CONEXÕES E CAMINHOS CRÍTICOS DE UMA ITCP (UMA PROPOSTA DE ANARQUISMO METODOLÓGICO) 1

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CONEXÕES E CAMINHOS CRÍTICOS DE UMA ITCP (UMA PROPOSTA DE ANARQUISMO METODOLÓGICO)1 Síntese Ricardo T. Neder Lua Isis Braga Margas Priscilla Normando

O projeto teve como ponto chave (na sua origem em 2013) a criação de uma Incubadora de Tecnologia Social e Economia Solidária para Cooperativas Populares na Universidade de Brasília, sediada no Faculdade UnB Planaltina. Este espaço foi construido institucionalmente; hoje a ITCP opera processos de incubação segundo 4 eixos de ações com os grupos incubados que envolvem mobilização de apoios e fomentos, articulações e criação de vínculos entre as pessoas, com o uso de um conjunto de elementos, vivências, experiências dos agentes sociais, e de técnico e pesquisadores.

Um primeiro eixo pode ser identificado como o núcleo estruturante da documentação (NED) marcado pela característica de apoio por exemplo a um grupo de produtores agroecológicos em Brasília que precisava se formalizar como cooperativa popular e não dominavam todos os aspectos administrativos, fiscal, tributário, etc. O NED equivale à função básica de uma ITCP apoiar a parte documental (geralmente um gargalo) para gerar as condições que impulsionam o fomento associativo.

1. Os trabalhos aqui relatados decorrem de projeto apoiado pelo edital 89/2013 linha B SENAES/MTE e executados com gestão do CNPq. (Proc. 420377/2013-1)

O segundo núcleo é o da matriz de articulação para governança (MAGO) um conjunto de esforços para construção de uma direção político-organizativa própria do grupo incubado que vai muito além do NED. Metodologicamente equivale a identificar os pontos fracos da organização real dos agentes sociais, buscar incidir sobre mudanças co-participativamente, e destacar a necessidade de o grupo se guiar por princípios mais amplos para cada segmento (produtor, comercial, finanças, divulgação e comunicação) em somatório com ações de enlace ou articulação entre ações socioculturais e de formação sociotécnica, com as dificuldades inerentes a cada grupo focal (entendido como um grupo escolhido para ser foco de atenção da Incubadora em meio a toda sorte de dificuldades para manter as pessoas neste grupo). A MAGO é uma metodologia de pesquisa-ação participativa (com base no interacionismo simbólico, etnometodologia ou microssociologia): busca mais ouvir e evitar direcionar; interagir mais do que recomendar & prescrever, sugerir alternativas e caminhos mais do que mostrar sua inviabilidade ou viabilidade antes de o grupo experimentar e, por fim, sempre avaliar o sucesso ou fracasso das ações considerando sua realização em grupo (acertos ou fracassos são do grupo que deve entender onde e como acertou ou fracassou).

Um terceiro eixo de ações pode ser identificado

na política de aproximações com pessoas e

empreendimentos da economia solidária na região, potenciais de parceria, alianças, reunião de forças, experiencias e práticas. A este tipo de política de incubação podemos chamar metodologicamente de matriz potencialização das ações (MAPA). Talvez mais importante do que a cooperação potencial efetiva que deve ser buscada, está a postura de interesse e interlocução aberta. A MAPA é antes, uma atitude de encontrar parceiros certos entre docentes da universidade, membros gestores em cooperativas semelhantes, movimentos sociais, produtore/as individuais, segmentos com potencial de se aliar ou vir a apoiar (as vezes sem a participação da ITCP, ações futuras).

Por fim, um quarto eixo de ações se dá em torno de uma matriz de formação sociotécnica MAFOS: iniciativas que envolvem oficinas, encontros, mobilizações e posturas com foco na preocupação de aproveitar todos os demais eixos para realizar formação sociotécnica, tanto quanto propor ações específicas. Em outras palavras, aprender com os erros e acertos para faormulação de projetos de financiamento dirigidos.

SETE DIMENSÕES ESTRATÉGICAS DO INTERACIONISMO SOCIOTÉCNICO QUE ORIENTA A INCUBAÇÃO

A dimensão cognitiva e de pesquisa da teoria da adequação sociotécnica pode ser descrita como sucessivos diagnósticos, análise e pesquisas com coletivos de trabalho em busca do grau de utilização e apropriação cognitiva e sociotécnica de dispositivos (técnicas e tecnologias).

Leva em conta a trajetória sociotécnica do grupo, a qual apresenta uma

identidade própria, algo como se fosse uma impressão digital que expressa o estádio real que envolve desde o uso simples de técnicas, ou frustradas tentativas de apropriação por pequeno grupo, ou grandes coletivos de preocupados em utilizar componentes e dispositivos técnicos enquanto parte da propriedade compartilhada dos meios de produção. Estas sete modalidades heurísticas são caminhos críticos que podemos utilizar para realizar diagnótico, pesquisa e oficinas com a base social para ela própria adaptar em situações concretas de trabalho. Em sentido amplo, expressam demandas dos sujeitos sociais aqui focalizados que montam, desmontam, adaptam e convertem os dispositivos técnicos em um tecido conjunto com as lutas pela sobrevivência e bem-viver. Ele/as expressam estas demandas no seu território como busca por uma formulação de ciência e tecnologia sob linguagens e signos, objetos e processos inteiramente diversos da política explícita ou formal de educação, ciência e tecnologia oficiais.

As sete modalidades são apresentadas a seguir, sob a forma de questionamentos (que podem ser respondidos empiricamente diante de experiências diversas):

1) Qual o tipo de auto-percepção do uso de técnicas tem o grupo social? – avalie o grau de utilização de saberes e fazeres envolvendo técnicas desde a mais simples, até a mais complexa numa comunidade (operação e manutenção de máquinas, equipamentos, formas de organização do processo de trabalho, soluções simples ou improvisadas, etc), com adoção adaptada de tecnologia convencional. É importante identificar a auto-percepção de artesãs e artesãos, artífices em geral na transformação a matéria-prima; preparo para conservação e manejo de sementes, preparação da terra e insumos e, no caso da agricultura tradicional e da agroecologia há uma ampla gama de saberes sobre interação plantas-solo-meio ambiente; além dos saberes sobre preparo dos alimentos e de sua conservação.

2. As práticas sociotécnicas tem se constituido em aprendizagem coletiva? O processo de transmissão de saberes sociotécnicos em comunidades obedecem a regras associadas aos vínculos sociais e culturais, étnicos, de gênero, por recorte geracional. Tal transmissão tem sido entendida como equivalente ao domínio do coletivo sobre componentes, etapas ou dispositivos que constituem seus meios de produção que garantem sua sobrevivência. Este domínio implica em alguma ampliação do conhecimento do/as trabalhador/as, assim como melhoria dos aspectos produtivos no aperfeiçoamento de fases de produção, cadeia produtiva, concepção dos produtos e processos. Contudo, este processo pode existir sem qualquer modificação no uso concreto que se faz das máquinas e equipamentos.

3) Há caso ou casos de ações efetivas, ou potenciais de revitalização ou reconversão de máquinas e equipamentos? Trata-se de como a comunidade ou coletivo de trabalho se envolve com a manutenção da vida útil das máquinas e equipamentos, mas também ajustes, recondicionamento e a revitalização do maquinário. Pressupõe ainda a articulação das tecnologias ‘antigas’ com componentes novos (gambiarras). Se o uso da tecnologia não leva à condição da propriedade coletiva dos meios de produção, de quem são as máquinas e equipamentos? Como se dá a apropriação nominal das máquinas (elas são apontadas como propriedade de alguém, ou do coletivo?). Como se dá o momento equivalente a uma ampliação do conhecimento por parte do trabalhador dos aspectos produtivos (fases de produção, cadeia produtiva, aspectos técnicos específicos, etc), contabilidade e gestão societal ou a concepção dos produtos e processos (independente de modificação no uso concreto que deles se faz)?

4) Como o grupo procede quando precisa fazer ajuste do processo de trabalho com mudanças de pessoas, postos de trabalho, remunerações, etc?

Este tipo de percepção implica a

adaptação da organização do processo trabalho à forma de propriedade coletiva dos meios de produção (pré-existentes ou convencionais).

5. Como se dará o entendimento do grupo sobre como será a divisão técnica do trabalho? Como isto se associa com a adoção progressiva do controle pela autogestão? Em geral, este

tipo de mudança significa um aumento da vida útil de máquinas e equipamentos, e sobretudo ajustes, recondicionamento e a revitalização do maquinário. Supõe a hibridização ou combinação de tecnologias ‘antigas’ com componentes novos. Como proceder ao incentivo à busca de alternativas tecnológicas? Trata-se de importante experiência de um coletivo considerar situações nas quais - esgotadas as possibilidades de trabalho



buscam

qualificar

outro

tipo

de

demanda;

em

ajustes do processo de geral,

empreendimentos

autogestionários. Torna-se necessário o emprego de tecnologias alternativas à convencional? Quem fará a busca e a seleção de tecnologias existentes? Como será feita a adaptação da organização do processo de trabalho à forma de propriedade coletiva dos meios de produção (pré-existentes ou convencionais)? Aconteceu algum questionamento sobre a divisão técnica do trabalho? Tem sido discutida a adoção progressiva do controle operário (autogestão)?

6) Como o coletivo tem resolvido o problema da incorporação de conhecimento científicotecnológico existente? Este tipo de exigência pode ser resultado do esgotamento do processo sistemático de busca de tecnologias alternativas e na percepção de que é necessária a incorporação à produção de conhecimento científico-tecnológico existente (intangível, não embutido nos meios de produção). Pode ser também resultado do desenvolvimento, a partir dele, de novos processos produtivos ou meios de produção, para satisfazer as demandas por adequação sociotécnica. Atividades associadas a esta modalidade são processos de inovação de tipo incremental, isolados ou em conjunto com centros de P&D ou universidades. Implica a percepção de que as modalidades anteriores, inclusive a do ajuste do processo de trabalho não são suficientes para dar conta das demandas por AST dos empreendimentos autogestionários, sendo necessário o emprego de tecnologias alternativas à convencional.

7) Como o coletivo tem incorporado conhecimento científico-tecnológico novo? Este tipo de comportamento resulta da superação ou esgotamento das modalidade anteriores. O processo de inovação incremental tem limitações se não houver conhecimento suscetível de ser incorporado aos processos ou meios de produção. Atividades associadas a esta modalidade são processos de inovação de tipo radical que tendem a demandar o apoio de centros de P&D ou universidades, e implicam na exploração da fronteira do conhecimento..

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