Consensualismo contratual

June 15, 2017 | Autor: R. Moraes | Categoria: Direito Civil, Direito Contratual
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Sua obra mais influente é Il contratto, v. 1, que foi traduzida ao espanhol, com o título El contrato, v. 1, por Jose Ferrandis Vilella.
Gino GORLA, El contrato, v. 1, p. 57-66.
Michel VILLEY, La formation de la pensée juridique moderne, p. 465-480.
Orlando GOMES, Contratos, p. 6-8.
Darcy Bessone de Oliveira ANDRADE, Do contrato - teoria geral, p. 7-21.
Praticamente todos os romanistas brasileiros sustentam esta visão do direito contratual romano. Por todos, José Carlos MOREIRA ALVES, Direito Romano, v. II, p. 116-119.
O texto de Ulpiano é o seguinte: "...conventionis verbum generale est ad omnia pertinens de quibus negotii contrahendi transigendique causa consentiunt qui inter se agunt... Adeo autem conventionis nomen generale est ut eleganter dicat Pedius nullum esse contractum, nullam obligationem quae non habeat in se conventionem, sine re sive verbis fiat..."
Agudas são as observações sobre o fragmento de Ulpiano formuladas em Michel VILLEY, Seize essais de philosophie du droit, p. 243.
Pietro BONFANTE, Il contratto, v. 1 e la causa del contratto, p. 119.
Gino GORLA, El contrato, v. 1, p. 29-32.
Gino GORLA, El contrato, v. 1, p. 32-35.
Gino GORLA, El contrato, v. 1, p. 45.
Gino GORLA, El contrato, v. 1, p. 53.
cfr. Michel VILLEY, La formation de la pensée juridique moderne, p. 199-211.
cfr. Michel VILLEY, La formation de la pensée juridique moderne, p. 397-505. As análises do famoso jusfilósofo francês são bastante inquietantes e surpreendentes, além de estarem extremamente bem fundamentadas. Elas dão o pano de fundo de toda esta visão do humanismo jurídico. Também são clássicas as páginas de Franz WIEACKER História do Direito Privado Moderno, p. 172-182.
Michel VILLEY, La formation de la pensée juridique moderne, p. 470-480.
Para uma visão mais rica da influência da Escola Culta no direito, ver Michel VILLEY, La formation de la pensée juridique moderne, p. 507-551 e Franz WIEACKER, História do direito privado moderno, p. 172-182.
CÍCERO, Dos deveres, p. 34-35.
CÍCERO, Dos deveres, p. 42.
cfr. Gino GORLA, Il contratto, v. 1, p. 47.
cfr. Michel VILLEY, La formation de la pensée juridique moderne, p. 597-609; Guy AUGÉ, Le contrat et l'évolution du consensualismo chez Grotius, p. 99-102.
Guy AUGÉ, Le contrat et l'évolution du consensualismo chez Grotius, p. 103.
Inleiding, III, I, 11; apud Guy AUGÉ, Le contrat et l'évolution du consensualismo chez Grotius, pág. 104.
cfr. Gino GORLA, El contrato, v. 1, p. 66-71; Guy AUGÉ, Le contrat et l'évolution du consensualismo chez Grotius, p. 107.
Para uma crítica a este conceito de "direito romano clássico", tal como foi entendido pela jurisprudência culta do humanismo, Michel VILLEY, La formation de la pensée juridique moderne, p. 522-524.
DOMAT, Les lois civiles dans leur ordre naturel, t. I, p. 27 e 28.
cfr. Gino GORLA, Il contratto, v. 1, p. 57-60.
cfr. Gino GORLA, Il contratto, v. 1, p. 61-63.
POTHIER, Oeuvres de Pothier, v. 8, p. 373-377.
ver Gino GORLA, Il contratto, v. 1, p. 65-75.
"As convenções formadas legalmente têm força de lei para aqueles que as fizeram".
Judith Martins COSTA, Crise e modificação da idéia de contrato no direito brasileiro, p. 130.
Alfred RIEG, Le contrat das les doctrines allemandes du XIX siècle, p. 31-49.
cfr. Gino GORLA, Il potere della volontá nella promessa come negozio giuridico, in Rivista del Diritto Commerciale, 54 (1): 18-19.
Federico Carlo di SAVIGNY, Sistema del Diritto Romano Attuale, v. 3, p. 123.
Bernardo WINDSCHEID, Diritto delle Pandette, v. 1, p. 202-207.
cfr. Alfred RIEG, Le contrat das les doctrines allemandes du XIX siècle, p. 35 e ss.
Alfred RIEG, Le contrat das les doctrines allemandes du XIX siècle, p. 38.
Clóvis V. do Couto e SILVA, "Para uma história dos conceitos no direito civil e no direito porocessual civil: a atualidade do pensamento de Otto Karlowa e de Oskar Büllow", p. 241.
Clóvis V. do Couto e SILVA, Para uma história dos conceitos no direito civil e no direito porocessual civil: a atualidade do pensamento de Otto Karlowa e de Oskar Büllow, p. 243.
Alfred RIEG, Le contrat das les doctrines allemandes du XIX siècle, p. 38-40.
Alfred RIEG, Le contrat das les doctrines allemandes du XIX siècle, p. 40.
vide, para ficar apenas em um autor, Ludwigg ENNECCERUS, Derecho Civil (Parte General), v. 2, p. 592.
Alfred RIEG, Le contrat das les doctrines allemandes du XIX siècle, p. 42.
Augusto Teixeira de FREITAS, Esbôço do Código Civil, p. 353, art. 1830 e 1833.
Clóvis BEVILÁQUA, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil commentado, v.4, p. 240.
Darcy Bessone de Oliveira ANDRADE, Do contrato - teoria geral, Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 21.
Darcy Bessone de Oliveira ANDRADE, Do contrato - teoria geral, p. 23-29.
Darcy Bessone de Oliveira ANDRADE, Do contrato - teoria geral, p. 103-107.
Washington de Barros MONTEIRO, Curso de Direito Civil - direito das obrigações (2), p. 15.
Washington de Barros MONTEIRO, Curso de Direito Civil - direito das obrigações (2), p. 23.
Caio Mário da Silva PEREIRA, Instituições de Direito Civil, v. 3, p. 16.
Caio Mário da Silva PEREIRA, Instituições de Direito Civil, v. 3, p. 11.
Francisco Cavalcante PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, t. 38, p. 6 e ss.
Francisco Cavalcante PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, t. 38, p. 33.
Francisco Cavalcante PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, t. 38, p. 33.
Antonio Junqueira de AZEVEDO, Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, p. 96 e ss.
Antonio Junqueira de AZEVEDO, Negócio jurídico: existência, validade e eficácia, p. 23.
Antonio Junqueira de AZEVEDO, Negócio jurídico e declaração de vontade, p. 141.
Orlando GOMES, Transformações gerais do direito das obrigações, p. 1 e ss. e 68 e ss.
Orlando GOMES, Contratos, p. 11.
Orlando GOMES, Contratos, p. 19.
Michel VILLEY, Leçons d'histoire de la philosophie du droit, p. 329 e 324.
Gino GORLA, Il contratto, v. 1, v. 2, passim.
Francisco Cavalcante PONTES DE MIRANDA, Tratado de Direito Privado, t. 38, p. 33.


Consensualismo Contratual
Autor: Renato José de Moraes
Mestre em Direito Civil pela USP
Consultor jurídico do escritório Dantas, Lee e Brock Advogados
Publicado na Revista dos Tribunais, São Paulo, Editora RT, v. 729, p. 679-698, 1996.

Introdução

Este trabalho tem por objetivo analisar, através de breves pinceladas, a evolução do consensualismo no direito dos contratos. Evidentemente, não há nele qualquer pretensão de exaustividade. Cada escola de direito tem sua explicação sobre o papel da vontade nos contratos, e não se fará aqui mais do que apontar linhas mestras de algumas escolas, sabendo-se que cada uma mereceria um estudo mais aprofundado.
Não será tratada neste trabalho a temática referente ao consensualismo no direito público, que foi uma das bases de vários teóricos do constitucionalismo, mas apenas a do valor da vontade nos contratos de direito privado.
A fundamentação teórica deste estudo está na consideração de que a dogmática jurídica não é, de modo algum, desvinculada das visões filosóficas imperantes em cada momento histórico. Normalmente, estas filosofias tomarão conta da mentalidade dos juristas com certo atraso em relação ao seu apogeu cultural, pois é necessário passar um período de tempo até que os estudiosos do direito incorporem à teoria jurídica as novas explicações do mundo trazidas pelas escolas filosóficas.
Entretanto, apesar desta demora, todas a modas filosóficas terminam por se inserir, com maior ou menor profundidade, no mundo jurídico. Pelo fato do direito ser um ramo do saber eminentemente prático, voltado para a solução de litígios concretos, que acontecem diuturnamente no interior das sociedades, a maior preocupação dos juristas não é a de construir uma ciência absolutamente coerente, mas a de resolver os problemas que lhe são apresentados. Para a solução destes, muitas vezes o jurista se utiliza de construções teóricas fundamentadas em algumas das escolas filosóficas em voga. A preocupação eminentemente prática de procurar o direito no caso concreto, misturada à natural atração intelectual que exercem as filosofias da moda, levam a que o jurista seja, com grande frequência, filosoficamente incoerente, misturando conceitos de diferentes escolas de pensamento com vistas a atingir uma solução prática satisfatória. Daí o ecletismo e contradição que com lamentável frequência são encontrados nas explicações, dadas pelos aplicadores do direito, dos porquês de suas posições em matérias jurídicas.
Mais graves ainda são os problemas decorrentes das modernas filosofias de direito estarem, com bastante frequência, dissociadas da prática jurídica. Afinal, os filósofos que mais influenciaram o direito moderno, como Guilherme de Occam, Erasmo, Descartes, Leibniz, Kant e Hegel, não tinham familiaridade com o dia a dia do mundo jurídico. Efetivamente, percebe-se atualmente uma autêntica fratura entre o direito ensinado nas Universidades e nos tratados e o praticado pelos advogados, juízes e promotores.
Com essa fissura, surge, de um lado, o desprezo dos acadêmicos com relação àqueles por eles considerados medíocres operadores jurídicos, e a desconsideração, por parte dos aplicadores do direito, das construções teóricas levantadas pelos professores universitários, as quais não teriam qualquer utilidade por mais se assemelharem a passatempos intelectuais. Estas duas posturas, cada uma delas errada dentro de seu exclusivismo, devem-se ao fato do ensino jurídico estar baseado, quase que totalmente, em filosofias que têm uma noção irreal e incopleta do fenômeno do direito.
Assim, os aplicadores não encontram uma teoria jurídica que explique o que eles realmente fazem no seu labor quotidiano, e passam a se desentender da filosofia, perdendo assim a chance de se enriquecer com as autênticas conquistas que ela traz ao direito. Ao mesmo tempo, certos estudiosos são incapazes de auxiliar o universo jurídico com suas formulações teóricas, antes trazendo a este mais confusão e problemas.
Esta cisão entre teoria e prática, de tão graves consequências, é especialmente notada em certas matérias, entre as quais está o dos contratos. Não será possível formular neste trabalho uma teoria sobre o direito dos contratos que pudesse explicar o que ocorre na prática jurídica, pois tal empreitada ultrapassaria os estreitos limites deste estudo e foi levada a cabo, com maior ou menor sucesso, por uma série de autores, dentre os quais se destaca Gino Gorla. Aqui, buscar-se-á apenas examinar como surgiu o consensualismo no direito dos contratos, paralelamente ao desabrochar da filosofia moderna.
Este pequeno exame histórico poderá ajudar a colocar em dúvida posições já sedimentadas pela inércia e pelo hábito intelectual. Ainda que neste trabalho não se mostre, de maneira explícita, um outro caminho para o direito dos contratos, ele tenta deixar claro que o consensualismo não é uma doutrina atemporal, qual uma verdade absoluta. Antes, segundo estudiosos importantes, como Gino Gorla, Michel Villey, Orlando Gomes e Darcy Bessone, o consensualismo (ou voluntarismo) é uma teoria relativamente recente. Tanto o direito romano quanto o direito medieval não o conheceram, e ele surge nos inícios da Idade Moderna.
Iniciará este trabalho com um breve comentário sobre a noção romana dos contratos, tão distorcida pela aplicação, àquela experiência jurídica, de categorias que só vieram a se tornar vitoriosas mais de doze séculos depois. Posteriormente, será estudada a escola culta e o humanismo jurídico, cuja importância é frequentemente subestimada. O próximo passo consistirá em compreender a influência do jusnaturalismo moderno no direito dos contratos. Depois, as figuras colocadas em foco serão Domat e Pothier, os principais inspiradores do Código Civil francês. Eles virão antes dos famosos pandectistas alemães, que levarão ao extremo a intenção de tornar científico o direito. Finalmente, será feito um curto apanhado da influência do consensualismo no direito brasileiro, especialmente no deste século. Esta é a estrutura do presente estudo sobre o direito dos contratos e o consensualismo.

1- A experiência romana e medieval

O direito romano é um verdadeiro mistério para os juristas. Por várias razões, hoje em dia é praticamente impossível saber como era ele realmente, apesar de homens geniais, como Scialoja, Betti, Savigny, Jhering, Mommsem, Kaser e Riccobono, apenas para citar alguns nomes, terem-no estudado com profundidade.
As interpolações feitas pela equipe de Triboniano quando da compilação que deu origem ao Corpus Iuris Civilis; a perda das obras originais dos juristas romanos, destruídas por ordem de Justiniano; a influência dos glosadores, que, ainda que fiéis à mentalidade jurídica dos romanos, provavelmente modificaram parte dos textos dos juristas antigos: tudo isso seria de por si só suficiente para atrapalhar a investigação sobre o genuíno direito romano.
Entretanto, o que mais dificulta a redescoberta do autêntico direito romano é a aplicação, nessa pesquisa, de categorias e maneiras de pensar modernas, incompatíveis com as romanas. Efetivamente, todo estudioso está de certa maneira condicionado pela época histórica em que ele está inserido e tende a observar os demais períodos da humanidade a partir do ponto de vista de sua época. Com isso, pode ocorrer um grave mascaramento da realidade da vida antiga, dificilmente vencível ou mesmo perceptível.
No direito dos contratos, esta regra, infelizmente, funciona com um admirável vigor. Com efeito, a imensa maioria dos romanistas atuais entendem que, para os jurisprudentes romanos, o contrato era antes de tudo um acordo de vontades, como nos dias de hoje, simplesmente havendo as partes que observar mais formalidades que nos tempos atuais.
Um texto que com frequência é esgrimido pelos defensores do consensualismo no direito romano é o de Ulpiano (D. 2. 14. I. 3), que cita a tese do jurista Pedius, o qual afirmava que em todos os contratos, mesmo nos formais e consensuais, havia uma convenção.
Entretanto, este fragmento recolhido no Digesto não afirma, de modo algum, que todo contrato seja uma convenção, mas sim de que nele há uma convenção. Além disso, o texto em questão traz a opinião de Pedius, que é endossada por Ulpiano. Contudo, seria um exagero extrair dele que todos os juristas romanos entendiam que devia haver um consenso nos contratos. Basta lembrar da posição de Gaio, que coloca o próprio pagamento indevido como fonte de contrato.
Ao mesmo tempo, a palavra latina contractus, no sentido que damos a ela hoje, era raramente utilizada pelos jurisconsultos romanos, que preferiam falar de res contracta, negotium actum, res gesta ou negotiorum gestum. Isso se explica porque, para os romanos, o contrato se referia a algo contraído, derivado de um negócio, uma causa, um (sinalagma) que se dava entre as partes. Daí que dificilmente esta palavra se encontrava sozinha, mas normalmente acompanhada de uma determinação, como negotium, crimen, culpa, etc., que se referia àquilo pelo qual tinha sido contraída a obrigação.
Através do exame aprofundado das fontes, pode-se observar que, no direito romano clássico, reconhecia-se inicialmente apenas os contratos formais, dos quais a stipulatio era o melhor exemplo, e os contratos nominados ou típicos, quatro deles consensuais e quatro reais. Posteriormente, dá-se ações para outros contratos, desde que estes tivessem uma forma que servisse para identificar e concretizar a vontade de vincular-se juridicamente, forma esta que era a causa do contrato.
Nos contratos inominados, surgidos com o direito justinianeu e sem serem típicos, sua formação estava condicionada a que uma das partes tivesse efetivamente realizado a sua prestação, funcionando esta como causa, não sendo suficiente o simples acordo de vontades.
Finalizando o exame do direito romano dos contratos, cabe enfatizar que estes não se formavam pelo consentimento mútuo, mas apenas quando houvesse a tipicidade ou uma causa objetiva, que deixasse claro o desejo de que surgisse o vínculo jurídico inter partes.
O sistema contratual romano perdurou durante toda a Idade Média, mas com maior rigidez. O direito bárbaro apenas aceitava os contratos formais e os reais, sendo que mesmo os contratos consensuais típicos dos romanos não eram admitidos por então.
Formando-se o contrato, a responsabilidade das partes era sempre igual, não importando se fosse um contrato a título gratuito ou oneroso. Não era possível invocar o estado de necessidade de uma das partes para que esta deixasse de efetuar uma doação anteriormente prometida mediante as formas exigidas pelo direito.
Apesar da dureza deste sistema medieval, incompreensível para nossa mentalidade, ele procurava solucionar uma série de problemas referentes aos contratos, buscando sempre alcançar uma segurança para as relações de direito.
Até o século XIII, o consensualismo não terá entrado ainda no mundo jurídico. Para que isto acontecesse, haveria a necessidade de uma mudança de postura filosófica, que quebrasse a mentalidade aristotélica e escolástica, que foi a verdadeira base do direito romano e medieval.
O ataque mais vigoroso á filosofia medieval, que veio a abalar seus alicerces, foi levado adiante por dois teólogos de inegável capacidade intelectual e profundidade de conhecimentos, que foram Duns Scotto e Guilherme de Occam. Ambos iniciaram o voluntarismo filosófico, quando, em suas especulações sobre teologia, sustentaram que a vontade de Deus antecede a Sua inteligência. Assim, algo seria bom ou mau porque deste modo o determina a vontade de Deus, e não a Sua sabedoria. A vontade passa a ser a mais nobre das potências, superando a inteligência e a razão.
Ainda que para a mentalidade atual, tais distinções parecem demasiado sutis e desprovidas de alcance prático, a postura voluntarista levará, em Occam, ao nominalismo, verdadeiro pilar do pensamento moderno. Todos os conceitos pelos quais os pensadores anteriores compreendiam o mundo, como o de substância, natureza, acidentes, transcendentais, e muitos outros, serão colocados de lado ou terão seu sentido profundamente distorcidos. Segundo o nominalismo, o único existente é o indivíduo, não as substâncias. Apenas o particular é real, não o geral. Entre cada homem, apenas existe de comum o nome - homem -, não havendo nenhuma identificação de natureza entre os vários indivíduos costumam ser agrupados sob este nome.
Com a ausência de discípulos à altura de São Tomás, que pudessem fazer frente às novas orientações filosóficas, o voluntarismo e o nominalismo não encontrarão adversários. Pouco a pouco, eles irão se tornando os atores principais do cenário intelectual. Desse modo, acabarão influenciando toda a filosofia moderna.
A derrocada da filosofia medieval possibilitará o advento do humanismo renascentista. Sobre as ruínas do mundo antigo, começará a se erguer um novo edifício de pensamento e cultura. Evidentemente, o direito não poderia ficar incólume diante destas profundas e bruscas mudanças.
Com a Escola Culta, terá início o direito moderno, cujos primeiros passos tinham sido ensaiados alguns séculos antes, nos trabalhos de Occam sobre a pobreza franciscana, nos quais surge um consórcio entre o direito e o nominalismo. E o consensualismo, tão afim ao voluntarismo, passará a se introduzir na doutrina jurídica dos contratos.
Surgindo posteriormente o humanismo renascentista, o voluntarismo deixará de ser algo referido apenas a Deus, para se centrar no homem. A vontade deste será o que realmente importa. E os humanistas serão os primeiros a transplantar a nova filosofia, misturada com a das escolas helênicas, para a doutrina jurídica.

2 - O Humanismo Jurídico

Período capital da história do direito, que, infelizmente, ainda não foi devidamente estudado, é o humanismo jurídico. Ele representa uma importante ruptura entre o direito romano e o direito moderno, motivada principalmente pela eclosão das filosofias helênicas na Europa, que se ergueram sobre as ruínas da filosofia medieval, atacada pelo voluntarismo de Scotto e Occam.
O humanismo jurídico surge na época histórica conhecida por Renascimento. Este movimento intelectual e artístico, que deixou marcas profundas em toda a cultura ocidental, tem seu momento de esplendor nos arredores do século XVI. Por então, a Europa se tornava mais rica, com o florescimento do mercantilismo e com as grandes descobertas acontecendo a todo o vapor. As cidades italianas, de início, são o núcleo do Renascimento, que depois se espalhou por vários países da Europa. Com respeito ao direito, interessa especialmente a acolhida do Renascimento por parte das elites intelectuais italiana e francesa.
A característica fundamental do humanismo é, como o próprio nome diz, a tentativa de colocar o homem como centro de todo o universo. A principal preocupação filosófica dos humanistas não é mais a metafísica, mas a moral; a conduta individual, o comportamento virtuoso e o viciado, a perfeição da pessoa, isto é o que verdadeiramente importa. De maneira similar ao que ocorreu na Grécia no final da época de ouro de Sócrates, Platão e Aristóteles, revigoram-se filosofias voltadas precipuamente para a perfeição individual, como o estoicismo, o epicurismo e o ceticismo.
Efetivamente, o humanismo Renascentista representa um retorno a vários dos moldes de beleza e de pensamento do mundo greco-romano. Entretanto, esse retorno não foi em direção a Aristóteles e Platão, que tinham sido redescobertos antes, mas sim para o testamento de Cícero, Sêneca, Epicuro, Pírron, Horácio, Homero, Lucrécio, e das filosofias estóicas, céticas e epicúreas.
No apogeu das universidades medievais, Aristóteles foi "o Filósofo": seus livros foram comentados por vários dos maiores filósofos de então, especialmente por Tomás de Aquino; sua visão de mundo, que levava a uma revalorização da experiência sensível, com uma consequente postura aberta perante as realidades temporais, revolucionou todo o pensamento medieval nos séculos XII e XIII. Também Platão foi sempre tido em alta conta no mundo medieval, sendo uma das principais bases da filosofia de Santo Agostinho, o maior vulto da Patrística Ocidental.
Contudo, no início do Renascimento, esses dois filósofos passam a competir, no gosto da intelectualidade, com os filósofos helênicos, bem como com poetas, escritores, moralistas, artistas e personagens da Grécia decadente e de Roma. Com o transcorrer do tempo, entretanto, ambos deixam paulatinamente de ser os principais pontos de referência da cultura em voga, e seus lugares são ocupados por Cícero, Epicuro, Zenão e Pírron.
Ora, frequentemente os juristas têm a tentação de encaixar o direito dentro dos sistemas de idéias emergentes. Trazendo o Renascimento novas formas de pensar, era praticamente inevitável que também surgissem escolas jurídicas diferentes das anteriores, que colocassem no mundo do direito as novas visões da realidade. Aí entra a jurisprudência culta ou elegante, cujos grandes nomes, como Budé, Donelos e Cujácio, para ficar apenas nos franceses, eram homens formados pela cultura renascentista.
Na época da eclosão das filosofias helênicas em Roma, o direito de então foi pouco afetado por elas. Isso se explica porque os filósofos romanos, quer estóicos, céticos ou epicúreos, não se importaram substancialmente com o fenômeno jurídico, visto que estavam principalmente preocupados com a moral individual, o aperfeiçoamento da pessoa, e não com a justa distribuição dos bens na sociedade, tarefa primordial do direito. Mesmo Marco Aurélio, que foi um imperador estóico, não procurou aplicar suas concepções filosóficas ao direito. Evidentemente, parece que uma série de juristas clássicos foram estóicos, mas isso não afetou as bases do direito romano, cujas soluções e prática continuaram essencialmente aristotélicas.
Entretanto, no Renascimento, os juristas cultos serão coerentes com sua filosofia, e procurarão moldar o direito a ela. Disto surgirão uma série de consequências fundamentais, como a busca da sistematização do direito, a valorização do ensino jurídico, o desprezo ao direito medieval, o intento de racionalização das leis, a concepção do direito como uma criação humana, e assim por diante. Todas estas transformações têm seu fundamento no estoicismo, segundo o qual a razão é o mais importante atributo do ser humano.
Para o objeto deste trabalho, o mais importante aporte da jurisprudência culta e do neoestoicismo é a colocação, no direito contratual, de uma série de princípios morais estóicos, que abrirão caminho para o triunfo do consensualismo.
Como já foi dito, o principal interesse dos estóicos era o aperfeiçoamento moral, e eles construíram toda uma ética centrada na virtude, que deveria ser o fundamento de todo o agir humano. Dentro desta visão, o direito se torna algo muito mais vinculado ao interior da pessoa, à sua subjetividade, do que era no direito romano. Nota-se uma espécie de confusão entre o direito e a moral, com aquele sendo, na prática, englobado por esta.
Em seu afã por uma vida virtuosa e tranquila, os humanistas buscaram na filosofia helênica as regras de conduta que deviam seguir. Talvez aí esteja uma explicação no interesse por Cícero: este excepcional orador era um eclético, em quem podem ser encontradas, de maneira mais nítida, influências estóicas e epicúreas. Efetivamente, no ambiente cultural do humanismo, excessivamente requintado, a moral dos primeiros estóicos gregos, como Zenão e Crísipo, era por demais exigente para ser aceita em sua pureza. Já a moral de Cícero era mais facilmente digerível, com menores exigências e, por isso, mais apropriada ao ambiente de então.
Portanto, Cícero acaba se tornando a leitura predileta dos humanistas, especialmente dos juristas. Afinal, ele era um homem público e um advogado, que teceu uma série de considerações sobre o direito em suas obras. Nota-se nelas ainda uma certa influência aristotélica, mas já se encontram também várias formulações tipicamente estóicas.
Assim, Cícero afirmava, em uma célebre passagem, que "a justiça é a mais esplêndida das virtudes (...)", e que "seu fundamento é a boa-fé, ou seja, a sinceridade nas palavras e a fidelidade nas convenções". Falando sobre a promessa, ele sustenta que , mesmo sob pressão de circunstâncias, quem fez uma promessa ao inimigo deve manter a sua palavra. Além disso, "a palavra empenhada deve sempre refletir o que se pensa, e não o que se diz". Ao escrever sobre o valor da palavra dada, Cícero está tratando de um assunto principalmente moral, que interessa ao direito de forma apenas oblíqua. Entretanto, devido à confusão entre direito e moral, favorecida pela visão estóica, alguns juristas começam a construir uma teoria dos contratos baseada em postulados morais, e não na justiça em sentido estrito. Quando o afã de sistematização e racionalização se alastrar pela Europa, e forem buscadas idéias mestras a partir das quais fosse possível extrair a maior parte dos princípios jurídicos, será proposta a idéia estóica do valor da palavra dada como fundamento de todo o direito dos contratos.
Com Cujácio, Donelos, Hotman, e outros juristas de valor incontestável, será quebrada a linha da tradição que vinha desde o direito romano e havia continuado com o direito medieval, caracterizada pelo método de busca do direito no caso concreto, não cabendo nela sistematizações a priori. Estranho paradoxo: aqueles que se consideravam os maiores amantes do autêntico direito romano, que teria sido pervertido pelos juristas medievais, foram os que, no fundo, dariam o primeiro passo que tornaria a obra dos jurisconsultos do Lácio uma autêntica obra de museu, digna de ser venerada e conhecida, mas não mais algo vital para se resolver os problemas do presente.
Apesar da consideração de que gozou, a Escola Culta não conseguiu implantar o usus modernus em toda a Europa, havendo dificuldades na penetração de suas teses entre os dogmáticos. Afinal, a prática de milhares de anos era por demasiado forte para ser destruída em favor de postulados semelhantes àqueles que alimentavam a jurisprudência elegante. Na Itália, por exemplo, continuou-se a utilizar o método bartolístico, havendo uma continuidade com o direito medieval. Também a Alemanha, apesar da docência de vários dos juristas cultos em suas terras, não foi de imediato tomada pela nova escola.
Entretanto, praticamente todos os juristas franceses posteriores, especialmente os grandes Domat e Pothier, serão bastante influenciados pela jurisprudência elegante e pelo pensamento humanista. Tinha sido então lançada a semente do consensualismo, senão na prática, na doutrina de muitos juristas, o que, mais adiante, numa época de ainda maior racionalização e individualismo, dará seus frutos.

3- O jusnaturalismo e Grócio

Posteriormente ao Renascimento, mas sem dúvida também influenciada pelo humanismo, virá a época do racionalismo. Depois do humanismo ter colocado o homem no centro de todas as preocupações, surgirá o movimento que entenderá ser a razão humana a medida de todo o conhecimento. Esta é uma característica fundamental do Iluminismo, que tem em Descartes um dos seus principais nomes.
Efetivamente, Descartes coloca o pensamento antes do próprio ser das coisas: primeiro penso, depois existo. Esta guinada filosófica foi fundamental na história da filosofia, inaugurando uma época em que o homem se considera capaz de tudo, pois ele é principalmente um ser racional, e sua razão é quase onipotente.
Interessante notar que toda a filosofia de Descartes está profundamente influenciada pelo método matemático. O pensador francês, cujas descobertas na geometria analítica foram extraordinárias, procurou fazer uma filosofia que estivesse baseada em idéias certas e demonstráveis, a partir das quais se deduziria a explicação para toda a realidade, sem deixar margens a qualquer dúvida. Desse modo, não mais as idéias eram tiradas da realidade, mas esta seria entendida a partir de deduções e raciocínios intrincados. Há a preocupação de encaixar o mundo em sistemas fechados e absolutamente coerentes, como se o homem pudesse entender racionalmente tudo o que o rodeia.
O racionalismo da época de Descartes, que mais adiante servirá de base a todo o idealismo alemão de Kant, Fichte e Hegel, e também ao empirismo inglês de Bacon, Hobbes e Toland, influenciará profundamente também o direito. Da junção entre direito e racionalismo, surgirá a Escola do Direito Natural ou Racional.
Conhecidas são as intenções dos jusnaturalistas modernos. Procuravam eles um direito perfeito e imutável, que, construído pela razão humana, seria válido em todos os tempos e lugares. Com os jusnaturalistas, chega-se mais a fundo na racionalização do direito iniciado com a escola culta; aplica-se ao direito o método das ciências físicas e matemáticas; busca-se a sistematização das leis e da "ciência jurídica"; dá-se muito valor aos conceitos jurídicos, a partir dos quais se devia chegar às soluções práticas. Com o jusnaturalismo, houve uma profunda separação entre direito e realidade, da qual se ressentem ainda hoje os juristas.
A fim de avaliar o que significou o jusnaturalismo moderno para a teoria dos contratos, será aqui examinada, com mais detalhe, a concepção de um autor, Grócio, que é um dos mais importantes juristas, se não o mais, da Escola do Direito Natural. Evidentemente, homens brilhantes, como Leibniz e Pufendorf, também foram fundamentais para o desenvolvimento desta escola, mas também é correto afirmar que a influência de Grócio foi a mais profunda e duradoura.
O famoso jurista holandês foi alguém que viveu profundamente o seu tempo, a primeira metade do século XVII. Tratou-se de uma época bastante turbulenta, na qual a Europa estava dividida política e religiosamente, culminando os desentendimentos das nações na Guerra dos Trinta Anos (1618-1648). No decorrer deste conflito, Grócio escreveu a obra pela qual até hoje é frequentemente editado e lido: o "Tratado da Guerra e da Paz" (De jure belli ac pacis).
Dois escritos de Grócio são os que interessam de maneira direta ao tema deste trabalho. O primeiro deles é a "Introdução do direito holandês" (Inleiding tot de Hollandsche Rechtsgeleertheid, de 1629), e o outro é o já citado "Tratado da Guerra e da Paz".
No Inleiding, o internacionalista holandês escreveu um manual sobre o direito de seu país. No decorrer de toda a obra, seu autor procura deixar claro que não pretende confundir entre três planos, para ele bem distintos entre si: o do direito natural, o do direito romano e o do direito positivo holandês. Convém ressaltar que esta divisão entre o direito positivo e o direito natural, colocados em planos diferentes, supõe uma solução de continuidade a respeito da concepção romana e medieval, segundo a qual ambas espécies de direito eram tidas por complementares e simultaneamente vigentes.
No terceiro livro desta obra, Grócio trata dos direitos pessoais, que é onde ele coloca a sua doutrina sobre os contratos. Ao raciocinar sobre os contratos no plano do direito natural, Grócio se mostra consensualista, pois esta doutrina assegura o cumprimento do dever de manter as próprias promessas, que é uma obrigação de direito natural. O contrato é definido como um ato voluntário pelo qual alguém promete algo a outrem, para que este o aceite e possa adquirir um direito contra o promitente. A obrigação contratual se baseia na liberdade que o homem tem de dispor de seus atos.
Ao tratar do direito positivo holandês, bastante diferente do "direito natural", o Grócio coloca limites ao consensualismo. Ele afirma que um simples pacto, sem ter uma causa razoável, ou não envolvido pela forma prescrita, não é suficiente para fazer surgir uma ação judicial para o promissário contra o promitente. Essa causa razoável, exigida para os contratos não-típicos, não é algo subjetivo, como uma simples intenção jurídica, mas significa um equilíbrio entre as prestações. Desse modo, a exigência da causa objetiva acaba por funcionar como uma barreira ao livre consenso das partes.
Nota-se aí que, em seu manual de introdução ao direito, Grócio ainda percebe que o consensualismo não é compatível com a prática jurídica de sua época, sendo apenas sustentável em um imaginário "direito natural".
Contudo, no "Tratado da Guerra e da Paz", o consenso se torna a essência verdadeira dos contratos. Grócio, em seu mais famoso trabalho, não se preocupa mais com o direito interno de um país, mas apenas com o direito natural, válido para todos os lugares e tempos, segundo a escola jusnaturalista moderna. Este servirá de base para o direito internacional. Entende-se esse deslocamento do interesse intelectual do insigne holandês para o direito natural, pois apenas este seria capaz de regular as guerras que, na época em que foi escrito o De iure belli ac pacis, assolavam impiedosamente os países do Velho Mundo. Com uma intenção louvável, Grócio buscava uma base que tornasse possível uma limitação à selvageria das guerras de religião, e a procurava na razão, que seria o fundamento do "direito natural".
Para Grócio, o primeiro princípio que deve reger as relações internacionais é aquele que estabelece que se deve cumprir o que foi prometido. Tanto o direito internacional quanto o direito civil estão baseados no consentimento, que é a fonte das obrigações. Não cabe mais falar de qualquer limitação ao consentimento das partes, quer pela presença de uma forma obrigatória, quer pela existência de uma causa razoável. Apenas o consenso entre as partes é suficiente para definir o conteúdo dos contratos.
Encontra-se claramente em Grócio a influência do neo-estoicismo de seu tempo, que estava recheado da filosofia de Cícero, que, como já foi visto, considerava o cumprimento das promessas a base de toda a justiça. Portanto, a justiça estaria na vontade das partes, que prometeriam o que quisessem, sendo depois obrigadas a cumpri-lo, e não mais na correta proporção da divisão dos bens dentro de uma sociedade, que é algo objetivo.
Esta visão voluntarista do direito, que em Grócio encontrará certa limitação no valor por ele dado à razão, contra a qual nem mesmo a vontade pode se voltar, influenciará todos os ramos do direito. As várias instituições passam a ser consideradas obrigatórias em virtude de estarem estabelecidas por um acordo tácito entre as pessoas.
Portanto, a Escola do Direito Natural será ainda mais coerente com o consensualismo estóico do que foram os juristas cultos ou elegantes. A fortuna do livro de Grócio, especialmente do De jure belli ac pacis, levará suas doutrinas aos juristas franceses anteriores ao Código Civil, chegando-se aos resultados que serão examinados a partir de agora.

4- O consensualismo em Domat e Pothier e o Code Civil

A França foi, como se disse, o país mais influenciado pela jurisprudência elegante. Nem poderia ser diferente, pois os principais juristas desta escola, como Cujácio e Donelos, nasceram e ensinaram em solo francês.
Entre os juristas franceses teve grande influência o chamado mos gallicus, que buscava tornar mais literário e artístico o direito através de uma purificação das fontes romanas, que teriam sido contaminadas pelo trabalho de Triboniano, compilador do Corpus Iuris Civilis, e dos glosadores e pós-glosadores medievais.
Com os elegantes, começa a haver uma cisão entre a prática e a teoria jurídica. Afinal, os membros da Escola Culta não estavam tão preocupados com a aplicação do direito, mas sim com a recuperação de uma espécie de direito ideal, já historicamente superado em vários de seus aspectos, que era o chamado direito romano clássico.
Conforme dito acima, os cultos, que tinham em Cícero e no estoicismo suas fontes mais importantes, entendiam que o cumprir as próprias promessas era uma das bases principais de todo o direito, e que a vinculabilidade das promessas feitas, independentemente de uma forma que as vestisse ou de qualquer causa que as justificasse, estava baseada na necessidade de manter a palavra dada. Indubitavelmente, esta visão do contrato, considerado como um tipo de promessa, penetrou na mente de significativa parte dos estudiosos de direito franceses.
A Escola do Direito Natural também servirá de inspiração a uma série de juristas da França: afinal, neste país, o racionalismo foi sempre uma tentação intelectual. Basta recordar vários dos ideais da Revolução Francesa, a qual colocará a razão como organizadora de toda a vida social.
Não é de se estranhar, portanto, que os juristas franceses tenham se sentido atraídos pelo ideal de sistematização e racionalização do direito. E para que este ideal influísse não só na teoria, mas também na prática jurídica, houve a colaboração de dois profundos estudiosos, que, de forma mais coerente do que a feita por Grócio, utilizarão no direito civil, primeiramente, a metodologia da Escola do Direito Natural, voltada para a sistematização e dedução, e, em segundo lugar, as concepções neo-estóicas de contrato da jurisprudência elegante. Evidentemente, estes juristas foram Domat e Pothier.
Domat foi um digno sucessor de Donelos, sistematizando ainda mais o direito de sua época. Em sua célebre obra Les lois civiles dans leur ordre naturel, ao tratar dos contratos nominados e inominados, Domat afirma claramente, como regra geral, que todas as convenções, por si sós, obrigam as partes concordantes. Contudo, ao examinar em espécie os vários contratos, ele sempre acrescenta, ao consentimento, elementos objetivos necessários para a formação do contrato, tais como a anterior prestação de uma das partes, ou a existência de uma causa, ou ainda a entrega de um direito de crédito, para que se possa formar o contrato. Nos contratos gratuitos, deve sempre haver um motivo razoável e justo para que se forme a convenção.
Portanto, ainda que, como regra geral, Domat considere que a convenção é suficiente por si mesma para obrigar as partes, ele coloca tantas exceções a esta regra geral - a contraprestação, a entrega da coisa, a causa -, que cabe mesmo perguntar se ela pode se manter como princípio de seu sistema de contratos.
Já Pothier define o contrato como uma convenção que tem por objeto formar obrigações; e a convenção nada mais é que o consentimento de duas ou várias pessoas para formar, modificar ou extinguir uma obrigação. O simples consenso é suficiente para obrigar, cabendo apenas examinar se as partes tiveram ou não intenção de contrair um vínculo jurídico; ao contrário de Domat, Pothier é bastante coerente em sua posição consensualista, eliminando em grande parte os requisitos objetivos que, para Domat, tinham que ser acrescentados ao consenso para que as partes ficassem vinculadas entre si.
Amostra desta evolução para um consensualismo mais radical é a postura de Pothier quanto ao motivo que deveria haver na doação para que ela obrigue o doador. Enquanto Domat exigia um motivo razoável e justo, que, apesar de ser uma expressão ambígua em suas obras, contém ainda certa carga de objetividade, Pothier entende que o simples espirito de liberalidade, que é algo puramente subjetivo, é suficiente para obrigar o doador.
Apesar de ter dado alguns passos adiante em direção ao consensualismo puro, Pothier ainda está demasiado influenciado pela prática de séculos. Além disso, ele é um jurista voltado para a realidade, e esta desmentia em grande parte o consensualismo. Basta lembrar que, apesar de afirmar de modo retórico o princípio do solus consensus obligat, Pothier sustenta que o pacto de dar não é obrigatório. Em outros estudos, Pothier continua a colocar séria restrições à vontade das partes de se obrigarem pelo simples consenso, independentemente de qualquer forma ou elemento objetivo.
A obra de Domat e Pothier, formulada com clareza e profundidade, será a base do Code Civil de Napoleão. Neste, estabelece o art. 1.134: "les conventions légalement formées tiennent lieu de loi à ceux que les ont faites". O consensualismo que subjaz neste artigo não será simplesmente algo acidental dentro do Código, mas um dos autênticos pilares sobre o qual se sustentará todo o direito privado francês.
Com a extraordinária influência que exerceu o Code Civil, seu consensualismo se espalhou para boa parte dos países do mundo, afetando profundamente as codificações do século XIX. Por força do Código francês, obra verdadeiramente magistral, toda a doutrina gálica ficará durante décadas presa ao voluntarismo e ao consensualismo. Afinal, ainda que uma doutrina jurídica tome a forma de lei, nem por isso ela deixa de ser uma doutrina. Assim aconteceu com o consensualismo na França, que, tornando-se a lei do país, acabou condicionando o pensamento de todos os juristas posteriores ao Código napoleônico.
Contudo, não se esgota na França as vertentes do voluntarismo contratual; de maneira ainda mais profunda e complexa, a Alemanha será o berço de doutrinas extremamente refinadas sobre a vontade nos contratos, ou melhor, nos chamados negócios jurídicos. Cabe agora examinar sumariamente as doutrinas professadas pela famosa Escola das Pandectas.

5- A Pandectística e o acordo de vontades

Juntamente com o código civil francês, o Código Civil alemão (o famoso BGB) é considerado o maior dos monumentos legislativos civis do mundo. Foi o primeiro código a apresentar uma parte geral, da qual se extrairiam conceitos e disposições para todas as partes do direito civil. Tendo entrado em vigor em 1900, o BGB, de certo modo, representa a cristalização em lei de várias das teorias da Escola das Pandectas.
A pandectística começou nos finais do século XVIII e se manteve como escola dominante, pese que com certas modificações na posição de seus sequazes, até os inícios do século XX, quando vários de seus pressupostos acabaram caindo por terra. Contudo, ainda hoje se respira no direito civil dos países da tradição romano-germânica uma série de conceitos e modos de pensar o direito oriundos desta escola, que foi, sem dúvida, em toda a história do direito, uma das que contou com nomes de maior genialidade e importância.
A Pandectística tinha a meta de transformar o direito em uma ciência, nos moldes das ciências físicas. Para tanto, o direito devia ser axilogicamente neutro. Além disso, dentro dele seriam utilizados raciocínios puramente lógico-formais, com o emprego do silogismo, através do qual se daria a aplicação da lei geral ao caso concreto.
Lugar fundamental dentro da Pandectística tinha a elaboração ou descoberta dos conceitos jurídicos. A partir destes, poder-se-ia deduzir as soluções; e os conceitos eram tirados, antes da promulgação do BGB, principalmente do Digesto, ou Pandectas, de Justiniano. Com o Código Alemão, que começou a vigorar em 1900, é da norma legal que os pandectistas poderão extrair os conceitos nos quais se baseiam as sentenças. Como se vê, trata-se de um trabalho "científico", no sentido que era usado este termo nos séculos XVIII e XIX.
Fica clara a influência da Escola do Direito Natural nos pandectistas: ainda que fossem contra a idéia de um direito natural válido em todos os lugares, eles fizeram praticamente o cerne de seu movimento a busca da racionalização do direito. Enquanto os jusnaturalistas procuraram extrair todo o direito da natureza individual do ser humano, os pandectistas o extrairão dos textos romanos e, num segundo momento, das leis civis alemãs.
Há muito de interessante na Escola das Pandectas, mas não será possível tratar aqui dos vários pressupostos teóricos e metodológicos destes estudiosos que racionalizaram ao máximo o direito, procurando transformá-lo, de uma prudentia, em uma ciência. Será visto aqui a contribuição dos pandectistas para a discussão a respeito da posição da vontade no contrato.
Como bem lembra Alfred Rieg, praticamente não há nenhuma obra sobre contratos no direito alemão do século XIX. Uma das únicas exceções é o livro de Schlossman, Der Vertrag, cujo objetivo, ironicamente, é sustentar que a própria idéia de contrato é falsa e sem qualquer utilidade! Esta lacuna se explica: todos os estudos desta época versaram diretamente sobre o negócio jurídico, não sobre o contrato, entendendo-se que este era uma espécie contida naquele gênero.
Dentro da tentativa de construir classificações e conceitos a partir do direito romano, a noção de negócio jurídico representa um maior grau de abstração em relação aos contratos e outros atos como o testamento, o casamento, a promessa de recompensa, e assim por diante. Estes atos teriam em comum o fato de serem declarações de vontade produtoras de efeitos jurídicos conforme à vontade do declarante: isto seria o que caracterizaria o negócio jurídico.
Muitas são as definições de negócio jurídico apresentadas pela doutrina alemão do século XIX e por seus seguidores, dentre os quais encontramos uma série de notáveis juristas italianos relativamente recentes, como Betti e Sconamiglio. Cada uma delas dará um lugar determinado para a vontade dentro do negócio jurídico e, conseqüentemente, do contrato.
Com o intuito de facilitar o desenvolvimento do exame das concepções de negócio jurídico, as várias teorias sobre ele serão divididas em dois grupos, cada um deles representando uma das mais influentes correntes doutrinais sobre a vontade no negócio jurídico, e que são, a saber, a teoria da vontade, ou Willenstheorie, e a teoria da declaração, ou Erklärungstheorie.
Para os partidários da teoria da vontade, ou Willenstheorie, o elemento primordial do negócio jurídico é a vontade interna do sujeito. A declaração de vontade é simplesmente o instrumento para que a vontade interna se torne conhecida de terceiros. A fim de que se forme o contrato, é preciso que a vontade das partes não esteja viciada. Coerentemente a esta postura, o erro é considerado como causa de declaração de nulidade de um negócio jurídico, não de simples anulabilidade.
Segundo a Willenstheorie, a interpretação do contrato deve estar voltada para o descubrimento do que efetivamente desejaram os contratantes ao celebrar aquele negócio. Convém lembrar que juristas de elevado valor, como Savigny, Thibaut, Windscheid e Zitelmann, foram adeptos da teoria da vontade.
Devido às concepções políticas e filosóficas de então, bem como à autoridade que gozavam os autores supra-citados, a teoria da vontade só veio a ser combatida nos anos finais do século XIX. A principal crítica que a ela se fazia era o seu subjetivismo, que introduzia um grande grau de insegurança nas relações jurídicas.
Surge então, através de autores como Lotmar, Kohler, Isay e Bülow, a teoria da declaração. De todos estes juristas, foi Oskar von Bülow quem levou mais longe os pressupostos da Erklärungstheorie.
Segundo este estudioso, a vontade é apenas a causa do negócio jurídico, e não um elemento integrante deste. O que compõe o negócio jurídico é uma declaração, a declaração negocial, e o conteúdo desta é um dever. A vontade é "um órgão que coopera com o direito objetivo, faltando-lhe, em consequência, a força de constituir, por si só, um ato jurídico".
De cada negócio jurídico, no qual atua a vontade como causa em cooperação com o direito objetivo, resulta um preceito para as partes envolvidas no negócio; por isto, a teoria de Büllow sobre o negócio jurídico é chamada de preceptiva, e será posteriormente, em boa medida, retomada por autores como Betti e Larenz.
Segundo a Erklärungstheorie, o contrato se forma com a concordância de duas declarações de vontade, e não pelo acordo das vontades internas dos sujeitos. Com relação ao erro, ele não é mais considerado causa de declaração de nulidade de um negócio jurídico; se quem recebe a declaração de vontade tem motivos para se fiar nela, o declarante fica ligado ao que manifestou.
Por último, os partidários da teoria da declaração consideram que, na interpretação dos negócios jurídicos, o juiz deve se limitar a examinar o que foi efetivamente declarado, e não se perder na busca da vontade interna e psicológica das partes.
Além das controvérsias entre a Willenstheorie e a Erklärungstheorie, os juristas alemães do século passado discutiram também qual seria a fonte de onde provinha a força da vontade contratual. Afinal, apesar de a entenderem de modo diferente, tanto a teoria da vontade quanto a teoria da declaração consideram que a vontade sempre está no fundamento do negócio jurídico, ainda que seja simplesmente como vontade de declaração.
Durante boa parte do século XIX, sustentava-se que um contrato obrigava simplesmente porque era o acordo entre duas vontades livres, capazes de gerar vínculos jurídicos para si mesmas. Portanto, a força do contrato estava na vontade de suas partes.
Contudo, a partir de 1860, autores como Brinz, Zitelmann e Enneccerus defendem que o negócio jurídico obriga porque assim o determina o direito positivo; este permite que, dentro de certos limites, os particulares possam regular seus interesses. Deste modo, a vontade individual não tira a sua força vinculante de si mesma, mas do direito objetivo. Esta nova postura acabou sendo absolutamente vitoriosa entre os juristas germânicos, e é a aceita na atualidade.
Finaliza-se aqui estas breves linhas sobre o consensualismo e a vontade nos contratos segundo a doutrina jurídica alemã do século XIX. Indubitavelmente, o direito contemporâneo tem na Escola das Pandectas explicação para grande parte de seus conceitos. O famoso BGB levou ao campo legislativo a construção teórica dos pandectistas, apresentando este diploma legal uma parte geral cujo núcleo é o conceito de negócio jurídico (Rechtgeschaft), seguida pelas partes especiais, que se utilizam do que foi estabecido na parte geral.
Os códigos civis e os juristas do presente século foram profundamente influenciados pelo BGB. Basta examinar, a título de exemplo, os códigos civis do Brasil e de Portugal, bem como a obra de doutrinadores italianos, bastante alinhados com os pressupostos pandectistas, tais como Betti, Sconamiglio, Messineo e Galgano. Parte do atual triunfo do consensualismo deve-se aos pandectistas alemães; se estes não tivessem sido tão profundos e convincentes, diferente seria o panorama do direito civil moderno.

6- O consensualismo no direito brasileiro atual

Pelas proporções deste estudo, não será possível nele fazer uma análise exaustiva da fortuna do princípio consensualista no direito civil brasileiro. De fato, simplesmente serão examinados alguns dos mais representativos civilistas modernos nacionais, servindo como amostragem do conjunto da doutrina brasileira.
O início do trabalho de codificação do direito brasileiro já apresenta as marcas do consensualismo. Teixeira de Freitas, cujos escritos jurídicos mantêm uma admirável atualidade, formula, em seu "Esboço do Código Civil", uma doutrina geral dos contratos na qual o acordo de vontades tem o principal papel. Estando em dia com as mais modernas teorias jurídicas que se davam no mundo, sendo que certos autores julgam que ele estava à frente dos juristas europeus de sua época, Teixeira de Freitas se mantém fiel ao individualismo e voluntarismo de então.
Com Clóvis Beviláqua, autor do projeto que viria a se tornar o Código Civil brasileiro, a vontade continua a ser o aspecto fundamental dos contratos. Esta foi a orientação adotada por nosso diploma legal,
Tanto Teixeira de Freitas quanto Clóvis Beviláqua foram, provavelmente, os juristas mais influentes no direito privado nacional até o início deste século. Seguindo a esteira deles, praticamente toda a doutrina brasileira mostra-se adepta do consensualismo, considerando a vontade o cerne dos contratos e demais negócios jurídicos.
A fim de se fazer um breve escurso a respeito dos civilistas brasileiros modernos, pode-se iniciar com o exame da postura de Darcy Bessone. Em seu trabalho clássico sobre os contratos, ele os define como "o acordo de duas ou mais pessoas para, entre si, constituir, regular ou extinguir uma relação jurídica de natureza patrimonial". Além disso, o fundamento da obrigatoriedade dos contratos está no caráter obrigatório da promessa, que tanto existe nos contratos como nas declarações unilaterais de vontade. Desse modo, todo contrato é, em sua essência, consensual, apesar de a lei exigir, em alguns deles, uma forma determinada - como acontece nos contratos formais -, ou a entrega da coisa - é o que se observa nos contratos reais.
Segundo a visão de Washington de Barros Monteiro, o contrato é "o acordo de vontades que tem por fim criar, modificar ou extinguir um direito". Além disso, "a vontade é o agente primordial na formação do vínculo jurídico" dentro dos contratos. Portanto, o autor do manual de direito civil que mais influenciou a prática dos tribunais coloca-se dentro do consensualismo, o que explica o teor de muitas sentenças de nosso país.
Outro jurista importante para o tema de contratos é Caio Mário da Silva Pereira. Este autor considera que o princípio da força obrigatória do contrato traz em seu bojo o máximo subjetivismo que a ordem legal oferece, pois, por este princípio, a palavra individual, que seja conforme à lei, não comporta retratação, e é tão importante que nem mesmo o Estado, a não ser em ocasiões excepcionais, pode aí intervir. O contrato é antes de tudo um acordo de vontades.
Pontes de Miranda, por sua vez, considera o contrato como um negócio jurídico bilateral ou plurilateral, isto é, que conta com duas ou mais partes. Ele "resulta da entrada no mundo jurídico de vontade acorde dos figurantes, com a irradiação dos efeitos próprios". Para Pontes de Miranda, negócio jurídico é a espécie de fato jurídico que tem como elemento nuclear a manifestação de vontade das partes, podendo esta vontade escolher a categoria jurídica e determinar vários dos efeitos jurídicos que se darão com a eficácia do negócio. Coerentemente com essa idéia de negócio jurídico, não pode haver negócio jurídico bilateral sem que haja uma manifestação de vontade que o bilateralize.
Sendo extremamente consequente com a teoria jurídica alemã, Pontes de Miranda tem repugnância em aceitar a possibilidade de um contrato sem a manifestação de vontade, pois, se isto fosse possível, seria necessária uma "revisão de quase toda a doutrina jurídica, como a das incapacidades e das outras invalidades por defeito de vontade".
Posição singular dentro da doutrina brasileira é a de Antonio Junqueira de Azevedo. Em seus estudos sobre o negócio jurídico, ele afirma que a vontade não é essencial para a existência destes, a qual está relacionada com a declaração de vontade. O negócio consiste na declaração, e a vontade não faz parte dele, mas é levada em conta para se examinar a validade ou eficácia do negócio. Esta postura está concorde com a própria concepção do autor de que negócio jurídico é aquele ato visto socialmente como negócio jurídico, não sendo necessário, para sua existência, que as partes o tenham querido como negócio.
Antonio Junqueira de Azevedo considera estar nas por ele chamadas circunstâncias negociais o aspecto que faz a declaração de vontade ser considerada socialmente como negócio jurídico. Estas circunstâncias negociais seriam uma "espécie de esquema, ou padrão cultural, que entra a fazer parte do negócio e faz com que a declaração seja vista socialmente como dirigida à criação de efeitos jurídicos". Mesmo com essa visão mais "social" do negócio jurídico, o profundo jurista continua a entender as circunstâncias negociais como algo que reveste a declaração de vontade, o que o impede de superar uma visão individualista do negócio jurídico.
Para finalizar a exposição sobre alguns dos autores brasileiros, cabe examinar a postura de Orlando Gomes. O jurista baiano critica duramente o formalismo e a abstração da Pandectística, mas não deixa de sustentar que o que cria o contrato é o "encontro de duas declarações convergentes de vontades, emitidas no propósito de constituir, regular ou extinguir, entre os declarantes, uma relação jurídica patrimonial de conveniência mútua". Contudo, no mundo moderno, há uma reconstrução do sistema contratual, no sentido de admitir que outras fontes, além da vontade das partes, integram o conteúdo dos contratos, como a legislação estatal e a eqüidade.
Apesar dos diferentes matizes que apresentam as doutrinas dos autores supra-citados, impossíveis de detalhar no âmbito deste trabalho, fica fácil perceber que todos eles, na esteira da corrente majoritária da doutrina estrangeira, consideram o contrato a partir de uma óptica individualista. Quer seja a vontade, ou a manifestação, ou ainda a declaração, é sempre algo que surge ou está no indivíduo o fundamental para se definir se houve ou não o surgimento do vínculo contratual.

Conclusão

O consensualismo continua a ser a doutrina dominante sobre os contratos. Tal constatação é bastante fácil de ser comprovada, bastando um exame superficial da obra dos juristas de hoje, que brasileiros, quer estrangeiros.
Entretanto, apesar desta predominância, é evidente que esta doutrina está se desgastando. Muitos estudiosos a repetem por simples inércia, devido à autoridade dos que construíram o dogma da vontade e à sedimentação que ele tem na teoria jurídica. Raros são os juristas que vão à fundo no entendimento do papel da vontade nos contratos, examinando se ainda cabe definir o contrato como um "acordo de vontades". A maioria aceita esta definição, mas ao dar respostas a problemas concretos, termina por negá-la na prática.
É possível supor que, à medida que as filosofias que deram origem ao consensualismo forem se esmaecendo, ele também irá se diluindo. Assim ocorreu quando teorias sociologistas ou totalitárias passaram a dominar o panorama cultural de certos países, com as consequentes críticas ao consensualismo, considerado uma emanação da filosofia individualista-liberal.
Apesar destas críticas, as soluções apresentadas pelos sociologistas não convenceram os juristas. Talvez isto se explique porque suas posturas levavam a conseqüências ainda piores que às do consensualismo; afinal, os sociologismos foram em grande parte apoiados pelas filosofias políticas totalitárias, que sacrificavam o indivíduo em favor do Estado. Em sua ânsia de mostrar as falhas do liberalismo, propuseram um modelo de sociedade totalmente absorvida pelo Estado.
Com a derrocada dos modelos sociologistas, nem por isso o consensualismo está isento de críticas. Notam-se mesmo sinais de seu enfraquecimento, havendo uma série de figuras que não se encaixam mais no esquema tradicional formulado pela dogmática jurídica, fortemente individualista, do século passado. Observe-se os contratos de adesão, a intervenção estatal no conteúdo dos contratos, os contratos obrigatórios, a orientação jurisprudencial de criar obrigações para as partes que não tinham sido previstas por estas, e assim por diante. Todas estas figuras mostram as insuficiências do modelo consensualista de contratos.
Entendemos que, para se formular uma teoria sólida sobre os contratos, é necessário voltar para o direito romano. Evidentemente, muitas das soluções propostas pelos jurisconsultos do Lácio estão totalmente ultrapassadas, pois se referiam à realidade histórica em que eles estavam inseridos. Contudo, sua metodologia, sua maneira realista de encarar o fenômeno jurídico, sua idéia de que o direito é algo a ser sempre buscado em cada caso concreto, tudo isto é perene e pode servir de alicerce para um direito civil mais justo e satisfatório.
A tarefa de remodelar a teoria dos contratos é extremamente árdua, mas é necessária para que não continue a existir esta dissociação entre teoria e prática, tão bem mostrada por Gino Gorla. Juristas insignes, como Pontes de Miranda, perceberam que o aceitar a existência de contratos sem que neles haja uma manifestação de vontade significa reformular grande parte da doutrina do direito, como a teoria das incapacidades e das anulabilidades. Ele preferiu manter a tese da necessidade da declaração de vontade nos contratos a ter de derrubar todo o edifício que nela se mantém. Talvez já esteja na hora de colocar ao chão este edifício, pois ele parece não mais cumprir a finalidade para a qual foi construído. Resta saber quando isso acontecerá, e o que será levantado em seu lugar.


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