Conflito entre ciência e religião no Facebook

June 15, 2017 | Autor: Rogério Fernandes | Categoria: New Atheism, Neoateismo
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Conflito entre ciência e religião no Facebook Rogério Fernandes da Silva* Resumo: Ao estudar as comunidades virtuais da rede social Facebook nos deparamos com comunidades ligadas ao ateísmo que demonstram uma visão particular da ciência e da religião. Essa visão está alicerçada na ideia de conflito entre Ciência e Religião. Essa ideia de conflito é que existe uma permanente tensão entre eles e que essa tensão serve para definir a alteridade da identidade ateísta nos méis virtuais. Através de um questionário de entrevista para pesquisa de dissertação foram levantados dados sobre essa crença. As bases teóricas desta pesquisa foram retiradas das reflexões de Ian Barbour e Ronald Nunbers. Palavras-chave: ateísmo, religião, ciência, identidade.

Introdução O Facebook se consolidou como a principal rede social do planeta, boa parte das interações do ciberespaço atual passam por ele. O Brasil não deixa de ser exceção. O Facebook é a rede preferida dos brasileiros. Através dele podemos analisar as transformações socias do país, inclusive podemos encontra vozes minoritárias que não têm muito espaço nas mídias convencionais. Neste caso os ateus e/ou neoateus que acabam criando diversas comunidades criando espaços de sociabilidade virtual e de criticas as religiões e fenômenos religiosos. Neste artigo há analise da vertente contemporânea do ateísmo, o neoateísmo e seu papel dentro da rede social Facebook. O neoateísmo é movimento de origem de anglosaxão, que acabou tendo um papel de protagonista que dá visibilidade ateísta no ciberespaço. O neoateísmo é um movimento recente, caracterizado pelo combate às religiões estabelecidas, principalmente as de matriz abraâmica. Após o atentado de 11 de setembro de 2001, foram lançadas diversas obras nesse segmento, que se tornaram Bestsellers dando visibilidade ao movimento. O atentado ao World Trade Center foi o catalisador para o surgimento e sucesso editorial das obras neoateístas, pois a revolta contra o atentado

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Mestre em Ciência da Religião pela PUC/SP, [email protected], e professor da rede estadual do Rio de Janeiro.

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foi direcionado as religiões, principalmente islâmica. Ao nome de Sam Harris juntam-se outros escritores como Christopher Hitchens, Richard Dawkins e Daniel Dennett. 75 A página do ATEA no Facebook é um exemplo de sucesso para a demanda antirreligiosa existente nas redes sociais e na sociedade brasileira. A página cresceu de 27 mil participantes, em início de janeiro de 2012, para 70 mil até meados de fevereiro do mesmo ano. Além de ateus e agnósticos, existe uma pequena porcentagem de teístas que 153

acompanham as publicações. Esses teístas ou são simpatizantes, ou a observam num sentido apologético. No momento, 11 de novembro de 2014, a ATEA possui 357.562 membros na página (hoje passa dos 400 mil), diferentemente do número de associados na instituição, que conta com um total de 13.369 filiados. A instituição teve suas origens nas ONGs Sociedade da Terra Redonda e da Ateus do Brasil, de 1999 e 2006 respectivamente, organizações não-governamentais brasileiras de caráter ateísta. O ativismo ateu, presente na rede, é bem diversificado em relação à idade, mas majoritariamente com jovens de 18 a 24 anos curtindo suas postagens.

1. Metodologia No Facebook, o compartilhamento de imagens e vídeos tem grande repercussão, sendo as imagens muito mais compartilhadas do que textos e vídeos. O estudo dos pesquisadores portugueses, sobre compartilhamento nessa rede social de informações e de ideias e as influências delas, foi o que mais se aproximou de nossa preocupação em relação aos compartilhamentos e curtidas do Facebook. Carolina M. Barreto e Isabele R. Câmara escrevem que: Uma das ferramentas que mais caracteriza o Facebook é a de o pa tilha .àPo à eioàdelaàoàusu ioàpodeàseàap op ia àdeàdete i adoà conteúdo visto por ele em algum lugar do ciberespaço e colocá-lo no seu perfil. Com esse gesto, os indivíduos mostram se concordam ou não com algo, se compactuam ou se abominam a postagem (BARRETO: CÂMARA, 2012, p. 3).

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Podemos classificar Richard de Dawkins (Obra: Deus um delírio), Sam Harris (A morte da fé: religião, terror e futuro da razão), Christopher Hitchens (Deus não é grande) e Daniel Dennett (Quebrando o encanto: a religião como fenômeno natural) como os principais nomes do movimento neoateu, suas obras literárias e vídeos têm muita repercussão sobre setores seculares da sociedade.

O compartilhamento está ligado ao ciberativismo, ou ativismo online, podendo ser por posicionamento político, religioso e, no caso desta pesquisa, antirreligioso. Os usuários do Facebook que administram páginas ateístas estão envolvidos num ativismo antirreligioso. Podemos perceber que muitas dessas pessoas apoiam causas sociais ligadas à laicidade e direitos sexuais, e veem a Religião como seu principal adversário. Então, veremos nos discursos das páginas que buscam compartilhamentos, abundâncias de mitos antirreligiosos, tais como: a terra plana na Idade Média, a Religião que trava o conhecimento científico, o medo de Estado Teocrático76, citações constantes dos casos de Galileu e Giordano Bruno 77, entre outros. Temas como Giordano Bruno e Galileu Galilei são recorrentes e quase nunca deixam de estar presentes nos debates virtuais, juntamente com outros mitos científicos antirreligiosos como terra plana na Idade Média, proibição de dissecação de cadáveres pela Igreja, Inquisição, Cruzadas, mortes por causa de guerras religiosas, etc. Impossível dar conta de todas as imagens produzidas pela ATEA e demais páginas ateístas (NUMBERS, 2012). Portanto, houve algumas opções metodológicas nas escolhas das imagens. As imagens de conflito entre a Religião e a Ciência são uma parte da grande produção neoateísta do Facebook. O aumento da intensidade do ativismo antirreligioso na Internet deve-se ao crescimento do secularismo no Brasil. O Brasil passou por mudanças no cenário religioso nos últimos anos e o Censo tem demonstrado isso. Segundo os pesquisadores do Censo 2010, a população brasileira tem um percentual de 8% de sem-religião, comparado aos 4,8% em 1991 para 7,4 % em 2000. Por um lado isso não significa que sejam ateus e agnósticos, pois muitas dessas pessoas vivem sua religiosidade sem filiação institucional. Porém, tal dado indica uma mudança no campo religioso brasileiro. Como, por exemplo, na Jornada da Mundial da Juventude, no dia 27 de julho de 2013, houve um desempenho do grupo anarcopunk chamado Coletivo Coyote, em que dois integrantes fizeram uma exibição, seminus e se masturbaram com imagens sacras quebrando-as em seguida. Por último, a integrante feminina introduz no ânus do rapaz um crucifixo em plena Avenida Copacabana, a imprensa televisiva não noticiou o final do desempenho, apenas a quebra das imagens, e foi o bastante para reações extremadas contra a marcha no Facebook. Serve para pensar que é 76

O medo pelo estado teocrático é uma constante nas páginas neoateístas. A nova série Cosmos, sucesso em sua versão original com Carl Sagan, fez no primeiro episódio uma animação sobre Giordano Bruno reforçando mitos antigos antirreligiosos e anticatólico.

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algo desse tipo não veríamos a quinze anos atrás. Este caso mostra um alto grau de secularização da sociedade, ou pelo menos de alguns grupos sociais recentes, como novos protagonistas de reivindicações não-religiosas e/ou laicas. Na pesquisa feita para o mestrado da PUC/SP, em Ciências da Religião, foi possível perceber que as imagens compartilhadas têm um papel preponderante para as comunidades ateístas no Facebook. Afinal, quando vemos os compartilhamentos feitos das páginas 155

ateístas, vemos que são elas que estão no topo, não são os vídeos, depoimentos ou palavras dos moderadores que possuem um amplo alcance. São as imagens. E cada uma é uma ideia que é reproduzida e alcança novas pessoas. Entretanto, esse trabalho não dará conta de todas as imagens produzidas, através da observação, tentará definir as mais comuns e também tem uma preocupação com as que trabalham com a temática ciência versus religião. É impossível dar conta de toda a produção, mas podemos definir quais os temas recorrentes. Entre eles, considero que há três tipos de construções principais de imagens para o Facebook nas páginas ateístas: as que trabalham o conflito entre Ciência e Religião; as que valorizam mitos históricos, importantes para o combate; e as que defendem o Estado laico. Pensando sobre Peter Burke ao compreender as fontes visuais, fica definido pelo autor que poucos autores trabalham com arquivos fotográficos em comparação com os que trabalham com documentos escritos e datilografados (BURKE, 2004, p. 12). O que dizer das ilustrações da internet, que possuem uma vida curta, por assim dizer e de difícil armazenamento? O uso de imagens feito por historiadores aparece de forma apenas ilustrativa e gera pouca discussão. A imagem serve como mera informação e confirmação das conclusões do autor que havia chegado através de outras fontes. Segundo Burke: O ponto de vista que eu utilizei para escrever o livro é que as imagens não são nem um reflexo da realidade social nem um sistema de signos sem relação com a realidade social, mas ocupam uma variedade de posições entre estes extremos. Elas são testemunhas dos estereótipos, mas também das mudanças graduais, pelas quais os indivíduos ou grupos vêm o mundo social, incluindo sua imaginação (Ibidem, p. 232).

As imagens das páginas ateístas representam as mudanças do cenário religioso brasileiro. A emergência de novos grupos sociais, entre eles os sem Religião, ateus e agnósticos. Tais grupos encontram na internet um espaço gratuito para se expressarem e congregarem, o que antes estava disperso. Baseando-se nas ideias Ian Babour existem quatro modelos de relacionamento entre ciência e religião: o modelo de conflito, o modelo de magistérios Não-Interferentes (MNI), o modelo de Fusão e o modelo de Complementaridade (BARBOUR, 2004). O modelo de conflito, no qual ciência e religião competem entre si. Outro é o de Magistérios NãoInterferentes (MNI), segundo o qual a ciência e a religião operam em compartimentos separados, não devendo haver conflitos entre eles. Ciência e religião levantam questionamentos de tipos diferentes de mundos, caminham paralelamente. Temos ainda o modelo de Fusão, na qual ciência e religião estão fundidas, esse modelo é oposto do modelo MNI, apaga a distinção entre o científico e o religioso, como também utiliza da ciência para construir sistemas religiosos de pensamento, ou vice-versa. No modelo Complementaridade, as explicações sobre a realidade são dadas através dos olhares diferentes da ciência e da religião, e que de forma alguma podem ser rivais. Denis Alexander, diretor do Faraday Institute for Science and Religion e Fello àdoà“t.àEd u d sàCollege de Cambridge, esclarece sobre o modelo: O exemplo clássico é a multiplicidade de descrições necessárias à compreensão do indivíduo humano, que correspondem à variedade de níveis de análise proporcionados por disciplinas como a bioquímica, a biologia celular, a fisiologia, a psicologia, a antropologia e a ecologia. Nenhuma dessas descrições científicas é uma rival das outras – todas são necessárias à nossa compreensão da complexidade dos seres humanos no contexto de seu ambiente. Um relacionamento complementar semelhante é o que une cérebro e mente. (Idem, p. 4).

Entretanto o modelo de conflito é que fundamenta a maioria das imagens humorística das comunidades do Facebook. Boa parte do que é produzido nesse sentido é para atacar a Religião em algum aspecto em que ela se mostre frágil. As imagens podem ser di ididasà e à g upos:à defesaà daà lai idade,à hu o à es a hado ,à defesaà deà di eitosà se ual,à blasfêmias, antirreligiosas e de conflito religião versus ciência.

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Vejamos duas imagens, que são tiradas de uma ampla produção cultural que circula pelo ciberespaço. É claro que não é possível dá conta de todas, mas essas duas a seguir são bem ilustrativas.

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FIG. 1 - reforço do mito78 Agora uma análise de duas imagens retiradas de um contexto mais amplo, e sem esgotar o tema. A figura 1, um meme muito comum, é um exemplo da dicotomia entre ciência versus religião, os personagens são estereótipos. O homem de jaleco branco representa o cientista, que segura o microscópio, o de paletó seria o religioso fundamentalista, com a roupa típica de tantos pastores evangélicos. Imagem recorrente, e com várias adaptações e releituras.

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Disponível em: . Acesso em 16/08/2014.

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FIG. 2 – novas gerações não serão atingidas79 A imagem da figura 2 mostra as sucessivas gerações, quanto mais antigas, mais religiosas, vomitando superstição e obscurantismo nas cabeças de seus descendentes. A geração mais nova abre o guarda-chuva da ciência para se proteger. Como podemos notar, tal imagem é de origem estrangeira, pois a palavra ciência está em inglês. As gerações antigas carregam, provavelmente, uma representação da Bíblia com um terço católico. O ateísmo, e o neoateísmo, são fenômenos ocidentais, e como fenômeno antirreligioso, sua preocupação principal é com o cristianismo, mesmo porque é a corrente religiosa majoritária no Ocidente.

Conclusão Por fim, a noção de alteridade rege os conflitos de ideias sobre as relações entre ciência versus religião. A alteridade entre os grupos ateus e religiosos marcam os posicionamentos. A alteridade é uma perspectiva plural e hibrida e no mundo pós-moderno a convivência nem sempre é pacífica, essa noção é explicativa sobre o neoateísmo e o seu ciberativismo. Nas páginas ateístas do Facebook convergem tensões sociais que são expostas no meio virtual, como um grande palco das tendências do Brasil atual. Os ateus ou neoateus criam uma identidade que se baseia na alteridade, da diferença para com o outro. A fé na vitória da ciência, do conflito com a religião, na crença que o outro não pode 79

Idem.

compreender os desígnios do método científico justifica os conflitos e criam uma autoimagem positiva, mas provavelmente muito irreal. O compartilhamento é a melhor forma de atrair olhares que antes não seriam atingidos com tanta facilidade. O jovem ateu ao encontrar as páginas ateístas no Facebook acaba criando e reforçando sua identidade cultural. Tal identidade pode mudar com o tempo, mas naquele momento diante das relações criadas no mundo virtual o jovem acaba 159

fortalecendo sua posição, naquele momento, antirreligiosa.

BIBLIOGRAFIA ALEXANDER, Denis R. Modelos para Relacionar Ciência e Religião. Disponível em: . Acesso em15/10/2014. BARRETO, Carolina Maia Esmeraldo; CÂMARA, Isabele Rodrigues. Análise dos Compartilhamentos no Facebook Dando Ênfase nos Trechos de Caio Fernando Abreu e com Base na Filosofia de Karl Kraus. Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XIV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste, Recife - 14 a 16/06/2012. Disponível: . Acesso em 14/04/2014. BARBOUR, Ian G. Quando a ciência encontra a religião. Tradução Paulo Salles. São Paulo: Cultrix, 2004. BURKE, Peter. Testemunha ocular: história e imagem. Tradução de Vera Maria Xavier dos Santos. Bauru: EDUSC, 2004. NUMBERS, Ronald L. (Org.). Galileu na prisão e outros mitos sobre Ciência e Religião. Lisboa: Gradiva, 2012. SILVA, Rogério Fernandes. Graças a Deus sou ateu: Humor e conflito entre ciência e religião nas comunidades neoateístas do Facebook. 2015. 142 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. SILVEIRA, Sérgio Amadeu. Ciberativismo, cultura Hacker e o individualismo colaborativo. Revista USP, São Paulo, n.86, jun/ago., p. 28-39, 2010.

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