\"Conectar\" e \"compartilhar\": por uma pastoral inculturada

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por uma pastoral inculturada

A

o longo da história humana, as formas e os códigos da comunicação foram mudando, evoluindo, diversificando-se e complementando-se. Nesse processo, as práticas comunicativas da sociedade sempre foram marcadas pela presença de técnicas e tecnologias, que se desenvolveram cada vez mais, até chegarmos às mídias digitais. Nos dias de hoje, surgem novas formas de comunicação e de relação da sociedade com a própria sociedade graças ao processo de digitalização, uma verdadeira “cultura digital”, que, por sua vez, demanda um processo de inculturação por parte da Igreja nesse contexto social renovado. Em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (2003), o papa Francisco (1936-) ajuda-nos a compreender a inculturação a partir de um ponto de vista diferente, quase em sentido oposto ao senso comum. Segundo ele, “pela inculturação, a Igreja ‘introduz os povos com as suas culturas na sua própria comunidade’, porque ‘cada cultura oferece formas e valores positivos que podem enriquecer o modo como o Evangelho é pregado, compreendido e vivido’. O Mensageiro de Santo Antônio

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Assim, ‘a Igreja, assumindo os valores das diversas culturas, torna-se a noiva que se adorna com suas joias’ (cf. Is 61,10)” (EG n. 116). Ou seja, inculturar não é um movimento apenas de evangelizar a cultura, mas também de se deixar evangelizar por ela, a partir de suas “formas e valores positivos”. E quais seriam as contribuições que a cultura digital, especificamente, pode dar à Igreja e à pastoral hoje? Em síntese, as palavras-chave da cultura digital são conexão e compartilhamento. “As novas tecnologias permitem que as pessoas se encontrem para além das fronteiras de tempo e espaço e das próprias culturas”, afirma o Diretório de Comunicação da Igreja no Brasil (DCIB).1 As relações entre as pessoas se dão a qualquer hora e em qualquer lugar, e as culturas se atravessam e se enriquecem mediante a partilha de símbolos e valores. Por isso, é importante refletir sobre como essas ideias podem contribuir na prática pastoral. Os tempos recentes foram marcados por inovações tecnológicas que possibilitaram

uma nova articulação da sociedade consigo mesma. A noção de rede encarnou-se em diversos âmbitos da vida comum: começando pelas relações institucionais e pessoais (redes educacionais e científicas), passando pelo transporte físico (redes de trens, automóveis, aviões) e também pelo transporte simbólico de informações (das redes de telégrafo até as redes de informação eletrônicas). Mas tal noção não é uma novidade na história humana. As “redes sociais” sempre existiram: não poderíamos pensar as comunidades do apóstolo Paulo (5-64), espalhadas pelo Mar Mediterrâneo, sem a construção e a manutenção de redes sociais. Na vida da Igreja, isso também é verdade: a própria “paróquia está unida a outras paróquias da diocese. Igualmente, ela está inserida na sociedade da qual recebe e à qual oferece influências. É falsa, portanto, a concepção de paróquia como sendo um todo em si mesmo, formando quase uma comunidade autônoma”.2 A paróquia, em si mesma, também é uma rede e só ganha sentido pastoral e missionário por fazer parte de redes mais amplas – a diocese, a

Igreja, a sociedade em geral. A partir desse panorama, a Igreja convida os cristãos e as cristãs espalhados por todo o território nacional a se reconhecerem como uma “comunidade de comunidades”, uma “rede de redes”, uma comunidade unida na diversidade e diversa na unidade. Especificamente, a internet colocou no centro da reflexão social o conceito-imagem da “rede”. Desde as primeiras experiências, os estudiosos da informática encontraram uma forma de se manter conectados graças aos avanços tecnológicos, apesar da distância e do tempo, e assim poder trocar informação e conhecimento. Mediante a interconexão de redes digitais (máquinas) e de redes sociais dos mais variados tipos (vínculos humanos), nossa compreensão da sociedade e nossa experiência de mundo foram reinventadas em seu alcance e dimensão. Nesse sentido, as mídias digitais, particularmente a internet, atuam como facilitadoras e realçadoras de redes humanas já existentes. Não vivemos em uma “aldeia global” única e homogênea, como muitas vezes se previa, mas em meio a diversas “aldeias globais” plurais e diversas em conexão e relação. Com a internet e as redes digitais, vai nascendo uma nova forma de relação e de organização das sociedades contemporâneas. “Sendo a base tecnológica da sociedade em rede, a internet constitui o tecido que conecta as relações humanas daqueles que a ela têm acesso”, afirmam os bispos do Brasil (DCIB n. 179). Diferentemente de um edifício, em que, retirada alguma parte de seus fundamentos, tudo desmorona, a rede é uma teia dinâmica, um tecido de eventos inter-relacionados, de relações, no qual não há um fundamento único. Não há um ponto central de sustentação de uma rede: ela não é uma estrutura linear e hierárquica, mas sim “rizomática”, ou seja, ‘em raiz’: retirado ou acrescentado qualquer ponto ou nó, a estrutura da rede se auto-organiza. Assim, todas as partes da rede são fundamentais; todas elas resultam da relação com as outras partes, e são suas inter-relações que modelam a própria estrutura. Não há uma entidade central que controla a rede, mas é o próprio “organismo-rede” que se organiza e reorganiza em sua relação com a realidade. Hoje, afirmam os bispos, “os indivíduos e as instituições sociais contemporâneas estão

pelo espírito colaborativo e cooperativo. constantemente conectados, participando O modo de pensar e agir decorrentes dessa ativamente da construção das informações, atitude interativa exige novas relações na imersos no habitat da comunicação. Essa família, na escola, no trabalho e na Igreja. forma emergente de comunicar tem conseEssa visão requer maior responsabilidade e quências diretas sobre o modo de os cristãos senso ético diante de si mesmo, dos outros serem Igreja e anunciarem o Evangelho. e da sociedade” (DCIB n. 180). Tal atitude participativa e colaborativa é Conexão e compartilhamento, portanto, fundamental para a renovação das ações não são apenas conceitos comunicacionais na Igreja” frios de especialistas para o (DCIB n. 181). Estamos uso de máquinas de ponta. Nesse sentido, “a culAo contrário, são formas de tura participativa e colaem uma rede pensar e viver na cultura borativa, sobretudo com as e somos uma atual. E, “para evangelizar na redes sociais digitais, pede rede de pessoas sociedade contemporânea, é uma revisão dos métodos indispensável compreender pastorais, assim como o vem em comunhão as novas linguagens e práexigindo nos sistemas de em Deus, ticas vivenciadas, a fim de ensino, nos processos polí“conectados” inculturar a mensagem do ticos e na reorganização da Evangelho na cultura digital” sociedade em geral” (DCIB entre nós (DCIB n. 182). Portanto, n. 182), a começar pelo e com Ele, promover uma Pastoral da “pensamento e pela ação “compartilhando” Comunicação atenta à culcompartilhada em rede”. tura digital vai muito além Trata-se de um saber-fazer com todos de criar e administrar uma não centralizado em um os nossos página eletrônica da paróagente específico (bispo, irmãos e irmãs, quia ou da diocese. padre, religioso, leigo, coA tarefa, como aponmunidade, movimento, enespecialmente ta a Evangelii Gaudium, é tre outros), mas distribuído os mais pobres, reconhecer e assumir as e compartilhado entre todos o amor do Pai “formas e valores positivos” os agentes, igualmente impresentes na cultura digital. portantes e necessários. Assim será possível enriqueNa ação pastoral da Igrecer o modo como o Evangelho é pregado, ja, o desafio é colocar em prática uma visão compreendido e vivido hoje, nas mais e uma experiência da fé que leve em conta diversas redes, que também podem ser um a conectividade (não apenas tecnológica) de lugar rico de humanidade, como nos lembra seus vários elementos: não há uma ação, um o papa Francisco, em sua Mensagem para método, um agente imprescindível que possa o Dia Mundial das Comunicações de 2014. fazer tudo sozinho ou um agente acessório que possa ser desprezado. É preciso entender e vivenciar a Pastoral da Comunicação dentro NotaS de uma ampla e diversa “rede de pastorais”, 1 CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO articuladas e organizadas, que permite que BRASIL. Diretório de Comunicação da Igreja a Igreja ponha em prática a missão confiada no Brasil. Documentos da CNBB 99, n. 179. 2 por Jesus a Sua Igreja. Estamos em uma rede ______. Comunidade de comunidades: uma nova paróquia – a conversão pastoral da e somos uma rede de pessoas em comunhão paróquia. Documentos da CNBB 100, n. 28. em Deus, “conectados” entre nós e com Ele, “compartilhando” com todos os nossos irmãos e irmãs, especialmente os mais pobres, o amor do Pai. Moisés Sbardelotto Nesse sentido, como afirma o Diretório, “a interatividade das pessoas com as míJornalista, autor do livro E o verbo se fez bit: a comunicação dias, caracterizada pela autonomia e pelo e a experiência religiosas na protagonismo, exige cada vez mais relações internet (Santuário) de respeito, diálogo e amizade marcadas O Mensageiro de Santo Antônio Julho/Agosto d e 2 0 1 5

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“Conectar” e “compartilhar”

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