Consciência e participação política: uma abordagem Psicopolítica

September 6, 2017 | Autor: A. Soares da Silva | Categoria: George Herbert Mead, Psicologia Política, Political Consciousness, Consciência Política
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Interações Universidade São Marcos [email protected]

ISSN (Versión impresa): 1413-2907 BRASIL

2001 Alessandro Soares da Silva CONSCIÊNCIA E PARTICIPAÇÃO POLÍTICA: UMA ABORDAGEM PSICOPOLÍTICA Interações, julho-dezembro, año/vol. VI, número 012 Universidade São Marcos Sao Paulo, Brasil pp. 69-90

Red de Revistas Científicas de América Latina y el Caribe, España y Portugal Universidad Autónoma del Estado de México http://redalyc.uaemex.mx

Consciência e participação política: uma abordagem Psicopolítica* Resumo: O presente trabalho pretende estabelecer uma articulação entre a Teoria Social do Self, de George Herber Mead, e o Modelo de Estudo da Consciência Política, de Sandoval, com vista a possibilitarmos a melhor compreensão dos aspectos psicopolíticos da consciência e da participação política de sujeitos implicados em ações coletivas e movimentos sociais. Palavras-chave: Consciência Política, Teoria Social do Self, Ações Coletivas. Conscience and P olitical P articipation: a P sychopolitical approach Political Participation: Psychopolitical Abstract: This paper aims to articulate the theory of social self by G. H. Mead ant the model of analysis of political conscience by Sandoval. This articulation help us to understand the psychopolitical aspects of the conscience and the political participation in collectives actions and social movements Key words: Political Conscience, Social Theory of Self, Collective Action.

ALESSANDRO SO ARES D A SIL VA SOARES DA SILV Doutorando em Psicologia Social – PUC/SP

INTERAÇÕES Vol. 6 — Nº 12 — pp. 69-90 JUL/DEZ 2001

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O presente ensaio pretende apresentar uma importante abordagem teórica em psicologia social, ainda que pouco conhecida e utilizada pelos profissionais da área, desenvolvida por George Herbert Mead1 e analisar as possibilidades de articulação dessa com o modelo analítico de estudo da Consciência Políitica proposto por Salvador Sandoval.2 A teoria meadiana foi elaborada entre o fmal do seculo XIX e a três primeiras décadas do seculo XX. Mead é influenciado pelo processo de mudanças pelo qual passava a sociedade norte-americana, a saber: de uma sociedade eminentemente agrária, rural e religiosa a uma sociedade urbana, industrial e laica. Esta passagem da antiga mentalidade agrícola a uma nova, moderna mentalidade industrial é conseqüência da guerra civil. Curiosamente, as proposições meadianas foram muito mais aproveitadas por sociologos, filósofos a lingüistas do que por psicólogos sociais. Apenas mais recentemente elas têm sido retomadas por alguns estudiosos da area. Para nós, importa aqui destacar da obra de Mead as suas conceituações acerca da Consciência, Self, Ato Social e Outro Generalizado, de sorte a permitir a ampliação do estudo sobre consciência política a partir de referenciais da Psicologia Política nos moldes propostos por Sandoval (1989; 1994; 1997; 2001).

AP sicologia Social de Geor ge Herbert Mead Psicologia George

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Na perspectiva da teoria meadiana, o objeto de estudos da Psicologia não é a consciência compreendida nos moldes da filosofia. Para ele, o campo de estudo da Psicologia é mais extenso e a categoria “consciência” assume, nesse contexto mais amplo, um caráter psicológico, sendo ele essencialmente social. Para Mead é a experiência humana o objeto privilegiado da ciência psicológica, levando em consideração o fato de que a experiência humana possui duas dimensões distintas, a pública e a privada, sendo uma passível de observação por parte de um outro (Externa) e a outra oculta a outros que não o próprio sujeito dessas experiências (Interna); é necessário se encontrar um ponto de intersec-

Para especificar claramente o que é interno e externo na experiência humana individual, Mead propõe o conceito de “ato completo” que vem a ser “(...) a manifestação exteriorizada da ação (comportamento) e a sua intenção ou propósito, ou finalidade. (...) O ato não é simplesmente o estímulo mais a reação a ele, é um todo dinâmico do qual faz parte a experiência interna que, por sua vez, é constituída socialmente” (Sass, 1992: 125-26). A esse respeito lemos em Mind, Self and Society Society: “O ato, pois, e não o trajeto é o dado fundamental da Psicologia Social e individual, quando elas são concebidas na forma behaviorista3 e ela tem uma fase interna e outra externa, um aspecto interior e outro exterior”. (Mead, 1972: 7-8). Ainda é mister ressaltar que a noção de ato social deve estar, segundo o autor, restrita “(...) à classe de atos que implicam a cooperação de mais de um individuo, e cujo objeto, tal como é definido pelo ato é, no sentido de Bergson, um objeto social. Por objeto social entendo aquele que responde a todas as partes de ato complexo, ainda que tail partes se encontrem no comportamento de distintos indivíduos. O objetivo dos atos se encontra, pois, no processo vital do grupo, e não somente no processo vital dos distintos indivíduos”. (Mead, 1972: 7, nota 7)

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ção entre essa realidade exterior ao sujeito e a internalização dessa realidade exterior pelo sujeito para que se possa falar de consciência em Mead (ver Sass, 1992: 124).

Assim podemos notar que a ação exterior do sujeito é precedida de uma ação interior, mesmo que esta tenha sido formada por determinação exterior, durante a história do sujeito. Há intencionalidade presente no comportamento humano no instante em que o sujeito atribui valor a um objeto. Atribuir valor a objetos, é estabelecer finalidade para estes, e singrar as águas dos pressupostos de caráter teleológico. Então, ao atribuirmos valores a um objeto, estamos determinando a ação do sujeito em relação a esse mesmo objeto. Nesse sentido, podemos dizer que um ato social é uma conversação envolvendo gestos. Desse modo, a linguagem, funciona como meio de comunicação entre individuos da mesma espécie; constitui a base socialmente genética da organização dos atos sociais e atua como mecanismo de controle que o sujeito tem disponível para controlar sua ação em

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relação ao mundo, constituindo-se em componente fundamental da individuação (cf. Sass,1992: 138). Tais gestos, para Mead, podem ser significantes (conscientes) ou não significantes (inconscientes). A esse respeito, Mead escreveu que “(..) o gesto significante ou símbolo significante proporciona facilidades muito maiores a adaptação a readaptação do que os gestos não significantes, porque provoca no indivíduo que o manifesta a mesma atitude que provoca nos individuos que, como primeiro, participam do ato social dado, e assim tornando-se consciente da atitude em relação ao gesto e lhe permite adaptar o seu comportamento ao dos outros participante, à luz da referida atitude” (Mead, 1972:89)

Para Mead, a natureza da significação se encontra implícita na estrutura do ato social. Esse fato implica, para o autor, na necessidade de a Psicologia Social partir “da suposição inicial de um processo de experiência social e de comportamento em execução, processo em que está envolvido qualquer grupo dado de indivíduos humanos e do qual depende a existência e desenvolvimento de suas mentes, selves e da consciêcia de si.” (Mead, 1972:82) O self surge e se estrutura a partir de interações sociais, ou, em outras palavras, mediante a experiência singular de cada sujeito realizada no processo social. O self, então, ocupa um papel relevante no cenário da organização social, visto que integra a subjetividade (experiência singular de cada sujeito) e a objetividade (espaço de interação social, da coletividade). Assim, o self é organizado no interior do processo social. O sujeito existe, ativamente, no interior desse processo social. As atividades ocorrem nas diversas e cada vez mais complexas formas de relacionar-se com o outro e com o mundo. Partindo dessas considerações, observamos que a origem social do self proposta por Mead está no fato de que “o meio social humano pertence ao indivíduo em decorrêcia do caráter peculiar da atividade social humana.” (Sass, 1992: 202).

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A frase anterior nos leva a perceber que, para Mead, não se trata de qualquer tipo de atividade. Ainda que atividades como carregar uma geladeira ou desatolar um automóvel pressuponham uma ação cooperada entre os homens implicados na ação, que exijam “graus complexos de

Mead identifica três formas de atividades que progridem em nível de complexidade na construção do self. A primeira forma são as brincadeiras (play). Ele propicia à criança a primeira organização do seu self e da consciência de si mesma. Nessa categoria de jogos, a criança brinca de algo sem que existam fins e meios que a direcionem. “Numa primeira fase, as brincadeiras infantis são acompanhadas pela alternância rápida de papeis e, com a aquisição da linguagem, de solilóquios”. (Sass, 1992: 210) Ela pode brincar só ou em companhia de amigos imaginários (dublês).

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inleligência e de comportamento, neles não estão implicados o self de cada indivíduo”. (Sass, 1992:203) Em quase nada certas atividades humanas se diferenciam das atividades cooperativas executadas por animais, tais como as abelhas e as formigas. As atividades que importam aqui destacar são aquelas exclusivamente humanas, que são realizadas socialmente e que implicam na adoção da atitude do outro. Interessam-nos as “atividades que afetam o organismo do mesmo modo que afetam os outros organismos e portanto provocam, naquele, reações do mesmo caráter que provocam nestes.” (Sass, 1992: 204).

Ao experimentarem essas brincadeiras, as crianqas vão progressivamente concebendo como compreensíveis os papéis dos outros. Nessa fase, a apropriação da atitude do outro ainda não consiste na apropriação de um Outro Generalizados. Aqui a criança organiza de forma particular as atitudes particulares do(s) outro(s) voltando-as para si própria. Tal organização particular é regida por regras ocultas nas brincadeiras de papéis com as quais as crianças costumam brincar. Ressaltamos que a imaginação da criança lhe permite organizar e controlar suas proprias experiências. Assim, a imaginação ocupa papel importante na elaboração do self. A segunda fase de estruturação do self se encontra no período dos jogos (games). Eles estão alicercados nas experiências vividas nos jogos infantis. Neles há a admissão de regras prévias e claras que determinam o comportamento do sujeito no jogo, o qual também a jogado por outro(s). Quando o jogo é coletivo, também não se pode determinar unilateralmente as mudanças das regras. É necessário o assentimento de quem mais brinque para que se efetue as mudanças. Em outras pala-

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vras, é preciso que haja a apropriação da atitude dos outros que brincam de forma organizada. Esta apropriação não pode ser parcial, deve ser total, estar organizada numa totalidade, articuladas como um outro generalizado. Há, ainda, a reciprocidade entre os participantes do jogo que admitem as regras e vivem uma situação de inter-relação. E nesse contexto se dá a individuação do sujeito. “Em termos gerais, a individuação somente pode ser inteligível como processo em que a experiência do individuo implica a organização ideal e comportamental da pauta geral de conduta do grupo social a que pertence.” (Sass, 1992: 219). As atividades lingüísticas, em especial as atividades simbólicas que articulam os gestos vocais com o pensamento, constituem a terceira a decisiva fase de desenvolvimento do self. Esta última fase engloba as duas primeiras e “permite ao homem internalizar conscientemente o mundo exterior, e suplantar a si mesmo, convertendo a si mesmo, como consciêcia de si, no seu outro.” (Sass, 1992: 204) A isto Mead chama de diálogo interiorizado. Tendo em conta as ideias até aqui expostas, podemos concluir que “o self é a internalização das experiêcias sociais que são incorporadas ao comportamento da forma-individuo e adstrito à consciência, o seu caráter é essenSass cialmente cognitivo” (Sass Sass, 1992:224).4 O self é social: possui em seu fundamento aspectos internos a externos, os quais localizamos didaticamente no que Mead denomina de “eu” – parte do sujeito que reage às atitudes dos outros – e de “mim” – parte que processa e internaliza (antes da assimilação por parte do eu, ou então antes de tornar-se disponível ao sujeito) os eventos externos ao sujeito. Assim “o eu é a fase do self que se exterioriza, reagindo à atitude dos outros, o mim é a face do self que internaliza aquelas atitudes.” (Sass, 1992: 230) “As atitudes dos outros constituem um mim organizado e então o indivíduo reage a elas como um eu.” (Mead, 1972: 175) Eu e mim sao dois momentos estruturados de um mesmo processo, são como que fases componentes do self, sem as quais não se pode elaborar um self. O eu não tem como objeto a experiência direta. Seu obje-

As relações que o eu tem com as experiências são mediatizadas pelas memórias do mim: “Do confronto entre a ação do eu e a reflexão da experiência em mim é tecida a autoconsciência ou consciência de si”. (Sass, 1992: 229) Mediante o diálogo interiorizado, que caracteriza a terceira fase da elaboração do self, o sujeito conversa consigo mesmo e retruca a si próprio como se o fizesse com o outro. Portanto, o self tem por característica ser um objeto para si próprio. “A consciência de si implica que o indivíduo se converta em um objeto para si ao adotar as atitudes dos outros indivíduos para ele, dentro de um marco organizado de relações sociais: a menos que o indivíduo se converta em objeto para si, ele não desenvolveria a consciência de si nem teria um self completo. “ (Mead, 1972: 225)

Enquanto podemos dizer que o mim está voltado ao passado, visto que ele organiza as experiências objetivas percebidas pelo sujeito e que mais tarde são assumidas pelo eu, o eu está voltado para o presente e para as expectativas de futuro vividas pelo sujeito. Esta relação se dá numa perspectiva dialética, a qual coloca a ação do sujeito num devir continuo. O self completo é formado unitariamente mediante uma relação de reciprocidade existente entre o eu e o mim, a qual possibilita ao sujeito tornar a si um objeto para si mesmo.

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to está nas experiências processadas pelo mim, o que faz do mim o objeto do eu.5

Importa a esta altura dizer que, para Mead, a reflexão resultante da intemalização pelo sujeito de um reflexo generalizado da atitude do outro. A realidade é refletida generalizadamente pelo individuo. Em termos filosóficos, o particular (o sujeito) reduz sua capacidade reflexiva do reconhecimento do universal (o ato social). Fica estabelecido então que há uma relação entre sujeito e sociedade que, por sua vez, é mediatizada por algo. Esse algo é o Outro Generalizado.6 Segundo Sass, Mead entende que “a cada experiência nos defrontamos com um outro sempre particular mas sempre generalizadamente. (..) Apenas como reflexo generalizado da relação particular é que podemos compreender, da perspectiva social, a relação das formas pai e filho”. (Sass, 1992:

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244-45) E então podemos compreender o outro como “uma atitude organizada e generalizada do real, ou como um outro generalizado e é o outro generalizado que proporciona a unidade do self, ou a luta racional entre o eu Sass, 1992: 245) e o mim”. (Sass, Na perspectiva de Mead “a comunidade organizada ou o grupo social que proporciona ao indivíduo sua unidade de self podem ser chamados de outro generalizado. A atitude do outro generalizado é a atitude de toda a comunidaMead, 1972: 154) Disso podemos concluir que o outro generalizade”. (Mead, do não pertence imediatamente ao sujeito, mas à comunidade; o outro generalizado é a interiorização da atitude de toda a comunidade. No que se refere às relações entre o sujeito e a sociedade, podemos observar que elas se estabelecem mediante a formação e evolução da autoconsciência ou consciência de si adquirida pela formação do self. Em outras palavras, quanto mais o eu e o mim estiverem integrados, mais complexa poderá ser a consciência do sujeito. Em nosso entender, esta consciência é eminentemente política, é consciência política e se constrói em relação a si próprio, ao outro generalizado e à sociedade. Quanto mais articulados estiverem o eu e o mim, formando um self completo, mais política poderá ser esta consciência desenvolvida pelo sujeito. Dizemos isso porque um individuo que nao possua um self completo, nunca virá a ter uma consciência política com uma configuração complexa. Contudo, ter um self completo não significa o mesmo que ter consciência política complexa.

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Ter um self completo é a base para se obter uma consciência política complexa. Quanto mais articulado estiverem eu e mim na formação do self, quanto mais desenvolvida estiver a consciência de si no sujeito, mais condições o sujeito terá para elaborar sua consciência política de maneira com que se torne mais complexa. Portanto, podemos pensar em graus, configurações de consciência que se formam de modo dialético ou segundo o processo dialético vivido pelo eu-mim na construção do self. Podemos dizer que, paralelamente à estruturação do self completo podemos encontrar a formaqao da consciência politica, visto que a estrutura do self está na base dessa última.

Registramos ainda que, segundo a concepção meadiana, a sociedade é anterior ao indivíduo e, por isso, a individuação é resultante dos processos socializantes e depende da evolução histórica de nossa sociedade. Nas palavras de Mead verifica-se que “se o indivíduo obtém seu self apenas através da comunicação com os outros, somente graças à elaboração dos processos sociais mediante a comunicação significante, então o self não poderia Mead, 1972: preceder o organismo social. Este deve existir previamente”. (Mead, 233) Vale frisar que essa existência prévia da sociedade em relação ao sujeito não consiste na completa determinação deste pela sua relação com esta. Com essa postura, Mead caminha com K. Marx, que estabelece uma relação recíproca entre sociedade e indivíduo, ao afirmar que “assim como a sociedade produz ela mesma ao homem enquanto homem, é produzida por ele” ( Mar Marxx, 1978: 380).

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Em nenhum momento o autor nos permite pensar um sujeito dissociado da sociedade. É na indissociabilidade (e por conseguinte na ausência de qualquer dualismo a esse respeito) de sujeito-sociedade que podemos pensar essa dialética. O autor afirma que “qualquer tratamento psicológico ou filosófico da natureza humana implica a suposição de que o indivíduo humano pertence a uma comunidade social organizada e obtém sua natureza de suas interações e de relações sociais com essa comunidade como um Mead, 1972: 251) todo e com os membros individuais dela”. (Mead,

Essa relação pode ser observada no fenômeno das instituições. Elas são o reflexo da própria complexidade do ser humano. Elas não são necessariamente formas determinantes, castradoras do sujeito. Elas existem na sociedade porque, antes de tudo, são e estão internalizadas pelo sujeito. As instituições podem ser (e muitas vezes o são), além de formas organizadoras dos comportamentos inter-sujeitos e dos sujeitos que as compõem, promotoras da individuação do sujeito. A esse respeito lemos em Sass: “É claro que a vida social organizada, entre outras formas, em normas (direitos e deveres) e valores (morais e éticos), é internalizada pelo indivíduo em distintos graus. Da mesma maneira, em cada momento histórico um indivíduo ou um grupo de indivíduos podem traduzir melhor que outros indivíduos tanto a atitude do conjunto de pessoas que compõe a sociedade, reforçando as posições instituci-

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onais que sustentam, ou mesmo antecipando profundas modificações nas instituições vigentes. Esse entendimento vincula diretamente o papel da psicologia social à ação política dos indivíduos.” (Sass, 1992: 78)

Observemos um trecho em que Mead aplica seu conceito de self ao comportamento político: “Considere que um político ou um estadista, ao apresentar um projeto, tem nele mesmo a atitude da comunidade. Ele sabe como a comunidade reage em sua experiência a essa expressão da comunidade – ele sente como tal experiência possui uma série de atividades organizada que são aquelas da comunidade. Sua contribuição própria, nesse caso o ‘eu’, é um projeto de reorganização, um projeto que ele apresenta à comunidade tal como esta reflete nele. Também se modifica, por suposto, na medida em que apresenta esse projeto e faz dele uma questão política... Todo o procedimento é realizado na experiência do estadista bem como na experiência geral da comunidade. Quero apontar que os acontecimentos não ocorrem de forma simples em sua mente, em vez disso, ela é a expressão de sua própria conduta dessa situação social, desse grande processo cooperativo da comunidade, que é executado.” (Mead, 1972: 187-88)

Nesse trecho, Mead quer mostrar que, normalmente, não se pode pensar que liderança seja sinônimo de isolamento, de dominação e controle. Isso equivaleria a dizer que uma liderança ou qualquer sujeito que assim estivesse estruturado estaria possivelmente desprovido de um mim e, por isso, incapaz de internalizar a experiência vivida. Estaríamos falando de alguém com um self fragmentado, não completo, possuidor apenas de um eu e, assim, de uma consciência política fragmentária, se não patológica. Mead enfatiza no texto que o eu deve reagir partindo das atitudes organizadas dos outros pelo mim. E isso inclui o outro na ação política de qualquer sujeito. Subtrair por quaisquer motivos que sejam o outro da análise do comportamento político, social, é inconcebivel.

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Assim, ainda que o político não articule as expectativas dos outros durante a atividade, a construção de seu projeto (que em nossos tempos é orientada por estratégias de marketing politico), não nos autoriza a pensarmos que ele as desconheça. Certamente as conhece, pois só assim pode capitalizá-las a seu favor, convertê-las em expectativas de outra ordem e que estejam de acordo com seu projeto. Dessa forma, mesmo

Todavia é necessário que se diga que a análise meadiana é por demais idealista e funcional. Isso fica claro quando observe-se que o autor supõe de maneira implícita que a conduta do sujeito é eivada por uma conduta moral. A respeito dessa conduta moral suposta por Mead na vida do sujeito, Sass afirma que “(...) na medida em que, implicitamente, supõe uma moral na conduta das pessoas que está longe de ser um produto natural das relações sociais; em conseqüência, supõe que o projeto político é a Sass expressão da expectativa dos outros.” (Sass Sass, 1992: 232) É ingenua a compreensão de Mead de que projeto político de um estadista seja o reflexo, a expressão dos anseios da sociedade que se encontra sob a batuta do capitalismo. Estamos de acordo com a proposição de Sass que entende que a visão meadiana acerca da questão só faz sentido se pensarmos que “um projeto político que vincula organicamente os seus membros e seus sintetizadores e executores com as atitudes e expectativas dos membros da sociedade (...) faz sentido com os princípios que organizam as sociedades socialistas e não com aqueles que organizam a sociedade capitalista.” Sass (Sass Sass, 1992: 233)

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que ele não esteja articulando a demanda popular a seu projeto, o político está inserindo o outro em sua atividade política.

O modelo Analítico de Estudo da Consciência P olítica Política Destacados os conceitos e perspectivas do pensamento mediano, procuraremos agora estabelecer possíveis aproximações teóricas entre a Teoria Social do Self e o modelo de estudo da Consciência Política proposto por Salvador Sandoval (1989; 1994; 1997; 2001). É importante demonstrar, de pronto, o fato de que Mead não fez parte do referencial de Sandoval. Os autores que influenciaram de modo definitivo a Sandoval foram Tilly (1978), Moore (1978) Touraine (1966, 1984), Moscovici (1985) e Tajfel (1981), Melucci (1996) a Heller (1972). Contudo, defendemos a possibilidade de o autor ter se apropriado de

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alguns dos pressupostos meadianos através da tradição acadêmica norteamericana, na qual Mead tem um trânsito maior. Tendo presente as considerações anteriormente realizadas acerca da psicologia social de G. H. Mead, propomos pensar o modelo da Consciência Política como sendo uma inversão da teoria meadiana da seguinte forma: enquanto Mead não atribui a sua teoria do Self um caráter crítico (e se o faz ele provavelmente tem essa condição a priori e por isso não a clarifica) abrindo a possibilidade de se alcançar uma consciência de si acrítica, Sandoval parte exatamente dessa carência da teoria meadiana ao introduzir com condição objetiva para o seu modelo de consciência política a capacidade crítica que o indivíduo deve adquirir mediante suas experiências com o Estado e na construção da identidade coletiva com o grupo de pertença.7 Nesse sentido, o autor afirma que as restrições da vida cotidiana que são impostas ao sujeito atuam como um mecanismo de controle social, diminuindo as possibilidades desse sujeito desenvolver uma capacidade de abstração analítica. Tal proposição nos direciona à compreensão de que o viver diário é alienante (cf. Heller 1972; Sandoval, 1989). Entretanto, é inserido nesse viver cotidiano que assimila as suas crenças, valores societais e expectativas, que ele desenvolve suas relações sociais e constrói uma espécie de “consciência da sociedade”. Assim, pensamos que o viver cotidiano, além de alienante, constitui um importante obstáculo à politização do sujeito. Essa análise nos leva a reiterar a idéia de a consciência meadiana ser acrítica porque não propõe, ao menos de forma direta, algum tipo de ruptura com o cotidiano. Para Sandoval “(...) apesar dos valores, crenças sociais e da rotina cotidiana, os indivíduos têm a oportunidade de romper temporariamente e parcialmente com alguns dos mecanismos de submissão e viver, no movimento social, experiências coletivas que, por sua vez, são pedagógicas no sentido de que o indivíduo tem a oportunidade de vivenciar outras formas de agir frente a seus problemas, interagir com outras pessoas no âmbito de um esforço organizado coletivamente e conhecer experiencialmente o sistema político na medida em que o movimento social contesta o status quo político-distributivo e leva o indivíduo a se defrontar com membros das elites políticas.” (Sandoval, 1989:70-1)

Apesar disso, nós observamos uma aproximação significativa entre o pensamento de Sandoval e a obra de Mead no que se refere à consciência de si, já que toda a consciência de si é social e por ser social pode vir a ser política. A aproximação que fazemos dessas duas concepções teóricas se justifica pelo fato de partirem de algumas premissas comuns: a reciprocidade existente entre sujeito e sociedade, a mediação desse processo pela identificaçãoe e apropriação da atitude do grupo de pertença e a possibilidade de se aprofundar progressivamente esta consciência política. Ajunte-se a isso o fato de que entendemos que as proposições de um e outro autor serem complementares sob diversos aspectos os quais procuraremos demonstrar ao decorrer desse texto.

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Entendemos que Mead esteja se fiando em alguma forma de evolucionismo social pelo qual o sujeito, em um dado momento e devido às interações que vivenciar, ampliará essa consciência de si à arena política. A interação entre sujeito e sociedade se dá de modo permanente e ininterrupto. Essa é nossa impressão quando lemos os trechos em que Mead escreve sobre comportamento político. Entendemos também que, diferentemente de Mead, Sandoval vê na ruptura desestruturante do cotidiano a forma de o sujeito abandonar essa consciência acrítica em prol de uma outra politizada.

Quando dizemos que toda a consciência de si pode vir a ser política, estamos nos referindo ao fato de que no processo de interiorização das estruturas sociais, das instituições, de apropriação do outro generalizado, é mister que o eu faça a sua leitura das estruturas, instituições e do outro generalizado com o qual o mim teve contato e “propõe” ao eu interiorizar. Essa leitura e conseqüente releitura feita pelo eu (a qual implica na relação de mão dupla entre o sujeito e a sociedade), estaria impregnada de posturas políticas advindas do processo de estruturação do self (ou autoconsciência, ou ainda consciência de si). Mas enquanto Mead não destaca a especificidade da ação e conscincia polítical8, o aspecto político, na estrutura geral da consciência de si fazendo com que esse carater político do self seja como que uma condicionante implícita à existência do próprio self; Sandoval procura discriminar, enfatizar, na consciência seu caráter político. Ainda que o processo de

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estruturação da consciência traga em si um caráter político, isso não implica na necessidade de que o sujeito seja um sujeito politizado. Assim, a consciência política refere-se à politização do sujeito, às ações politizadas do sujeito e, em última análise, ao desenvolvimento consciente do seu caráter político. Segundo o autor, consciência política é: “(..) a composite of interelated social psychological dimensions of meanings and information that allow individuals to make decisions as to the best course of action within political contexts and specific situations.” (Sandoval, 2001:185)

Para Sandoval a consciência política é formada por aspectos identitários (identidade social na perspectiva de Tajfel), pela cultura construída socialmente e expressa na sociedade, por um conjunto de crenças internalizadas pelo individuo e pela percepção politizada do contexto social em que se localiza o sujeito (identidade Coletiva na perspectiva de Melucci). Esses aspectos, que informam a consciência apresentam-se no modelo proposto por Sandoval com sendo 7 dimensoes psicossociológicas que se articulam10. São elas a Identidade Coletiva; as Expectativas e Convicções Societais; os Sentimentos de Interesses Coletivos e a Identificação de Adversários; a Eficácia Poílica; os Sentimentos de Justiça e Injustiça; a Vontade de Agir Coletivamente e, por fim, as Metas e Propostas de Ação Coletiva. Em artigo publicado em 2001, Sandoval apresenta o seguinte esquema:

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Fonte: Sandoval, S. (2001) (tradução nossa).

Nas palavras de Sandoval (2001), o modelo descreve as várias dimensões psicossociais que constituem a consciência política de um indivíduo: “This model of political consciousness depicts the various social psychological dimensions that constitute na individual’s political awarenessof society and himself/herself as a member of that society and consequntly represents him/her dispositions to action in acordance with that awareness.” (p. 185)

Outro aspecto que nos permite aproximar os dois autores é a questão da ação voluntária do sujeito. É preciso dizer que o pensamento meadiano contribuiu em muito para o desenvolvimento e consolidação da mentalidade voluntarista da sociedade norteamericana. Afirmamos isso por reconhecermos que a proposta de uma psicologia social apresentada por Mead é eivada de uma generosa dose de voluntarismo. Feita essa consideração, notamos que Salvador Sandoval (1994), ao propor a primeira versão de seu modelo analítico para o estudo da consciência política, que trazia por base o modelo de consciência operária de Alain Touraine (1966), propõe uma quarta dimensão além das três que o modelo do autor continha originariamente, a saber: Identidade; Oposição e Totalidade. A essa quarta dimensão Sandoval chamou de predisposição para intervenção. Sandoval acrescera esta quarta dimensão ao esquema de Alain Touraine por entender que o conceito de consciência estaria “(...) intimamente relacionado ao engajamento do comportamento social em busca de Sandoval auto-interesse e de interesse de classe” (Sandoval Sandoval, 1994: 68). Tal entendimento nos remete à pensarmos que a percepção do sujeito acerca de sua capacidade de intervenção com o fim de lograr alcançar seus interesses está associada à uma noção de consciência voluntarista. Com isso, não pretendemos dizer que essa seja a concepção de consciência de Sando-

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É importante salientar que as dimensões da consciência política possuem conteúdos mutáveis, visto que o que dá limite ao conteúdo de cada dimensão são os conteúdos dos momentos históricos em que cada sujeito se encontra.

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val, mas que a ação voluntária perpassa as ações individuais e coletiva dos sujeitos. Para o autor “(...) consciência é um conceito psicossocial referente aos signiftcados que os indiviíduos atribuem às interações diárias e acontecimentos em suas vidas (...) A consciência não é um mero espelhamento do mundo material, mas antes a atribuição de significados pelo indiviíduo ao seu ambiente social, que servem como guia de conduta e só podem ser compreendidos dentro do contexto em que é exercido aquele padrão de conduta.” (Sandoval, 1994:í59).

Notemos ainda que essa noção de consciência está consideravelmente próxima a que Mead propôs no inicio do século XX. Ambos os autores reconhecem que a consciência é socialmente dada, forjada no interior do processo social no qual objetividade e subjetividade interagem. Em outras palavras, os dois autores são unânimes em admitir que a consciência é constituída mediante a interação recíproca entre aquilo que vivenciamos e significamos como realidade extrínseca e aquilo que vivenciamos como sendo intrínseco ao sujeito (cf. Berger & Luckmann, 1967). Ainda relacionado à quarta dimensão da consciência, lemos o seguinte: “Além disso, a compreensão de como certas ações individuais ou coletivas ocorrem ou deixam de ocorrer não é apenas uma questão de circunstância histórica ou da percepção do indivíduo de sua realidade social, mas também do repertório disponível de ações possíveis e da legitimidade atribuída às mesmas por seus atores. É nessa terceira acepção que sentimos a necessidade de agregar a ‘predisposiçãao para a ação’ às outra dimensões de consciência política.” (Sandoval, 1994:68)

Nessa formulação, notamos uma proximidade com a noção de atividade proposta por Mead. A partir e mediante essa atividade eminentemente humana o sujeito atribui valores e significados e é capaz de determinar ações individuais e coletivas às quais poderá vincular-se. INTERAÇÕES Vol. 6 — Nº 12 — pp. 69-90 JUL/DEZ 2001

Ressaltamos que na proposta de Sandoval identidade não é sinônimo para consciência; identidade ocupa o lugar de categoria analítica; é entendida como um componente, uma dimensão da consciência, da

Da mesma forma, Mead não entenderia a Identidade como um termo sinônimo para seu conceito de Self ou consciência de si. Nos amparamos para tanto nas argumentações que Sass (cf. Sass 1992: 197201) nos apresenta a esse respeito. Como já observamos, Self ou consciência de si tem, para Mead, “um caráter exclusivamente consciente”. A concepção meadiana de self tem um caráter de consciência de si (self-consciousness). Sendo assim, termos que portem significados conscientes e inconscientes, como é o caso das palavras personalidade e caráter, ou que revelem apenas de modo parcial o conceito de Mead, como no caso do termo eu, que se refere apenas ao que é próprio do sujeito, deixando de lado a outra face do self (mim), ou mesmo identidade como é proposta por Ciampa (1987), em que o termo pode ser entendido como uma “restrospectiva da individualidade”, são inadequados. Sass, ao refutar o uso desses termos nos apresenta o seu entendimento a respeito do que seria para Mead a consciência de si, o self. Segundo ele “(...) o self mediano está voltado, pela ação do eu, prospectivamente; ou, para usar uma imagem sartreana, a ação que ainda não foi consumada e que está voltaSass da a morder o futuro.” (Sass Sass, 1992:199) Parece-nos que, outra vez, Mead e Sandoval se aproximam. Ambos os autores voltam sua atenção à consciência, ao processo social no qual ela é forjada. É na atividade humana, na relação entre sujeito e sociedade que se dá essa elaboração. Dessa forma, Identidade é, em

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mesma forma corn que Touraine (1966) propôs. Juntamente corn o conjunto de crenças, com a cultura, com as experiências vividas, estão a identidade social e a identidade coletiva constituindo as dimensões da consciência política (e no nosso entender podemos introduzir nessa construção teórica o outro generalizado que funciona como mediador externo, entre sujeito e sociedade, e interno, entre os diversos níveis psicológicos do sujeito). Tajfel (1981) e Melucci (1996) são autores que colaboram na construção de Sandoval acerca da dimensão identitária da consciência política, Contudo, Sandoval não entende como sendo identidades distintas as propostas de Tajfel e Melucci, mas a identidade coletiva uma especificação da identidade social de Tajfel ocorrida pela politização do sujeito e ambas um componente da Consciência Política.

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ambos autores, um componente importante (e não um sinônimo de) para a elaboração de seus conceitos – self e consciência política – mas não o único. Cada autor apresenta os componentes que julga essenciais para tanto, mas em momento nenhum permitem a nós reduzir suas teorias ao termo identidade. Ambos os autores vêem suas proposições teóricas para além do que identidade por si só é capaz de representar.

Considerações F inais Finais Ao avaliarmos as considerações que acabamos de fazer neste breve ensaio, entendemos que nossa proposição de uma possível articulaçao teórica entre Mead e Sandoval aponta para a leitura da consciência e do comportamento político que não cai em posturas deterministas ou unidirecionais quando da articulação estabelecida entre consciência, participação, comportamento e politica. Muito pelo contrário. Tal articulação nos concede a possibilidade de efetuarmos estudos que nos possibilitem entender de que modo os processos de construção da consciência, de identidades, da cultura política e as definições de estratégias reordenam cada um desses aspectos da vida do sujeito, do mundo da vida e acabam por produzir novos significados para as ações coletivas e para a participação política do sujeito. Pensamos, por fim, que, ao utilizarmos os conceitos desses autores de modo articulado, poderemos explicar melhor como que a cultura política de um sujeito se transforma, na medida que busca soluções para suas necessidades e a satisfação de suas demandas através de ações coletivas ou movimentos sociais. Essa proposta facilita, ao nosso ver, a compreensão do processo de transformação de identidades pessoais em identidades coletivas; os modos com que o sujeito aprende e apreende a linguagem particular da organização a que venha a afiliar-se e que provocará transformações em diversas dimensões da consciência como, por exemplo, em seus valores societais, suas crenças e na percepção de antagonismos e adversários, visto que virá a transferir parte de sua lealdade e de sua solidariedade a esse grupo de pertença a que se afiliará.

Notas *

Para meus pais e Jaqueline Oliveira.

1

Nasceu em 27 de fevereiro de 1863 em South Hadley, Massachusetts, EUA e faleceu em 26 de abril de 1931, aos 68 anos. Mind, Self and Society e os demais títulos da obra de Mead, são o resultado de esforços de seus ex-alunos, em especial Charles Morris, que organizou e prefaciou Mind, Self and Society (após a morte de Mead) e que é o principal titulo da obra de Mead por conter os conceitos fundamentais de sua psicologia social.

2

Norte-americano radicado no Brasil desde 1976. Atualmente é Professor da Universidade Estadual de Campinas e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

3

Ver Sass, 1992:124.

4

A afirmação de que a apropriação da atitude do outro ainda não consiste na apropriação de um Outro Generalizado merece a seguinte ressalva: caso haja a apropriação do Outro Generalizado, esta não se dá no nível da consciência, a criança não teria consciência de que o faz.

5

Ainda a respeito do que seja internalizar e interiorizar é esclarecedor distingui-los como sendo o primeiro termo o que trata do processo estruturante da experiêrncia individual e o segredo o que traz consigo o sentido de conduzir ao interior do sujeito as estruturas extemas já ordenadas (cf. Habermas, 1987: 34).

6

Afirmar o contrário (que o eu é objeto do mim) implicaria em fazer com que a ação característica do eu fosse deslocada para o mim, tornando o eu prisioneiro da memória, do conjunto organizado das atitudes dos outros que o indivíduo adota para si mesmo e da ação isolada do mim. Fazer do eu objeto do mim significa, ao nosso ver, fazer com que a capacidade de reação que o indivíduo tem frente às atitudes do outro internalizadas pelo mim findem, pois não seria possível fazer com que as atitudes dos outros reelaboracem nossas própria atitudes. Tal proposição acarretaria o fim do diaáogo interior estabelecido pelo eu e o mim e conseqüentemente a impossibilidade da consciência de si proposta por Mead.

7

Um exemplo apropriado para entendermos essa questão é a relação pai-filho. A esse respeito ver Sass, 1992: 243-44.

8

É importante observarmos que Mead elabora sua Teoria Social do Self partindo da premissa da democracia. A democracia é concebida por ele como o elemento que possibilita ao sujeito o desenvolvimento da consciência de si. O mesmo princípio valeria para se explicar a formação de lideranças. Contudo, não podemos deixar de lembrar

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Enfim, pensamos que, através desse trabalho de articulação da Teoria Social do Self e do Modelo de Estudos da Consciência Política, poderemos apresentar novas e interessantes contribuições à compreensão do permanente processo de socialização política vividos, pelos movimentos sociais.

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que lideranças como Stalin ou Hitler se mantêm fora de regimes democráticos ou ainda que as democracias contemporâneas sustentam-se muitas vezes a partir de sistemas de exclusão social. Esse nos parece o caso do Brasil e de outros países em desenvolvimento que possuem um alto nível de concentração de renda. No caso brasileiro, apenas 20% da população possui cerca de 80% da renda do país. Assim, parece-nos que as democracias contemporâneas diferenciam-se consideravelmente daquela pensada por Mead. Elas não necessariamente contribuem ao desenvolvimento de uma consciência de si completa, critica visto que elas se mantém com uma pequena parcela da coletividade. Ainda que a compreensão meadiana aponte para o desenvolvimento de uma criticidade da consciência, isso parece-nos aparente visto que, ao nosso ver, Mead tende muito mais a propor um “sujeito da adaptação” do que da crítica.

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9

Importa fazer notar que, no instante em que Mead faz da democracia uma condição necessária para o desenvolvimento do self, ele está abrindo espaço para que pensemos o próprio self não apenas socialmente, mas também politicamente. Contudo o possível aspecto político do self não chega a ser mencionado pelo autor no decorrer de sua obra.

10

Para uma leitura mais detalhadas das dimensões da consciência política propostas por Sandoval recomendamos a leitura do artigo The Crisis of de Brazil Labor Moviment and Emergence of Alternatives F oms of W okingClass Contetion Foms Wokingoking-Class in the 1990s olítica 1990s, publicado na Revista P sicologia P Política olítica; I(1), no qual o autor apresenta seu modelo teórico.

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Recebido em: set/01 Aceito em: fev/02

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