CONJUNTOS LÍTICOS DE HORTICULTORES CERAMISTAS ASSOCIADOS À TRADIÇÃO ARATU-SAPUCAÍ: ESTUDO DE CASO DOS SÍTIOS MATO SECO E CANOAS, MÉDIO VALE DO SÃO FRANCISCO, MINAS GERAIS

July 14, 2017 | Autor: Arkley Bandeira | Categoria: Archaeology, Brazilian Archaeology, Landscape, Prehistory
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REVISTA TARAIRIÚ – ISSN 2179-8168

CONJUNTOS LÍTICOS DE HORTICULTORES CERAMISTAS ASSOCIADOS À TRADIÇÃO ARATU-SAPUCAÍ: ESTUDO DE CASO DOS SÍTIOS MATO SECO E CANOAS, MÉDIO VALE DO SÃO FRANCISCO, MINAS GERAIS.

Marcelo FAGUNDES1 Lidiane Aparecida da SILVA2 Isadora Maria dos Santos CORDEIRO3 Arkley Marques BANDEIRA4

Docente da Faculdade Interdisciplinar em Humanidades (UFVJM), Coordenador do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem (LAEP/UFVJM), Contato: [email protected] 2 Pesquisadora do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem (LAEP/UFVJM), Contato: [email protected] 3 Pesquisadora do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem (LAEP/UFVJM), Contato: [email protected] 4 Pesquisador do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem (LAEP/UFVJM), Contato: [email protected] 1

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CONJUNTOS LÍTICOS DE HORTICULTORES CERAMISTAS ASSOCIADOS À TRADIÇÃO ARATU-SAPUCAÍ: ESTUDO DE CASO DOS SÍTIOS MATO SECO E CANOAS, MÉDIO VALE DO SÃO FRANCISCO, MINAS GERAIS.

RESUMO A pesquisa centrada no estudo da cultura material é de grande importância uma vez que evidencia e preserva conhecimentos pretéritos dos grupos indígenas antes da chegada dos colonizadores, permitindo a compreensão das relações entre Homens e seus ambientes, natural e cultural. Este artigo buscou apresentar não apenas a descrição dos objetos, mas sim, por meio do estudo da tecnologia lítica de grupos horticultores pré-coloniais, estabelecer seus usos e funções dentro da sociedade. Logo, a pesquisa teve como objetivo principal o entendimento dos modos de vida e cultura de grupos indígenas por meio de inferências acerca do contexto sistêmico das ferramentas líticas, assim inferindo-se sobre uma posição mais assertiva dos empregos sociais; das concepções e do domínio das técnicas de produção material, uma vez que se entendem os conjuntos líticos (ferramentas produzidas pelo lascamento de rochas e minerais aptos à produção artefatual), como parte integrante da cultura expressa materialmente de um dado grupo.

PALAVRAS-CHAVE: Cultura Material, Tecnologia Lítica, Cadeias Operatórias, Horticultores Ceramistas, Tradição Aratu-Sapucaí, Minas Gerais.

RESUMEN La investigación se centró en la cultura material qué es de gran importancia, ya que revela el conocimiento de los tiempos pasados y preserva las técnicas y las ideas de los grupos precoloniais, lo que permite la comprensión de las relaciones entre el hombre y su medio ambiente, naturales y culturales. En este artículo se centró en la presentación no sólo de las descripciones de objetos, mas también, a través del estudio de la tecnología lítica de los grupos indígenas, establecer sus usos y funciones dentro de los estudios de la sociedad, para la comprensión de los estilos de vida y la cultura de las poblaciones indígenas, analizando el contexto sistémico de herramientas líticas, por tanto, buscase inferir acerca de sus funciones sociales; los conceptos y el campo técnico de la producción material, ya que se entiende las herramientas líticas como parte de la expresión material de una cultura de un dado grupo..

PALABRAS CLAVE: Cultura Material, Tecnología Lítica, Cadenas Operatorias, horticultores ceramistas, Tradición Aratu-Sapucaí, Minas Gerais.

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Este artigo apresenta os resultados obtidos da análise de conjuntos líticos resgatados no âmbito do licenciamento ambiental (SIGMA, 2012), em vários sítios implantados na micro-bacia do rio Abaeté, bacia do São Francisco, região centro-norte do estado de Minas Gerais, sendo que todos estão associados à tradição cerâmica Aratu-Sapucaí (IZUMI, 2012; ROSA, 2012; TAMEIRÃO, 2014). Atualmente estes vestígios fazem parte da reserva técnica do Laboratório de Arqueologia e Estudo da Paisagem da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri. Neste trabalho buscou-se por meio: (a) da coligação e sistematização dos dados estatístico-comparativos dos conjuntos líticos em foco, (b) da análise bibliográfica regional sobre a Tradição Aratu-Sapucaí e conjuntos artefatuais associados, (c) da análise contextual dos demais remanescentes evidenciados nos solos de ocupações dos sítios em estudo: “(...) a compreensão das escolhas/estratégias envolvidas na concepção, manufatura, uso e descarte dos conjuntos artefatuais, de modo a indicar se havia ou não similaridades na organização tecnológica em termos sincrônicos e diacrônicos – no tempo e no espaço” (FAGUNDES, 2010, p.4). Além disso, procurou-se compreender os sítios arqueológicos em estudo, e seus conteúdos, por meio da visão conceitual de tempo x espaço x cultura, tendo em vista a reconstrução, mesmo que dedutivamente, dos modos de vida e cultura de grupos pretéritos, inclusive permitindo inferências acerca de possíveis mudanças nos processos culturais, buscando a compreensão do por que ocorrem e, por fim, a compreensão dos próprios processos formativos, que inclui os sítios e seus conteúdos: artefatos, restos de alimentos, assinaturas físico-químicas no solo, entre outros remanescentes que, cabe lembrar, fazem parte do nosso mundo contemporâneo. Ao estudar os conjuntos líticos houve sempre uma preocupação primordial em entender como se relacionam com demais vestígios que compõem o repertório cultural, além da paisagem regional e suas relações com a economia, subsistência, universo simbólico, enfim, como se deu o modo de vida dos grupos que os produziram, mesmo que, para tanto, se fizesse necessário o uso da dedução (FAGUNDES, 2014). Metodologicamente, houve o cuidado de estabelecer as relações entre os conjuntos líticos em estudo (partindo da hipótese da contemporaneidade dos conjuntos em foco), buscando-se compreender os processos produtivos, envolvendo: (a) questões de similaridades e mudanças nos processos técnicos, (b) apropriação da matéria-prima e consequente técnica (ou conjunção de técnicas) para redução da matriz e obtenção de suportes para a produção das ferramentas, (c) as sequências operacionais e suas relações com os demais vestígios e

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estruturas preservadas na matriz arqueológica, (d) tipo, densidade, diversidade e flexibilidade dos vestígios líticos, etc. (FAGUNDES, 2007, 2010). Este artigo tem como objetivo a análise dos conjuntos artefatuais com vistas à reconstrução, mesmo que dedutiva, das etapas operatórias envolvidas para produção das ferramentas líticas de grupos horticultores ceramistas associados à Tradição Aratu-Sapucaí que se estabeleceram na micro-bacia do rio Abaeté, Bacia do São Francisco, aproximadamente entre os séculos XI e XV da nossa Era. A intenção a obtenção de dados assertivos de itens importantes na análise lítica, a saber: (a) Tipo e densidade dos vestígios; (b) Procura, acesso e uso de matérias-primas e relação com os conjuntos artefatuais; (c) Diversidade e flexibilidade dos conjuntos artefatuais; (d) Tecnologias empregadas. Portanto, buscou-se compreender o sistema tecnológico por meio da reconstrução das sequências operacionais envolvidas a partir: (a) da concepção do artefato, (b) da procura, obtenção e transporte da matéria-prima; (c) manufatura e técnicas utilizadas para a redução e obtenção dos suportes, (d) uso social (e) perda e/ou descarte.

METODOLOGIA APLICADA O estudo dos conjuntos artefatuais líticos, sob o viés tecnológico, visa compreender e indicar traços importantes à compreensão do modo de vida, cultura e, sobretudo, comportamento e dinâmica cultural na história antes do contato. Assim, as análises dos atributos tecnológicos cooperam para a compreensão das etapas da cadeia operatória, bem como elucida as principais características de um conjunto artefatual lítico. Segundo Lemonnier (1992) tecnologia é uma expressão material das atividades culturais de uma sociedade, o meio que permite que os grupos sociais ajam sobre a matéria, com vistas a suprir suas necessidades – estas de qualquer ordem. Além disso, destaca a necessidade de análise aprimorada das representações sociais a fim de se compreender integralmente o sistema técnico de um dado grupo, na medida em que o processo produtivo é carregado de significados e não pode ser estudado isolado (como algo independente) de suas matrizes sociais.

Assim, nesta busca por uma compreensão mais efetiva da tecnologia,

Lemonnier (1992) apresenta uma visão contrária a tradicional, observando-a como uma construção social, vista como um signo e, portanto, apresentando uma razão simbólica que a sustenta dentro das teias de significados culturais de uma sociedade.

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O universo tecnológico de um grupo cultural deve ser compreendido e interpretado por meio de uma noção sistêmica, alicerçada em três premissas: (a) das técnicas em si; (b) do conjunto de técnicas; (c) do sistema técnico em comparação com os demais sistemas culturais; conjugadas em cinco elementos: matéria, energia, objetos, gestos e conhecimento (LEMONNIER, 1986). Portanto, a tecnologia também é considerada uma construção social que, mesmo sendo responsável pela supressão de necessidades imediatas, regula com a dinâmica e comportamento cultural na qual está inserida (FAGUNDES, 2010). Dobres & Hoffman (1994), ao discutirem o objetivo da pesquisa da tecnologia, afirmam que o arqueólogo não deve ficar restrito em descrições das atividades em microescala, mas deve focar o processo social, na medida em que o sistema técnico não está à parte dos demais sistemas. Todo o processo envolvido na modificação da matéria-prima em um produto cultural, ou seja, nas cadeias operatórias dos artefatos evidenciados nos diversos sítios arqueológicos, está estruturado em um contexto social e dinâmico. Isto é, a tecnologia é considerada como um fenômeno cultural dinâmico vinculado à ação social, às representações de um grupo, além de estar fundamentada pela reprodução social (DOBRES & HOFFMAN, 1994). Em resumo, a tecnologia não pode ser desprendida de suas matrizes sociais e, portanto, seu estudo deve estar integrado à compreensão destes contextos, inclusive enquanto instrumento simbólico e de poder. Logo, a pretensão ao utilizar o conceito de cadeias operatórias fundamenta-se na possibilidade de compreender parte do sistema tecnológico das populações pretéritas, buscando inferir sobre os projetos executados pelos artesãos desde a busca, aquisição e transporte das matérias-primas até os processos de perda e/ou descarte, inclusive levando em conta os processos formativos (FAGUNDES, 2007). A aplicação desta metodologia revela o processo de um sistema técnico específico, bem como o papel que esse sistema ocupa dentro dos demais sistemas técnicos e dentro da própria tecnologia, sendo essa sua peculiaridade principal, a análise dos conceitos e conhecimentos envolvidos na manufatura de uma dada cultura material. Além disso, fornece a mais completa visão das diferenças e similaridades entre os diversos grupos humanos, ao invés de concentrar em exemplos isolados, provindos de análises tipológicas que privilegiam artefatos acabados ou mais bem finamente manufaturados (FAGUNDES, 2004, p.62; VIANA, 2005; FAGUNDES & TAMEIRÃO, 2013). Os estudos sobre os conjuntos artefatuais líticos dos sítios provenientes de ocupações horticultoras do médio vale do São Francisco mineiro tiveram como fulcro a compreensão das cadeias operatórias a partir da concepção do que se produzir até o descarte e/ou perda da ferramenta. A escolha por essa metodologia se deu no intuito de se poder construir um

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panorama mais assertivo sobre estes conjuntos (vistos como contemporâneos), além de possibilitar a discussão acerca: (a) Das tecnologias empregadas; (b) Das áreas de atividades; (c) Dos usos e relações socioculturais. Por meio dos estudos de cadeia operatória, parte-se do princípio que se obtenha interpretações mais coerentes sobre o sistema tecnológico de grupos pré-coloniais, como por exemplo: recursos disponíveis, uso social e transporte da matéria-prima. Buscou-se, assim, a possibilidade: (a) De compreender os conjuntos artefatuais líticos evidenciados nos sítios em estudo e suas relações com os demais componentes do repertório cultural, bem como outras características do registro arqueológico; (b) De buscar subsídios na literatura especializada para integrá-los aos demais sítios com vestígios líticos associados à Tradição Aratu-Sapucaí. A intenção é esboçar, dar início, a uma futura análise intersítios que busca o entendimento das recorrências e mudanças nestes conjuntos artefatuais. Para tanto, os vestígios evidenciados foram submetidos à minuciosa observação de seus atributos tecnológicos e formais de modo que se pudesse compará-los com a finalidade de obter o maior número possível de dados para a possível reconstrução das cadeias operatórias. O material é passado por uma série de triagens, de forma que todos os itens possam ser analisados em seus atributos individuais da mesma forma em que comparados entre si, compreendendo as relações que apresentaram entre eles, ao mesmo tempo em que os resultados entre os diversos conjuntos líticos também possam ser relacionados. Sendo assim, os trabalhos laboratoriais tiveram como intenção analisar todos os produtos e subprodutos de lascamento principalmente em sua dimensão tecnológica (detalhes expostos em FAGUNDES, 2004).

OS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS CANOAS E MATO SECO Os sítios arqueológicos Canoas 01 ao 12 e Mato Seco I e II (totalizando 14 sítios arqueológicos) estão localizados na região fisiográfica do Médio São Francisco, mais precisamente na micro-bacia do rio Abaeté, no município de São Gonçalo do Abaeté, mesorregião noroeste de Minas Gerais. São assentamentos que apresentam características muito semelhantes de implantação, o mesmo ocorrendo com seus repertórios culturais e cronologias, fatos que permitiram a hipótese de que são sítios contemporâneos em um mesmo ambiente fisiográfico. Todos abarcam as mesmas características, isto é, eles são assentamentos a céu-aberto, ambos implantados na média vertente em locais com declividade suave, sempre às margens do rio Abaeté e em meio ao cerrado stricto sensu, em áreas com presença de

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neossolo litólico, portanto com baixa sedimentação. É válido ressaltar que na mesma região há ainda 33 sítios identificados, todos a céu aberto com vestígios cerâmicos e líticos em superfície, com atributos muito semelhantes aos que são apresentados neste artigo.

Figura 1 – Vista geral do sítio Mato Seco I. Fonte: Sigma/2002. QUADRO 01 Cronologia dos Sítios Regionais SÍTIO

Amostra n°

Tipo

CANOAS 08

Cerâmica 3248

Cerâmica

MATO SECO I MATO SECO II TAPEIRÃO TAPEIRÃO ZÉ CAÇAMBA NOGUEIRA RIBEIRÃO CANOAS II ESPIGÃO RIBEIRÃO CANOAS III (presença de cerâmica Tupiguarani associada) UICURI

Método

Idade (Anos AP)

TL

UGAMS#10585 3255 3245 3246 3247 3249 3250 3251

Carvão Cerâmica Cerâmica Cerâmica Cerâmica Cerâmica Cerâmica Cerâmica

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C TL TL TL TL TL TL TL

550 ±75 940 ± 25 550 ± 50 300 ± 45 590 ± 45 400 ± 55 360 ± 45 490 ± 65 480 ± 50

3252

Cerâmica

TL

380 ± 50

3254

Cerâmica

TL

575 ± 80

Em todos eles foi identificada uma quantidade significativa de vestígios culturais em superfície, inclusive cinco urnas foram evidenciadas nos sítios Mato Seco , todas parcialmente enterradas, com suas bordas bem visíveis em superfície (cinco no total). Deve-se destacar que os pacotes sedimentares destes sítios não são profundos, não ultrapassando 50 cm de profundidade. Atualmente os sítios arqueológicos localizam-se em áreas de antigas pastagens altamente impactadas pela falta de vegetação e pela ação de fatores naturais (lixiviações e erosões), características que atingem diretamente o registro arqueológico.

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Figura 2 - Escavação da urna, sítio Mato Seco I. Datação 940±25 anos A.P. Fonte: Sigma/2012.

No caso dos sítios arqueológicos Mato Seco, ambos foram escavados para retirada das cinco urnas evidenciadas e, por meio da análise de carvão interno a uma delas (Figura 2), obteve-se a datação que indicou uma cronologia de 940 ± 25 anos A.P. e outra data, obtida por TL, obteve um resultado de 550 ± 50 anos A.P. Já nos sítios Canoas, apenas o Canoas 08 foi escavado fato que possibilitou a datação de fragmento cerâmico pelo método de TL, resultando na data de 550 ± 50 anos A.P.

Figura 3 - Mapa Geral da região onde estão inseridos os sítios. Fonte: IBGE, elaboração LAEP/2013.

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Neste sentido, partiu-se da hipótese de que se está tratando com conjuntos contemporâneos, com ocupações entre os séculos XI e XV da nossa Era. Contudo, há ciência de todos os problemas desta especulação, sobretudo no que tange os processos formativos. De qualquer forma, os processos tecnológicos observados nas cadeias operatórias (lítica e cerâmica) também puderam cooperar com esta hipótese.

A PAISAGEM E O PROCESSO DE INSERÇÃO DOS SÍTIOS NA REGIÃO A distribuição espacial dos sítios arqueológicos Mato Seco e Canoas estão diretamente associada à paisagem regional, dentro dos aportes estabelecidos por Fagundes (2010, 2011, 2014), havendo inter-relações entre o meio versus cultura que podem ser mapeadas via registro arqueológico. Todos os sítios apresentam semelhanças na implantação e uso do espaço, fatores que permitem a afirmação que ocorreram escolhas que puderam ser mapeadas e descritas arqueologicamente. Logo, com base em Fagundes (2014) e nos dados empíricos de campo e laboratório, especulou-se que os locais no vale do São Francisco, em meio ao cerrado, não foram ocupados aleatoriamente por pelo menos cinco séculos. Segundo Fagundes (2014), a paisagem em que estão inseridos os sítios arqueológicos é vista como um ambiente que excede os preceitos de uma entidade física intacta, mas que há uma relação intrínseca com a dinâmica cultural, em que toda paisagem é, assim, arquitetada material e imaterialmente. Deste modo, ela é entendida como uma construção cultural, onde espaços são apropriados e representados por além de demandas de ordem econômica, uma vez que envolve questões simbólicas, religiosas, ideológicas, políticas, etc. Em meio a um emaranhado de significações conceituais, a paisagem pode ser considerada (ou vista como por alguns paradigmas), sob um caráter de fenômeno social, em que contextos históricos e culturais específicos definem características simbólicas ímpares. Sob esse viés, a paisagem nada mais é do que um produto humano, da construção humana, podendo ser definida como um espaço social humanizado: no tempo e no espaço. Essa paisagem passa a ser lida e interpretada como símbolo e adquirindo seu papel cultural dentro das representações sociais de um dado grupo enquanto bem cultural, logo, pode ser compreendida como um dos focos da Arqueologia, uma vez que seu estudo sistemático possibilita o entendimento de pontos-chave da pesquisa, entre eles: os processos formativos, ocupações em longa duração (no tempo, espaço e cultura), mobilidade, obtenção de recursos, simbolismo, sistema de assentamento, etc.

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No que tange as características fisiográficas onde os sítios arqueológicos estão implantados, a região estudada se encontra na Formação Abaeté do Grupo Areado, apresentando uma sedimentação de seixos transportados que se depositaram nos leitos dos rios. Cabe ressaltar que, segundo Baggio (2008): A Formação Abaeté – Cretáceo Inferior representa a unidade litoestratigráfica basal da Bacia Sanfranciscana e, inicia-se com os conglomerados fluviais contendo ventifactos, cascalhos e um grande volume de sedimentos rudíticos, depositados em regime torrencial sob clima árido e semiárido (SGARBI, 2001 apud BAGGIO, 2008, p.21).

Esses processos de deposição deram-se fluxos aquosos esporádicos e pelo escoamento de leques aluviais, formando assim o substrato da bacia. Para os grupos précoloniais a constituição geológica regional permitiu a formação de várias cascalheiras ao longo dos rios, principalmente de seixos em quartzito e arenito silicificado (juntos equivalem a 63,60% dos 885 vestígios estudados), portanto fontes preciosas para a constituição da indústria lítica regional, característica que permitiu a inferência que são estas cascalheiras os locais de captação de matéria-prima. A geomorfologia regional é caracterizada por formas mistas de aplainamento e de dissecação fluvial. Esse processo de dissecação fluvial e de acumulação promove a degradação da superfície de aplainamento original, possibilitando o arrasamento desta superfície, formada em ambientes semiáridos. De acordo com Fragoso (2011), o relevo regional é, portanto, suave, a variação altimétrica ocorre pela associação ao aumento de espessura dos depósitos fanerozóicos e pela ocorrência de ruditos da formação Abaeté. Regionalmente, o solo característico é o neossolo litólico que, por ser recente, quase não apresenta profundidade. Esta característica é fundamental para a compreensão do registro arqueológico, uma vez que a maioria dos sítios apresentou vestígios culturais em superfície ou, quando em profundidade, geralmente não ultrapassam 50 cm. Além disso, são solos erosivos pelo seu declive acentuado ou pela dificuldade de infiltração de água no perfil. O principal abastecimento aquífero da região na qual os sítios estão localizados é o rio Abaeté que tem sua nascente no município de São Gotardo, Minas Gerais, tendo 306,6 km de extensão e desaguando no rio São Francisco. O rio Abaeté é um dos principais afluentes da margem esquerda do referido rio. A vegetação regional é representada pelo Cerrado Stricto Sensu caracterizado por árvores de pequeno e médio porte.

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Os cerrados outrora designados “campos cerrados”, por oposição visual dos que provinham de altas e densas florestas costeiras, são formados por vegetação com árvores baixas e troncos retorcidos, de imediato reconhecimento: plantas de tronco lenhoso com galhos retortos e bizarros, que perdem as folhas durante a estação mais seca do ano (AB’SÁBER, 2006, p.132).

Ainda segundo Ab’Sáber (2006), no cerrado ocorrem precipitações três a quatro vezes maiores que a média anual se comparando ao domínio da caatinga, e que a característica de savana dos cerrados típicos é distinta pela luminosidade e calor que atingem o solo por entre as pequenas árvores.

AS OCUPAÇÕES HUMANAS: A TRADIÇÃO ARATU-SAPUCAÍ EM MINAS GERAIS A Tradição Aratu-Sapucaí é associada aos grupos horticultores ceramistas (provavelmente falantes do tronco linguístico Macro-Jê), que ocuparam uma grande faixa do Planalto Central Brasileiro (PROUS, 1992; HENRIQUES Jr., 2006; FIGUEIREDO, 2008; RODRIGUES, 2011). De acordo com Rodrigues (2011, pp. 21-22): Através do Programa Nacional de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA), criado com a colaboração da Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, CNPq e a Smithsonian Institution (...), durante o decênio de 60, foi estabelecida a Tradição Aratu‐Sapucaí. A proposta do referido programa foi obter amostras de vários sítios para compreender a localização e a história das diversas culturas que habitaram o vasto território brasileiro (...) O objetivo deste programa girou em torno da descrição e classificação de materiais coletados em levantamentos arqueológicos, localizados nos vales dos grandes rios das bacias regionais. Inspirada na proposta históricocultural de Willey e Phillips, junto à utilização do método Ford, a finalidade destes procedimentos foi formular um panorama de difusão da cerâmica do Brasil, centrando‐se basicamente, mas não exclusivamente, em sítios Tupiguarani.

A Tradição foi estabelecida a partir da união entre a Aratu, descrita por Calderón para sítios e seus repertórios identificados no estado da Bahia, em 1969/1970; e da Sapucaí, anteriormente identificado por Ondemar Dias Jr. para sítios e seus repertórios culturais implantados na bacia mineira do Paraná, nos vales do rio Grande e Verde, em 1971 (PROUS, 1992, p. 345; RODRIGUES, 2011, pp. 21-33). Foi com o PRONAPA que pesquisadores que trabalhavam na Bahia (Calderón) e Minas Gerais (O. Dias) começaram a definir as características da cultura das urnas simples, que não apresenta relações com as antigas ocupações ceramistas de grutas e abrigos tipo Una. Trabalhando separadamente, criaram tradições separadas para fenômenos parecidos, enquanto os arqueólogos goianos e o Pe. Schmitz faziam

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o mesmo em Goiás. A reunião realizada em Goiânia, em 1980, fez com que se chegasse a um consenso sobre a necessidade de uma unificação, depois de se conhecer melhor esta nova realidade (PROUS, 1992, p. 345).

No que diz respeito às características das aldeias filiadas à Tradição, estas foram implantadas em grandes superfícies, com diâmetro superior até 500 m, a céu aberto, em terrenos de ondulações suaves, geralmente em médias vertentes, e sempre próximas aos pequenos cursos d’água (PROUS, 1992; FERNANDES, 2001; FAGUNDES, 2004, 2011b, 2015; HENRIQUES Jr., 2006; FIGUEIREDO, 2008; ALVES, 2009, 2013; RODRIGUES, 2011). Assim, o mais comum é a localização dos sítios em terrenos ondulados, a céu aberto, na maioria dos casos são aldeias circulares, com vestígios de sepultamento, fogueiras, artefatos líticos e cerâmicos. Dentre os líticos, com grande frequência encontrou‐se: lâminas polidas de machado; blocos com depressões centrais entendidos como quebra‐cocos ou bigorna para lascamento bipolar; material lascado, com grande recorrência do quartzo. Em menor grau aparecem polidores fixos, núcleos, mão de pilão, seixos (seja como alisadores ou como percutores) e grandes blocos. Cabe destacar que os artefatos líticos nem sempre são apresentados em estudos ligados à mencionada Tradição (ROGRIGUES, 2011, p.62).

Henriques Jr. (2006, p.11), ao descrever a Tradição, caracteriza seu repertório cultural pela presença de vasilhames piriformes e globulares com dimensões diversificadas (gerando diferentes cacos no que tange a espessura), com destaque para os grandes vasilhames que, segundo o autor, teriam como função o armazenamento de líquidos e grãos, bem como seu uso em ritos funerários. Vasilhames pequenos, alguns geminados, rodelas de fuso (que atestam a fiação de algodão), cachimbos, além de pratos e tigelas também fazem parte do repertório cultural. O material lítico estaria representado por vestígios lascados e polidos, sendo que estes últimos, sobretudo mãos-de-pilão, atestariam o cultivo do milho e batata-doce. Um dos sítios estudado por Henriques Jr. (2006) foi o sítio Mané do Juquinha, localizado na Província Cárstica do Alto São Francisco, tendo sido ocupado sucessivamente entre os séculos XIV e XV. Diferente dos sítios associados à Tradição Aratu-Sapucaí, está implantado em duas cavernas cársticas que, após várias intervenções de campo resultou na coleta muitos vestígios cerâmicos tanto superfície, como em subsuperfície (HENRIQUES Jr., 2006, pp.25-39). Estes fragmentos apresentaram espessura variando entre 03 e 25 mm, sendo que a maioria entre 06 e 10 mm (52,61% dos vestígios analisados), com diferentes tipos de antiplástico (HENRIQUES Jr, 2006, p.56). Sobre as técnicas de manufatura, foi observada a acordelada e a modelada, com fragmentos apresentando, na maioria, a queima redutora, 68% do material que, de acordo com o autor, é uma característica dos vestígios associados à Tradição (HENRIQUES

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Jr., 2006, p.54-55). Acerca do tratamento de superfície, foi observada a presença do alisamento bom (uma marca da Tradição), sendo que alguns fragmentos foram polidos e outros poucos receberam algum tipo de resina ou tratamento de branidura. O banho, vermelho e preto, foi observado apenas em peças pequenas. Conclui seu trabalho afirmando que a diversidade de formas e volumes dos vasilhames cerâmicos observados regionalmente tem caráter funcional e não tecno-estilístico, e que muito do que fora classificado como Una teria sido produzido por grupos Aratu-Sapucaí (HENRIQUES Jr., 2006, p.72). Discutindo as intervenções no sítio Fazenda São Geraldo, no município de Ibiá, Prous (1992, p. 351), apresenta como resultado das escavações a evidenciação de 15 fundos de cabanas ovalados, formando círculos aproximados de 200 m de diâmetro, que ocuparam a face superior da encosta de um morro, cuja base é drenada por um córrego e pelo rio Santa Teresa. Ainda de acordo com Prous (1992, pp. 351-352): A cerâmica inclui grandes urnas globulares de superfície áspera (pelo tempero feito de quartzo local moído em fragmentos bastante grossos) e cuja boca é circundada por uma incisão profunda. Este antiplástico não aparece nos vasilhames menores, de acabamento melhor entre os quais se destacam pequenos recipientes em forma de cuias, ostentando até os apêndices destas plantas, formando, por vezes, recipientes germinados, semelhantes ao da fase Mossâmedes. Apresentam cor cinza escuro e são particularmente encontrados associados aos sepultamentos. Urnas de dimensões intermediárias e forma cônica parecem ter sido reservadas às crianças.

Alves (2009, pp. 71-74) ao descrever os sítios identificados e estudos no âmbito do Projeto Quebra-Anzol, no vale do Paranaíba mineiro, os caracteriza como assentamentos a céu aberto, do tipo colinares, sempre implantados em locais de média vertente. Nos cinco sítios escavados sempre houve a detecção de manchas escuras “(...) resultantes da decomposição de antigas cabanas, que representam espaços habitacionais de ocupações ceramistas do nível litocerâmico, correspondentes às ocas indígenas” (ALVES, 2009, p. 71). Fagundes (2015), acerca das oito aldeias ceramistas sítios identificadas no município de Ituiutaba, indica que todas estão implantadas em regiões de declive suave, próximos a fontes d’água, tanto no rio Tijuco, afluente da margem esquerda do Paranaíba, quanto pequenos rios e córregos. Para estes sítios, em especial, não há uma distinção muito clara sobre a escolha do local da aldeia ser próxima aos grandes cursos d’água ou não, além disso, é bem provável que às margens do Tijuco várias aldeias ceramistas possam ser evidenciadas, além dos vários sítios associados aos grupos de caçadores coletores já identificados (FAGUNDES, 2015). O maior destes assentamentos identificados (e com maior variabilidade artefatual), o São Lourenço, está implantando próximo a uma vereda, na margem direita do rio São Loureço,

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afluente do Tijuco, sendo cortado por pequenos córregos nas proximidades (FAGUNDES, 2015; WINTER et al, 2010). Apesar de não ter sido escavado (houve apenas a execução de uma sondagem exploratória que detectou a presença de vestígios cerâmicos até aproximadamente 70 cm de profundidade), a dispersão superficial do repertório cultural indica uma área do sítio superior a 18000 m2, portanto uma grande aldeia, com presença de cacos cerâmicos diversificados e vestígios líticos, lascados e polidos. Já em Cachoeira Dourada (FAGUNDES, 2011b, 2015; GOMES, 2012) foram identificadas 10 grandes aldeias ceramistas, todas com dimensões acima de 2500 m 2 (tendo como base a dispersão dos vestígios), implantadas tantos às margens do Paranaíba, quanto em cursos menores, sempre em vertentes de chapadão com declives moderados. No sítio São João Batista, distante 40 m do lago da UHE Cachoeira Dourada, foi possível identificar uma grande mancha escura, circular, graças à ação do arado, muito semelhante ao que é apresentado para demais sítios do Vale do Paranaíba por Alves (2009). Os sítios Córgão 5 (I, II, III e IV), com datações entre 410 ± 60 anos AP (Córgão I) e 500 ± 85 anos A.P (Córgão III), estão implantados em áreas de vertente de chapadão em locais bem irrigados por pequenos córregos. Apresentaram uma grande diversidade de cultura material, representada principalmente por cacos bem espessos, apenas alisados e com antiplástico mineral bem evidente. Os vestígios líticos também são diversificados, representados por lascados e polidos (lascas de arenito de silicificado de diferentes dimensões e tipologias, furados em quartzo, núcleos, batedores, lâminas, etc.). Delforge (2013), em seu projeto de doutoramento, apresenta o sítio Cerâmica Preta, um assentamento lito-cerâmico inserido na Serra de Camanducaia, na divisa dos municípios de Itapeva e Camanducaia, sul de Minas Gerais. O assentamento está implantado em uma colina, esta cortada pelo rio Camanducaia. Em suas palavras: Seu comprimento é de cerca de 500m. O lado esquerdo visto a partir do rio forma um promontório suave e o direito liga-se a um morro maior com alguns afloramentos rochosos e matas. A colina separa dois vales, um por onde corre o Rio Camanducaia e outro por onde corre um riacho que desce da vertente da Serra de Camanducaia. O morro, por sua vez, se liga ao desenvolvimento geral da serra. O rio atravessa a serra formando um vale por onde passa atualmente a rodovia Fernão Dias. Morfologicamente, o local se constitui em um ponto de passagem pelas serras. O Rio Camanducaia é afluente do Rio Jaguari que, conforme o registro arqueológico, banha territórios habitados principalmente por populações Aratu-Sapucaí. Historicamente é relatada a presença de tribos ligadas ao tronco linguístico Macro Gê em especial aqueles conhecidos como Puri e Coroado. Os rios pertencem à bacia maior do Rio Tietê (DELFORGE, 2013). O sítio Córgão III passará por escavações sistemáticas em junho de 2014. O conjunto artefatual já resgatado está sendo estudado por estagiários do LAEP/UFVJM. 5

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De forma geral, no que se refere às características gerais da tecnologia cerâmica, a literatura a descreve como havendo baixo investimento decorativo, com presença de cacos bem alisados que às vezes é confundido com polimento e, em alguns casos, de peças com engobo vermelho. Os fragmentos são geralmente bem espessos (sempre produzidos pela técnica de acordelamento, com alguns poucos modelados), oriundos de vasilhames grandes (urnas globulares e piriformes), além da presença de vasos duplos (geminados), cuscuzeiros, rodelas de fuso e cachimbos tubulares (ALVES, 2009, 2013; FAGUNDES, 2011b, 2015). Segundo Prous (1992, p. 350), também são evidenciados vasos pequenos, de paredes geralmente finas, alguns com bases perfuradas, “vestígios prováveis de cuscuzeiros”. A maioria dos vestígios representados por cacos de cerâmica está espalhada aos milhares. Os Sapucaí utilizavam grandes vasilhas globulares (igaçabas) para guardar líquidos e sepultar os mortos; em certas regiões (perto de Ibiá), cobriam-nas com chapisco de quartzo moído, enquanto no resto do estado alisavam as paredes de barro. Nota-se também uma diferença da parte ocidental do estado (subtração Sapucaí), quase esféricas, e as do centro-sul (subtração Aratu), oblongas. Nas urnas funerárias Sapucaí aparecem pequenos vasos simples ou duplos em firma de cascas de vegetais cobertos por uma camada preta de fuligem fixada por polimento na parece quente (brunhidura): quatro desses recipientes duplos encontram-se numa única urna de São Gotardo. Os recipientes culinares são de tamanho médio, parecendo-se com tigelas ou apresentando forma cônica. São por vezes cobertos por tinta vermelha (engobo); quase nunca receberam decoração, a não ser eventuais impressões de pontos ou de unhas formando uma linha ao redor da boca. Também de cerâmica são as rodelas perfuradas cônicas ou bicônicas (destinadas a assegurar o movimento dos fusos com os quais se faziam os fios de fibras vegetais) e os cachimbos, tubulares ou com fornilha angular (...); em raros sítios apareceram também adornos (...), suporte de panelas cônicas e colheres de barro queimado (PROUS, 2000, pp. 349-350).

De acordo com Alves (2013), a cerâmica evidenciada e resgatada dos sítios escavados no Vale do Paranaíba é majoritariamente lisa, com ausência de pintura, banho, brunidura e de decoração plástica. Mais recentemente, foi identificado no sítio Inhazinha um perfil com três fornos de barranco, sendo que em um deles foi evidenciado um vasilhame de cerâmica fraturado, com inúmeras incisões na superfície externa, depositado na parte superior do forno. Na face inferior foi identificada uma fogueira também com cerâmica repleta de incisões. Ainda segundo a autora, O engobo só ocorreu em dois sítios: (a) no Prado, nas cores branca e vermelha. (b) no sítio Silva Serrote, na branca. Sobre as técnicas relacionadas à manufatura, Alves (2013, p.106), destaca emprego da técnica acordelada na montagem do artefato cerâmico; tratamento de superfície representado pela técnica do alisamento; ausência de polimento da pasta; ausência de brunidura; ausência de pintura e banho; possível ocorrência de engobo vermelho e branco somente para a cerâmica do

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sítio Prado e de engobo branco para a do sítio Silva Serrote, mas sem comprovação científica; queima redutora da cerâmica em fogueira rasa. A cerâmica arqueológica pré-colonial do vale do Paranaíba, estado de Minas Gerais, é utilitária, de uso e funções do cotidiano; seus vasilhames foram utilizadas para diversas atividades como cozinhar os alimentos, depositar grãos e sementes, conter líquidos: água, óleo, etc. Porém, os grandes vasilhames cerâmicos, as igaçabas, representadas pelas urnas periformes, com tampas, foram utilizadas de maneira dupla, ou seja, como artefatos utilitários: (a) Urnas silo, para depositar grãos e sementes; (b) Urnas funerárias, artefatos do universo simbólico – ritualístico, para enterrar em posição fetal, alguns membros do grupo (...). Um vasilhame globular com pescoço ligeiramente acentuado, base convexa, dimensão mediana, foi coletado próximo ao sepultamento primário de indivíduo adulto depositado em urna periforme, no sítio Silva Serrote, e classificado como tigela funerária por indicar possível oferenda de alimentos e/ou de algum bem social (vulnerável à decomposição do solo tropical do Brasil) ao morto (ALVES, 2013, p. 105).

Entre as várias formas e tipologias cerâmicas no vale do Paranaíba, Alves (2013, pp.105-106) apresenta urnas globulares e periformes, vasilhames semiesféricos, carenados, cônicos, tigelas em meia-calota e elipsoides, fusos, vasos geminados, cuscuzeiros e cachimbos. Fagundes (2015), ao apresentar a cerâmica evidenciada em vários sítios no Triângulo Mineiro (no Vale do Tijuco e médio curso do Paranaíba), afirmou que o conjunto artefatual apresentou cacos de grande espessura, havendo alguns poucos finos, geralmente decorrentes da produção de vasilhames pequenos. As bordas são na maioria retas e algumas poucas introvertidas ou extrovertidas, ambas com lábios arredondados. Uma quantidade significativa destas bordas apresentou decoração plástica junto aos lábios, representadas por incisões, principalmente latitudinais, em toda a circunferência do vasilhame. Em uma quantidade mínima de peças (03 bordas) foram evidenciadas incisões do tipo ‘ungulada’, também nas bordas, junto aos lábios. Tal realidade destoa completamente do conjunto artefatual cerâmico do sítio Rezende, em Centralina - MG, também por ele estudado no âmbito do Projeto Quebra-Anzol (coordenado por Márcia Angelina Alves. FAGUNDES, 2004), em que apenas uma pequena borda com incisão foi identificada. Em São Gonçalo do Abaeté (IZUMI, 2012; TAMEIRÃO, 2014), mesmo que muito raros, os vestígios com presença de engobo vermelho e preto, além de algumas bordas com decoração incisa e ungulada, também ocorreram nos conjuntos artefatuais. As bases evidenciadas são todas côncavas e uma quantidade significativa de arestas de vasos geminados foi identificada. Rodelas de fuso, cachimbos e cuscuzeiros não foram observados nestes conjuntos artefatuais cerâmicos. Entre todos os sítios associados à Tradição Aratu-Sapucaí no Triângulo Mineiro, o sítio São Lourenço 01, em Ituiutaba, foi o que apresentou maior variabilidade na tecnologia cerâmica. Os fragmentos analisados eram bem resistentes, espessos, com alisamento entre bom e Campina Grande - PB, Ano VI – Vol.1 - Número 09 – Fevereiro de 2015

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excelente. Exceção diz respeito a grande quantidade de fragmentos com decoração plástica, geralmente representada por incisões latitudinais junto aos lábios. Algumas bordas com perfurações foram também identificadas (WINTER et al, 2010). Em Cachoeira Dourada, o sítio Lago 01 foi o que apresentou maior variabilidade nas bordas, apresentando algumas com incisões latitudinais junto ao lábio e outra tantas reforçadas internamente. Neste sítio, os lábios arredondados são mais comuns, mas há fragmentos com lábios ponteados. Foram identificadas arestas de vasos duplos, ou geminados, em todos os dez sítios lito-cerâmicos identificados no município (FAGUNDES, 2011b, 2015). Com base nestes dados, apesar de todas as controvérsias (RODRIGUES, 2011, p. 62), percebe-se que as diferenças na tecnologia cerâmica são pontuais, onde as similaridades são majoritárias. Pode-se, assim, indicar que entre os conjuntos cerâmicos associados à tradição Aratu-Sapucaí, o alisamento de qualidade, algumas vezes lembrando o polimento, é uma característica comum, somado ao próprio polimento e o engobo, geralmente em vermelho. Do mesmo modo, a técnica de acordelamento e a queima redutora estão presentes na maioria dos conjuntos alisados. Contudo, a decoração plástica nas bordas de alguns vasilhames parece ser uma característica com grande expressão (e ainda pouco explorada), ocorrendo em poucos fragmentos, principalmente nos pequenos e de espessura fina a média, sendo realizada nas bordas, abrangendo toda a circunferência dos vasilhames, muito próxima ao lábio. A decoração ungulada (também nas bordas), apesar de rara, ocorre em vários sítios do Triângulo Mineiro e Vale do São Francisco.

ALGUNS EXEXMPLOS DAS INDÚSTRIAS LÍTICAS DA TRADIÇÃO ARATUSAPUCAÍ De acordo com Rodrigues (2011, p. 62), os artefatos líticos nem sempre são apresentados em estudos relacionados à Tradição Aratu-Sapucaí. Sob a perspectiva aqui adaptada trata-se de um equívoco.

O entendimento de similaridades e diferenças ou

recorrências e mudanças nas maneiras de conceber, produzir e utilizar as ferramentas líticas coopera sensivelmente para a compreensão dos conjuntos cerâmicos (e vice-versa), ampliando o conhecimento acerca das ocupações pré-coloniais, sobretudo no Brasil Central, como, por exemplo, tem ocorrido com os estudos sobre tecnologia lítica de horticultores realizados por Isnardis e equipe para o Planalto Diamantinense (ISNARDIS, 2013).

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Os conjuntos artefatuais líticos associados à Tradição Aratu-Sapucaí estão representados por vestígios sobre lasca, geralmente mais simples, que receberam poucas ações transformativas pós-debitagem e, quando ocorrem, são comuns os retoques curtos e em escamas para ativação de pelo menos um gume (FAGUNDES, 2004). Prous (2000, pp. 350-351) afirma que não eram bons lascadores, limitando-se ao lascamento de cristais e nódulos de quartzo. Esse tipo de vestígios foi identificado por Rodrigues (2011) no sítio Veredas III, no centro mineiro, onde o uso do quartzo hialino é majoritário, sendo debitado tanto pela técnica unipolar quanto bipolar. Por outro lado, os sítios do Centro-Norte e Triângulo Mineiro há uma maior diversidade de matéria-prima e da complexidade de sua apropriação para produção e emprego social do conjuntos artefatuais, com exploração majoritária do arenito silicificado (e quartzitos), geralmente havendo fatiamento de seixos para obtenção de suportes posteriormente retocados, ou mesmo a produção de ferramentas (uni ou bifaciais) sobre seixos (FAGUNDES, 2004, 2006, 2011b, 2015; GOMES; 2012; CORDEIRO, 2012; SILVA, 2012; ALVES, 2013). No sítio Rezende (FAGUNDES, 2006, p.118), localizado no médio vale do Paranaíba mineiro, a indústria lítica associada aos horticultores (datada entre os séculos XII e XV de nossa Era para a Zona 01 e séculos XI e XIV para a Zona 2 [ALVES, 2009]) está representada pela exploração de seixos de arenito silicificado (71,78% do conjunto artefatual dos horticultores), alguns fatiados por percussão unipolar direta, para a obtenção de suportes que, posteriormente, eram modificados por meio de retoques, geralmente curtos e em escama, para a evidenciação de um bordo ativo. Havia uma seleção prévia deste arenito silicificado, provavelmente nos locais de captação (cascalheiras dos rios Piedade e Paranaíba), sendo que devem ter sido levados para as aldeias previamente lascados. Além disso, alguns seixos foram talhados, uni e bifacialmente, onde receberam golpes para criação de um bordo ativo, sendo que grande parte da ferramenta foi mantida com sua superfície cortical como área de preensão. De modo geral, o conjunto pode ser caracterizado como uma indústria sobre seixo de arenito silicificado (matéria-prima endógena e de muito fácil acesso), para a produção de lascas com baixo investimento técnico, sobretudo em ações transformativas pós-debitagem, e artefatos sobre seixos. Reafirma-se que a classificação de baixo investimento nos processos após a obtenção de suportes não diminui a complexidade da indústria, principalmente relacionada à escolha da matéria-prima  processos produtivos  emprego social, relações, aliás, que precisam ser mais bem investigadas (FAGUNDES, 2006). No sítio Rezende, o quartzo também ocupou um lugar de destaque, sendo que dos dez núcleos evidenciados no conjunto artefatual, todos estavam esgotados, sendo apropriado,

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principalmente, para a produção de furadores, mas há também lascas retocadas (FAGUNDES, 2006, p.122). Ainda de acordo com Fagundes (2015), o conjunto artefatual lítico de outros sítios associados aos horticultores ceramistas do Triângulo Mineiro (em Ituiutaba e Cachoeira Dourada), também está constituído por artefatos simples, com maior diversidade no uso da matéria-prima e da próxima produção artefatual, com presença de raspadores de diferentes tipologias e lascas retocadas, sobretudo em arenito silicificado. O quartzo também é amplamente utilizado, sendo os suportes obtidos tanto pelo lascamento unipolar como o bipolar. E, como no Rezende, os furadores sobre quartzo são uma ferramenta constante nos conjuntos artefatuais (FAGUNDES, 2004, 2015; GOMES, 2012). Gomes (2012) estudando o conjunto artefatual lítico do sítio Lago 01, o descreve como proveniente de grupos ceramistas associados à tradição Aratu-Sapucaí localizado às margens do lago formado pela UHE Cachoeira Dourada, em uma área de APP, sendo o conjunto representado por núcleos (13,95% do conjunto), lascas de debitagem (37,20%), refugos de lascamento (20,93%), estilhas (18,60%), percutores (2,32%) e furadores de quartzo (6,97%). A matéria-prima dominante são os arenitos (34,387% do conjunto), seguidos pelo basalto (18,60%), calcedônia (13,95%), quartzo (13,90%), silexito (11,62%) e sílex (6,97%). A técnica unipolar está presente em os produtos de debitagem, apesar de o autor descrever o talhe de seixos para a produção de ferramentas maiores e mais pesadas. Entre os produtos de debitagem as lascas com marcas de utilização são a maioria (25,58% do conjunto), já os artefatos perfazem 10,98% do conjunto. Uma característica importante (e que necessita ser mais bem explorada em futuro próximo) é a relação entre matéria-prima e conjuntos artefatuais dos horticultores ceramistas, fato já esboçado na análise da relação entre o arenito silicificado e os conjuntos líticos do sítio Rezende (FAGUNDES, 2006). O que se pode observar no estudo dos sítios Lago 01 (associado aos horticultores ceramistas) e Lago 02 (associado aos grupos de caçadores coletores) é que, mesmo tendo o sílex e o silexito disponíveis, o uso de seixos de arenito silicificado teve um papel preponderante na produção artefatual. Logo, o que se está definindo como conjuntos artefatuais pouco complexos podem ser processos vinculados à funcionalidade das ferramentas e a tradição tecnológica (FAGUNDES, 2006, p. 131). Medeiros (2007) estudando conjuntos artefatuais em dois sítios lito-cerâmicos associados à tradição Aratu-Sapucaí, ambos integrantes do Projeto Quebra-Anzol (ALVES, 2009), indica os seguintes resultados: (a) Sítio Inhazinha – foi possível observar a presença de vestígios lascados (191 peças) e polidos (39 peças), sendo que a maioria destes produzidos em

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quartzo (59,74%), basalto (27,39%), arenito silicificado (9,53%) e quartzito (3,46%). Neste conjunto, segundo o autor, apenas o lascamento unipolar foi identificado, onde foi possível constatar que pelo menos parte do processo foi realizado na aldeia (MEDEIROS, 2007, p. 218). (b) Sítio Rodrigues Furtado – com a presença de 466 vestígios líticos, deste total 428 são lascados (produzidos tanto pela técnica unipolar quanto bipolar) e 38 polidos. A matéria-prima predominante foi o quartzo (76,81%), arenito silicificado (18,88%), basalto (2,36%) e quartzito (1,71%) (MEDEIROS, 2007, p. 219). Nery e Faccio (2010) apresentaram uma síntese sobre vários sítios associados à tradição Aratu na micro-bacia do rio Turvo, no norte do estado de São Paulo, bacia do Rio Grande. Segundos os autores (NERY & FACCIO, 2010, p. 80), o arenito silicificado perfaz 41% dos conjuntos artefatuais estudados, seguido pela calcedônia (28%), quartzo (18%) e sílex (13%). Na letra dos autores: Analisando os líticos lascados das áreas dos Sítios Turvos, percebesse uma maior ocorrência de peças confeccionadas em arenito silicificado, calcedônia e quartzo, respectivamente. Os núcleos e lascas apresentaram a matéria-prima arenito silicificado. Os resíduos apresentam a matéria-prima calcedônia. De modo geral, verifica-se que essas duas matérias-primas têm um nível maior de utilização. O arenito silicificado apresenta-se como matéria-prima de maior ocorrência. Na área do Sítio Turvo I, verificou-se a ocorrência dos dois núcleos em arenito. Pode-se perceber que o trabalho de lascamento foi efetuado na área do sítio (NERY & FACCIO, 2010, p. 80).

Concluem que os conjuntos líticos estão caracterizados por peças não muito grandes, tendo o arenito silicificado como matéria-prima predominante, a exemplo dos sítios estudados no Triângulo Mineiro (FAGUNDES, 2004, 2015; GOMES, 2012), contudo, ainda segundo os autores, tal realidade não impediu a utilização de outras rochas e minerais. A indústria, assim, está constituída de instrumentos simples, com poucas modificações, mas, segundo Nery e Faccio (2010, p. 87), estes supriam as necessidades cotidianas do grupo (ou grupos) que as produziram. Ao se tratar da tecnologia lítica nos sítios associados à Tradição Aratu-Sapucaí, Fernandes (2001) aborda que “normalmente o material lítico associado à Tradição Aratu-Sapucaí está intimamente relacionado ao tamanho das aldeias, geralmente descritas como extensas e estáveis”. Diante disto, a autora diz que: Portanto, para que um sítio fosse filiado à tradição, além de sua localidade, eram confirmadas algumas das questões que caracterizaram a Tradição Aratu-Sapucaí, como as urnas periformes e a documentação cerâmica bem característica, com fusos perfurados, vasos geminados (duplos), vasilhames de bordas onduladas e fragmentos cerâmicos lisos. Quanto à indústria lítica, os grandes representantes

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desta tradição são os quebra-cocos, lascas iniciais e lâminas de machado polidas. (FERNANDES, 2001).

Analisando 78 vestígios (74 são lascados, 03 materiais brutos e 01 polido), provenientes do sítio Veredas III (no centro mineiro), Rodrigues (2011) apresenta particularidades acerca dos conjuntos líticos por ele estudados, associados à cerâmica Aratu-Sapucaí da região central de Minas Gerais. O autor inicialmente afirma que, apesar de parecer numericamente superior aos vestígios líticos, os fragmentos cerâmicos analisados não equivalem a mais do que 24 potes. Contudo, os vestígios lascados, diferente dos sítios analisados e de outros conjuntos do Triângulo Mineiro, são em quartzo majoritariamente, obtidos por meio do lascamento de monocristais de quartzo hialino (RODRIGUES, 2011, p.106)6. As técnicas observadas no material lascado foram unipolar por meio de percussão direta dura e a bipolar, com percussão sobre bigorna (RODRIGUES, 2011, p. 179). As peças obtidas pelo lascamento bipolar, segundo o autor: As peças identificadas como extraídas por PSB longitudinal apresentam em média 2,7cm de comprimento, 1,6cm de largura e 1,3cm de espessura. As retiradas por PSB transversal possuem em média 2,5cm de comprimento, 1,9cm de largura e 0,8cm de espessura. As de PSB com direção não identificada têm 2,5cm de comprimento, 1,9cm de largura e 0,9cm de espessura. Já as que tiveram mudança no plano de percussão, com direção indefinida, apresentam 2,7cm de comprimento, 2,5cm de largura e 1,9cm de espessura (RODRIGUES, 2011, p. 180).

Já os vestígios onde a percussão unipolar direta com uso de percutor duro foi empregada (a minoria do conjunto artefatual), sendo que: “(...) Em média, as lascas possuem 2,3cm de comprimento, 2,1cm de largura e 0,9cm de espessura. Todas apresentam talão com a faceta do cristal de quartzo. Encontramos duas lascas” (RODRIGUES, 2011, p. 183). Por conseguinte, pelas informações e características apresentadas para conjuntos líticos de horticultores associados à tradição Aratu-Sapucaí, principalmente de São Paulo e Triângulo Mineiro (FERNANDES, 2001; FAGUNDES, 2004, 2015; GOMES, 2012; ALVES, 2009; NERY & FACCIO, 2010), foi possível inferir que se tratam das mesmas observadas para os conjuntos artefatuais em estudo, permitindo a especulação, mesmo que preliminar, que há similaridades técnicas entre a produção artefatual lítica dos grupos ceramistas associados à Tradição AratuSapucaí. O quartzo, apesar de ocorrer nos conjuntos artefatuais, tiveram apropriação e uso secundário no médio São Francisco, contudo acredita-se que tal fato esteja diretamente Tal realidade deve estar relacionada à constituição geológica regional e, consequentemente, o tipo de matériaprima disponível ao lascamento. 6

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relacionado aos tipos e disponibilidade de matéria-prima disponível ao processo de lascamento. Deve-se levar em conta que o quartzito e arenito silicificado são rochas de fácil obtenção regionalmente, com propriedades aptas ao lascamento e, principalmente, produzindo conjuntos materiais diversos e flexíveis para uma variada gama de atividades sociais.

CARACTERÍSTICAS GERAIS DA INDÚSTRIA LÍTICA DOS SÍTIOS CANOAS E MATO SECO I e II Acerca dos conjuntos líticos dos sítios (ao todo foram estudados 885 vestígios, 603 provenientes do sítio Canoas e 282 dos sítios Mato Seco), pode-se inferir que se trata de uma indústria sobre seixos relacionada a grupos de horticultores ceramistas e representada por ferramentas com baixo investimento transformativo, sobretudo em ações pós-debitagem. O Quadro 2 demostra a tipologia e a quantidade dos vestígios evidenciados nos assentamentos.

QUADRO 02 TIPOLOGIA DOS CONJUNTOS LÍTICOS DOS SÍTIOS MATO SECO I E II E CANOAS. SÍTIOS SÍTIOS MATO TIPOLOGIA CANOAS SECO I E II TOTAL % Total

%

Total

%

Lascas

257

42,62

168

59,57

425

48,18

Estilhas

180

29,85

25

8,86

205

23,24

Resíduos

87

14,42

21

7,44

108

12,24

Artefatos

62

10,28

44

15,43

106

12,01

Núcleos

17

1,16

11

3,90

28

3,17

Fragmentos naturais

-

--

06

2,12

06

0,68

Fragmentos polidos

--

--

05

1,77

05

0,56

Fragmentos artefatos

-

--

01

0,35

01

0,11

Seixo Natural

-

--

01

0,35

01

0,11

TOTAL

603

100,0

282

100,0

882

100,0

Como dito, esta indústria pode ser caracterizada como sobre seixo, onde as matériasprimas mais utilizadas foram o quartzito (32,99%), sílex (30,61%) e arenito silicificado (14,39%). As demais ocuparam papéis secundários nos conjuntos analisados (Quadro 03).

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QUADRO 03 MATÉRIAS-PRIMAS NOS CONJUNTOS LÍTICOS EM ESTUDO SÍTIOS CANOAS

Núcleo

Artefatos

05 07

04 41

02 -03 ----

SÍLEX QUARTZITO ARENITO SILICIFICADO QUARTZO CALCEDÔNIA CALCÁRIO SÍLEX ANFIBÓLITO SILEXITO SÍTIO MATO SECO SÍLEX (MARROM E VERMELHO) QUARTZITO ARENITO SILICIFICADO QUARTZO CALCEDÔNIA CALCÁRIO ANFIBÓLITO SILEXITO

Núcleo

Artefatos

Refugos

Lascas

TOTAIS

120 24

34 17

40 144

203 233

15

12

08

47

84

01 ---01

02 17 02 02 01

11 16 -01 --

02 07 13 03 -01

16 43 15 06 02 01

Estilhas

Fragmentos e

Estilhas

Refugos

Lascas

TOTAIS

seixo 03

07

--

04

08

45

67

04

09

01

08

02

34

58

04

25

07

13

08

80

137

------

03 -----

---05 --

------

01 ---02

03 01 03 01 01

07 01 03 06 03

%

%

Contudo, algumas considerações devem ser assumidas acerca da apropriação das matérias-primas. Primeiramente os conjuntos líticos estão constituídos por rochas e minerais endógenos, de fácil obtenção em cascalheiras no rio Abaeté e seus afluentes. Com posse desta informação, pode-se inferir que não há qualquer necessidade de economia da matéria-prima. Logo, as ações transformativas pós-debitagem, reparos e reciclagem podem ocupar papel secundário nos conjuntos líticos regional, tanto em função da disponibilidade quanto da sua aptidão para o lascamento, uma vez que, para as três matérias-primas principais, a debitagem já estabelece gumes cortantes aptos ao uso direto. Outro fator importante na discussão é o uso do sílex nos conjuntos apresentados. Apesar de ocorrer quantitativamente de forma significativa nos conjuntos artefatuais, a maioria dos vestígios em sílex é de estilhas e refugos de lascamento que perfazem 18,82% do conjunto (166 peças). Tal realidade deve estar vinculada à exploração desta matéria-prima, obtida em forma de nódulos para obtenção de pequenas lascas. Os artefatos em sílex totalizam apenas 1,24% do total do conjunto artefatual e são vestígios pequenos, com baixo investimento transformativo, o que indica a possibilidade da utilização dos suportes sem qualquer modificação após a debitagem.

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Os vestígios em quartzito e arenito silicificado, por sua vez, juntos somam 63,60% do conjunto artefatual. Deste total, 5,66% são artefatos em quartzito e 4,53% artefatos em arenito silicificado. O total de estilhas e refugos de lascamento destas matérias-primas é de 10,42%. Assim, diferente de outros sítios associados à tradição Aratu-Sapucaí, além de se observar uma maior variabilidade de matérias-primas (talvez vista nos sítios do Triângulo), o uso de seixos de quartzito para obtenção dos artefatos e suportes a serem transformados é uma marca deste conjunto. O arenito silicificado, sob a forma de seixo, também é extremamente utilizado, tanto para confecção de artefatos stricto-sensu, como para a produção de ferramentas sem ações transformativas, tais como quebra-cocos e calibradores. Com base na metodologia estabelecida por Fagundes (2004), algumas categorias, tais como presença de córtex, tipo de talão, tipo de lascas, foram comparadas à matéria-prima de modo que se pudesse compreender como foi realizada sua apropriação e quais características poderiam ser associadas às escolhas efetuadas para obtenção dos conjuntos artefatuais.

Figura 4. Artefatual unifacial em quartzito, sítio Canoas. Cordeiro/2013

Alguns resultados foram alcançados: (a) exploração dos seixos em quartzito para produção de artefatos unifaciais e bifaciais (em menor número), onde foram executados golpes perpendiculares para obtenção de um bordo cortante, permanecendo a maior parte da superfície cortical, tal realidade ocorrendo em todos os sítios (Figura 4); (b) estes seixos também foram explorados para a produção de suportes que sofreram ações transformativas pós-debitagem, sobretudo retoques, para a produção de raspadores e lascas retocadas. Cabe aqui a ressalva

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que para este tipo de ação o arenito silicificado foi mais utilizado (Figura 5); (c) No conjunto artefatual dos sítios Canoas 09 raspadores plano-convexos foram evidenciados, neste caso, houve o uso de façonagem para reduzir e dar forma aos gumes (Figura 6); (d) A exploração do sílex foi feita por meio de pequenos nódulos, muitos com incrustações, fato que resultou na obtenção de pequenas lascas que receberam retoques curtos e em escamas; (e) Os seixos em quartzito e arenito silicificado tiveram uma ampla variedade de usos, tanto por meio das ações transformativas – debitagem, façonagem e retoques –, como no uso direto como percutores, quebra-cocos (bigornas) e calibradores (SILVA, 2013; CORDEIRO, 2013).

Figura 5. Artefato sobre lasca, sítio Canoas 8. Fonte: LAEP/2013.

Figura 6. Exemplos de artefatos estudados. Fonte: LAEP/2013.

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Acerca das técnicas de lascamento, no caso dos produtos de debitagem foi observada apenas a utilização da técnica unipolar com uso de percutor duro. Mesmo nos suportes e artefatos de quartzo, não foi identificada a técnica bipolar, por exemplo. Trata-se, portanto, de processos de exploração dos núcleos (seixos rolados) para a produção dos suportes obtidos às suas custas ou dos próprios núcleos transformados em instrumento. Muitas ferramentas são choppers, ou seja, seixo lascado unifacialmente, por meio de retiradas paralelas ao eixo morfológico da peça, mantendo grande parte da sua superfície cortical, utilizada como área de preensão da ferramenta. Há também raspadores bifaciais sobre seixo. Na maioria das peças a direção de debitagem foi inferida e o talão ausente, provável resultado da exploração do seixo pela técnica unipolar, pelo qual foram desferidos golpes fortes com uso de percutor duro, ação que esmagou o talão de grande parte dos vestígios. No entanto, há peças que apresentam o talão, principalmente o cortical (15,95%), enquanto os do tipo lisoplano ocorreram em 7,98%. No que tange ao córtex, grande parte dos vestígios apresentou alguma superfície cortical, sendo que em 52,94% dos vestígios dos dois sítios apresentam o córtex menor que 50% e em 8,50% das peças apresentam o córtex acima de 50% ou total. As peças sem superfície cortical, na maioria, foram os refugos de lascamento. Em suma, entre as principais características dos conjuntos artefatuais pode-se citar: 

Há diferentes artefatos, mas as lascas (com presença de retoques) perfazem a maioria. Há também uma quantidade significativa de raspadores sobre seixos, uni e bifaciais.



A façonagem foi pouco utilizada, embora houvesse o conhecimento desta técnica observada em alguns poucos artefatos. Pode-se também inferir que os artefatos com menor investimento transformativos supriam as necessidades sociais e, portanto, não se tratava de uma relação entre simples ou complexo, mas de escolhas, do que produzir e para que, inclusive vinculado à eleição de determinada matéria-prima para a produção de certa ferramenta.



A proximidade com o rio fez com que a matéria-prima fosse abundante, sendo utilizados na maioria das vezes seixos depositados em seu leito, muito dos quais receberam golpes perpendiculares em uma das extremidades para criação do gume ativo e, em outros casos, houve fatiamento para obtenção de suportes.



A grande maioria dos vestígios dos conjuntos artefatuais em estudo está constituída por refugos do processo de lascamento.

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Assim, as ferramentas evidenciadas nos sítios possuem marcas que permitem afirmar que foram produzidas sobre seixos, por meio do fatiamento, utilizando a técnica unipolar com uso de percutor duro, onde o quartzito e arenito silicificado foram utilizados para a produção de uma ampla gama de ferramentas. Pode-se, assim, caracterizar os conjuntos artefatuais como provenientes de uma indústria sobre seixo para a produção de artefatos diferenciados. No conjunto artefatual também foram evidenciados ferramentas polidas como: lâminas, mãos e um tembetá em quartzo hialino. Alguns vestígios naturais com marcas de uso também foram evidenciados, representados por uma ferramenta multifuncional (com marcas de maceramento, percussão e de calibração) no sítio Mato Seco I e quebras-coco no Mato Seco I (associado a um sepultamento) e no Canoas.

Figura 7. Artefatos Polidos. Fonte: LAEP/2012

A PRESENÇA DE CERÂMICA NOS SÍTIOS EM ESTUDO Nos sítios em pauta também foi evidenciado uma grande presença de vestígios cerâmicos, fato que permitiu a afirmação de que os conjuntos artefatuais líticos em estudo são realmente provenientes de grupos de horticultores ceramistas que ocuparam a área entre pelo menos há 2000 mil anos A.P., conforme Dias Jr. (1974/1976). No caso dos sítios analisados, com base nos resultados dos estudos cerâmicos em andamento, pode-se inferir que se trata de grupos (ou grupo) filiados à Tradição Aratu-Sapucaí (TAMEIRÃO, 2014). Entretanto, em outros sítios regionais, principalmente o Ribeirão Canoas I,

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os estudos preliminares apontaram a existência de fragmentos típicos da Tradição Tupiguarani, apresentando pasta, técnicas e decoração diferentes (IZUMI, 2012). De qualquer forma, a literatura aponta para o médio São Francisco mineiro a presença da tradição Aratu-Sapucaí. Como discutido anteriormente, a cerâmica, marcador material da tradição, é caracterizada por vasilhames grandes, e inclui urnas funerárias globulares e piriformes. É produzida pela técnica de acordelamento, quase não ocorrendo decoração, sendo representada por peças bem alisadas e, quando ocorre decoração, está representada por poucas incisões (FAGUNDES, 2004; ALVES, 2013; TAMEIRÃO, 2014). Cachimbos tubulares, vasos geminados, cuscuzeiros e rodelas de fuso também são artefatos cerâmicos comuns na tradição Aratu-Sapucaí, ambos evidenciados nos sítios em São Gonçalo do Abaeté. No que tange as técnicas, para os sítios estudados (Canoas 08 e 09, Espigão e Ribeirão Canoas I, II e III), foram identificados: (a) peças com bom alisamentos em todos os conjuntos artefatuais. No sítio Ribeirão Canoas I, dos 417 fragmentos, 399 apresentam como tratamento de superfície o alisamento, dos quais 172 regular, 139 fragmentos bom, 82 excelentes e 06 ruins; (b) No que tange a decoração, por exemplo, no sítio Ribeirão Canoas I (417 fragmentos) foram evidenciadas duas bordas com engobo vermelho, 14 fragmentos escovados (que parecem ser Tupiguarani) e uma borda reforçada com decoração ungulada, com lábio plano e reforçado. Fato importante deste conjunto artefatual é a evidenciação de duas bases planas. No sítio Ribeirão Canoas II foi evidenciada outra particularidade deste conjunto: uma borda introvertida com decoração plástica ungulada e com engobo preto (IZUMI, 2012). De qualquer forma, cabe ressaltar que presença de engobo vermelho em todos os conjuntos artefatuais. Decoração incisa das bordas ocorre no sítios Canoas 08 e 09 (Figura 10). (c) em todos os sítios foi constatada a presença apenas da técnica de acordelamento; (d) o antiplástico representado pelo quartzo (maioria dos fragmentos) e cacos cerâmicos moídos, principalmente no sítio Espigão, onde 40% dos fragmentos apresentaram na pasta cacos triturados; (e) apenas a queima redutora foi identificada; (f) Os cacos são na maioria bem espessos, mas há exceções, por exemplo: no caso do sítio Canoas 08, 88,98% dos cacos apresentam espessura superior a 20 mm e apenas 3% tem espessura menor que 06 mm; no Canoas 09 14,31% são muito espessos, sendo que a maioria dos fragmentos é do tipo muito fino, ou seja, 40,15%; nos sítios Ribeirão Canoas I, II e III a predominância é dos fragmentos de espessura média (43%), seguidos pelos de espessura grossa (35%), os de espessura fina (15%), muito fina (6%) e muito grossa (1%). (g) as formas são variadas, desde urnas globulares de borda reta (provavelmente silos, já que não houve detecção de sepultamentos), vasos elipsoides de base plana (utilizado com urna), vasos semiesféricos, vasos cônicos, tigelas em

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meia calota, tigelas semiglobulares, entre outras (Figura 10). (h) Das bordas analisadas nos sítios Canoas 8 e 9 (70 no total, equivalente a 6,64% do conjunto artefatual), todas são retas com lábios arredondados, sendo que apenas 05 apresentaram incisões latitudinais juntos aos lábios, ao exemplo das evidenciadas no Triângulo Mineiro (Figura 10).

Figura 8. Rodela de fuso e cachimbo tubular. Fonte: LAEP/2012

Outro fato importante a ser destacado é que nos sítios em estudo, principalmente nas áreas onde foram evidenciadas urnas ou concentrações significativas de fragmentos cerâmicos, foram abertas quadrículas de escavação por níveis artificiais a cada 10 cm, finalizando na camada estéril, aproximadamente 50 cm de profundidade. No total foram abertas cinco áreas (quadriculamento) onde se evidenciou (SIGMA, 2012): (a) Quatro urnas silos, todas retiradas em bloco para escavação em laboratório. No LAEP, duas foram escavadas, sendo que a urna 01 obteve datação de 940 ± 25 AP pelo método de

14C,

as demais foram preservadas em

testemunho; (b) Um vasilhame elipsoide com base plana, com altura de 35 cm, com presença de ossos humanos no interior, sepultamento secundário (sepultamento 01); (c) Um sepultamento secundário depositado em grandes placas cerâmicas, com enxoval funerário associado (tembetá, quebra-coquinhos, lascas e fragmentos cerâmicos). Assim, os conjuntos cerâmicos são marcados pela presença de urnas globulares, provavelmente silos, uma vez que não foi evidenciado sepultamentos associados. Os polidos também ocorrem com grande frequência na Tradição Aratu-Sapucaí, fato que ocorreu nos sítios estudados, estando representados por lâminas, mãos-de-pilão, batedores, inclusive tembetás, podendo acompanhar os sepultamentos (ALVES, 2009, 2013). No sítio Mato

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Seco I, por exemplo, ocorreu a evidenciação de um sepultamento secundário envolto a placas cerâmicas, sendo que associado a ele um tembetá em quartzo hialino (Figura 8).

Figura 9. Sepultamento 2 com tembetá em quartzo hialino associado. Fonte: SIGMA/2012.

Figura 10. Formas cerâmicas dos sítios Canoas. Fonte: Des. Santigo/2011 apud TAMEIRÃO/2014. Cabe ressaltar que as diferenças entre os sítios regionais e os bierconjuntos artefatuais dos Ribeirão Canoas exige um estudo mais preciso e melhor compreensão dos sistemas tecnológicos, lembrando que a datação do Ribeirão Canoas III é pós-contato, ou seja, 380±ir 80 Campina Grande - PB, Ano VI – Vol.1 - Número 09 – Fevereiro de 2015

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anos A.P., enquanto dos Mato Seco e Canoas estão entre os séculos XI e XV. Para o sítio Ribeirão Canoas I, muitos componentes dos conjuntos cerâmicos são semelhantes ao que é descrito para a tecnologia Tupiguarani.

CONSIDERAÇÕES FINAIS A pesquisa objetivou a análise dos conjuntos artefatuais com vistas à reconstrução, mesmo que dedutiva, das cadeias operatórias envolvidas na análise dos conjuntos líticos, inclusive buscando resultados acerca do emprego social e uso das ferramentas líticas produzidas por esses grupos pré-coloniais, horticultores ceramistas associados à Tradição AratuSapucaí, que habitaram o vale do São Francisco mineiro, provavelmente entre os séculos XI ou XV de nossa Era. Trata-se de uma indústria sobre seixos, com uso majoritários do quartzito e arenito silicificado para a produção de um conjunto artefatual diversificado, a saber: (a) lascados: raspadores sobre seixos uni e bifaciais; lascas retocadas e outro tanto de lascas brutas sem ações transformativas pós-debitagem, mas que devem ter servido para uma ampla gama de utilizações; raspadores sobre lascas, inclusive plano-convexos, etc. (b) polidos: lâminas de machado, mãos-de-pilão e tembetá. (c) instrumentos sem modificações: almofarizes, calibradores, batedores e percutores. O sílex tem um papel expressivo, onde foram explorados nódulos para obtenção de pequenas lascas, sendo que algumas receberam retoques curtos e em escamas. O mesmo ocorreu com o quartzo, sendo utilizado para a produção de pequenos suportes, A disponibilidade de matéria-prima, por sua vez, levou ao estabelecimento de uma indústria onde não houve preocupação com a economia característica que pode ter influenciado todas as demais etapas da cadeia operatória e mesmo ‘camuflado’ alguns itens essenciais à compreensão das escolhas no que tange a relação entre matéria-prima e morfologia dos artefatos componentes dos conjuntos líticos. No que se refere às técnicas de lascamento, apenas a unipolar com uso de percutor duro foi averiguada, mesmo entre os vestígios em quartzo, matéria-prima onde o lascamento bipolar é atestado na literatura (RODRIGUES, 2011). De qualquer forma, os conjuntos líticos dos sítios em São Gonçalo do Abaeté (ainda em estudo), cooperam para a compreensão das indústrias de horticultores ceramistas afiliados à Tradição Sapucaí que, como destacado por Rodrigues (2011), são pouco estudados.

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Por meio das análises de campo e laboratório, bem como as comparações com estudos disponíveis na literatura, pode-se perceber que há necessidade de um investimento maior (esforços) para melhor compreensão de como estas ferramentas estavam relacionadas aos processos sócio-produtivos e seus papéis nos repertório culturais indígenas. Apontá-las como indústrias simples, ou expeditas, camuflam suas características tecnológicas (e culturais), impedindo o entendimento que se tratam de expressão material da cultura.

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REVISTA TARAIRIÚ – ISSN 2179-8168

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Campina Grande - PB, Ano VI – Vol.1 - Número 09 – Fevereiro de 2015

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