baterias – quanto do veículo em si. Segundo Teece (1986), inovações tecnológicas requerem o uso de determinados ativos para produzir e distribuir novos produtos e serviços, ou seja, uma tecnologia não funciona isoladamente e demanda um conjunto de ativos complementares. Logo, pode-se dizer que os ativos complementares representam um agregado de bens, tecnologias e fatores que formam o âmbito de um produto ou serviço. No início do século XX, o carro elétrico foi preterido em relação ao carro a gasolina, justamente pela formação dos ativos complementares que solidificaram esta tecnologia. A descoberta de petróleo no Texas em 1901, no momento em que Henry Ford desenvolve a produção em massa de carros, a criação de uma rede de postos de gasolina e o ingresso de grandes empresas de petróleo como a Texaco tornaram o motor a combustão o padrão da indústria automobilística. Caracterizam-se como ativos complementares do veículo elétrico o desenvolvimento tecnológico de componentes, especialmente no que diz respeito aos fabricantes de baterias; a infraestrutura de abastecimento, que in-

Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico

clui equipamentos específicos, e o tipo de postos de abastecimento, além das questões ambientais e da ação governamental em favor do novo paradigma. No Brasil, a Itaipu Binacional, em Foz do Iguaçu, no estado do Paraná, vem desenvolvendo seu carro elétrico há alguns anos, em cooperação com a Fiat - o Projeto VE (Veículo Elétrico). Uma área na usina hidrelétrica de Itaipu abriga uma oficina de montagem e centro de teste da versão elétrica do Palio Weekend. As carrocerias dos carros, montados especialmente para o projeto, são feitas na fábrica da Fiat Automóveis, em Betim (MG) e, em Itaipu, recebem os componentes específicos do carro elétrico – motor, transmissão e baterias. Os carros não estão à venda, mas já circulam na sede da usina. No final de setembro de 2011, as empresas Itaipu Binacional e a Kraftwerke Oberhasli AG – KWO inauguraram em Meiringen, na Suíça, um laboratório para o desenvolvimento de uma nova bateria de sódio considerada 100% reciclável e com alta densidade energética. O projeto tem recursos da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, enquanto que a gestão do financiamento, no valor de US$ 16 mi­ lhões, está a cargo da Fundação Parque Tecnológico Itaipu (FPTI), que realizou parceria com a empresa suíça Battery Consult, coordenadora do desenvolvimento da nova bateria. Além do laboratório na Europa, o projeto prevê a insta­lação de outro, idêntico, na própria FPTI. Atualmente, as baterias utilizadas nos carros da Itaipu/FIAT são da marca Zebra, de origem suíça, à base de só-

133

dio, níquel e cádmio e com custos de importação muito altos. Essas baterias são totalmente recicláveis, permitindo uma autonomia de aproximadamente 100 quilômetros com carga completa e suprindo, assim, as necessidades de quilômetros diários de transporte urbano. O KWO prevê transferência de tecnologia e possibilitará o desenvolvimento da nova bateria, com tecnologia nacional e custo menor, permitindo o licenciamento de empresas, no Brasil e no exterior, para a sua produção. Uma outra iniciativa nacional, mas na esfera privada, é o Triciclo Pompéo, que esteve em desenvolvimento na incubadora tecnológica da Itaipu Binacional. Esse projeto tem por objetivo produzir soluções para o transporte urbano, estimulando a geração de novas qualificações, desenvolvendo e criando novas tecnologias. Trata-se de um carro elétrico e compacto, com baterias de íons de lítio, que busca atender às necessidades de transporte do dia a dia: de três rodas, fechado, com design arrojado, projetado para solucionar o transporte urbano de passageiros de forma econômica e ecologicamente correta. O Pompéo foi desenhado para duas pessoas: com pequenas dimensões, baixo custo de energia, emissão nula de poluentes, uso de energia renovável, segurança e conforto. Em se tratando de um veículo leve, de aproximadamente 450kg, o Pompéo requer uma menor capacidade de armazenamento de energia elétrica para oferecer uma autonomia viável e muito superior à necessária em trajetos urbanos e àquela oferecida, atual­mente, no mercado. Reduz-se, assim, o custo de um item de peso significativo na com-

134

ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139

posição do produto: a bateria. Quanto à questão das baterias, esta ainda é um grande desafio, pois elas são caras, pesadas demais e ocupam um bom espaço do porta-malas. As baterias de sais de níquel, por exemplo, trazem a vantagem de serem totalmente recicláveis, mas ocupam quase todo o espaço do bagageiro. A alternativa tem sido as baterias de íons de lítio, utilizadas em celulares, por serem mais leves, duráveis e mais flexíveis na montagem, já que podem ser alocadas também sob o assoalho do carro. Assim, a questão da autonomia e da logística reversa das baterias ainda é uma preocupação. Ainda no que se refere às baterias, a Dinamarca está desenvolvendo uma bateria ilimitada para carros elétricos, prometendo acabar com a falta de autonomia, que é um dos maiores pro­ blemas do veículo elétrico. Em vez de gasolina ou diesel, o abastecimento é de eletricidade, devido à existência de uma rede nacional de postos de bateria. Um veículo movido à bateria não percorre mais do que 200 quilômetros. Logo, é necessário parar para recarregar durante pelo menos seis horas. Com o sistema desenvolvido na Dinamarca, não existe mais limite, pois, quando a carga chega perto do fim, basta trocar a bateria por outra completamente carregada. A Dinamarca foi, também, um dos primeiros países a implementar iniciativas para promover os carros elétricos, de forma a também reduzir a dependência do petróleo e limitar a emissão de gases de efeito de estufa. Copenhagen começou a incluir os carros elétricos em sua frota municipal em maio de 2009. O governo dinamarquês começou

a promover esses veículos atribuindo subsídios, como incentivos fiscais, e também estabelecendo vários projetos ambientais (Veículoselectricospt, 2011). Com o objetivo de reduzir seus preços, o governo dinamarquês isentouos de impostos até este ano de 2012, havendo planos para estender esse prazo até 2015. As reduções podem alcançar cerca de 60% do custo do veículo, o que levou muitos fabricantes a escolherem o país para introduzirem os primeiros carros elétricos. A Dinamarca é, ainda, o maior produtor do mundo de energia eólica e os carros elétricos permitirão uma utilização eficiente dos exceden­ tes de energia gerados durante a noite. Existe, então, um grande interesse em poder usar a rede elétrica para o consumo da energia proveniente de fontes renováveis (ibid). No Brasil, foi lançado e inaugurado, em dezembro de 2011, por meio da cooperação entre GE e Petrobras, o primeiro carregador de carros elétricos da GE no Brasil, o DuraStation. O equi­pamento está em funcionamento no Posto do Futuro da Petrobras, na Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro, e está disponível para o uso dos consumidores que já possuem veículos elétricos. O DuraStation faz parte de um portfólio da GE chamado Industrial Solutions, que está no GE Energy Management, pertencente ao GE Energy, juntamente com a GE Power & Water e GE Oil & Gas. O equipamento já havia sido lançado nos mercados norte-americano, asiático e europeu e o início do funcionamento de suas primeiras unidades no Posto do Futuro marca a entrada dessa solução no mercado brasileiro (GE Re-

Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico

ports Brasil, 2012). Esse equipamento com tecnologia de ponta é capaz de reduzir o tempo de recarregamento de um veículo elétrico de seis a oito horas para cerca de duas horas. No caso do Posto do Futuro, no centro de recarga de veículos elétricos, estão disponíveis duas estações de carregamento GE, que possibilitam, simultaneamente, a carga de até três veículos. Os grandes desafios tecnológicos dos carros elétricos estão, de fato, relacionados aos projetos das baterias. A grande questão é como armazenar a maior capacidade de carga em volumes e pesos cada vez menores no menor espaço de tempo. Os grandes desafios governamentais seriam estabelecer novos conceitos para a mobilidade urbana e a implantação do Smart Grid. Entendese por Smart Grid, ou rede inteligente, a aplicação de tecnologia de informação para o sistema elétrico, integrada aos sistemas de comunicação e infraestrutura de rede automatizada (Smartgrid News, 2012). Assim, a lógica da Smart Grid está em uma palavra: inteligência. Logo, novas redes serão automatizadas com medidores de qualidade e de consumo de energia em tempo real. A inteligência também será aplicada no combate à ineficiência energética, isto é, à perda de energia ao longo da transmissão. Quanto aos veículos elétricos, o sistema do Smart Grid permite aos usuários controlar a recarga dos carros, enquanto estes estão conectados a uma tomada normal. Quanto às empresas do setor automobilístico que estão avançando na produção de carros elétricos, temos a Ford com o Ford Focus Electric, a

135

General Motors com o Volt e a Nissan com o Leaf. A Nissan vem sendo uma das maiores incentivadoras na produção de carros 100% elétricos na Europa, no Japão e em Israel. Em 2011, a empresa deu mais um salto em direção à popularização desses veículos ao ganhar a licitação realizada pela TLC (Taxi and Limousine Commission) da cidade de Nova Iorque para produzir a próxima geração de taxis movida à eletricidade. A montadora japonesa venceu a americana Ford e a turca Kassan Otomotiv. A licitação foi ganha com o comprometimento da Nissan de produzir os táxis elétricos nos Estados Unidos e, em 2017, ter toda sua frota movida à eletricidade. Pode-se dizer que os carros 100% elétricos estão evoluindo, mas, com certeza, terão de superar grandes obstáculos antes de se tornarem interessantes no uso diário. Sua autonomia ainda é pequena, algo grave em um país de grandes distâncias; faltam postos de recarga - o tempo necessário para recarga continua longo, apesar de sua redução considerável - e os pacotes de baterias ainda são muito caros. Como têm custos altos de produção, os elétricos precisam de incentivos governamentais para que sejam economicamente viáveis. Os governos de países como Dinamarca, já mencionado anteriormente, Reino Unido, França, Estados Unidos, Holanda e Alemanha estão investindo em P&D de baterias, bem como criando incentivos para a aquisição desses veículos. Para criar novas opções de mobilidade dentro das cidades, o governo da Alemanha, por meio do Ministério da Educação e Pesquisa, anunciou, neste

136

ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139

ano de 2012, um investimento de 10,8 milhões de euros no financiamento de projetos de carros elétricos. O objetivo é desenvolver automóveis que utilizem energia renovável e unam eficiência e segurança, com preço acessível para a população. Batizado de Vision M, o plano conta com cientistas da Universidade Técnica de Munique (TUM, sigla em alemão) e com a indústria automotiva do país - incluindo a BMW, líder do projeto, e a Daimler AG, dona da Mercedes (Notícias Automotivas, 2012). No Brasil, o aspecto tributário torna inviável a popularização de elétricos. A alta carga tributária é sinal de que a circulação dos carros movidos à energia elétrica irá demorar. Na tabela de impostos da Receita Federal, esses veículos são tributados como “outros” e, sobre eles, incidem 25% de IPI, enquanto que automóveis convencionais 1.0 de motor a gasolina pagam 7% de imposto e, se cumprirem metas de redução de consumo, podem ter alíquota diminuída. Logo, o encarecimento do carro elétrico é motivado. No início de 2010, o governo brasileiro chegou a cogitar um programa de estímulo ao desenvolvimento do carro elétrico, mas o plano foi cancelado por divergências internas. Com a ausência de incentivos, um veículo como esse, no Brasil, está em torno de R$ 200 mil, caso do Leaf da Nissan. Esse mesmo carro é vendido nos Estados Unidos na faixa de R$ 50 mil. Na realidade, existe uma compreensão do governo brasi­leiro de que uma nova tecnologia como o carro elétrico poderia tirar de cena o etanol, o que parece ser algo equivocado, pois existiria a possibili-

dade de agregação sem exclusão. Os desafios para a introdução dos veículos elétricos no mercado mundial, nas suas mais diversas modalidades, são imensos. Novos componentes deverão ser projetados, um novo conceito de “postos de abastecimento” deverá ser implantado, e a infraestrutura de energia elétrica deverá ser adaptada e expandida; logo, um novo conjunto de normas sociais deverá ser desenvolvido. Segundo Fiani, “(...) as normas sociais – que emergem espontaneamente na sociedade - têm a capacidade de estabelecer e garantir regras que favoreçam as mudanças necessárias ao desenvolvimento, ao minimizarem as possibilidades de atua­ção oportunista e com isso reduzirem os custos de transação” (2011, p. 141). No caso dos carros elétricos, como mencionado anteriormente, uma série de investimentos complementares deve ser realizada ao longo de sua cadeia produtiva. Entretanto, no momento da realização desses investimentos, se os agentes envolvidos começarem a atuar de forma oportunista, tentando obter condições mais vantajosas, o processo de desenvolvimento dos veículos movidos à energia elétrica pode ser comprometido, ou até mesmo fracassar. Assim, as normas sociais devem evitar o comportamento oportunista como algo que caminha em direção oposta ao comportamento cooperativo. Adicionalmente, como em toda tecnologia inovadora, mecanismos de incentivos e de fomento deverão ser, necessariamente, implementados em prol dos elétricos. Assim, uma nova indústria automobilística está a caminho, com novos postos de trabalho, exigindo

Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico

também novas qualificações. Fica clara a importância da participação do Estado no desenvolvimento e difusão desses veículos. Dietrich Rueschemeyer e Peter Evans (1985) identificam três motivos para a necessidade da intervenção do Estado no sistema econômico, que não são necessariamente independentes: (i) superação de falhas de mercado; (ii) superação de resistências sociais ao processo de desenvolvimento econômico; e (iii) superação de resistências sociais à redistribuição de renda na sociedade. No que se refere aos veículos elétricos, a intervenção do Estado na superação de falhas de mercado é extremamente cabível. Percebe-se claramente que o setor automobilístico, enquanto arranjo institucional, neces­ sita de apoio governamental para tornar viável um produto com tecnologia não convencional, mas que tem que ser vislumbrada, considerando uma futura mudança motivada pela grande preocupação com as questões ambientais. Políticas públicas vêm tornando mais rígidas as leis quanto à emissão de gases veiculares como o dióxido de carbono. Douglass North e Lance E. Davis (1971) definem ambiente institucional como “(...) o conjunto de regras fundamentais de natureza política, social e legal, que estabelece a base para a produção, a troca e a distribuição” (1971, p.6). Rueschemeyer e Evans reconhecem que a tensão entre agir de acordo com o interesse geral da sociedade e agir como instrumento de dominação de grupos mais poderosos é intrínseca ao funcionamento do Estado. Sendo assim, faz

137

parte do Estado ser, simultaneamente, agente do bem comum e promotor de interesses particulares. Como argumentam os autores, “(...) deve-se reconhe­ cer que a ação do Estado, em apoio às tarefas fundamentais, muito provavelmente também tem implicações loca­ lizadas” (1985, p. 48). De fato, quando o Estado promove o bem comum, que engloba os objetivos mais gerais da sociedade, as suas ações têm, frequentemente, resultados que são apropriados como benefícios por agentes particulares. Desta forma, a difusão dos veículos elétricos, que beneficia toda a sociedade, gera, ao mesmo tempo, ganhos expressivos, não somente na indústria automobilística, como também em uma indústria nas­ cente de baterias, de postos de recarga e no setor energético, Pode-se dizer que a importância do Estado na formação desse novo paradigma tecnológico é primordial. Necessita-se, para sua alavancagem, de um Estado Desenvolvimentista, que, na compreensão de Peter Evans (2004), é aquele que consegue combinar autonomia e parceria. Segundo Rueschemeyer e Evans, por autonomia entende-se que o “Estado deve adquirir certo grau de autonomia relativa da classe dominante com o objetivo de promover efetivamente a transformação econômica, sendo que essa autonomia relativa seria necessária não apenas para formular objetivos coletivos, mas para implementá-los também” (ibid, p. 49). Logo, é imprescindível a parceria do Estado com os agentes privados; no caso, a parceria com as empresas privadas que estão investindo na produção

138

ÁQUILA • REVISTA INTERDISCIPLINAR UVA • RIO DE JANEIRO/2013 • ANO IV (N 8) 127-139

dos carros elétricos é fundamental para a promoção do seu desenvolvimento. O fato é que apenas incentivos fiscais podem não ser suficientes para aumentar as vendas dos veículos em questão. Embora países europeus e os Estados Unidos disponibilizem incentivos fiscais para este tipo de carro, eles ainda não são atraentes aos consumidores. O consumo desses veículos é afetado pela ausência de infraestrutura. Os consumidores ficam inseguros em adquirir um carro elétrico já que não sabem onde irão abastecê-lo. Portanto, os incentivos são relevantes, mas a criação de uma infraestrutura é primordial e o Estado, em cooperação com os agentes privados, deve criar condições reais não somente para o desenvolvimento tecnológico do veículo movido a energia elétrica, como também para sua difusão. Fica claro que os condicionantes técnicos, como a P&D em baterias; os condicionantes econômicos, como os ganhos gerados para o setor automobilístico e para uma indústria nascente de baterias, de postos de recarga e para o setor energético e, principalmente, os condicionantes institucionais como a cooperação e parceria entre empresas privadas e o Estado podem provocar um novo direcionamento para o setor automobilístico.

4. Conclusão A indústria automobilística está em um ponto decisivo, depois de mais de 100 anos de história, com a perspectiva de um novo paradigma tecnológico. O motor a combustão interna poderá estar presente nos próximos anos, mas o início desta década de 2010 pode marcar seu declínio. Se a indústria reverter seu curso, como parece ser possível, a cada ano, novos avanços poderão ocorrer em relação aos carros totalmente e recarregá-los será mais natural do que parar para abastecer um carro, como se faz atualmente. Entretanto, é extremamente necessário que haja uma inte­ gração entre empresas privadas e go­ verno para o desenvolvimento de ativos complementares que envolvam o carro elétrico, especialmente a infraestrutura de abastecimento e a maior autonomia das baterias, além de incentivos fiscais e regulação ambiental. A difusão do carro elétrico vai ao encontro das atuais preocupações da sociedade quanto à preservação dos recursos naturais, do ar e da água. O carro elétrico corrobora, então, o momento atual de se buscar desenvolver produtos que não agridam o meio ambiente. Desta forma, a ação governamental, tanto no que se refere à regulamentação ambiental quanto no referente aos incentivos fiscais e à criação de uma infraestrutura que viabilize os carros elétricos, é necessária para trilhar um rumo sólido para esses veículos.

Condicionantes relevantes para a difusão do carro elétrico

139

Referências COWAN, R. & HULTÉN, S. Escape lockin: the case of the electric vehicle. Technological Forecasting and Social Change. Volume 53, n. 1. Ontario, 1996. DAVIS, Lance & NORTH, Douglass C. Institutional change and american economic growth. Cambridge: Cambridge University Press, 1971. DOSI, G. The Nature of the innovative process. In: DOSI, G.; FREEMAN, C.; NELSON, R. SILVERBERG, G. & SOETE, L.(eds). Technical Change and Economic Theory. Londres: Pinter, 1988. ERBER, Pietro. Automóveis elétricos a bateria uma política para sua utilização no Brasil. Estratégia de Implantação do Carro Elétrico no Brasil versão preliminar. Estudos e Pesquisas. Número 168..Rio de Janeiro, 2010. Disponível em:http:// www.inovacao.unicamp.br/report/intecarroeletrico-FN100712.pdf. Acesso em 26 de julho de 2012. EVANS, Peter. Autonomia e parceria. Estados e transformação industrial. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. FIANI, Ronaldo. Cooperação e conflito: instituições e desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. FREEMAN, Cristopher. Inovação e ciclos longos de desenvolvimento econômico. Ensaios FEE. Volume 5, n. 1. Porto Alegre, 1984. GE REPORTS BRASIL. Vai abastecer? Põe eletricidade. Disponível em: http:// www.brazil.geoblogs.com/vai-abastecerpoe-eletricidade. Acesso em 12 de julho de 2012. NELSON, R. & WINTER S. An Evolutionary Theory of Economic Change.

Cambridge, Mass: Harvard University Press, 1982. NOTÍCIAS AUTOMOTIVAS. Vision. M: Alemanha em busca do carro elétrico viável. Disponível em: http://www. noticiasautomotivas.com.br/vision-malemanha-em-busca-do-carro-eletricoviavel/. Acesso em 16 de julho de 2012. ROGERS, E; SCHOEMAKER, F. Communication of Innovations: a Cross Cultural Approach. Nova Iorque: Free Press, 1971. RUESCHEMEYER, Dietrich & EVANS, Peter B. The state and economic transformation: toward an analysis of the conditions underlying effective intervention. EVANS, Peter B.; RUESCHEMEYER, Dietrich; SKOCPOL, Theda. Bringing the state back in. Cambridge: Cambridge University Press, 1985. SCHUMPETER, Joseph Alois. The theory of economic development. Cambridge, MA: Harvard University Press. 1951. SMARTGRID NEWS. O que é Smart Grid? Disponível em: http://smartgridnews.com.br/o-que-e-smart-grid. Acesso em 12 de julho de 2012. TEECE, D. J. Profiting from technological innovation, Research Policy, 15(6), pp. 285-305, 1986. TIGRE, Paulo Bastos. Gestão da inovação: a economia da tecnologia no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. VEICULOSELECCTRICOSPT. Carros elétricos na Dinamarca. Disponível em: http://www.veiculoselectricospt.com/carros-electricos-na-dinamarca. Acesso em 14 de dezembro de 2011.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.