CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE E CRITÉRIOS PARTIDÁRIOS DE ESCOLHA

June 7, 2017 | Autor: A. Soares da Costa | Categoria: Direito Eleitoral, Inelegibilidade, Condições de elegibilidade
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CONDIÇÕES DE ELEGIBILIDADE E CRITÉRIOS  PARTIDÁRIOS DE ESCOLHA          ADRIANO SOARES DA COSTA  Presidente da Instituição Brasileira de Direito  Público ‐ IBDPub. Membro da Associação Brasileira  de Direito Processual – ABDPro. Advogado.         

0. Condições de elegibilidade. Natureza jurídica​ .   

Os  efeitos  jurídicos  são  sempre  efeitos  de  fatos  jurídicos.  Não nascem apenas de puros fatos,  antes  da  juridicização  daqueles  descritos  no  antecedente  da  norma  jurídica.  Os  pressupostos  para  que  um  ato  jurídico  nasça  são  condições,  elementos  do  seu  suporte  fático.  Os  fatos  que  compõem  o  suporte  fático  podem  ser  fatos  da  vida,  sem  o  timbre  da  juridicidade,  ou  mesmo  fatos já juridicizados por outra norma jurídica e situações jurídicas preexistentes.  Os  direitos  subjetivos,  efeitos  jurídicos  que  são,  dimanam  de  fatos  jurídicos.  Se  há  direito  punctualizado  na  esfera  jurídica  de  alguém,  subjetivando­se,  é porque necessariamente houve  fato jurídico anterior fazendo­o nascer.  O  direito  de  ser  votado  é  um  direito  público  subjetivo.  Direito  absoluto,  exercitável  em  face  de  todos,  o  ​ alter​ ,  que figura no polo passivo da relação jurídica básica. O fato jurídico que faz  nascer  a  elegibilidade,  o  direito  de  ser  votado,  é  o  registro  de  candidatura.  Antes  deste  ato  jurídico  ​ stricto  sensu  da  Justiça  Eleitoral,  deferindo  o  pedido  de  registro,  não há fato jurídico  tampouco  efeitos  jurídicos  firmes,  definitivos.  Nada  obstante,  o  pedido  de  registro  de  candidatura  gera  efeitos  jurídicos  expectativos,  ditos preliminares. Por comodidade da Justiça  Eleitoral,  mesmo  que  ainda  não  tenha  nascido  o  direito  de  ser  votado,  a  elegibilidade,  o  nacional passa a exercer faculdades ​ como se​  fosse candidato.   

Entre  o  pedido  de  registro  e  o  registro  deferido  há  o  que  Pontes  de  Miranda  denominou  de  preformas  jurídicas​ ,  ou  seja,  fatos  que  geram  situações jurídicas preliminares, enquanto o ato  jurídico  não  se  dá,  não  tendo  restado  consumada  a  incidência  da  norma  jurídica,  a  juridicização  do  fato  jurídico  ​ expectado​ .  Antes  do  ato  jurídico  de  registro  e  após o pedido de  registro  de  candidatura,  nesse  entremeio,  temos  efeitos  jurídicos  preliminares  interimísticos1,  2 em  que  faculdades  são  exercidas  como  conteúdo  de  um  direito  subjetivo  ainda  não  nascido ​ .  As  ​ preformas  jurídicas  geram  situações  jurídicas  provisórias  que  poderão,  ocorridos  os  fatos  jurídicos  expectados,  tornarem­se  situações  jurídicas  perfeitas  "em  toda  a  sua  composição  3 essencial" ​ .  Para  que  o  ato  jurídico  de  registro  de candidatura se consuma é preciso que estejam presentes  todas  as  condições  de  elegibilidade,  tanto  aquelas  tarifadas  na  Constituição  Federal com essa  designação  (art.14,  §  3º,  da  CF),  como  aquelas  que  não  foram  sistematicamente  assim  tratadas,  dispersas  que   estão  na  própria  Constituição  e  na  legislação  infraconstitucional.  Denomino as condições de elegibilidade arroladas de ​ próprias​ , sendo ​ impróprias ​ as demais.  O  primeiro  aspecto  que  temos  que  ter  presente,  portanto,  é  que  as  condições de elegibilidade  são  pressupostos  do  ato  jurídico  de  registro  de   candidatura,  razão  pela  qual  as  denominei  de  4 condições  de  registrabilidade ​ .  A  par  delas,  há  os  ​ pressupostos  de  procedibilidade​ ,  de  natureza  administrativa,  que  dizem  respeito  ao  procedimento  do  pedido  de  registro  de  candidatura.   

1. Condições de elegibilidade constitucionais e infraconstitucionais.   

As  condições  de  elegibilidade  previstas  na  Constituição Federal são as típicas: nacionalidade,  alistamento  eleitoral,  pleno  exercício  dos  direitos  políticos,  domicílio  eleitoral,  filiação  a  partido  político  e  idade  mínima  exigível,  previstas  no  art.14,  §  3º, da CF/88. Além dessas, há 

 ​ A  palavra  "interimístico" não é  de uso  corrente na língua portuguesa,  mas provém ela do  latim, usada no  direito   canônico   e  pelos  pandectistas.  Vide,  como  exemplo,  a  obra  de  GUMPRECHT,  Johann  Christoph.  ​ Disputatio  inauguraris  de  tutore interimistico​ , obra de 1682. No espanhol antigo  também tinha uso vulgar, fora  do direito,  para referir‐se a situações  interinas, provisórias, aguardando  eventualmente provenham as definitivas. Pontes de  Miranda fez uso dela, conforme o direito alemão.  2  MIRANDA, F. C.  Pontes. ​ Tratado de direito privado.  ​ Tomo XXXII, 3ª ed., Rio  de Janeiro: Boroi, 1971, pp.14‐15, fala  sobre  as  ​ preformas   ​ jurídicas:  "Enquanto  não  surte   efeito  definitivo,  por  mercê de outros  elementos,  a relação  jurídica  de  obrigação  não  se  compõe,  não  se  apresenta,  não  ​ é​ .  Os  efeitos  anteriores  não  são  indiferentes  ao  direito,  porque   entre  o  ​ direito  e  o  ​ não‐direito não há antítese pura e irredutível: entre um e  outro há diversas  situações um tanto jurídicas, que vão de um mínimo a um máximo."  3  MIRANDA, F. C. Pontes. ​ Tratado de direito privado. ​ Tomo XXXII, cit., p.16.  4   Alguns  autores  passaram  a   usar  a  expressão  ​ condições  de  registrabilidade  para  designar  os  pressupostos de  procedibilidade do pedido de registro de candidatura. Chamo a atenção para evitar polissemia.  1

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as  atípicas  constitucionais:  desincompatibilização,  alfabetização  em  sentido  débil  e  a  alistabilidade.  Há  condições  de  elegibilidade  atípicas  infraconstitucionais:  a  indicação  em  convenção  partidária,  o  prazo  mínimo  de  filiação  partidária,  o  prazo   mínimo  de  domicílio  eleitoral  na  circunscrição do pleito e desincompatibilização prevista em lei complementar.  A  certidão  de  quitação  com  a  Justiça  Eleitoral  bem  poderia  ser  havida  como  condição  de  elegibilidade,  mas  dela não se  trata. É que as condições de elegibilidade são pressupostos para  que  o  ato  jurídico  do  registro  ocorra;  a  ausência  de  certidão  eleitoral  tem  natureza  sancionatória,  cujo  efeito  consiste  justamente  em  impedir  que  o  registro  de   dê,  ​ apesar  da  presença  de  todos  os  seus  pressupostos​ .  Trata­se  de   efeito  de  fato  jurídico  ilícito  que  visa  obstaculizar o deferimento do registro de candidatura.  Convém  que  não  se  turbem  os  conceitos,  ainda  que  aparentemente  idênticos,   evitando  encambulhem­se  o  lícito  e  o  ilícito,  algaraviando  o  sistema  jurídico  e  as  suas  estruturas  lógicas.  As  condições  de  elegibilidade  infraconstitucionais  podem  encher  o  conceito  daquelas  condições  de  elegibilidade  constitucionais.  O  conceito  de  domicílio  eleitoral,  por  exemplo,  é  estipulado  por  norma  do  Código  Eleitoral  de  1965,  que  foi  recepcionada  pela  atual  Carta.  A  mudança  dos  elementos  que  componham  o  conceito  de  domicílio  eleitoral  pode  ser  feita  por  lei  ordinária, nada obstante sem desvirtuar significações mínimas assumidas pela Constituição  e  presentes  na  comunidade  do  discurso.  O  mesmo  ocorre  com  o  conceito  de  filiação  partidária,  que  já  foi  por  homologação  da  Justiça  Eleitoral  e  passou  a  ser  ato  interno  do  partido  político,  apenas  noticiado  à  Justiça  Eleitoral  nas  datas  determinadas   por  lei.  O  prazo  mínimo  para um e outra é legal: cumpre a lei fixar as condições de elegibilidade, não podendo  haver delegação para outro instrumento, muito menos para atos negociais.  Assente­se,  pois:  apenas  a  Constituição  e  a  legislação  infraconstitucional  podem  hipotisar  condições  de  elegibilidade,  é  dizer,  sempre  por  norma  heterônoma  e  que  não  debilite  o  exercício pleno da soberania popular.   

2. Disposições intrapartidárias para definição de candidatos (critérios de escolha).   

A  Constituição  Federal  deu   autonomia  aos  partidos  políticos,  consoante  previsto  no  seu  art.17,  §  1º,  que  se  consubstancia  no  poder  de  definir  sua  estrutura   interna,  organização  e  funcionamento  e  para  adotar  os  critérios  de  escolha  e  o  regime  de  suas  coligações  eleitorais,  sem  obrigatoriedade  de  vinculação  entre  as  candidaturas  em  âmbito  nacional,  estadual,  distrital  ou  municipal,  devendo  seus  estatutos  estabelecer  normas  de  disciplina  e  fidelidade  partidária.  2/7 

A  lei  dos  partidos  políticos  regulamentou  o  exercício  da  autonomia  dos  partidos,  estabelecendo,  tal  qual  já  expressamente  autorizado   pelo  texto  constitucional,  que  pudessem  os  seus  estatutos  disciplinar  condições  e  forma  de  escolha  de  seus  candidatos  a  cargos  e  funções  eletivas.  É  dizer,  autorizou  que  os  partidos  políticos,  exercendo   a  autonomia  da  vontade  dos  seus  membros,  estabelecessem,  além  das  condições de elegibilidade, ​ critérios de  escolha dos filiados​  para concorrerem a mandatos eletivos (art.15, VI, da Lei nº 9.096/95).  Dentre  as  normas  fixadas  pelo  estatuto  para  os  seus  filiados,  autorizou­se  expressamente  ao  partido  político  estabelecer  prazos  de  filiação  partidária  superiores  aos  previstos  naquela  lei,  com  vistas  a  candidatura  a  cargos  eletivos  (art.20,  ​ caput​ ,  da  Lei   nº 9.096/95). Não se trata de  condição  de  elegibilidade  criada  por  partido  político,  porém  de  ​ critério  de  escolha  dos  seus  filiados  em  convenção  partidária​ .  A  natureza  da  norma  é  estatutária,  afeta  aos  membros  da  agremiação para a sua disciplina interna.  Fixado  pelo  partido  político  um  prazo  de  filiação  mais  largo  do  que  a  condição  de  elegibilidade  estabelecida  por  lei,  não  poderá  o  estatuto  modificá­lo  em  ano  eleitoral  (art.20,  par. ún., da Lei nº 9.096/95), protegendo­se assim eventuais minorias em desfavor de maiorias  que  queiram  impor  filiados  mais  modernos,  de  ocasião,  nas  convenções  partidárias. A norma  legal  que  deixa  aos  partidos  políticos  um  espaço  em  branco  para  que   possam   estabelecer  critérios  internos  para   a  escolha  dos  seus  filiados  –  que  comporão  a  lista  de  candidatos  ­ não  transmuda normas estatutárias em normas de natureza legal; trata­se de norma convencional, é  dizer, proposição prescritiva disposta por meio do exercício da autonomia da vontade  dos seus  membros.  Assim,  temos  a  condição  de  elegibilidade heterônoma do prazo legal de filiação partidária, de  uma  mão,  e  temos,  de   outra  mão,  o  critério  autônomo  do  prazo  estatutário  de  filiação  partidária.  Ali,  exigível  de  todos  os  nacionais  que  promovam  o  pedido  de  registro  de  candidatura;  aqui,  exigível  internamente  de  todos  os  filiados  para  serem  indicados  em  convenção  partidária.  Ali,  norma  cogente  que  não  pode  ser transposta por nenhum  nacional e  deve  ser  conhecida  de  ofício  pela  Justiça  Eleitoral;  aqui,  norma  estatutária  não­cogente,  porém  invocável  por  qualquer  filiado para exigir o respeito à disciplina partidária. Se nenhum  filiado  se sentir prejudicado ou se  ninguém  desejar que a norma não­cogente seja observada, a  indicação  em  convenção  de  filiado  com  prazo  menor  do  que  o  exigido  pelo estatuto é eficaz,  posto seja anulável. A anulabilidade ­ consabemos ­ é invalidade relativa derrotável.  Note­se:  a  violação   à  norma  cogente  faz  nulo  o  ato,  posto  eventualmente  tenha  efeitos  5 putativos;  a  infração  à  norma  estatutária  faz  anulável  o  ato,  tendo  ​ efeitos  interimísticos ​ ,  é  dizer,  interinos  que  poderão,  após  certo  tempo,  vir  a  ser  definitivos.  A  anulabilidade  do  ato  jurídico  decorre  de  vício  menos  grave,  dentre  os  quais o de assentimento de outrem. Se havia  impedimento  ajustado  entre  as  partes  a  que  se  exercitasse  poder  ​ a  partir  dali  e  houve  o  seu   Sobre a eficácia interimística  do anulável, vide:  MIRANDA,  F. C. Pontes.  ​ Tratado  de direito privado. ​ Tomo IV, 2ª  ed., Rio de Janeiro: Borsoi, 1954, p.35, ​ passim​ .  5

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exercício,  há  desconformidade  que  torna  anulável o ato ­ acaso  os que ajustaram até onde ia o  poder o impugnem. Sem impugnação, os efeitos jurídicos consolidam­se.  A  norma  do  art.20,  par.  ún.,  da  Lei  dos  Partidos  Políticos  limita  a  mudança  estatutária  dos  critérios  de  prazo  de  filiação  para  os  filiados pleitearem a  indicação em convenção partidária.  Com  isso,  gera  direito  subjetivo  aos  filiados  que  cumpram  aquele prazo mínimo estabelecido  no  estatuto  como  critério  prazal  de  indicabilidade  em  convenção  partidária  e  imodificável  dentro  do  prazo  de   um  ano  que  antecede  o  pleito  eleitoral.  Direito  subjetivo,  aliás,  de  todo  e  qualquer outro filiado que exija o cumprimento do estatuto.  O  critério  estatutário  de  prazo  de  filiação  é  norma  autônoma  não­cogente,  supletiva  da  lei,  porém  vinculante.   A  ​ vinculabilidade  ​ é  efeito  mínimo  dos  negócios  jurídicos,  aliás.  A  manifestação  de   vontade  do  negócio  jurídico  plurilateral  que  é  o  estatuto  partidário  gera  vinculação  entre  os   que  manifestaram  vontade; vinculam­se entre si, sem desborde de efeitos.  O  descumprimento  da  cláusula  ou  norma  estatutária  vicia  o  ato,  sendo  passível  de  ser  invalidado.  A  anulabilidade  não  lhe  impede  os  efeitos  da  convenção  registrada  em  ata  com a  nominata  dos  filiados  indicados  a  se   candidatar,  que  nascem,  os  efeitos,  desde   já,  interimisticamente.  Em  miúdos:  o  prazo  de  filiação  estipulado  como  condição  de elegibilidade é intransponível e  de  observância   obrigatória  para  todos  os  que  desejam  se  candidatar,  independentemente  do  partido  a que estejam filiados. O prazo que o partido eventualmente crie em seu estatuto como  critério  para  o  filiado  pleitear,  em convenção partidária, a sua escolha pelos demais filiados, é  exigível  internamente,  nada  obstante  seja  transponível,  derrotável,  se  não  houver  a  sua  invocação  interna,  a  exigibilidade  da sua observância. O ato de indicação de quem tem menos  tempo  de  filiação  do  que aquele fixado no estatuto é anulável pelos demais filiados; mas o ato  anulável tem eficácia plena enquanto não desconstituído no tempo oportuno.   É  erro  palmar:  a)  confundir  os  critérios  autônomos  estatutários  criados  para   a  escolha  de  candidatos  e  as  condições  de  elegibilidade;  b)  tratar  as  normas   estatutárias  como  normas  cogentes  e  heterônomas;  c)  outorgar a quem não é do partido legitimidade para impugnar atos  em  desconformidade  com  as  normas  estatutárias  autônomas  e  supletivas  e,  por   isso  mesmo,  apenas  anuláveis,  ­  por  desatenção  ao  que  se  passa  no  plano  da  validade  dos  fatos  jurídicos,  que separa o nulo e o anulável.   

3. Há direito fundamental à observância do prazo estatutário de filiação?   

Norma  estatutária  não  cria  condição  de  elegibilidade.  Os   pressupostos  de  registrabilidade  ou  são  constitucionais  ou  são  legais.  A   sua  disciplina  protege  o  regime  democrático, 

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estabelecendo­se  critérios  mínimos  a  serem  observados  pelos  nacionais  que  desejem  concorrer a um mandato eletivo.  Como  dissemos,  dada  a  autonomia  dos  partidos  políticos,   a  Constituição   e  a  lei  partidária  estabeleceram  os  limites  até  onde  haveria  o  exercício  legítimo  da  sua  livre  organização,  deixando  à  discricionariedade  dos  seus  membros  a  normatização  da  sua  estrutura,  procedimentos,  pressupostos  de  filiação,  causas  e  meios  de  expulsão,  bem  como  critérios  de  escolha dos filiados a serem indicados em convenção para se candidatar.  Dada  a  natureza  semipública  dos  partidos  políticos,  essenciais  que  são  à  democracia,  seria  legítimo  se  perguntar  se  a  ​ observância  ou  inobservância  das  disposições  estabelecidas  em  seus  estatutos  registrados,  que  disciplinam   as  suas  resoluções  internas,  poderiam  ser  sindicadas  pelo  Poder  Judiciário  ou  por  terceiros  estranhos  ao  próprio  partido.  Se  a  norma  estatutária  estabelecesse,  por  exemplo, que apenas poderiam  ser filiados àquele partido os que  professassem  a  fé  cristã  e,  sem  embargo,  fosse  filiado  um  muçulmano  ou  um  ateu  militante,  seria  possível  a  terceiros  estranhos  ao  partido,  invocando  a  norma  estatutária,  impugnar  a  filiação anulável?  Suponhamos  que  o  estatuto  do  partido  político  estabelecesse  que  não  poderiam  ser  lançados  candidatos,  em  uma   mesma  eleição,  parentes  até  o  terceiro  grau,  independentemente  do  mandato  em  disputa,  e  a  convenção  deliberasse  que  dois  irmãos  concorressem  no  mesmo  prélio  a  mandatos  iguais  ou  distintos,  poderia  um  terceiro  estranho  ao  partido  político  ou  o  Ministério Público Eleitoral impugnar essas candidaturas, invocando a norma estatutária?  Imaginemos  que  um  partido  disponha que não poderão ser indicados em convenção partidária  os  filiados  que  estiverem   sendo  investigados  em  inquérito  policial  ou  que respondam a ações  criminais  ou  de  improbidade   administrativa,  nada  obstante  tenham  sido  indicados  em  convenção  candidatos  que se enquadrariam nesse impedimento estatutário, poderiam terceiros  ou  o  Ministério  Público  propor  a  impugnação   de  candidatura  com  base  nessa  norma  interna  do partido?  Ora,  os  ​ filtros  partidários  para  a  escolha  de  filiados  em  convenção  são  filtros  internos,  exercitáveis  e   exigíveis  pelos  que  fazem  parte  do  partido   político.  O  ato   de  escolha  de  candidatos  em  desconformidade  com  os  requisitos  estatutários  é  anulável,  porque  o  vício  de  que  são  portadores  é  vício  na  intimidade  do  partido,  desatendimento  aos  filtros  voluntariamente estabelecidos para a economia interna da agremiação.  Invocar  um  pressuposto  direito  fundamental  de  todos  a fazer cumprir as normas  estatutárias é  dar  um  passo  largo  na  invasão  da  esfera  de  autonomia  orgânica  da  vida  partidária,  relativizando   a  sua  autonomia  e  transformando  normas  estatutárias  em   cogentes  e  heterônomas.  Mais  ainda:  seria  invadir  a  vida  do  partido  sem  estar  com  ele   comprometido,  subordinado  ou  envolvido;  tratar­se­ia  de  ​ controle  externo  em  seu  prejuízo​ ,  não  de  ​ controle  interno para o seu aperfeiçoamento​ .  5/7 

Todos  os  argumentos  dos  que  absolutizam   as  normas  partidárias  sobre  prazo  de  filiação  partem  de  uma  leitura  chapada  art.20  da  Lei  nº  9.096/95,  vendo  ali  a  delegação  dada  ao   partido  para  a  criação  de  nova  condição  de  elegibilidade ou para a modificação ampliativa de  uma  já  existente,  sem  se  darem  conta  da  natureza  jurídica  dos  partidos  políticos,  da  natureza  negocial  dos  seus  estatutos  e  da  vinculação  das  normas  estatutárias  relativas  aos  associados  apenas, que declararam vontade de a elas se submeterem nos procedimentos ​ interna corporis​ .   

4. Conclusão.   

As  interpretações   às  normas  da  lei  dos  partidos  políticos  que  emasculem  a  autonomia  conferida  pelo  art.17  da  CF/88  são  inconstitucionais.  Tanto  pior  quando são elas fundadas na  invocação  de  princípios  etéreos,  frouxos  semanticamente,  invocáveis  para  fundamentar  qualquer solução que se acomode à ideologia de quem os exiba discursivamente.  Com  muito  maior  razão,  deve­se  relativizar  ainda  mais  a  anulabilidade  das  decisões  partidárias  em  convenção  para a escolha de candidato, quando  decorrente da inobservância de  normas  estatutárias  cujo  fundamento  de  validade  sofreu  modificação.  A  ausência  de  adaptação  do  estatuto  ao  novo  regime  jurídico,  por  exemplo,  não  pode  ser  interpretada  ­  em  dadas  circunstâncias ­ como manifestação tácita de vontade de permanecer naquele regime até  então  em  vigor,  ainda  mais  quando  acolhe  ­  em  janela  aberta  casuisticamente  por  norma  jurídica  de  natureza  constitucional  de eficácia provisória ­ filiados de outros partidos políticos  titulares  de  mandatos  eletivos,  cuja  mudança  se  deu  pela  possibilidade  de  disputarem  validamente  a  indicação  em  convenção partidária. Aí há expressa manifestação de vontade do  partido:  filia­se  quem  tem  mandato  para  disputar  a  indicação  e  concorrer  como  candidato  do  próprio partido receptor.  Interpretar   de outro modo seria usar contra o partido político, em favor de outras agremiações,  normas  estatutárias  que  visam  proteger  os  seus  interesses  e  que  apenas  podem  ser  invocadas  por quem as estabeleceu por meio de manifestação de vontade e ingresso na associação.     

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