CONSERVAÇÃO TÊXTIL: UM ESTUDO DE CASO DA MODATECA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

June 14, 2017 | Autor: Thomas Dietz | Categoria: Textile Conservation, Fashion Studies, University Collections, Costume Collections
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IV Seminário Moda Documenta. I Congresso Internacional de Memória, Design e Moda. São Paulo, 2014.

CONSERVAÇÃO TÊXTIL: UM ESTUDO DE CASO DA MODATECA DO CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC Textile conservation: a case study of the Modateca of the Senac University Center [Centro Universitário Senac] Thomas Walter Dietz (Centro Universitário Senac)

Resumo: O trabalho reúne os principais conceitos básicos da conservação têxtil a partir da observação e análise do acervo da Modateca do Centro Universitário Senac - Santo Amaro, explorando a variedade de materiais que constituem as peças desta coleção, colaborando com a vontade de ampliação de seu acervo com o objetivo de preservar a cultura e história da moda. Palavras-chave: Conservação têxtil. Modateca. Acervo. Abstract: This paper comprises key basic concepts of textile conservation collected from the observation and analysis of the Modateca Senac University Center - Santo Amaro, exploring the variety of materials/fabrics which make up the pieces/exhibits of this collection, in keeping with their desire to expand the collection, thus contributing towards preserving the culture and history of fashion. Keywords: Conservation of textiles. Modateca. Collection.

Introdução O tema conservação depara com inúmeras dificuldades e questionamentos; principalmente, se a pesquisa destinar-se ao campo da conservação têxtil, constata-se então, que o ato de conservar um tecido, uma peça de indumentária ou qualquer outro item precioso para a humanidade passa a ser um desafio interminável. Em acervos como o da Modateca do Centro Universitário Senac - Campus Santo Amaro, podese observar com maior clareza a atuação do conservador sobre as peças. O acervo desta instituição foi criado nos anos de 1990 com a proposta de organizar uma coleção têxtil e de vestuário acadêmica e itinerante, sendo o pioneiro no Brasil. Este acervo é composto por diversos itens: como chapéus de Madame Marthe Monios, peças de Paco Rabanne, Walter Rodrigues, entre outros; e peças de projetos acadêmicos; além de bandeiras de tecido, catálogos de tendência e tecelagens; livros e periódicos de conteúdos variados disponíveis para pesquisa e utilização na Modateca e em outras unidades da rede Senac. Este acervo abrigava ainda o projeto “Reconstituição dos figurinos do Ballet Triádico de Oskar Schlemmer na Bauhaus” desenvolvido entre os anos de 2007 e 2010, na universidade, passando por

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um período de recuperação, restauro e catalogação das peças (2013) e posterior doação a Bauhaus Foundation Dessau/Alemanha. A Modateca conta ainda com uma reserva técnica de acesso restrito aos funcionários autorizados, onde são mantidas peças mais delicadas e fragilizadas com a ação do tempo ou ainda em trabalho de conservação e restauração. Este espaço da reserva técnica foi criado para atender as necessidades de ampliação do acervo, a partir da doação da coleção particular de figurinos do cantor Ney Matogrosso (2010) e de doações futuras. O intuito primordial da conservação, e que rege a atuação dos responsáveis por este acervo, é manter a peça de forma original com o mínimo de interferências possíveis, no entanto o conservador enfrenta desafios do começo ao fim de sua ação. A deterioração inicial da peça, provavelmente provocada pela má conservação do seu proprietário, determinará como o conservador agirá sobre aquela peça. Intervenções imediatas devem ser evitadas, pois qualquer atitude pouco pensada e estudada pode resultar em uma deterioração futura ainda mais grave. Peças do acervo particular de Ney Matogrosso desfizeram-se devido à falta de conservação que lhes foi dada antes que fossem doadas à instituição; peças com crinas de cavalo não sobreviveram à ação do tempo e aos agentes biológicos, como cupins e insetos. O material têxtil figura entre os mais frágeis materiais a serem conservados, necessitando de um rígido controle de temperatura, umidade, incidência de luz, manuseio, armazenagem e transporte. Teresa Cristina Toledo de Paula (2006) relata que, no Brasil, enfrentam-se estes aspectos com maior dificuldade: devido às elevadas temperaturas e clima bastante úmido durante a maior parte do ano, o que favorece a maior proliferação de agentes naturais; o pouco investimento nesta área em conseqüência do pouco interesse em coleções têxteis, de indumentárias e afins, levou ao “esquartejamento” destas coleções durante o período de formação de acervos museológicos. Os têxteis reagem a mudanças na temperatura e na umidade ambientes, encolhendo ou inchando. Condições instáveis ou extremas por um longo período podem fazer com que os materiais das roupas rachem, quebrem-se ou deformem-se de maneira permanente. Ambientes muito úmidos podem provocar o crescimento de mofo, e a poeira também representa um problema [...]. (FRENCH; HEIBERGER; BALL, 2005, p. 66)

Segundo as diretrizes do Comitê de Indumentária do ICOM (The International Council of Museums), são recomendados os seguintes valores para a preservação de um acervo têxtil: 18°C de temperatura, umidade relativa do ar entre 50-55% para têxteis e 50% para couros, entre os especialistas em conservação têxtil são sugeridos valores de variação mínima destes aqui apresentados.

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Outro cuidado básico em relação ao ambiente da reserva técnica é a iluminação geral do espaço e das peças ali abrigadas: Os métodos de exposição e armazenamento devem ter como absoluta prioridade a proteção contra raios ultravioleta e outros tipos de fontes de luz. Todos os têxteis são danificados pela exposição à luz, o que representa a maior ameaça à sua existência a longo prazo. A seda é o tecido que mais facilmente se danifica, mas a exposição prolongada causa alterações em todos os tipos de fibra. A deterioração vai ficando evidente conforme o têxtil se enfraquece ou desbota, e, nos casos extremos, os tecidos se rompem ou perdem completamente a cor. (Id. Ibid.) Uma vez constatados estes fatores, foram então estabelecidos valores para a incidência de luz

nas peças: Materiais extremamente sensíveis: papéis, desenhos, aquarelas, pastéis, livros, pinturas, fotografias, couros tingidos, peles, encadernações, têxteis, tapeçarias, tecidos, indumentárias, plumas e penas, espécimes de história natural. Intensidade de iluminação: entre 5 a 50 lúmens 1 (indicações para peças em bom estado de conservação). (COSTA, 2006, p. 50)

E no máximo “50 lux 2 para têxteis, aquarelas, tapeçarias, desenhos e todos os espécimes botânicos.” (DRUMOND, 2006, p. 114) Seguindo estes parâmetros de iluminação para acervos têxteis, consegue-se evitar a deterioração inicial e contínua das peças: [...] Os efeitos da luz são variados e desuniformes: algumas tinturas desbotam extremamente rápido ou mudam de cor, enquanto outras são mais resistentes. A conseqüência disso é que normalmente a exposição à luz causa não apenas o desbotamento como também uma alteração no equilíbrio das cores. Além disso, às vezes as alterações nas tinturas aceleram a desintegração do têxtil. (FRENCH; HEIBERGER; BALL, 2005, p. 66)

O espaço da reserva técnica da Modateca possui climatização regulada, contando com algumas estantes metálicas móveis e caixas brancas de material plástico corrugado de polipropileno alveolar, popularmente chamado de Poliondas, com superfície almofadada forrada com folhas de papel de seda branco, evitando que a peça entre em contato direto com a embalagem e/ou deforme. Este espaço ainda não possui estrutura totalmente apropriada para o armazenamento das peças, no entanto já existem projetos para desenvolver um espaço específico para este acervo, em que estão previstas 1

LÚMEN (lm): Fluxo luminoso emitido por uma fonte puntiforme e invariável de 1 candela, de mesmo valor em todas as direções, no interior de um ângulo sólido de 1 esterradiano. FONTE: . Acesso em: 28 de fevereiro de 2014, às 16h26. LUX (lx): Iluminamento de uma superfície plana de um metro quadrado de área, sobre a qual incide perpendicularmente um fluxo luminoso de 1 lúmen, uniformemente distribuído. FONTE: . Acesso em: 28 de fevereiro de 2014, às 16h28. 2

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tecnologias de armazenamento adequado para este fim como arquivos deslizantes, gavetas e suportes específicos para têxteis e vestuário. O Comitê de Indumentária – ICOM sugere em suas diretrizes as seguintes formas de armazenamento: O armazenamento horizontal em superfícies acolchoadas é preferencial ao armazenamento vertical, apesar de o último ser mais barato e ocupar menos espaço. No armazenamento horizontal, é importante o uso de cabides acolchoados que minimizam a tensão causada nas costuras das roupas (ombros de vestidos, cintura de saias, etc.). [...] Têxteis armazenados verticalmente sem proteção podem rasgar e/ou desenvolver vincos e distorções. Já no armazenamento vertical, é importante prover espaço suficiente entre cada objeto para que os mesmos possam “respirar”.

Em ocasiões de exposição das peças, todos estes cuidados também devem e são tomados pelos conservadores e curadores responsáveis pelo acervo da Modateca; temperatura e umidade controlada, colocação de lâmpadas especiais para que não haja interferência cromática nas peças, transporte e disposição favoráveis à preservação das peças. A acomodação para transporte das peças também envolve a conservação, pois as peças não devem sofrer atrito, não podem ser dobradas, não pode haver variação brusca de temperatura e umidade dentro das embalagens, além de muitas outras exigências que visam segurança e estabilidade das peças, para que as mesmas sejam preservadas durante este processo. Este acervo, juntamente com os responsáveis, possui em seu histórico alguns momentos de transporte de peças: a exposição “Cápsula do Tempo: identidade e ruptura no vestir de Ney Matogrosso” (Fig. 1), apresentada inicialmente no espaço da biblioteca do Campus Santo Amaro, esteve itinerante até o início do ano de 2014; algumas das peças da coleção Ney Matogrosso também foram emprestadas para outras instituições, como o Museu da Imagem e do Som de São Paulo para a exposição “Spectacle: the music video”e o Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofía de Madri/Espanha, entre outros. Foram desenvolvidas embalagens especiais distintas daquelas empregadas para o armazenamento em acervo, levando em consideração as características variadas de cada uma das obras.

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Figura 1: Fotografia parcial da exposição "Cápsula do Tempo: Identidade e Ruptura no Vestir de Ney Matogrosso", apresentada no Shopping Market Place no primeiro semestre de 2013. Fonte: . Acesso em: 20 de outubro de 2013, às 17h28.

A dificuldade maior da conservação têxtil esta na identificação da sensibilidade e provável reação de cada material que compõe a peça; a mistura de materiais naturais, artificiais e sintéticos, elementos metálicos ou exóticos, tais como: crinas, penas, ossos e adornos vegetais: como coquinhos, cascas e folhas são alguns dos principais desafios que o conservador têxtil enfrenta. Conservar um material com produtos específicos sem que o mesmo deteriore outro material que compõe a peça é parte incessante da pesquisa na conservação. Peças do exótico acervo de Ney Matogrosso passam por avaliações neste quesito: uma calça de couro com rebites de metal ilustra a dificuldade em definir um produto adequado para limpeza da ferrugem, sem que o mesmo agrida o couro. Outro exemplo, uma saia que contém “contas de coquinho”, que se encontra em visível estado de decomposição por agentes biológicos, interrompido e estabilizado a partir da intervenção do conservador. Na pesquisa por novos métodos e produtos adequados para conservação de cada peça são necessárias algumas intervenções menos tradicionais e mais inovadoras provando seu caráter artesanal e experimental, e por isso também é imprescindível que o conservador tenha conhecimentos variados, aplicáveis em sua atividade. No entanto, algumas vezes são necessárias colaborações entre conservadores de outras áreas, para a melhor conservação da peça (p.ex. zoologia, taxidermia, etc.), portanto o conservador deve saber o momento em que deve solicitar consultoria para solucionar o problema da peça, antes que a mesma seja afetada irremediavelmente. Ao exemplificar este fato, destaca-se a variedade de

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materiais que compõe o acervo de Ney Matogrosso, como ossos, dentes, crinas, couros, penas, metais, entre outros. (Fig. 2)

Figura 2: Fotografia de vitrina que compunha a exposição "Cápsula do Tempo: Identidade e Ruptura no Vestir de Ney Matogrosso", apresentada no Shopping Market Place no primeiro semestre de 2013. Nota-se a variedade de materiais presentes no acervo de Ney Matogrosso. Fonte: . Acesso em: 20 de outubro de 2013, às 17h30.

Destacam-se assim, alguns dos principais aspectos básicos da conservação e da atuação do conservador têxtil, que assume um papel importantíssimo para a preservação da memória histórica da humanidade, respeitando a peça e sua originalidade. É importante frisar que “cada coleção precisa ser pensada de forma individualizada” (VIANA; NEIRA, 2010, p. 209) e que “cada objeto - tecido, roupa, estofado, cortina, o que quer que seja - deve ser encarado de maneira individual. Não existem fórmulas de atuação que sirvam para todos” (Id. Ibid., p. 213). Ressalta-se ainda a seriedade dos conservadores responsáveis pelo acervo da Modateca do Centro Universitário Senac - Santo Amaro, que mesmo sendo um recente acervo de moda e vestuário, realizam um trabalho primoroso que merece reconhecimento.

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