Considerações críticas sobre o instituto da fraude de execução: comentários ao acórdão do REsp 956.943/PR

June 8, 2017 | Autor: Guilherme Reinig | Categoria: Processo Civil, Direito Civil
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Superior Tribunal de Justiça Diário da Justiça Eletrônico | Dez / 2014 Conteúdo Exclusivo WEB | Dez / 2014 | Jul / 2015 Revista de Direito Civil Contemporâneo | vol. 4 | p. 435 | Jul / 2015 | JRP\2014\4908 STJ - REsp 956.943 - j. 20/8/2014 - julgado por Nancy Andrighi - DJe 1/12/2014 - Área do Direito: Civil; Processual RECURSO REPETITIVO - Boa Fé - Fraude de execução - Alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo. Ementa Oficial: PROCESSO CIVIL. RECURSO REPETITIVO. ART. 543-C DO CPC. FRAUDE DE EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. SÚMULA N. 375/STJ. CITAÇÃO VÁLIDA. NECESSIDADE. CIÊNCIA DE DEMANDA CAPAZ DE LEVAR O ALIENANTE À INSOLVÊNCIA. PROVA. ÔNUS DO CREDOR. REGISTRO DA PENHORA. ART. 659, § 4º, DO CPC. PRESUNÇÃO DE FRAUDE. ART. 615-A, § 3º, DO CPC. 1. Para fins do art. 543-c do CPC, firma-se a seguinte orientação: 1.1. É indispensável citação válida para configuração da fraude de execução, ressalvada a hipótese prevista no § 3º do art. 615-A do CPC. 1.2. O reconhecimento da fraude de execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente (Súmula n. 375/STJ). 1.3. A presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. 1.4. Inexistindo registro da penhora na matrícula do imóvel, é do credor o ônus da prova de que o terceiro adquirente tinha conhecimento de demanda capaz de levar o alienante à insolvência, sob pena de tornar-se letra morta o disposto no art. 659, § 4º, do CPC. 1.5. Conforme previsto no § 3º do art. 615-A do CPC, presume-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens realizada após a averbação referida no dispositivo. 2. Para a solução do caso concreto: 2.1. Aplicação da tese firmada. 2.2. Recurso especial provido para se anular o acórdão recorrido e a sentença e, consequentemente, determinar o prosseguimento do processo para a realização da instrução processual na forma requerida pelos recorrentes. RECURSO ESPECIAL Nº 956.943 – PR (2007/0124251-8) (f) RELATORA: MINISTRA NANCY ANDRIGHI R.P/ACÓRDÃO: MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA RECORRENTE: CARLOS OSCAR PREMAZZI E OUTROS ADVOGADO: JULIO CESAR BROTTO E OUTRO(S) RECORRIDO: JÚLIO CESAR DA SILVA ADVOGADO: LUIZ CARLOS COELHO DA CUNHA ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da CORTE ESPECIAL do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Página 1

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Pargendler preliminarmente rejeitando a submissão do feito ao rito do art. 543-C do CPC (LGL\1973\5), e, no mérito, acompanhando a divergência, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Jorge Mussi, a retificação de voto para acompanhar o Sr. Ministro Ari Pargendler quanto à preliminar dos Srs. Ministros Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura, por unanimidade, conhecer do recurso especial e, por maioria, dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Vencidos quanto à preliminar os Srs. Ministros Ari Pargendler, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura e Jorge Mussi. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Raul Araújo e Ari Pargendler. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Gilson Dipp, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes e Luis Felipe Salomão. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz e Sidnei Beneti. Brasília (DF), 20 de agosto de 2014(Data do Julgamento) MINISTRO FELIX FISCHER Presidente MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Relator CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL Número Registro: 2007/0124251-8 REsp 956943 / PR Números Origem: 3469196 346919603 PAUTA: 17/03/2010 JULGADO: 07/04/2010 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro CESAR ASFOR ROCHA Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. FRANCISCO DIAS TEIXEIRA Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE: CARLOS OSCAR PREMAZZI E OUTROS ADVOGADO: JULIO CESAR BROTTO E OUTRO(S) RECORRIDO: JÚLIO CESAR DA SILVA

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ADVOGADO: LUIZ CARLOS COELHO DA CUNHA ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil CERTIDÃO Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Após o voto da Sra. Ministra Relatora conhecendo do recurso especial e negando-lhe provimento, pediu vista antecipada o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Aguardam os Srs. Ministros Laurita Vaz, Luiz Fux, Teori Albino Zavascki, Nilson Naves, Ari Pargendler, Fernando Gonçalves, Felix Fischer, Aldir Passarinho Junior, Gilson Dipp, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon e Francisco Falcão. Brasília, 07 de abril de 2010 VANIA MARIA SOARES ROCHA Secretária RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): Cuida-se de recurso especial interposto por CARLOS OSCAR PREMAZZI, NORMA NOEMI LUEIRO DE PREMAZZI e HONORATO SALVATI, com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF (LGL\1988\3), contra acórdão proferido pelo TJ/PR. Ação: indenizatória ajuizada por JÚLIO CÉSAR DA SILVA em desfavor de Concreteira Paulo Caseca Ltda., na qual a ré foi condenada ao pagamento de R$178.579,49, valor este atualizado até 05.10.2001. Em sede de execução de sentença, houve a penhora de bem imóvel. Embargos de terceiro: opostos pelos recorrentes em face do recorrido, alegando terem adquirido o imóvel em questão da Concreteira Paulo Caseca Ltda. em 03.01.1995, bem antes do início da execução. Sentença: rejeita os embargos de terceiro e mantém a constrição sobre o imóvel, ressaltando que “ na data da alienação do imóvel (…) já estava em curso a ação de execução em que houve a penhora” (fls. 273/277). Acórdão: o TJ/PR negou provimento ao apelo dos recorrentes, bem como à apelação adesiva dos recorridos, nos termos do acórdão (fls. 367/381) assim ementado: “ APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE TERCEIRO – PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZATÓRIOS DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO – FRAUDE À EXECUÇÃO – REQUISITOS DO ARTIGO 593, II, DO CPC (LGL\1973\5) – DEMANDA EM CURSO AO TEMPO DA ALIENAÇÃO – DEMANDA CAPAZ DE REDUZIR O DEVEDOR À INSOLVÊNCIA – VENDA DO IMÓVEL APÓS A CITAÇÃO DO DEVEDOR EM AÇÃO COGNITIVA – DESNECESSIDADE DE INÍCIO DE DEMANDA EXECUTIVA PARA CONFIGURAÇÃO DA FRAUDE À EXECUÇÃO – VALOR CORRETAMENTE FIXADO NOS TERMOS DO ART. 20, § 4º DO CPC (LGL\1973\5). AGRAVO RETIDO E RECURSOS DE APELAÇÃO E ADESIVO DESPROVIDOS. 1. Para a configuração da fraude à execução, o artigo 593, II, do CPC (LGL\1973\5) exige que exista demanda em curso à época da alienação, seja: cognitiva, cautelar ou executiva, independentemente do comprador ter conhecimento da demanda em curso, porque na fraude à execução há inequívoco interesse público, sendo presumida a má-fé. 2. Em se tratando de sentença declaratória, proferida em sede de embargos de terceiro, os Página 3

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honorários devem ser fixados de acordo com os critérios do art. 20, § 4º do CPC (LGL\1973\5), devendo ser mantidos nos valores arbitrados na sentença a quo”. Embargos de declaração: interpostos pelos recorrentes, foram rejeitados pelo TJ/PR (fls. 393/402). Recurso especial: alega violação aos arts. 330, II, 332, 593, II, e 659, § 4º, do CPC (LGL\1973\5), bem como dissídio jurisprudencial (fls. 417/439). Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/PR admitiu o recurso especial (fls. 459/464). Afetação como recurso repetitivo: considerando a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, afetei o julgamento deste recurso à Corte Especial, nos termos do art. 543-C do CPC (LGL\1973\5), suspendendo o processamento dos recursos especiais que versem sobre os requisitos necessários à caracterização da fraude de execução envolvendo bens imóveis, excetuadas as execuções de natureza fiscal (fls. 471). Responderam aos ofícios expedidos com base no art. 3º, I, da Resolução 08/08 do STJ, as seguintes entidades: (i) a Advocacia-Geral da União (fls. 566/582); (ii) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (fls. 584/613); (iii) a Defensoria Pública da União (fls. 639/645); e (iv) o Instituto Brasileiro de Direito Processual (fls. 692/696). Parecer do MPF: o i. Subprocurador-Geral da República, Dr. Antônio Carlos Pessoa Lins, opinou pelo provimento do recurso especial (fls. 649/659). É o relatório. VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator): I. Julgamento da questão idêntica caracterizadora da multiplicidade (art. 543-C, § 7º, do CPC (LGL\1973\5)) A alienação de bens imóveis em fraude de execução é tema antigo, presente em inúmeros processos, envolvendo não apenas o interesse particular dos credores, mas também o interesse público, notadamente por representar afronta à efetividade da tutela jurisdicional, à dignidade e ao respeito à justiça. Entretanto, a definição dos requisitos necessários à caracterização dessa modalidade de fraude ainda é tormentosa, há tempos desafiando doutrina e jurisprudência, sendo até hoje fonte de divergências. A questão, portanto, se amolda perfeitamente aos propósitos do procedimento do art. 543-C do CPC (LGL\1973\5), cujo escopo é unificar o entendimento e orientar a solução de lides futuras, conferindo maior celeridade à prestação jurisdicional. (i) Da delimitação da controvérsia O art. 593 do CPC (LGL\1973\5) considera haver fraude de execução na venda de bens: “I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III – nos demais casos expressos em lei”. As principais controvérsias em torno da exegese do dispositivo legal dizem respeito: (i) à determinação de quem suporta o ônus de provar a ciência ou não do terceiro adquirente acerca da fraude; e (ii) à delimitação do exato momento em que a alienação do bem pelo devedor pode ser considerada em fraude de execução. Existem diversos precedentes do STJ no sentido de que “a alienação ou oneração de bens antes da citação válida não configura fraude de execução” (AgRg no REsp 316.905/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Felipe Salomão, DJe de 18.12.2008. No mesmo sentido: REsp 819.198/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 12.06.2006; e REsp 333.161/MS, 4ª Turma, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 15.04.2002). Página 4

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Em muitos desses precedentes, porém, ressalva-se o fato de que “ se ficar provado que antes da citação, já estavam alienantes e donatários cientes da demanda, não há como afastar a conclusão da existência de fraude ” (REsp 824.520/SP, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJe de 01.12.2008). Essas decisões imputam ao credor o ônus de provar que o devedor ou o terceiro tinham ciência da ação em curso ou da constrição (nas hipóteses em que inexistente o registro da penhora), inclusive para que a ressalva guarde coerência com a regra, que exige a existência de citação válida. Na tentativa de sedimentar o entendimento da Corte sobre o tema, editou-se a Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ, segundo a qual “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Entretanto, por ocasião da afetação deste processo como recurso repetitivo, tive a oportunidade de refletir melhor sobre o tema e acabei por revigorar minha posição, já manifestada anteriormente em outros julgados, de que o entendimento consolidado por este Tribunal há de ser parcialmente revisto. Outrossim, impende frisar que o presente julgamento não se aplica às fraudes em execuções fiscais, subordinadas a legislação específica (Lei nº 6.830/80), tampouco às fraudes decorrentes da alienação de bens móveis, cuja negociação, a rigor, não exige a apresentação e o arquivamento de certidões dos cartórios distribuidores judiciais. Isso não significa que um estudo minucioso das circunstâncias que envolvem tais fraudes não possam igualmente apontar para a necessidade de revisão da jurisprudência desta Corte. Porém, não há aqui espaço para se proceder a tal análise, tendo em vista os limites cognitivos previamente fixados para este recurso repetitivo. (ii) Dos interesses públicos envolvidos O combate à fraude de execução não alcança apenas a esfera de interesses particulares dos credores. Esse tipo de fraude atenta também contra interesses públicos, na medida em que interfere diretamente na efetividade da prestação jurisdicional, maculando o decoro e o respeito que estão a merecer o Poder Judiciário. Tanto é assim, que o art. 600, I, do CPC (LGL\1973\5), considera atentatório à dignidade da justiça o ato do executado que “frauda a execução”. Tendo em vista esse feixe de direitos e interesses tutelados pelo instituto, no julgamento do REsp 618.625/SC, de minha relatoria, DJ de 11.04.2008, sopesei que o posicionamento ora dominante nesta Corte acaba, em última análise, privilegiando a fraude de execução, tornando-a mais difícil de ser provada, para, então, ousar divergir dos respeitáveis entendimentos supra, ao menos no que diz respeito a bens imóveis, no que fui acompanhada pela maioria da 3ª Turma. (iii) Da presunção de má-fé do terceiro adquirente No julgamento do REsp 618.625/SC, ponderei que, como o art. 593 do CPC (LGL\1973\5) estabelece uma presunção relativa, “ é da parte contrária o ônus da prova da inocorrência dos pressupostos da fraude de execução (CPC (LGL\1973\5), art. 334, IV), porque, como adverte José Carlos Barbosa Moreira, ‘a pessoa a quem a presunção desfavorece suporta o ônus de demonstrar o contrário, independentemente de sua posição processual, nada importando o fato de ser autor ou réu’ (As presunções e a prova, in Temas de Direito Processual, 1.ª série, 1.ª ed., São Paulo: Saraiva, 1977, p. 60.). Por conseguinte, caberá ao terceiro adquirente provar que, com a alienação ou oneração, não ficou o devedor reduzido à insolvência, ou demonstrar qualquer outra causa passível de ilidir a presunção de fraude disposta no art. 593, II, do CPC (LGL\1973\5), inclusive a impossibilidade de ter conhecimento da existência da demanda”. a. Da distribuição dinâmica do ônus da prova Como bem salientado na manifestação da OAB, não tendo a penhora sido registrada na matrícula do imóvel – circunstância que incute a presunção absoluta de má-fé – “ a questão se resolve na distribuição do ônus de provar a ciência [ou não], pelo terceiro, da pendência da ação” (fls. 604). Pois bem. A resposta a essa questão se encontra na aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, que tem por fundamento a probatio diabolica, isto é, a prova de difícil ou impossível Página 5

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realização para uma das partes, e que se presta a contornar a teoria de carga estática da prova, adotada pelo art. 333 do CPC (LGL\1973\5), que nem sempre decompõe da melhor forma o onus probandi, por assentar-se em regras rígidas e objetivas. Ao comentar essa teoria, Humberto Theodoro Junior anota que, “ conforme as particularidades da causa e segundo a evolução do processo, o Juiz pode deparar-se com situações fáticas duvidosas em que a automática aplicação da distribuição legal do onus probandi não se mostra razoável para conduzi-lo a uma segura convicção acerca da verdade real” (Curso de direito processual civil, vol. II. Rio de Janeiro: Forense, 43ª ed., 2008, p. 191). Com base na teoria da distribuição dinâmica, o ônus da prova recai sobre quem tiver melhores condições de produzi-la, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso. Embora não tenha sido expressamente contemplada no CPC (LGL\1973\5), uma interpretação sistemática da nossa legislação processual, inclusive em bases constitucionais, confere ampla legitimidade à aplicação dessa teoria, levando-se em consideração, sobretudo, os princípios da isonomia (arts. 5º, caput, da CF (LGL\1988\3), e 125, I, do CPC (LGL\1973\5)), do devido processo legal (art. 5º, XIV, da CF (LGL\1988\3)), do acesso à justiça (art, 5º XXXV, da CF (LGL\1988\3)), da solidariedade (art. 339 do CPC (LGL\1973\5)) e da lealdade e boa-fé processual (art. 14, II, do CPC (LGL\1973\5)), bem como os poderes instrutórios do Juiz (art. 355 do CPC (LGL\1973\5)). b. A distribuição dinâmica da prova na fraude de execução Aplicando-se a teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova à hipótese específica da alienação de bem imóvel em fraude de execução, conclui-se que o terceiro adquirente reúne plenas condições de demonstrar ter agido de boa-fé, enquanto que a tarefa que incumbiria ao exequente, de provar o conluio entre comprador e executado, se mostra muito mais árdua. De fato, é impossível ignorar a publicidade do processo, gerada pelo seu registro e pela distribuição da petição inicial, nos termos dos arts. 251 e 263 do CPC (LGL\1973\5), na hipótese de venda de imóvel de pessoa demandada judicialmente, ainda que não registrada a penhora ou realizada a citação. Diante dessa publicidade, o adquirente de qualquer imóvel deve acautelar-se, obtendo certidões dos cartórios distribuidores judiciais que lhe permitam verificar a existência de processos envolvendo o comprador, nos quais possa haver constrição judicial (ainda que potencial) sobre o imóvel negociado. No julgamento do REsp 618.625/SC, mencionado linhas acima, já havia consignado que, “ a apresentação das referidas certidões, no ato da lavratura de escrituras públicas relativas a imóveis, é obrigatória, ficando, ainda, arquivadas junto ao respectivo Cartório, no original ou em cópias autenticadas (cfr. §§ 2.º e 3.º, do art. 1.º, da Lei n.º 7.433/1985)”. Acrescente-se, por oportuno, que esta minha posição divergente não é isolada nesta Corte. Entre os precedentes que originaram a própria Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ, encontra-se o REsp 943.951/PR, 4ª Turma, DJ de 08.10.2007, no qual o Relator, o i. Min. Aldir Passarinho Junior, ressalva que seu entendimento pessoal “ se harmoniza com a orientação sobre o tema do Egrégio Supremo Tribunal Federal, no sentido de que bastante a prévia existência de ação para que se configure a fraude à execução, sendo absolutamente possível ao adquirente a obtenção de certidões junto aos cartórios de distribuição, para informar-se sobre a situação pessoal dos alienantes e do imóvel, cientificando-se da existência de demandas que eventualmente possam implicar na constrição da unidade objeto do contrato”. Na análise dessa situação, Yussef Said Cahali pondera que “ não encontramos fundamentação convincente (se é que existe), para a afirmação, no caso, de uma pretensa presunção de boa-fé ou inocência em favor do adquirente que terá deixado de tomar, quando do negócio, as cautelas elementares devidas, beneficiando-se de sua própria omissão ou desídia” (Fraudes contra credores. São Paulo: RT, 4ª ed., p. 406). Dessa forma, se, a partir da vigência da Lei nº 7.433/85, na lavratura da escritura pública relativa a imóvel, o tabelião obrigatoriamente faz constar, “ no ato notarial, a apresentação do documento comprobatório” dos “feitos ajuizados”, não é crível que a pessoa que adquire imóvel, desconheça a Página 6

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existência da ação distribuída (ou da penhora) em nome do proprietário. Além disso, como bem lembrado pela Advocacia-Geral da União em seu parecer, “ a ausência de verificação, pelo adquirente, das ações judiciais propostas em face do alienante, viola a boa-fé objetiva, por contrariar padrão de conduta mínimo exigível na celebração dessa espécie de avença” (fls. 581). Realmente, as elevadas somas envolvidas nessa modalidade de negócio e o fato de ser do conhecimento de todos as formalidades a ele inerentes, permitem supor que o adquirente sabe dos gravames existentes sobre o imóvel, assumindo o risco futuro da transação ser considerada fraudulenta. Nesse contexto, cabe ao comprador provar que desconhecia a existência de ação em nome do vendedor do imóvel, não apenas em decorrência da exigência do art. 1º da Lei nº 7.433/85, mas, sobretudo, porque só se pode considerar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que adota mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição. Retomando os ensinamentos de Humberto Theodoro Junior, encontramos como exemplo de aplicação da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova justamente a alienação de bem imóvel em fraude de execução, tendo o autor destacado ser “ obrigatória a apresentação de certidões negativas de ações para a lavratura do ato notarial, de modo que, se isto não se realiza a contento, a falha é do adquirente que tinha condições e, até mesmo, o dever de se certificar das demandas pendentes contra o alienante, das quais poderia decorrer sua insolvência (…). Por isso, para invocar a boa-fé para eximir-se das consequências da fraude de execução, o terceiro terá de demonstrar que, não obstante o zelo com que diligenciou a pesquisa e certificação de inexistência de ações contra o alienante, não chegou a ter conhecimento daquela que, in concreto, existia e, na realidade, acabou sendo fraudada” (ob. cit., p. 191). Em suma, na alienação de imóveis em fraude de execução deve subsistir a presunção relativa de má-fé do terceiro adquirente, salvo se houver registro da penhora na matrícula do bem, hipótese em que tal presunção será absoluta. c. Do ônus da prova como regra de julgamento Evidentemente, as premissas fixadas até aqui também servem para delimitação do ônus da prova como regra de julgamento, o denominado ônus objetivo da prova, aplicável subsidiariamente, como parâmetro de decisão nas hipóteses em que o substrato probatório existente nos autos se mostrar insuficiente para o esclarecimento das alegações de fato. No escólio de Fredie Didier Jr., “o sistema não determina quem deve produzir a prova, mas sim quem assume o risco caso ela não se produza. As regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo: orientam o juiz quando há um non liquet em matéria de fato e constituem, também, uma indicação às partes quanto à sua atividade probatória ” (Curso de direito processual civil, vol. II. Bahia: Editora Podium, 4ª ed., 2009, p. 76). Dessa forma, nas situações em que não forem produzidas provas suficientes quanto à ciência ou não do terceiro acerca da constrição judicial (potencial ou efetiva) sobre o imóvel adquirido, apta à caracterização da fraude de execução, deve-se entender que esse terceiro não se desincumbiu do ônus de provar sua boa-fé. d. Da natureza da presunção de má-fé do terceiro adquirente Por outro lado, convém ressalvar que, dada a multiplicidade de comarcas existentes em nosso país, nem sempre ao comprador é possível – nem viável –a identificação de todas as ações ajuizadas contra o devedor. Tomando por base o comportamento do homem médio, zeloso e diligente no trato dos seus negócios, bem como a praxe na celebração de contratos de venda e compra de imóveis, é de se esperar que o adquirente efetue, no mínimo, pesquisa nos distribuidores das comarcas de localização do bem e de residência do alienante. Esse entendimento é corroborado pelo Instituto Brasileiro de Direito Processual, que acrescenta, ainda, a necessidade de se “ levar em conta como ocorreu a fraude de execução ” sugerindo a realização de “pesquisas nas comarcas em que o alienante tem domicílio, caso ele tenha diversos Página 7 domicílios” (fls. 694/695).

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Ciente dessa circunstância, não se está aqui sugerindo o estabelecimento de uma presunção absoluta contra o terceiro adquirente, mas de lhe impor o ônus de demonstrar a existência de um cenário fático a partir do qual seja razoável inferir que não havia como ter conhecimento da insolvência do alienante ou da existência de ações contra ele ajuizadas. O dever de cautela do terceiro adquirente, portanto, deve ficar restrito à obtenção de certidões nas comarcas de localização do bem e de residência do alienante nos últimos 05 anos. Nessa última hipótese, a pesquisa deverá abranger tantos quantos forem os domicílios do alienante, já que o art. 71 do CC/02 (LGL\2002\400) admite a multiplicidade de residências. e. Da presunção absoluta de má-fé decorrente do registro da penhora e da sua harmonização com a presunção relativa de má-fé do terceiro adquirente Importante, ainda, tecer considerações acerca do argumento por muitos utilizado, de que a exigência de averbação da penhora contida no art. 659, § 4º, do CPC (LGL\1973\5), teria o condão de impor ao exequente o ônus de comprovar a má-fé do terceiro adquirente. Todavia, o referido dispositivo legal condiciona a averbação da penhora apenas à “ presunção absoluta de conhecimento por terceiros ” (grifei), o que não impede se mantenha a presunção relativa de má-fé nas hipóteses em que não for realizado tal registro. Esse raciocínio pode ser extraído da própria redação da Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ, que enumera duas situações distintas para a caracterização da fraude de execução: “registro da penhora do bem alienado ” (presunção absoluta) ou a “ prova de má-fé do terceiro adquirente ” (presunção relativa). Gize-se que o fato de se propor a revisão da segunda hipótese ventilada na Súmula não interfere na conclusão de que o seu enunciado reconhece a coexistência de duas situações, cada uma sujeita a uma modalidade de presunção. Como bem observado pela Advocacia-Geral da União, “o registro da penhora constitui apenas uma das formas legais expressas para a configuração da presunção, sem que tenha excluído outras. Não se pode presumir a inexistência de fraude pela mera ausência do registro da penhora” (fls. 581). f. Da presunção de má-fé do executado O raciocínio até aqui desenvolvido também se aplica ao devedor. Da má-fé do comprador infere-se, por via reflexa, a má-fé do executado-alienante, pois a praxe nas negociações envolvendo imóveis é de que o próprio alienante providencie as certidões exigidas pelo Cartório de Registro. Por outro lado, ainda que tais certidões sejam obtidas pelo terceiro adquirente, é razoável supor que este, identificando a existência de ação, comunique tal fato ao vendedor. (iv) Do momento caracterizador da fraude de execução A dificuldade de se delimitar o exato momento em que a alienação do bem pelo devedor pode ser considerada em fraude de execução decorre da redação imprecisa do art. 593 do CPC (LGL\1973\5), que utiliza as expressões “pender ação” e “correr demanda”, dando margem a duas interpretações distintas para fixação do dies a quo: a data da distribuição da ação ou da citação válida do réu. Todavia, considerando que a simples distribuição da ação é suficiente para identificação da existência do processo, não há motivo plausível para se exigir a efetivação do ato citatório. O próprio art. 263 do CPC (LGL\1973\5) considera proposta a ação a partir do momento em que “a petição inicial seja despachada pelo juiz, ou simplesmente distribuída, onde houver mais de uma vara ”, não havendo motivo plausível a justificar interpretação diversa na hipótese de fraude de execução. Assim é que, confrontando os arts. 263 e 593 do CPC (LGL\1973\5), Yussef Said Cahali considera “ irrelevante o fato de a citação ainda não ter sido realizada para que se caracterize a alienação em fraude de execução” (Fraudes contra credores. São Paulo: RT, 2ª ed., p. 465). Outrossim, não se pode ignorar a ponderação feita pela Advocacia-Geral da União, de que a exigência de citação contraria a própria finalidade da fraude de execução, de modo a privilegiar o adquirente desidioso em detrimento do credor e do Estado, causando perplexidade a resposta que Página 8

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adviria à seguinte indagação: “caso, verbi gratia, o réu/devedor, mesmo ciente de que em face dele foi ajuizada uma ação, se ocultasse para evitar o ato citatório e alienasse o bem, estaria afastada a fraude à execução?” (fls. 572) Aliás, situação análoga fez com que este STJ recentemente admitisse o temperamento da regra até agora preponderante, afastando a necessidade de citação porque “ quando da alienação do bem, portanto, no momento caracterizador da fraude, o devedor-executado tinha pleno conhecimento do ajuizamento da execução e, como forma de subtrair-se à responsabilidade executiva decorrente da atividade jurisdicional esquivou-se da citação de modo a impedir a caracterização da litispendência e nesse período adquiriu um bem imóvel em nome dos filhos” (REsp 799.440/DF, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 02.02.2010). Ainda que motivada por uma circunstância considerada peculiar, me parece que essa decisão evidencia a fragilidade e a incoerência da regra, dando azo à sua revisão, para que se considere suficiente à caracterização da fraude de execução a existência de petição inicial distribuída ou despachada pelo Juiz e devidamente cadastrada no distribuidor, de maneira a constar das certidões por ele expedidas. (v) Dos demais requisitos para a caracterização da fraude de execução No que tange à existência de ação fundada em direito real (art. 593, I, do CPC (LGL\1973\5)) ou capaz de reduzir o executado à insolvência (art. 593, II, do CPC (LGL\1973\5)), não há necessidade de se realizar uma análise aprofundada sobre tais requisitos, na medida em que não suscitam maiores dúvidas. Vale apenas registrar que a ação capaz de reduzir o devedor à insolvência pode ser de conhecimento, execução ou cautelar, consoante entendimento reiterado desta Corte (confira-se, à guisa de exemplo, os seguintes precedentes: REsp 799.440/DF, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 02.02.2010; e REsp 77.326/SP, 3ª Turma, Rel. Min. Waldemar Zveiter, DJ de 05.08.1996). (vi) Das conclusões Em suma, pode-se estabelecer as seguintes premissas em relação à caracterização da fraude de execução na alienação de bens imóveis: (i) presume-se fraude de execução na venda de bens quando sobre eles tiver sido ajuizada ação fundada em direito real ou quando, ao tempo da alienação ou oneração, tiver sido ajuizada contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; (ii) considera-se ajuizada a ação, para efeitos de presunção da fraude de execução, pela existência de petição inicial distribuída ou despachada pelo Juiz e devidamente cadastrada no distribuidor, de maneira a constar das certidões por ele expedidas; (iii) a averbação da penhora na matrícula do imóvel gera presunção absoluta de que a alienação do bem se deu em fraude de execução; (iv) há presunção relativa da má-fé do terceiro adquirente na aquisição de imóvel em fraude de execução, de sorte que recai sobre ele o ônus de provar que não tinha conhecimento da existência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência ou de constrição sobre o bem adquirido; (v) há presunção relativa da má-fé do devedor-executado na alienação de imóvel em fraude de execução, de sorte que recai sobre ele o ônus de provar que não tinha conhecimento da existência de ação capaz de reduzi-lo à insolvência ou de constrição sobre o bem alienado; (vi) a prova de desconhecimento quanto à existência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência ou de constrição sobre o imóvel se faz mediante apresentação de pesquisas realizadas nos distribuidores, por ocasião da celebração da compra e venda, abrangendo as comarcas de localização do bem e de residência do alienante nos últimos 05 anos. (vii) Consolidação da jurisprudência Forte em tais razões, voto no sentido de que a averbação da penhora na matrícula do imóvel gere Página 9

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presunção absoluta da existência de fraude de execução na alienação do respectivo bem. Por outro lado, ausente prova da boa-fé do terceiro adquirente, presume-se a existência de fraude de execução na alienação do respectivo bem imóvel. Tendo em vista que a orientação ora firmada se dá em sede de processo repetitivo, torna-se imprescindível, nos termos do art. 125, § 3º, do RISTJ (LGL\1989\44), a revisão da Sumula 375/STJ. II. Julgamento do recurso representativo (i) Do cerceamento de defesa (violação aos arts. 330, II e 332 do CPC (LGL\1973\5)) Aduzem os recorrentes que o julgamento antecipado da lide lhes tolheu o direito de provar terem agido de boa-fé na aquisição do imóvel. Ao analisar a questão, o TJ/PR consigna que “a dilação probatória está condicionada à possibilidade jurídica da prova e ao interesse e relevância de sua produção para elucidar a lide” (fls. 372), tendo acrescentado que “a instrução processual se mostrava dispensável”, classificando de “incensurável a conduta do nobre julgador monocrático” (fls. 373). Com efeito, assente nesta Corte o entendimento de que “ não há ilegalidade nem cerceamento de defesa na hipótese em que o juiz, verificando suficientemente instruído o processo e desnecessária a dilação probatória, desconsidera o pedido de produção de prova testemunhal” (REsp 844.778/SP, 3ª Turma, minha relatoria, DJ de 26.03.2007. No mesmo sentido: REsp 967.644/MA, 4ª Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, DJe de 05.05.2008; e REsp 714.710/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ de 07.02.2008). Não bastasse isso, este STJ também já decidiu diversas vezes que a apreciação, nesta sede, da alegação de cerceamento de defesa decorrente do julgamento antecipado da lide, ofenderia a Súmula 07 (MIX\2010\1261)/STJ “ porquanto para se contrapor ao direcionamento tomado pelas instâncias ordinárias, faz-se necessária profunda investigação probatória, demonstrando-se que o elemento de convicção subtraído era essencial ao debate da causa, ou, em outras palavras, que o resultado seria outro ” (REsp 735.093/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Fernando Gonçalves, DJ de 22.10.2007. No mesmo sentido: REsp 721.991/CE, 4ª Turma, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJe de 02.02.2009; e AgRg no Ag 507.910/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 01.03.2004). No que tange especificamente à produção da prova documental, cumpre destacar que, a rigor, deveria esta ter instruído a defesa dos recorrentes, sobretudo considerando que, para prova da boa-fé, bastaria a apresentação de cópia das certidões obtidas à época da aquisição do imóvel, em especial aquelas expedidas pelo distribuidor cível, das quais não constasse a existência de ações em trâmite contra o vendedor-executado. Dessa forma, não se constata a alegada ofensa aos arts. 330, II e 332 do CPC (LGL\1973\5). (ii) Da fraude de execução (violação aos arts. 593, II, e 659, § 4º, do CPC (LGL\1973\5)) Consta do acórdão recorrido que, “ no caso em análise, a ação de conhecimento foi proposta em 1990, sendo a sentença condenatória prolatada em 19/09/1994, portanto, em data anterior à celebração do compromisso de compra e venda, datado de 03/01/1995 e 02/09/2002 (fls. 27 a 33). Ou seja, já pendia demanda à época da alienação” (fls. 375). Ademais, em relação à inexistência de registro da penhora, o TJ/PR ressalva que “ na fraude à execução o interesse é público e não privado, e, por isso, a má-fé é presumida” (fls. 375). Na tentativa de contrapor tais argumentos, os recorrentes alegam que, “ao entender que se estaria diante de caso de fraude à execução, que a má-fé se presumiria e que mesmo sem o registro da penhora entendia-se que os recorrentes deveriam saber da ação existente entre o recorrido e a Concreteria Paulo Caseca, o v. acórdão acabou por violar o art. 593, II, do CPC (LGL\1973\5), dando-lhe incorreta aplicação e interpretação, bem como por negar vigência ao art. 659, § 4º , do CPC (LGL\1973\5)” (fls. 425). Entretanto, os fundamentos contidos no acórdão recorrido se coadunam com aqueles apresentados no item anterior, sendo certo que os recorrentes não se desincumbiram do ônus de demonstrar Página 10

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terem adotado as cautelas de estilo na aquisição de bem imóvel, de modo que permanece hígida a presunção de que agiram de má-fé. No mais, o acolhimento das alegações contidas nas razões recursais exigiria o revolvimento do substrato fático-probatório dos autos, procedimento que encontra óbice na Súmula 07 (MIX\2010\1261)/STJ. Finalmente, no que concerne à alegada inexistência de registro da penhora, a ausência de averbação da matrícula do imóvel afasta tão-somente a presunção absoluta de conhecimento da ação, mas não elide a presunção relativa de má-fé dos terceiros adquirentes na aquisição do bem em fraude de execução. Dessa forma, inexiste a alegada ofensa aos arts. 593, II, e 659, § 4º, do CPC (LGL\1973\5), devendo o acórdão do TJ/PR ser mantido na íntegra. Forte em tais razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial. VOTO-VISTA O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA: Peço vênia à ilustre relatora para dela divergir pelas mais variadas razões. A primeira diz respeito à preocupação que já externei em diversas oportunidades e que tem a ver com a segurança jurídica que as decisões desta Corte devem representar para a sociedade. Os movimentos pendulares da nossa jurisprudência, ora caminhando num sentido, ora mudando radicalmente para outra direção, não são recomendáveis. Se queremos que nossos julgados sejam referência para a comunidade jurídica e sirvam verdadeiramente à sua função de uniformizar o entendimento sobre determinada matéria, é mister que deixem de oscilar a cada julgamento que realizamos. Aliás, embora não fosse necessário, consta do projeto do novo Código de Processo Civil (LGL\1973\5) princípio que deverá ser referência para situações desse jaez, no sentido de que os tribunais velarão pela uniformização e pela estabilidade da jurisprudência. Obviamente que não defendo a petrificação da jurisprudência. A evolução é sempre salutar. No caso em julgamento, porém, vejo que a matéria é abrangida pela Súmula n. 375 deste Tribunal, enunciado que foi aprovado pela Corte Especial há menos de cinco anos, e, de lá para cá, nenhum fato novo ocorreu que me levasse a considerar a necessidade de alteração daquele posicionamento. Referida súmula tem como precedentes julgados ocorridos entre 1991 e 2008, ou seja, demoramos quase vinte anos para consolidar o entendimento da Corte e, sem que tivesse ocorrido alteração legislativa ou outro fato relevante, repita-se, pretende-se a sua alteração. Não me parece razoável fazê-lo, até porque sua aplicação, com a redação atual, tem-se mostrado adequada à resolução das questões que são trazidas a julgamento. Feita essa breve introdução, passo a analisar a matéria, iniciando pelo aspecto referente ao momento caracterizador da fraude de execução. Não obstante a robusta argumentação desenvolvida pela relatora, com base inclusive em lições de Yussef Said Cahali, entendo que deve prevalecer a posição majoritariamente adotada por este Tribunal ao longo do tempo, a exigir a citação válida como pressuposto para a caracterização da fraude. Confira-se: “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. ALIENAÇÃO DE BEM ANTES DA CITAÇÃO VÁLIDA DO EXECUTADO. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZADA. AGRAVO IMPROVIDO. – A alienação ou oneração de bens, antes da citação válida, não configura fraude de execução. Agravo regimental improvido.” (AgRg no REsp n. 316.905/SP, relator. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe de 18.12.2008.) Página 11

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No mesmo sentido: “PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE DE EXECUÇÃO. PROPOSITURA DA AÇÃO E LITISPENDÊNCIA. I – Para a configuração da fraude de execução, não basta a propositura da ação, nos termos do art. 263 do CPC (LGL\1973\5). É preciso mais, ou seja, a litispendência, que só ocorre com a citação (CPC (LGL\1973\5), art. 219). II – Embargos declaratórios conhecidos, mas rejeitados.” (EDcl no REsp n. 31.321/SP, relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, Segunda Turma, DJ de 9.6.1997.) “Fraude de execução. Precedentes da Corte. 1. É monótona a jurisprudência da Corte no sentido de que a fraude de execução não se configura sem a citação válida, insuficiente para tanto o simples ajuizamento da demanda. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp n. 418.109/SP, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, Terceira Turma, DJ de 2.9.2002.) Na doutrina, NELSON NERY JÚNIOR (“Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5) Comentado e Legislação Extravagante”, 11ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2010, p. 1.042) assevera: “‘Corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência’. Essa é a locução da lei que precisa ser analisada. Correr demanda significa pender demanda. Embora o sistema do CPC (LGL\1973\5) considere proposta a ação assim que distribuída ou despachada a petição inicial (CPC (LGL\1973\5) 263), somente se poderá dizer que a ação corre, isto é, que está pendente, depois que se efetivar a citação válida (art. 219). Assim, se o ato de oneração ou alienação se dá depois da propositura da ação, mas antes da citação, terá havido fraude contra credores, somente declarável por meio de ação pauliana; se o ato de oneração se deu depois da citação válida, terá havido fraude de execução, que pode ser reconhecida na execução ou nos embargos, de devedor ou terceiro. Com a citação válida, presume-se celebrada em fraude de execução qualquer ato ou negócio jurídico que o devedor venha a praticar com terceiro, quando o ato for causa eficiente para o devedor tornar-se insolvente.” Quanto ao ônus da prova da intenção do terceiro adquirente, não me parece razoável adotar entendimento que privilegie a inversão de um princípio geral de direito universalmente aceito, o da presunção da boa-fé, sendo mesmo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova. Ensina Humberto Theodoro Júnior (“Processo de Execução e Cumprimento da Sentença”, 26ª ed., São Paulo, LEUD, 2009, p. 173-174): “A dificuldade, porém, sempre se situou no tratamento a ser dispensado ao terceiro que negocia com o litigante fraudador da execução. Para este não há como qualificar de boa-fé sua conduta, pois não tem o devedor como ignorar o prejuízo acarretado à ação pendente. Já para o terceiro, é perfeitamente possível admitir que tenha adquirido o bem alienado pelo litigante, ignorando a existência do processo e do prejuízo que este veio a sofrer. Vale dizer: é possível que tenha agido de boa-fé, e à ordem jurídica não apraz desprezar a boa-fé, em linha de princípio [sem destaque no original]. Para obviar as alegações da espécie, a Lei de Registros Públicos, desde longa data, franqueou ao credor inscrever as ações reais imobiliárias e as penhoras no Registro de Imóveis, proporcionando-lhes assim uma eficácia erga omnes (Lei n. 6015/73, art. 167, I, nºs 5 e 21). Nem sempre, no entanto, os interessados se mostram diligentes e o resultado é que os atos judiciais permanecem fora do controle e divulgação do Registro Público. Diante dessa realidade, assentou-se na doutrina e jurisprudência, após a Lei n. 8.953/94, como entendimento predominante, o seguinte: a) Nem sempre a venda do bem litigioso configurará fraude de execução. Se a ação estiverPágina inscrita 12

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no Registro Público, o ato de disposição será fatalmente ineficaz (CPC (LGL\1973\5), arts. 42 e 593, I). Inexistindo o assento registral, a fraude somente será reconhecida se o credor provar a má-fé do terceiro adquirente (STF, 1ª Turma, AI n. 96.838-AgRg, Rel. Min. ALFREDO BUZAID, ac. 20.3.84, RTJ, 111/690). b) Se a fraude consiste em imputar insolvência à parte que, no processo de conhecimento, ou no processo de execução, alienou bens ainda não sujeitos à penhora (CPC (LGL\1973\5), art. 593, II), o reconhecimento da ineficácia do ato de disposição dependerá, na falta de registro, da prova de que ‘o terceiro tinha ciência da demanda em curso’ (STJ, 4ª Turma, REsp 4.132-RS, Rel. Min. SÁLVIO DE FGUEIREDO, ac. 2.10.90, RSTJ 26/346), além da prova do estado de insolvência, a que foi conduzido o credor, em virtude da alienação (STJ, 4ª Turma, REsp 20.778/SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO, ac. 26.9.94, DJU 31.10.94, p. 29.500). c) Se a fraude refere-se à alienação do bem constrito (penhora, arresto, sequestro), sua configuração independe da insolvência do alienante (STJ, 3ª Turma, REsp 4.198-MG, Rel. Min. EDUARDO RIBEIRO, ac. 27.1.90, DJU, 4.2.91, p. 574). Mas, ‘não havendo registro da penhora, não há falar em fraude à execução, salvo se aquele que alegar a fraude provar que o terceiro adquiriu o imóvel sabendo que estava penhorado (STJ, 3ª Turma, REsp 113.666-DF, Rel. Min. MENEZES DE DIREITO, ac. 13.5.97, DJU 30.6.97, p. 31.031). Em outros termos: ‘A penhora de bem imóvel, antes de registrada (Lei n. 6.015/73, arts. 167, I, n. 5, 169 e 240), vale e é eficaz perante o executado, mas só é eficaz perante terceiros, provando-se que estes conheciam ou deviam conhecer a constrição judicial (STJ, 4ª Turma, REsp 9.789, Rel. Min. ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, ac. 9.6.92, RT, 691/190). Somente com o registro da penhora se tem a presunção de fraude contra o terceiro adquirente (STJ, 4ª Turma, Ag. 4.602-PR-AgRg, Rel. Min. ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, ac. 4.3.91, DJU 1.4.91, p. 3.423).” O ministro Cesar Asfor Rocha, ao relatar o REsp n. 113.871/DF, analisou, com profundidade, a matéria e concluiu, in verbis: “[…] A segunda questão que se coloca é saber se no cartório imobiliário consta algum registro dando conta da existência da ação. Em caso afirmativo, há a presunção ‘juris et de jure’ de que o adquirente sabia da pendência da ação. Na hipótese contrária, milita em favor do adquirente a presunção de que ele desconhecia, quando da aquisição, a existência da ação, razão pela qual deve o exequente arrostar com o ônus de provar o contrário É que não havendo, no cartório imobiliário, nenhum registro da existência da ação, não se pode imputar ao adquirente nenhuma obrigação de ter ciência desse fato, sendo até impossível disso com segurança ele saber (salvo se obtivesse certidões negativas de todos os cartórios de distribuição por esse Brasil afora), por isso mesmo que não lhe cabe provar a sua ignorância quanto a tanto, pois a sua boa-fé, que é presumida, há de ser preservada, até prova em contrário. Não estou dizendo aqui que a má-fé do comprador seja elemento indispensável para a caracterização da fraude à execução. Apenas estou afirmando que, não tendo o registro imobiliário recebido a notícia da existência da ação, a presunção de licitude da alienação milita em favor do comprador. Entendimento contrário geraria intranquilidade nos atos negociais, conspiraria contra o comércio jurídico, e atingiria a mais não poder a confiabilidade nos registros públicos [sem destaque no original].” Ganha maior relevância a discussão quando se sabe que, em grande parte dos casos que são submetidos ao Judiciário – se não na maioria –, a alienação do bem ao adquirente não se fez diretamente pelo executado, mas por terceiro que dele o adquirira. Nessas alienações sucessivas, ainda que o adquirente diligenciasse no sentido de obter certidões que pudessem indicar a existência de ação pendente, isso ocorreria não em relação ao executado, mas em relação ao terceiro que adquirira o bem do executado, por óbvio, sob pena de se tornar de tal maneira burocrática e custosa a operação de compra e venda que seriam inviáveis as transações de bens imóveis e de outros de maior valor. O Ministro Eduardo Ribeiro, ao relatar os EREsp n. 114.415/MG (DJ de 16.2.1998), já alertava: Página 13

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“Efetivamente, é exigir o inexigível, supor como razoável o que nunca acontece, entender-se deva alguém, que vá adquirir um bem, além de levantar a cadeia dominial, averiguar se pende processo, interessando a algum dos anteriores proprietários. Havendo, deverá pesquisar quanto à solvência. Que isso se faça quanto àquele com quem se negocia, admita-se como de se esperar. Estender a pesquisa por uma cadeia às vezes longa significa a paralisia na vida dos negócios. Em verdade, é sabido que ninguém assim procede e a consequência é simplesmente fazer com que alguém que agiu na mais absoluta boa-fé termine por pagar a dívida de outrem, com quem não teve qualquer contato.” Quanto à proposta de se considerar a presunção relativa de má-fé do adquirente, em caso de penhora não registrada, atribuindo-lhe o ônus de provar sua boa-fé, tal alternativa acabaria por tornar letra morta o disposto no art. 659, § 4º, do CPC (LGL\1973\5). De que valeria essa norma? O registro não é elemento indispensável à constituição da penhora, conforme já se assentou na doutrina e na jurisprudência. Se é também dispensável para comprovação da ciência de terceiro quanto ao ônus processual, que, na sua ausência, terá de fazer prova de que não sabia da existência do gravame, qual a razão da norma? Qual credor vai arcar com o ônus financeiro do registro se caberá ao terceiro fazer a prova negativa de sua ciência em relação à existência do gravame? Na verdade, a lei tratou de dar plenas garantias ao credor diligente, assegurando-lhe presunção absoluta de conhecimento, por terceiros, da existência de ação em curso mediante a inscrição da penhora no registro público. No entanto, se não se houver com cautela, registrando o gravame, não pode ser beneficiado com a inversão do ônus da prova. Nesse caso, terá ele de provar que o adquirente tinha conhecimento da constrição. Essa, aliás, a doutrina de Amilcar de Castro, em escólio ao art. 593 do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), conforme de extrai do voto do Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira no REsp n. 214.990/SP, DJ de 11.10.1999: “A inscrição, no sistema do nosso direito, tem duas finalidades: é modo de adquirir direitos reais, e é forma de publicidade. Evidentemente, a inscrição de que se está tratando não tem o efeito de transferir direitos reais, e, sim, apenas o de publicidade, isto é, para publicar a terceiros que alguém está demandando a respeito de certos bens, ou que estes foram provisoriamente tirados do patrimônio do devedor como garantia de alguém, porque do executado foi expropriada a faculdade de disposição, faculdade esta que, temporariamente, pode ser exercida pelo Estado. O fato, porém, de não ter sido registrado ou inscrita, a penhora, ou o arresto, o sequestro, ou a citação, não impede a alegação de fraude contra a execução, e, sim, somente tem a significação de ficar o exequente no ônus de provar que o adquirente tinha conhecimento, ou de que sobre os bens estava sendo movido litígio fundado em direito real, ou de que pendia contra a alienante demanda capaz de lhe alterar o patrimônio, de tal sorte que ficaria reduzido à insolvência. Feita a inscrição, as alienações posteriores peremptoriamente presumem-se feitas em fraude de execução, independentemente de qualquer outra prova. Não sendo feita a inscrição, o exequente deve provar as condições legais de existência de fraude à execução. Vale dizer: a inscrição só tem efeito de publicidade, e, vale como prova presumida, irrefragável, de conhecimento das condições legais de fraude por parte de terceiros.” O mesmo raciocínio se aplica quando se tem presente a regra estabelecida no art. 615-A do CPC (LGL\1973\5), com a redação dada pela Lei n. 11.382, de 6.12.2006 – “o exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto” –, complementada pelo seu § 3º, que, peremptoriamente, afirma presumir-se fraude de execução a alienação ou oneração de bens efetuada após dita averbação. Ora, se a lei proporciona ao credor todos os meios para que ele prossiga com segurança na execução e ele se mostra desidioso, não se utilizando daqueles meios, não pode ser beneficiado com a inversão do ônus da prova. Não me parece correta, ademais, a percepção da ilustre relatora de que, pela teoria da carga dinâmica da prova, ou distribuição dinâmica do ônus da prova, se pudesse concluir, genericamente, pela atribuição de tal ônus ao adquirente porque seria para ele mais fácil demonstrar a inexistência dos elementos ensejadores da fraude de execução. É que, quanto à insolvência do executado, doutrina e jurisprudência têm entendido que a simples certidão do oficial de justiça afirmando a inexistência de bens penhoráveis na execução é suficiente Página 14

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para presumir-se a insolvência. Essa prova, certamente, está muito mais próxima do credor do que do terceiro adquirente. Por outro lado, se é certo que o adquirente poderá obter certidões sobre a distribuição de ações contra o executado alienante, certo é também que essas mesmas certidões estão ao alcance do credor, que, mediante requerimento ao cartório onde lavrada a escritura de aquisição do bem, ou por meio de ordem judicial, poderá ter acesso a elas. Não vejo razão para alterar a jurisprudência da Casa relativa ao ponto, por não enxergar obstáculo de tão grande monta que possa prejudicar o credor na sua demonstração de ausência de boa-fé do adquirente. Ao contrário, a mudança do rumo da jurisprudência neste momento, às vésperas da introdução do novo diploma processual em nosso ordenamento jurídico, que certamente provocará profundas alterações no entendimento sobre essa e outras matérias, não é recomendável, mormente quando, repito, a atual posição do Superior Tribunal de Justiça tem sido adequada e suficiente para a resolução dos conflitos da espécie que são submetidos à apreciação do Judiciário. Pelo exposto, e pedindo vênia mais uma vez à relatora, divirjo do seu voto na parte que trata da matéria para efeitos do art. 543-C do Código de Processo Civil (LGL\1973\5). Quanto ao caso concreto, verifica-se que, em ação de indenização proposta por Júlio César da Silva contra Paulo Caseca – Construções e Incorporações Ltda. na comarca de Curitiba – PR, foi feita a penhora de imóvel localizado na cidade de Camboriú – SC após decisão do juiz que preside o feito no sentido de reconhecer que a alienação daquele bem se dera em fraude de execução e de declarar a ineficácia de tal alienação. Carlos Oscar Premazzi e sua mulher e Honorato Salvati ajuizaram então embargos de terceiro contra o credor, Júlio César da Silva, sob o fundamento de que o imóvel sobre o qual incidiu a penhora foi integralmente alienado por Paulo Caseca – Construções e Incorporações Ltda. aos dois primeiros embargantes em 1995, e 50% daquele bem foi por eles transmitido ao outro embargante em 2002, em época anterior, portanto, ao registro da constrição, que só ocorreu em 2003. Tanto o magistrado de primeiro grau quanto a Turma julgadora do recurso de apelação do Tribunal estadual adotaram o entendimento, consubstanciado na ementa do acórdão, de que, “para a configuração da fraude à execução, o artigo 593, II, do CPC (LGL\1973\5) exige que exista demanda em curso à época da alienação, seja: cognitiva, cautelar ou executiva, independentemente do comprador ter conhecimento da demanda em curso, porque na fraude à execução há inequívoco interesse público, sendo presumida a má-fé”. Observo que, embora tenham os recorrentes protestado pela produção de provas, justificando-as como necessárias para comprovar sua boa-fé, ocorreu o julgamento antecipado da lide exatamente porque, conforme dito, o entendimento adotado pelo magistrado primevo – e corroborado pelo Tribunal – foi no sentido de que, na fraude de execução, torna-se desimportante a análise da intenção do terceiro adquirente, bem como do fato de ter ele ciência ou não da existência de ação que possa levar o alienante à insolvência. O julgamento se deu, então, a meu juízo, a respeito de questão eminentemente de direito, sobre tese jurídica, não sofrendo nenhuma influência dos fatos da causa. Especificamente quanto ao ponto, os recorrentes aduzem a ocorrência de cerceamento de defesa e consequente violação dos arts. 330, I, e 332 do CPC (LGL\1973\5). Arguem ainda violação dos arts. 593, II, e 659, § 4º, do CPC (LGL\1973\5). Também no que diz respeito ao caso concreto, peço vênia para divergir da eminente relatora e dar provimento ao recurso. É que, ao contrário do que foi definido no acórdão hostilizado, no caso de fraude de execução, há, sim, de se perquirir a respeito do elemento subjetivo atinente à ciência do adquirente sobre a existência da demanda em curso. A propósito, eis o que relembra Humberto Theodoro Júnior (“Curso de Direito Processual Civil”, vol. II, 46ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2011, p. 196), ao referir-se à hipótese do art. 593, II, do CPC (LGL\1973\5): “Destarte, a posição dominante na jurisprudência pode ser assim resumida: Página 15

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a) Se o terceiro adquire bem judicialmente constrito por meio de penhora ou outro gravame processual equivalente, o ato aquisitivo, em princípio, ‘é ineficaz, sendo desnecessário demonstrar insolvência do executado’. b) Quando ainda não se consumou a constrição judicial sobre o bem, isto é, enquanto não existir penhora, arresto ou sequestro, a fraude, nos termos do art. 593, II, dependerá de prova do requisito objetivo: dano ou prejuízo decorrente da insolvência a que chegou o devedor com a alienação ou oneração de seus bens; e, também, do requisito subjetivo, se a ação pendente não estiver inscrita no registro público, caso em que caberá ao credor ‘o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso’ [sem destaque no original]. c) Mesmo quando já exista a constrição judicial, sem entretanto ter sido levada ao registro público, para configuração de fraude de execução cumprirá ao credor ‘demonstrar que dela os adquirentes-embargantes tinham ciência, máxime quando a alienação a estes tenha sido realizada por terceiro que não o executado’. d) Nos termos da legislação atual, ‘somente após o registro, a penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior (Lei nº 6.015, art. 240).” Vê-se, pois, que a jurisprudência dominante, nas palavras do mestre Humberto Theodoro, inclinou-se no sentido de se exigir daquele que alega a fraude a comprovação de tal fato. No caso concreto, porém, foram os próprios adquirentes quem pleitearam a oportunidade de provar sua boa-fé no decorrer da instrução processual, sendo, contudo, obstados pelo julgamento precoce da demanda ao argumento de que, na hipótese dos autos, a ciência sobre a existência da demanda era irrelevante. Registro, ademais, que, ainda que fosse caso de acompanhar o entendimento da eminente relatora, os fatos comprovadamente presentes nos autos dão conta de que o imóvel adquirido pelos recorrentes situa-se em Santa Catarina, mesmo Estado em que tem sede a empresa alienante, enquanto o processo de execução em que houve o reconhecimento da fraude tramita no Paraná. Por tais razões, pedindo vênia, mais uma vez, à eminente relatora, discordo de seu voto tanto para efeitos externos quanto para o caso concreto e dou provimento ao recurso especial a fim de anular o acórdão recorrido bem como a sentença monocrática e determinar a realização da instrução processual na forma requerida pelos recorrentes, prosseguindo-se, após, como se entender de direito. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL Número Registro: 2007/0124251-8 REsp 956.943 / PR Números Origem: 3469196 346919603 PAUTA: 20/02/2013 JULGADO: 20/02/2013 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER Subprocurador-Geral da República Página 16

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Exmo. Sr. Dr. WAGNER NATAL BATISTA Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE : CARLOS OSCAR PREMAZZI E OUTROS ADVOGADO : JULIO CESAR BROTTO E OUTRO(S) RECORRIDO : JÚLIO CESAR DA SILVA ADVOGADO : LUIZ CARLOS COELHO DA CUNHA ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil CERTIDÃO Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Em renovação de julgamento ante a ausência de quórum, após o voto preliminar da Sra. Ministra Relatora e o voto preliminar antecipado do Sr. Ministro João Otávio de Noronha em relação à tese do art. 543-C, a Corte Especial, por unanimidade, decidiu pela conclusão dos votos proferidos. Após o voto mérito da Sra. Ministra Relatora conhecendo do recurso especial para negar-lhe provimento e o voto antecipado do Sr. Ministro João Otávio de Noronha conhecendo do recurso especial para dar-lhe provimento, pediu vista a Sra Ministra Laurita Vaz. Aguardam os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Raul Araújo Filho, Ari Pargendler e Eliana Calmon. Quanto à preliminar, a Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Raul Araújo Filho, Ari Pargendler e Eliana Calmon votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão e Napoleão Nunes Maia Filho. Licenciado o Sr. Ministro Gilson Dipp, sendo substituído pelo Sr. Ministro Jorge Mussi. Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo Filho. VOTO-VISTA A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Eis o breve retrospecto dos principais fatos que antecederam o julgamento do presente recurso especial: Em 1990, JÚLIO CÉSAR DA SILVA ajuizou ação de indenização em face da CONCRETERIA PAULO CASECA LTDA. Em 19/09/1994, foi prolatada sentença condenatória em favor do Autor, impelindo o Réu ao pagamento de R$ 178.579,49, valor este atualizado até outubro de 2001. Em 03/01/1995 e 02/09/2002, assinaram compromisso de compra e venda, sucessivamente, PAULO CASECA – Construções e Incorporações Ltda e CARLOS OSCAR PREMAZZINI e sua cônjuge NORMA NOEMI LUEIRO DE PERMAZZI e destes, na proporção de 50% da área total do imóvel em questão, para HONORATO SALVATI. Em 28/05/1997, foi requerida a execução da sentença. O juízo processante concluiu que “ houve Página 17

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sucessão de empresas” e, ainda, que ter havido fraude à execução, razão pela qual declarou ineficaz a alienação em face do Exequente, determinando a penhora do imóvel acima referido em 20/03/2003, registrada em 09/09/2003. CARLOS OSCAR PREMAZZINI e NORMA NOEMI LUEIRO DE PERMAZZI e HONORATO SALVATI opuseram embargos de terceiros, alegando, em síntese, terem adquirido o imóvel de boa-fé. Em 12/09/2005, sobreveio sentença, com o julgamento antecipado da lide, a teor do art. 330, inciso I, do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), decidindo o juízo processante pela improcedência do pedido dos terceiros embargantes, ao considerar que “ na data da alienação do imóvel aos ora Embargantes já estava em curso a ação de execução em que houve a penhora. Dessa forma, configurou-se inquestionável fraude à execução, nos exatos termos do disposto no artigo 593, inciso II, do Código de Processo Civil (LGL\1973\5)” (fl. 275). O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, por seu turno, julgou a apelação dos terceiros Embargantes e a apelação adesiva do Exequente, desprovendo os recursos, consoante a seguinte ementa: “APELAÇÃO CÍVEL – EMBARGOS DE TERCEIRO – PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZATÓRIOS DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE – SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO – FRAUDE À EXECUÇÃO – REQUISITOS DO ARTIGO 593, II, DO CPC (LGL\1973\5) – DEMANDA EM CURSO AO TEMPO DA ALIENAÇÃO – DEMANDA CAPAZ DE REDUZIR O DEVEDOR À INSOLVÊNCIA – VENDA DO IMÓVEL APÓS A CITAÇÃO DO DEVEDOR EM AÇÃO COGNITIVA – DESNECESSIDADE DE INÍCIO DE DEMANDA EXECUTIVA PARA CONFIGURAÇÃO DA FRAUDE À EXECUÇÃO – VALOR CORRETAMENTE FIXADO NOS TERMOS DO ART. 20, § 4º DO CPC (LGL\1973\5) AGRAVO RETIDO E RECURSOS DE APELAÇÃO E ADESIVO DESPROVIDOS 1. Para a configuração da fraude à execução, o artigo 593, II, do CPC (LGL\1973\5) exige que exista demanda em curso à época da alienação, seja: cognitiva, cautelar ou executiva, independentemente do comprador ter conhecimento da demanda em curso, porque na fraude à execução há inequívoco interesse público, sendo presumida a má-fé. 2. Em se tratando de sentença declaratória, proferida em sede de embargos de terceiro, os honorários devem ser fixados de acordo com os critérios do art. 20, § 4º do CPC (LGL\1973\5), devendo ser mantidos nos valores arbitrados na sentença “a quo”. Irresignados, CARLOS OSCAR PREMAZZINI e NORMA NOEMI LUEIRO DE PERMAZZI e HONORATO SALVATI interpuseram o presente recurso especial, com arrimo nas alíneas a e c do permissivo constitucional. Alegam os Recorrentes que o acórdão recorrido violou o art. 593, inciso II, e o art. 659, § 4.º, ambos do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), ao considerar fraude à execução, com má-fé presumida de terceiros, mesmo sem o registro da penhora. Sustentam, também, no ponto, dissídio jurisprudencial. Argúem, ainda, violação aos arts. 330, inciso II, e 332 do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), porque “ ou se reconhece a boa-fé dos Recorrentes, em razão de a penhora ter sido registrada somente após a celebração do compromisso de compra e venda, dando-se provimento ao presente Recurso para julgar procedentes os Embargos de Terceiros, ou, então, entendendo essa Corte pela necessidade de demonstração da boa-fé, reconhece-se a existência de cerceamento de defesa e a violação aos arts. 330, I, e 332, do CPC (LGL\1973\5), por terem sido mal aplicados ao presente caso, já que a lide não se encontrava em condições de imediato julgamento (art. 330, I), e as provas requeridas, contrariamente ao que constou no Acórdão, seriam de imensa validade ao correto desfecho da lide (art. 332), anulando-se o V. Acórdão para possibilitar a instrução probatória ” (fl. 433). Pedem, assim, o provimento do recurso especial. Contrarrazões ofertadas às fls. 455/457. O recurso foi admitido na origem, consoante decisão de fls. 459/464. Página 18

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A eminente Relatora, a Ministra Nancy Andrighi, proferiu decisão afetando o julgamento do recurso à Corte Especial, observando o rito dos repetitivos, conforme decisão de fl. 471. Instados a se pronunciar, manifestaram-se: A ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, pugnando pelo reconhecimento de fraude à execução, tendo “ como marco a propositura da ação, seja de conhecimento, execução ou cautelar, dispensada qualquer perquirição sobre o elemento subjetivo, por ser a fraude presumida de modo absoluto. Subsidiariamente, que o E. STJ delibere haver presunção relativa de má-fé, a ser afastada pelo adquirente que demonstre ter adotado cautelas mínimas para a aquisição do bem” (fl. 582). O CONSELHO FEDERAL DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, pugnando pelo reconhecimento da “ necessidade de demonstração de 2 (dois) requisitos para a caracterização da fraude à execução, ambos de natureza objetiva, a saber: 1) ação em curso, com citação válida, e 2) estado de insolvência do devedor, esta no sentido de frustração dos meios executórios ” (fls. 612/613). A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, pugnando pelo acatamento dos “ requisitos expostos nesta peça como necessários à caracterização da fraude à execução; 2) Reconhecer que os efeitos da fraude de execução limitam-se à aplicação de multa ao devedor, multa esta revertida em favor do credor; 3) Subsidiariamente, reconhecer que os efeitos da fraude à execução, na forma de ineficácia do negócio jurídico, só podem atingir o terceiro adquirente se for demonstrada a má-fé deste ” (fl. 645). O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, pugnando pelo conhecimento e provimento do recurso especial, a fim de “ reconhecer que a fraude à execução do art. 593, II, do CPC (LGL\1973\5), necessita de citação válida; b) da necessidade de averbação no registro imobiliário de pendência de ação que pode levar à insolvência para presumir a má-fé dos terceiros adquirentes” (fl. 659). O INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO PROCESSUAL, fazendo considerações acerca dos (a) Requisitos para reconhecimento da fraude à execução; (b) Ineficácia da transferência patrimonial em fraude à execução; (c) Registro da penhora; (d) Requisitos para reconhecimento da boa-fé do terceiro adquirente; (e) Desconsideração da personalidade jurídica e o terceiro de boa-fé (fls. 692/696). A ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES DO BRASIL – ANOREG/BR, fazendo considerações sobre requisitos necessários à caracterização da fraude à execução (fls. 701/704). A eminente Ministra Nancy Andrighi proferiu laborioso e percuciente voto, primeiro, justificando o processamento do presente recurso como repetitivo; segundo, distanciando a controvérsia deduzida nestes autos das fraudes à execução fiscal, submetidas à legislação específica (Lei n.º 6.368/80) e das fraudes decorrentes da alienação de bens móveis, que não exigem apresentação ou arquivamento de certidões dos cartórios distribuidores judiciais; terceiro, ressaltando o interesse público imanente à questão em debate, porque interfere diretamente na efetividade da prestação jurisdicional. No mérito, concluiu, em sumário próprio, que: “(i) presume-se fraude de execução na venda de bens quando sobre eles tiver sido ajuizada ação fundada em direito real ou quando, ao tempo da alienação ou oneração, tiver sido ajuizada contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; (ii) considera-se ajuizada a ação, para efeitos de presunção da fraude de execução, pela existência de petição inicial distribuída ou despachada pelo Juiz e devidamente cadastrada no distribuidor, de maneira a constar das certidões por ele expedidas; (iii) a averbação da penhora na matrícula gera presunção absoluta de que a alienação do bem se deu em fraude de execução; (iv) há presunção relativa da má-fé do terceiro adquirente na aquisição de imóvel em fraude de execução, de sorte que recai sobre ele o ônus de provar que não tinha conhecimento da existência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência ou de constrição sobre o bem adquirido; (v) há presunção relativa de má-fé do devedor-executado na alienação de imóvel em fraude de Página 19

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execução, de sorte que recai sobre ele o ônus de provar que não tinha conhecimento da existência de ação capaz de reduzi-lo à insolvência ou de constrição sobre o bem alienado; (vi) a prova de desconhecimento quanto à existência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência ou de constrição sobre o imóvel se faz mediante apresentação de pesquisas realizadas nos distribuidores, por ocasião da celebração da compra e venda, abrangendo as comarcas de localização do bem e de residência do alienante nos últimos 05 anos.” E, nesse contexto, votou pelo desprovimento do recurso especial, afastando a tese de violação aos arts. 330, inciso II, e 332 do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), e, também, de violação aos arts. 593, inciso II, e 659, § 4.º, do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), reconhecendo a existência de fraude de execução. O eminente Ministro João Otávio de Noronha, em voto-vista antecipado, abriu divergência, entendendo que “deve prevalecer a posição majoritariamente adotada por este Tribunal ao longo do tempo, a exigir a citação válida como pressuposto para a caracterização da fraude.” Considerou que, “ao contrário do que foi definido no acórdão hostilizado, no caso de fraude de execução, há, sim, de se perquirir a respeito do elemento subjetivo atinente à ciência do adquirente sobre a existência da demanda em curso.” Entendeu ainda por rejeitar a apreciação da matéria controvertida sob o regramento do art. 543-C do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), tendo em conta a iminente introdução de novo diploma normativo processual em nosso ordenamento jurídico. Concluiu Sua Excelência pelo provimento do recurso especial, “ a fim de anular o acórdão recorrido bem como a sentença monocrática e determinar a realização da instrução processual na forma requerida pelos recorrentes, prosseguindo-se, após, como se entender de direito.” É, suma, o relatório. Passo ao voto-vista. A questão posta em debate é deveras complexa e implica significativa repercussão no mercado sócio-financeiro-imobiliário brasileiro. Sem embargo do brilhantismo do voto da eminente Relatora, elaborado com notável zelo e percucientes fundamentos, peço vênia para acompanhar a divergência, exceto quanto à proposta de desafetação dos recursos, uma vez que não vislumbro nenhum inconveniente em tratar a matéria em questão sob o rito dos recursos repetitivos, ao revés, entendo adequado e oportuno que a ratificação ou eventual retificação da jurisprudência sobre o tema em debate seja feita nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil (LGL\1973\5). Pois bem. Admito que também foi minha preocupação o reflexo da eventual alteração de entendimento, até então consolidado na jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, cujos julgados são referência para orientar as tratativas, negociações e fechamentos de negócios jurídicos que envolvem alienação de bens imóveis. Não quero, com essa ponderação, evidentemente, sugerir que a jurisprudência desta Corte não possa ser revista. Ao contrário, o engessamento do direito não se coaduna com o desenvolvimento das relações sociais que, por serem dinâmicas, exigem constante adaptação e evolução das normas, e releitura das interpretações. Outrossim, mesmo em situações estanques, é dever do magistrado sempre repensar as razões que o impelem a formar sua convicção, em respeito ao nobre dever de julgar, como bem o fez a ilustre Relatora. Entretanto, não creio que o fato de termos em tramitação no Congresso Nacional um projeto de novo Código de Processo Civil (LGL\1973\5) deva constituir um obstáculo à realização da principal tarefa que nos é constitucionalmente dada, qual seja, a de uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional. Até porque não se sabe quanto tempo vão durar as discussões e a efetiva aprovação do novo Código. E, mesmo que não demore, nada obsta a que, se for o caso, revisemos nossa jurisprudência, mas a partir das eventuais inovações normativas trazidas. Feitas essas breves considerações, ressalto que a controvérsia em debate, trazida a julgamento em recurso repetitivo, não foi provocada por uma alteração do cenário sócio-econômico ou normativo, mas por uma insurgência de terceiros adquirentes que, alegando boa-fé, receiam ver o bem imóvel comprado ser levado à venda para saldar dívida do devedor alienante. Página 20

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O debate vem de longe e há respeitáveis opiniões em sentidos conflitantes. A polêmica toma grande proporção porque estão em jogo legítimos interesses, quais sejam, o do credor de ter seu crédito satisfeito, rechaçando-se a tentativa do devedor de, por meio de fraude, alienar o patrimônio que garantiria o pagamento das dívidas; o do terceiro que, de boa-fé, adquire o bem imóvel do devedor que responderia pela dívida; e, por fim, a do Poder Judiciário de dar efetividade às suas decisões. Não se pode olvidar que há também o interesse do devedor de não ter seu patrimônio “engessado”, desde logo, antes mesmo de ter contra si uma condenação. A fraude de execução é disciplinada no Código de Processo Civil (LGL\1973\5), nos seguintes termos: “Art. 592. Ficam sujeitos à execução os bens: […] V – alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução.” “Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III – nos demais casos expressos em lei.” Portanto, os requisitos legais para a constatação da fraude de execução são: (i) litispendência, isto é, haver demanda – ação de conhecimento, cautelar ou execução – em curso, vale dizer, com citação válida, a teor do art. 219 do Código de Processo Civil (LGL\1973\5); e (ii) eventus damni, entendido como dano ao credor decorrente do estado de insolvência do devedor provocado pela alienação do bem. A par disso, instituiu a jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça mais um requisito, visando a resguardar o terceiro de boa-fé que adquire o imóvel do devedor, qual seja, a existência de (iii) consilium fraudis entre o devedor alienante e o terceiro adquirente. Assim, há de se perquirir se o terceiro adquirente tinha ciência da situação de potencial insolvência do devedor em razão da existência de ação em curso. A questão que se segue, portanto, é saber de quem é o ônus da prova. A jurisprudência, de mais de uma década, deste Superior Tribunal de Justiça assentou-se no sentido da presunção da boa-fé do terceiro adquirente, salvo se há penhora registrada (hoje, averbada) no cartório de imóveis, cabendo ao credor exequente, nos demais casos, provar o contrário. Seguidos julgados desta Corte deram ensejo, nessa toada, ao verbete sumular n.º 375, que reza: “ O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” O Código de Processo Civil (LGL\1973\5), a propósito, foi alterado pela Lei n.º 11.382/2006, para indicar as situações em que haveria presunção absoluta de má-fé do terceiro adquirente: “ Art. 615-A. O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. § 1.º O exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização. § 2.º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados. Página 21

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§ 3.º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593). […]” “Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios. § 1.º Efetuar-se-á a penhora onde quer que se encontrem os bens, ainda que sob a posse, detenção ou guarda de terceiros. § 2.º Não se levará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução. § 3.º No caso do parágrafo anterior e bem assim quando não encontrar quaisquer bens penhoráveis, o oficial descreverá na certidão os que guarnecem a residência ou o estabelecimento do devedor. § 4.º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial.” A redação anterior desse parágrafo, contudo, era essencialmente o mesmo: “[…] § 4.º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exeqüente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 669), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, o respectivo registro no ofício imobiliário, mediante apresentação de certidão de inteiro teor do ato e independentemente de mandado judicial.” (Redação dada pela Lei n.º 10.444, de 7.5.2002) Assim, cabe ao credor exequente, a fim de configurar a presunção absoluta de conhecimento por terceiro, providenciar a averbação da penhora do bem no respectivo registro público (§ 4.º do art. 659 do Código de Processo Civil (LGL\1973\5)); ou a averbação do ajuizamento da execução (§ 3.º do art. 615-A do mesmo Código). Afora tais providências, cabe ao credor a prova da má-fé do terceiro adquirente. E, concessa maxima venia, a má-fé não pode ser presumida. A má-fé deve ser provada. O que se presume é a boa-fé. Com feito, impor ao comprador o ônus de verificar perante os inúmeros cartórios existentes no país se há ou não demanda contra o vendedor de imóvel seria exigir providência exorbitante, senão inexequível. Vale ressaltar, como bem anotou o eminente Ministro João Otávio de Noronha, que “em grande parte dos casos que são submetidos ao Judiciário – se não na maioria –, a alienação do bem ao adquirente não se fez diretamente pelo executado, mas por terceiro que dele o adquirira. Nessas alienações sucessivas, ainda que o adquirente diligenciasse no sentido de obter certidões que pudessem indicar a existência de ação pendente, isso ocorreria não em relação ao executado, mas em relação ao terceiro que adquirira o bem do executado, por óbvio, sob pena de se tornar de tal maneira burocrática e custosa a operação de compra e venda que seriam inviáveis as transações de bens imóveis e de outros de maior valor”. Nesse sentido, é o entendimento que tem sido reiterado neste Superior Tribunal de Justiça. Ilustrativamente: “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE TERCEIRO. INEXISTÊNCIA DE PENHORA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE QUE O ADQUIRENTE TINHA CIÊNCIA DA DEMANDA EM CURSO. TERCEIRO DE BOA-FÉ. FRAUDE À EXECUÇÃO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. I – Na caracterização da fraude à execução, de acordo com a Jurisprudência desta Corte, a simples existência de ação em curso no momento da alienação do bem não é suficiente para instaurar a presunção de fraude, sendo necessário, quando não registrada a penhora anterior, “prova da ciência do adquirente acerca da existência da demanda em curso”, a qual incumbe ao credor, sendo essa ciência presumida somente na hipótese em que registrada a penhora, na forma do art. 659, § 4º, do Cod. de Proc. Civil. Página 22

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II – O Acórdão recorrido não se manifestou sobre a existência ou inexistência do conhecimento ou não conhecimento pelo adquirente, tendo apenas se baseado no argumento de que seria desnecessário o prévio registro para a caracterização da fraude à execução, bastando para tanto ação em curso com citação válida. III – A Sentença, porém, é bastante clara em afirmar que não houve comprovação de conluio fraudulento. IV – Embora evidente o esforço do agravante, não trouxe nenhum argumento capaz de alterar os fundamentos da decisão agravada, a qual, frise-se, está absolutamente de acordo com a jurisprudência consolidada desta Corte, devendo, portanto, a decisão agravada ser mantida por seus próprios fundamentos. Agravo Regimental improvido.” (AgRg no REsp 801.488/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 15/12/2009, DJe 18/12/2009.) “LOCAÇÃO E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. EMBARGOS DE TERCEIRO. IMÓVEL ALIENADO E NÃO TRANSCRITO NO REGISTRO IMOBILIÁRIO. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZADA. 1. A orientação deste Superior Tribunal de Justiça é no sentido de que, em relação a terceiros, é necessário o registro da penhora para a comprovação do consilium fraudis, não bastando, para tanto, a constatação de que o negócio de compra e venda tenha sido realizado após a citação do executado. Precedentes. 2. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 417.075/SP, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2008, DJe 09/02/2009.) No caso, conforme se vê do relatório, houve a prolação de sentença condenatória em 19/09/1994, reconhecendo o direito à indenização de JÚLIO CÉSAR em face da CONCRETERIA PAULO CASECA LTDA; em 03/01/1995, foi assinado compromisso de compra e venda, entre PAULO CASECA – Construções e Incorporações Ltda (que sucedeu aqueloutra empresa) e o casal CARLOS e NORMA; em 28/05/1997, foi requerida a execução da sentença. O casal CARLOS e NORMA, em 02/09/2002, transferiram 50% da área total do imóvel em questão para HONORATO SALVATI. Finalmente, o juízo processante concluiu ter havido fraude à execução, razão pela qual declarou ineficaz a alienação em face do Exequente, determinando a penhora do imóvel em 20/03/2003, registrada em 09/09/2003. CARLOS e NORMA e HONORATO SALVATI opuseram embargos de terceiros. Em 12/09/2005, sobreveio sentença, com o julgamento antecipado da lide, pela improcedência do pedido dos terceiros embargantes. O acórdão recorrido desproveu a apelação, entendendo que “para que se configure a fraude à execução basta a citação em processo de conhecimento que leve à condenação capaz de ensejar a insolvência do devedor, não é necessário que já tenha sido iniciado o processo de execução. […] Outrossim, é irrelevante a intenção de fraudar ou se os adquirentes agiram de boa ou má-fé, esses requisitos devem ser comprovados na fraude contra credores, mas não na fraude à execução […].” Vê-se, portanto, que o acórdão recorrido, em sintonia com o voto da eminente Relatora, está, no entanto, em dissonância com a jurisprudência desta Corte, acima reafirmada, no sentido da necessidade de se demonstrar o consilium fraudis entre o devedor alienante e o terceiro adquirente, cabendo o ônus da prova ao credor exequente. Como sequer houve instrução, já que o MM. Juiz sentenciante julgou antecipadamente a lide, decisão esta confirmada pela Corte Estadual, e foram os próprios Recorrentes que pugnaram pela produção de prova, acompanho o voto divergente para DAR PROVIMENTO AO RECURSO ESPECIAL a fim de cassar o acórdão recorrido e a sentença de primeiro grau, determinando a abertura de fase instrutória, antes da prolação de nova sentença, observados os limites e a distribuição do ônus da prova consignados na fundamentação acima. É o voto. MINISTRA LAURITA VAZ

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL Número Registro: 2007/0124251-8 REsp 956.943 / PR Números Origem: 3469196 346919603 PAUTA: 20/02/2013 JULGADO: 16/09/2013 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. BRASILINO PEREIRA DOS SANTOS Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE : CARLOS OSCAR PREMAZZI E OUTROS ADVOGADO : JULIO CESAR BROTTO E OUTRO(S) RECORRIDO : JÚLIO CESAR DA SILVA ADVOGADO : LUIZ CARLOS COELHO DA CUNHA ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil CERTIDÃO Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Laurita Vaz acompanhando a divergência, pediu vista regimental a Sra. Ministra Relatora. Aguardam os Srs. Ministros Castro Meira, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Jorge Mussi, Raul Araújo Filho, Ari Pargendler e Eliana Calmon. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Gilson Dipp e Napoleão Nunes Maia Filho. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, João Otávio de Noronha, Arnaldo Esteves Lima e Maria Thereza de Assis Moura. Convocados os Srs. Ministros Jorge Mussi e Raul Araújo Filho. VOTO MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA: Sr. Presidente, peço a máxima vênia à eminente Ministra Nancy Andrighi para acompanhar Página 24a

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divergência, levando em conta que o reconhecimento da fraude em execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente, como consta da Súmula 375 (MIX\2010\1623) do STJ. A meu ver, quem tem que comprovar a má-fé do terceiro é quem está alegando que ele agiu dessa maneira, porque, como regra, a presunção é que a aquisição do bem ocorreu de boa-fé. Peço vênia e voto divergentemente da eminente Ministra Nancy Andrighi. É o voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL Número Registro: 2007/0124251-8 REsp 956.943 / PR Números Origem: 3469196 346919603 PAUTA: 20/02/2013 JULGADO: 18/09/2013 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. HAROLDO FERRAZ DA NOBREGA Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE : CARLOS OSCAR PREMAZZI E OUTROS ADVOGADO : JULIO CESAR BROTTO E OUTRO(S) RECORRIDO : JÚLIO CESAR DA SILVA ADVOGADO : LUIZ CARLOS COELHO DA CUNHA ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil CERTIDÃO Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista regimental da Sra. Ministra Relatora ratificando o voto anteriormente proferido, e os votos dos Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura e Herman Benjamin acompanhando a divergência, pediu vista o Sr. Ministro Sidnei Beneti. Aguardam os Srs. Ministros Jorge Mussi, Raul Araújo Filho, Ari Pargendler e Eliana Calmon. Página 25

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Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Gilson Dipp e Napoleão Nunes Maia Filho. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão e Castro Meira. Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo Filho. CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL Número Registro: 2007/0124251-8 REsp 956.943 / PR Números Origem: 3469196 346919603 PAUTA: 20/11/2013 JULGADO: 04/12/2013 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE : CARLOS OSCAR PREMAZZI E OUTROS ADVOGADO : JULIO CESAR BROTTO E OUTRO(S) RECORRIDO : JÚLIO CESAR DA SILVA ADVOGADO : LUIZ CARLOS COELHO DA CUNHA ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil CERTIDÃO Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Adiado por indicação do Sr. Ministro Sidnei Beneti. VOTO-VISTA O EXMO. SR. MINISTRO SIDNEI BENETI: 1.– O Recurso Especial veio a julgamento desta Corte Especial devido a processamento como representativo de controvérsia (Recurso Repetitivo, cf. art. 543-C, do Cód. de Proc. Civil), estando, em consequência, suspensos todos os recursos relativos ao tema. 2.– Os ora Recorrentes, CARLOS OSCAR PREMAZZI e sua mulher, NORMA NOEMI LUEIRO DE PREMAZZI, e, ainda, HONORATO SALVATI, solteiro, ajuizaram Embargos de Terceiro contra o ora Recorrido, JÚLIO CÉZAR DA SILVA, casado, diante da penhora, em favor deste, de imóvel Página de 26

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18.413,50m2, situado no Bairro Ilhota, Município de Itapema, Santa Catarina, junto à BR-101 (RI de Itapema-SC, Matrícula nº 09802), realizada em execução de condenação, em Ação de Indenização movida pelo ora Recorrido contra CONCRETEIRA PAULO CASECA LTDA., ao pagamento da importância de R$ 178.579,49 (em valor de 5.10.2001), alegando, os ora Recorrentes, que adquiriram aludido imóvel à referida executada em 3.1.1995, bem antes, portanto, do início da execução. A sentença rejeitou os Embargos de Terceiro, sob o fundamento de que, na data da alienação do imóvel, a execução já estava em andamento (fls. 273/277). O Acórdão negou provimento à apelação (fls. 367/381), concluindo, à análise do art. 593, II, do Cód. de Proc. Civil, pela aquisição em fraude de execução, pois à época da alienação já havia demanda capaz de reduzir o devedor à insolvência, tendo a alienação se realizado após a citação para a fase cognitiva e não havendo necessidade de início da execução para a configuração da fraude à execução (fls. 367/381) – resistindo, o Acórdão, intacto, diante de Embargos de Declaração interpostos pelos ora Recorrentes (fls. 393/402). O presente Recurso Especial, interposto com fundamento nas alíneas “a” e “c” do art. 105, III, “a” e “c” da Constituição Federal (LGL\1988\3), alega violação aos arts. 330, II, 332, 593, II, e 659, § 4º, do Cód. de Proc. Civil, e dissídio jurisprudencial com julgados que cita. O Recurso Especial foi admitido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (fls. 459/464) e a decisão proferida pela E. Ministra Relatora determinou o processamento e julgamento sob o regime de Recurso Representativo de Controvérsia (CPC (LGL\1973\5), art. 543-C), diante da multiplicidade de recursos especiais relativos à matéria, suspendendo, em consequência, os recursos especiais relativos ao tema. 3.– O Voto da E. Relatora, Minª NANCY ANDRIGHI, é no sentido da revisão dos termos da Súmula 575/STJ e da manutenção do julgado do Tribunal de origem, ementado nos seguintes termos: “EMBARGOS DE TERCEIRO – FRAUDE À EXECUÇÃO – ALIENAÇÃO DE IMÓVEL – DEVEDOR VALIDAMENTE CITADO – PENHORA NÃO REGISTRADA NO CARTÓRIO DO REGISTRO IMOBILIÁRIO – EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS PELO ADQUIRENTE – Reputa-se em fraude a alienação de bem do patrimônio do executado na pendência de demanda capaz de reduzi-lo à insolvência, ainda que não haja penhora e muito menos tenha sido ela registrada no Cartório do Registro Imobiliário, sendo suficiente a lide pendente e a situação de insolvência do executado. É também desnecessário perquirir-se sobre a boa ou má fé do adquirente, se, ao tempo da celebração do contrato de compra e venda do imóvel, já havia contra o alienante demanda capaz de abalar o seu patrimônio, reduzindo-o à insolvência, pois, nesse caso, para se configurar a fraude, o que o credor deverá demonstrar é o eventus damni, ou seja, a insolvência do devedor decorrente da alienação.” A orientação do Acórdão ora recorrido ajusta-se, na pesquisa da E. Relatora, a precedentes recentes das Câmaras desta Corte (AR 3.307/SP, 2ª Seção, Reol. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJ 29.3.2010; resP 1.070.503/pa, 5ª t., Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe 14.9.2009; e AgRg no Ag. 1.326.564/SP, 1ª T., Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 17.9.2012). 4.– A divergência instaurou-se pelo voto do E. Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, dando provimento ao Recurso Especial para anular o Acórdão e a sentença, com o retorno ao Tribunal de origem, para novo julgamento, após a realização da instrução processual, na forma requerida pelos recorrentes. É o relatório. 5.– Meu voto acompanha a divergência, mantendo inalterada a Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ e, por isso, dando provimento ao Recurso Especial, mas consignando ressalva pessoal quanto ao caráter objetivo da configuração da fraude de execução, como é a conclusão do voto da E. Relatora – que meu voto deixa, contudo, de acompanhar, no caso, ao peso da Súmula 575/STJ, como se explicará. 6.– Analisam-se os requisitos de configuração de fraude de execução, tema já objeto da Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ, assim redigida: Página 27

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“Súmula 375. O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” O tema remete à interpretação do disposto no 659, § 4º, do Cód. de Proc. Civil, que dispõe: Art. 659, (…) § 4º. A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, º 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial”. 7.– O texto de lei que rege a hipótese é o art. 593 do Cód. de Proc. Civil, o qual dispõe configurar fraude de execução a alienação de bens: Art. 593, (…) II. Quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência”. Complementa esse núcleo da prescrição legal a disposição ancilar do registro da penhora, constante do art. 659, § 4º, do Cód. de Proc. Civil, que dispõe: “Art. 659, (…) § 4º. A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, º 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial”. Firmando jurisprudência desta Corte, entre os numerosos precedentes a respeito do tema, dispõe a Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ que: “Súmula 375. O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” 8.– A melhor orientação, a meu ver, desde os tempos do art. 895, II, do Cód. De Proc. Civil de 1939, firme na doutrina de LIEBMAN, posteriormente acolhida pelo Projeto ALFREDO BUZAID, transformado no Código de 1973, sem dúvida sempre foi a de preservação da pureza sistemática objetiva do instituto processual da fraude de execução, alijando a subjetividade do instituto de Direito Civil da fraude contra credores. Na pureza do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) de 1973, a fraude à execução devia caracterizar-se à consideração de fatos extremamente objetivos relativos ao ajuizamento de ação contra o devedor e à alienação de bens por este, exatamente para impedir o sucesso da malícia ou solércia do devedor inadimplente em obstaculizar a satisfação do direito do credor. Eliminava-se, na construção sistemática do Código de 1973, toda e qualquer indagação de elemento subjetivo que possa envolver o negócio realizado entre o devedor, alienante de imóvel, com desfalque de seu ativo patrimonial, que constitui, relembre-se, garantia do credor, à luz da teoria do débito e responsabilidade, a qual veio a substituir, humanizando o Direito, a antiga responsabilidade pessoal do Direito romano quiritário (após a Lex Poetelia Papiria, de 326 AC, eliminando a “manus injectio” sobre a pessoa física do devedor, com a consequente perda do “status libertatis” – com a consequente venda, para a divisão do dinheiro e não de partes da pessoa – “partes secantur” – como escravo, “trans Tiberim”). ALFREDO BUZAID, mesmo antes do Código de Processo, fundando-se na teoria publicística do processo de execução criada por CARNELUTTI, dá perfeita mostra da objetividade concreta necessária ao processo de execução: “o caráter peculiar da execução consiste propriamente em obter, sem o concurso da vontade do obrigado, aquela mesma subordinação do seu interesse, que corresponde à realização da obrigação” (“Do Concurso de Credores no Processo de Execução”, ed. Saraiva, São Paulo, 1952, p. 22). E LIEBMAN, em analise específica do Direito brasileiro, também antes lançava as bases da teoria da fraude à execução em termos extremamente objetivos, caracterizando-a diante do puro ato de alienação de bens garantidores da execução independentemente de qualquer elemento subjetivo – Página 28

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reservado à questão parelha da fraude contra credores, escrevendo conhecida síntese sobre a fraude de execução, de modo a abarcar a alienação do bem até mesmo antes do processo de execução, bastando que já iniciado o processo de conhecimento: “A fraude toma aspectos mais graves quando praticada depois de iniciado o processo condenatório ou executório contra o devedor” (ENRICO TULLIO LIEBMAN, “Processo de Execução”, ed. Saraiva, São Paulo, 1968, p. 85). Prossegue LIEBMAN advertindo que “é que então não só é mais patente que nunca o intuito de lesar os credores, como também a alienação dos bens do devedor vem constituir verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair. Por isso, ainda mais eficaz se torna a reação da ordem jurídica contra o ato fraudulento. Sem necessidade de ação especial, visando destruir os efeitos prejudiciais do ato de alienação, a lei sem mais nega-lhes reconhecimento. isto é, o ato de alienação, embora válido entre as partes, não subtrai o bens da responsabilidade executória; eles continuam respondendo pelas dívidas do alienante, como se não tivessem saído de seu patrimônio” (autor cit., ob. loc. cit.). E finaliza LIEBMAN deixando claro, com todas as letras, a dispensa, no sistema processual brasileiro, da discussão a respeito de elemento subjetivo no negócio realizado: “Além disso, a lei dispensa a prova do elemento subjetivo da fraude, do consilium fraudis. A intenção fraudulenta está in re ipsa; e a ordem jurídica não pode permitir que, enquanto pende o processo, o réu altere a sua posição patrimonial, dificultando a realização da função jurisdicional” (autor cit., ob. loc. cit). 9.– A evolução jurisprudencial nesta Corte, contudo, influenciada, é certo, por processualistas de tomo, como AMÍLCAR DE CASTRO, e SÁLVIO DE FIGUEIRA TEIXEIRA enveredou por caminho diverso, que veio a consolidar-se na Súmula 375 desta Corte. Com efeito, a jurisprudência condescendeu com o enxertamento incidental da tormentosa investigação do elemento subjetivo, de parte de alienante ou adquirente do bem, impondo ao credor exequente o ônus de provar a má-fé no negócio de compra e venda realizado entre o devedor e o terceiro adquirente – muitas vezes verdadeira “ probatio diabólica ” , pois a ingenuidade de deixar vestígios objetivos indiciários de má-fé não costuma ser apanágio da raposia de fraudadores! A Súmula 375 deste Tribunal, nessa trilha, em meio à inicial perplexidade sobre o pretenso caráter constitutivo do registro da penhora de imóvel (nova redação do 659, § 5º, do Cód. de Proc. Civil), ao mesmo tempo em que afastou essa constitutividade (REsp 819.198 – 3ª T., j. 25.4.2006, como, aliás, havia sustentado em escrito doutrinário, (“A Penhora de Bem Imóvel Diante da Lei n. 8.953/94”, em “Reforma do Código de Processo Civil (LGL\1973\5)”, Org. Sálvio de Figueiredo Teixeira, São Paulo, Saraiva, 1996, p. 815) estabeleceu alternatividade, que, “data vênia”, não provinha do sistema legal, entre uma situação legal estrita (o registro da penhora) e outra construída “ultra-legem” (a prova da má-fé do adquirente), quando, a rigor, ambas as situações, na pureza do sistema objetivo do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), vinda de LIEBMAN e BUZAID, já se equivaliam, a tornar inválida, perante o credor acionante, a alienação a terceiro – restando ao adquirente o ônus de fornecer elementos probatórios positivos a tornar ao menos plausível a alegação de desconhecimento da ação movida pelo credor, capaz de reduzir o devedor à insolvência. A jurisprudência podia ter tido melhor orientação, “ data venia ”, se houvesse mantido o caráter absolutamente objetivo do instituto da fraude de execução, a partir do início do processo de conhecimento, atribuindo-se ao adquirente o ônus, normal nos negócios, de buscar certidões de distribuição de processos contra o vendedor, nos Juízos prováveis – e deixando-se casos extraordinários para ao desvendamento ao caso concreto. A Súmula 375 não protege suficientemente o credor – antes contém o germe da cizânia de que se aproveita a raposia do devedor, que pode, relembre-se, estar conluiado, como tantas vezes se vê, com terceiro, adquirente de fingimento. Daí a angustiosa situação que se judicializa sob o enorme risco jurisdiciona de chancelar o sucesso da fraude ou o prejuízo do terceiro adquirente de boa fé. 10.– Respeita-se, contudo, a jurisprudência sumulada deste Tribunal (Corte Especial, 18.3.2009), e sumulada em sentido que deita raízes em precedentes antigos, longamente introjetados no meio jurídico-negocial (p. ex., EREsp 114.415-MG, j. 12.11.1997; REsp 140.670-GO, j. 14.10.1997; REsp 135.228-SP, j. 2.12.1997; REsp 123.616-SP, j. 24.11.1998; AgRg no Ag 4.602-PR, j. 4.3.1991; AgRg no Ag 54.7829-MG, j. 16.12.2994; REsp 40.854-SP, j. 12.8.1997REsp 186.633-MS, j. 29.10.1998; Página 29

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REsp 193.048-PR, j. 2.2.1999; REsp 66.180-PR, j. 27.4.2007). É que essa orientação sumulada já vem regendo relações jurídicas, presidindo agir prático nos negócios imobiliários, arrimando o aconselhamento legal, a organização do proceder concreto nos atos do dia a dia do mercado imobiliário, como as buscas de certidões imobiliárias, de informações de distribuição de processos nos fóruns – e muito mais em meio à infinita série de peculiaridades dos negócios na sociedade brasileira. Prefere-se, com ressalva de ponto de vista pessoal, manter os termos da Súmula 375, que, embora relativamente recente, de cerca de cinco anos, remonta a mais de vinte anos do primeiro precedente em que se apoiou (AgRg no Ag 4.602-PR, j. 4.3.1991), o qual veio a firmar a orientação que vem pautando o plúrimo agir dos negócios imobiliários e do aconselhamento jurídico na sociedade. Melhor não abandonar, a esta altura, a Súmula 375, devolvendo-se a matéria ao legislador, que, evidentemente, interpretando as necessidades da sociedade, poderá manter ou alterar o regramento legal em que essa Súmula se fundou. 11.– Ademais, a Súmula 375 diz que, no caso de registro da penhora ou de demonstração de má-fé do adquirente, tem-se por configurada a fraude de execução, mas não exclui que essa fraude também se configure automaticamente em decorrência do fato da existência de processo condenatório ou executório anterior (LIEBMAN). Assim, embora a Súmula 375, na parte final, que restringe a fraude de execução à demonstração da má-fé do adquirente, encerre, na verdade, a mistura, por via oblíqua, do instituto da fraude de execução com o instituto da fraude contra credores (esta, sempre a exigir, certo, a demonstração da má-fé do adquirente), tem-se que ela, a Súmula, fornece instrumento de suficiente socorro ao credor, permitindo-lhe atingir o caráter objetivo por intermédio do registro da penhora. Proteção essa, observa-se, mais débil, é certo, pois, ao preceito da Súmula 375, resta o credor desprotegido, no caso de a alienação pelo devedor ocorrer no período que vai do dia do ajuizamento do processo contra o devedor até a realização da penhora – o que, convenha-se, será espaço de tempo mais que suficiente para o transitar da fraude pressurosa e aparelhada. A lei poderá, se a sociedade, pelos órgãos legiferentes o quiser, fechar, permita-se o termo, esse “ ralo ” da efetividade do sistema de Justiça – o que, entretanto, não se poderá fazer agora, por interpretação que deserte da Súmula 375 por esta Corte. 12.– No caso concreto, houve julgamento antecipado da lide, mantido pelo Acórdão ora recorrido, indeferindo-se provas requeridas pelo ora Recorrente, no sentido da demonstração do elemento subjetivo subjacente ao tratamento da fraude à execução, incrustado na Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ. Deve, portanto, o processo, caso concluir a divergência, ser anulado, a partir da sentença, para que se abra oportunidade à produção de provas, em que se digladiem as partes a respeito de boa ou má-fé, e, posteriormente, seja o caso sentenciado. 13.– Essa anulação, contudo, não deve realizar-se no presente julgamento, pela Corte Especial, pois o Recurso, relembre-se, veio a esta Corte Especial exclusivamente devido à atribuição do caráter representativo de controvérsia (CPC (LGL\1973\5), art. 543-C), que, ante a manutenção dos termos da Súmula 575/STJ, ora se esvai. Deve-se, pois, tecnicamente, cancelar a afetação à Corte Especial e a qualidade de Recurso Representativo de Controvérsia e determinar o retorno à 3ª Turma, para que, nela, ocorra o julgamento – ensejando-se, depois, qualquer que seja esse julgamento, o recurso adequado que as partes porventura venham a interpor. Atente-se a que a desafetação e o cancelamento, desde já, do caráter representativo de controvérsia, traz a relevante consequência de cancelar, de imediato, a suspensão do grande número de processos paralisados no aguardo da solução deste caso, independentemente de aguardo de prazos recursais e eventual interposição de recursos pelas partes. 14.–

Pelo

exposto:

a)

cancela-se

a

afetação

como

representativo

de

controvérsia

e,

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consequentemente, a suspensão dos recursos relativos ao tema nos Tribunais nacionais; b) determina-se a devolução à 3ª Turma, para o prosseguimento do julgamento. Ministro SIDNEI BENETI VOTO O SENHOR MINISTRO RAUL ARAÚJO (Relator): A questão posta no presente recurso especial representativo de controvérsia (CPC (LGL\1973\5), art. 543-C) refere-se ao estabelecimento dos requisitos necessários à configuração de fraude de execução na alienação pelo executado a terceiro de bens imóveis. Para melhor exame do tema, merece reprodução o art. 593 do Estatuto Processual Civil: “Art. 593. Considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III – nos demais casos expressos em lei.” (grifou-se) A respeito dessa regra legal, transcrevo precedente que, a meu juízo, bem elucida a questão: “PROCESSUAL CIVIL. FRAUDE À EXECUÇÃO. ART. 593, II, DO CPC (LGL\1973\5). OCORRÊNCIA. Para que se tenha como fraude à execução a alienação de bens, de que trata o inciso II do art. 593 do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), é necessária a presença concomitante dos seguintes elementos: a) que a ação já tenha sido aforada; b) que o adquirente saiba da existência da ação, ou por já constar no cartório imobiliário algum registro (presunção juris et de jure contra o adquirente), ou porque o exeqüente, por outros meios, provou que dela o adquirente já tinha ciência; c) que a alienação ou a oneração dos bens seja capaz de reduzir o devedor à insolvência, militando em favor do exeqüente a presunção juris tantum. Recurso não conhecido.” (REsp 555044/DF, Quarta Turma, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJ de 16/2/2004, grifou-se) Daí, infere-se que a fraude à execução de que trata o inciso II do art. 593 verifica-se quando presentes simultaneamente, as seguintes condições: (I) processo judicial em curso apto a ensejar futura execução; (II) alienação ou oneração de bem aptas a reduzir o devedor à insolvência (eventus damini); e (III) conhecimento prévio pelo adquirente do bem da existência daquela demanda, seja porque há registro imobiliário, seja por ter o exequente comprovado tal ciência prévia, por outros meios. Nesse contexto, a ação de embargos de terceiro é prevista justamente para tutela dos direitos de pessoa estranha à lide contra ato de apreensão judicial (CPC (LGL\1973\5), art. 1.046 e segs.). Então, é sobretudo a posição desse terceiro, quando adquirentes do imóvel, que não é parte no processo, que deve ser examinada pelo julgador. É aí que deve ser verificada a presença de boa-fé ou de indícios de má-fé. Relativamente à ciência pelo terceiro adquirente do bem alienado ou onerado (scientia fraudis), tem-se que, havendo prévia averbação no registro imobiliário competente relativo ao bem de interesse na demanda existente contra o devedor-proprietário, milita em favor do credor a presunção de que o terceiro deveria dela ter conhecimento. Isso porque, ao adquirir imóvel, cabe ao adquirente ser diligente, no mínimo, obtendo previamente certidões e informações relativas ao bem de pretendida aquisição. Quando não adota tais mínimos cuidados, age, no mínimo, de forma temerária, de modo que deve arcar com as consequências de ter prejuízo na aquisição onerosa a ser desfeita ou invalidada. Página 31

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Assim, havendo prévio registro imobiliário, o credor tem o benefício da presunção absoluta de conhecimento pelo terceiro adquirente da pendência do processo. Trata-se de providência de facílima adoção pelo credor detentor de direito contra o futuro alienante de imóvel, pois ninguém melhor que esse credor para saber a extensão de seu crédito e o abalo que provocará no patrimônio do devedor. De outro lado, não havendo essa inscrição prévia, porque dela não cuidou o maior interessado, sobre o credor-exequente recai o justo ônus de demonstrar que o adquirente tinha conhecimento da pendência do processo capaz de reduzir o alienante-devedor à insolvência. Deve, nesse caso, ser resguardada a boa-fé do terceiro, adquirente a título oneroso. A respeito do tema, esta colenda Corte Especial, em 18 de março de 2009, editou o enunciado 375 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça: “ O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente.” Esse consagrado entendimento jurisprudencial tem orientado o legislador nas recentes reformas da legislação processual. Assim é que foi recentemente acrescido ao CPC (LGL\1973\5) o art. 615-A dispondo sobre hipóteses de averbação de execução nos registros competentes, para efeito de prevenir os interesses e direitos de credores quanto a bens sujeitos à penhora ou arresto, in verbis: “Art. 615-A. O exequente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. § 1º O exequente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização. § 2º Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados. § 3º Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593). § 4º O exequente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2º do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados. § 5º Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.” (grifou-se) Do mesmo modo o art. 659 do CPC (LGL\1973\5) recebeu nova redação em sintonia com a Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ: “Art. 659. A penhora deverá incidir em tantos bens quantos bastem para o pagamento do principal atualizado, juros, custas e honorários advocatícios. § 1º Efetuar-se-á a penhora onde quer que se encontrem os bens, ainda que sob a posse, detenção ou guarda de terceiros. § 2º Não se levará a efeito a penhora, quando evidente que o produto da execução dos bens encontrados será totalmente absorvido pelo pagamento das custas da execução. § 3º No caso do parágrafo anterior e bem assim quando não encontrar quaisquer bens penhoráveis, o oficial descreverá na certidão os que guarnecem a residência ou o estabelecimento do devedor. § 4º A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial. § 5º Nos casos do § 4º, quando apresentada certidão da respectiva matrícula, a penhora de Página imóveis, 32

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independentemente de onde se localizem, será realizada por termo nos autos, do qual será intimado o executado, pessoalmente ou na pessoa de seu advogado, e por este ato constituído depositário. § 6º Obedecidas as normas de segurança que forem instituídas, sob critérios uniformes, pelos Tribunais, a penhora de numerário e as averbações de penhoras de bens imóveis e móveis podem ser realizadas por meios eletrônicos.” (grifou-se) Portanto, se a alienação ou oneração do bem ocorrer, no curso da demanda, mas anteriormente ao respectivo registro imobiliário, incumbirá ao credor-exequente comprovar, por outros meios, que o terceiro adquirente tinha conhecimento da demanda judicial. Com efeito, “ainda que relativamente a casos anteriores à Lei n. 8.953/94, hipótese dos autos, não basta à configuração da fraude à execução a existência, anteriormente à venda de imóvel, de execução movida contra o alienante, somente se admitindo tal situação se já tivesse, antes, a inscrição da penhora no cartório competente, salvo se inequívoco o conhecimento dos adquirentes sobre a pendência judicial, prova que incumbe ao credor fazer” (REsp 442583/MS, Segunda Seção, Rel. Min. CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, Rel. p/ acórdão Min. ALDIR PASSARINHO JUNIOR, DJ de 16/2/2004, grifou-se). Não havendo o registro da existência da ação capaz de reduzir o devedor à insolvência ou de medida constritiva sobre o imóvel, o ônus probatório de que o terceiro agiu de má-fé deve mesmo recair sobre o credor-exequente que facilmente poderia ter feito o registro imobiliário e não o fez. Essa é a jurisprudência mais assertiva, data vênia, firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça: “PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. FRAUDE À EXECUÇÃO. INEXISTÊNCIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO DE PENHORA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 375. MÁ-FÉ DOS TERCEIROS QUE NÃO SE PRESUME. ÔNUS DA PROVA QUE RECAI SOBRE O CREDOR-EXEQUENTE. 1. “O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente” (Súmula n. 375/STJ). 2. Inexistente o registro da penhora, o ônus da prova de que o terceiro agiu com má-fé recai sobre o credor-exequente. Precedentes. 3. Agravo regimental não provido.” (AgRg no REsp 953.747/MS, Quarta Turma, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe de 30/8/2012) “LOCAÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ALIENAÇÃO DO BEM IMÓVEL PELO DEVEDOR NO CURSO DA EXECUÇÃO. AUSÊNCIA DO REGISTRO DA PENHORA. NÃO ELIDIDA A PRESUNÇÃO DE BOA-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE. FRAUDE À EXECUÇÃO NÃO CARACTERIZADA. SÚMULA 375/STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A orientação pacífica deste Tribunal é de que, em relação a terceiros, é necessário o registro da penhora para a comprovação do “consilium fraudis”, não bastando, para tanto, a constatação de que o negócio de compra e venda tenha sido realizado após a citação do executado (REsp. 417.075/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, DJe 09.02.2009). 2. A matéria está sumulada nos termos do enunciado 375 do STJ, segundo o qual o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente. 3. Se a embargada/exequente, por quase 10 anos, quedou-se inerte sem providenciar a averbação da penhora na matrícula do imóvel é de se afastar a presunção relativa da ocorrência de fraude à execução, competindo ao credor o ônus da prova da alegada má-fé em relação ao terceiro/adquirente. Precedentes: REsp. 1.143.015/MG, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 30.08.2010; AgRg no Ag. 922.898/RS, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe 25.08.2010; AgRg no REsp. 801.488/RS, Rel. Min. SIDNEI BENETI, DJe 18.12.2009; e AgRg no REsp. 1.177.830/MG, Página 33

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Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJe 22.04.2010. 4. Agravo regimental desprovido.” (AgRg no REsp 963.297/RS, Quinta Turma, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 3/11/2010, grifou-se) “RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DE EXECUÇÃO – EMBARGOS DE TERCEIRO OPOSTOS POR TERCEIRO INTERESSADO – PENHORA SOBRE BEM IMÓVEL DO PRIMITIVO PROPRIETÁRIO (DEVEDOR) – PRELIMINAR – ART. 472 DO CPC (LGL\1973\5) – COISA JULGADA – FRAUDE À EXECUÇÃO – INTERPRETAÇÃO DO ART. 593, II, DO CPC (LGL\1973\5) – PRESUNÇÃO RELATIVA DA FRAUDE QUE BENEFICIA A PARTE EXEQÜENTE – AUSÊNCIA DE REGULARIZAÇÃO DA AVERBAÇÃO DA PENHORA NA MATRÍCULA DO BEM IMÓVEL – PROVIDÊNCIA PARA RESGUARDAR DIREITOS DO EXEQÜENTE EM FACE DA FRAUDE À EXECUÇÃO OU ONERAÇÃO DE BENS PELO DEVEDOR – INÉRCIA DO CREDOR – ALEGAÇÃO DE MÁ-FÉ DO TERCEIRO ADQUIRENTE AFASTADA POR DECISÃO JUDICIAL – ÔNUS PROBANDI DA PARTE QUE ALEGA O CONTRÁRIO – RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. 1. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros (art. 472 do CPC (LGL\1973\5)). Assim, não obstante o tema fraude à execução já tenha sido objeto de decisão judicial anterior, o terceiro prejudicado adquirente do imóvel sub judice (autor dos embargos de terceiro) não participou daquela ação, razão pela qual a eficácia do provimento jurisdicional (coisa julgada) não alcança a legitimidade do embargante para impugnar a alegação da exeqüente da ocorrência de consilium fraudis. 2. Se o terceiro adquirente teve a boa-fé reconhecida judicialmente, e, o banco (exeqüente), em face de sua inércia, não providenciou a regularização da averbação da penhora na matrícula do imóvel, conclui-se que o ônus da prova deve recair sobre aquele que alega o contrário, no caso, o exeqüente, descaracterizando-se, assim, a presunção relativa da ocorrência de fraude à execução. 3. Recurso não conhecido.” (REsp 804.044/GO, Terceira Turma, Rel. Min. NANCY ANDRIGHI, Rel. p/ acórdão Min. MASSAMI UYEDA, Dje de 4/8/2009, grifou-se) “RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. ADQUIRENTE DE BOA-FÉ. PENHORA. REGISTRO. ÔNUS DA PROVA. 1 – Ao terceiro adquirente de boa-fé é facultado o uso dos embargos de terceiro para defesa da posse. Não havendo registro da constrição judicial, o ônus da prova de que o terceiro tinha conhecimento da demanda ou do gravame transfere-se para o credor. A boa-fé neste caso (ausência do registro) presume-se e merece ser prestigiada. 2 – Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 493.914/SP, Quarta Turma, Rel. Min. FERNANDO GONÇALVES, DJe de 5/5/2008) Direito processual civil. Execução de título extrajudicial. Fraude de execução. Pressupostos. Análise. Penhora não efetivada. Prova da insolvência do devedor. Ônus do credor. – Para que a alienação ou oneração de bens seja considerada em fraude de execução, quando ainda não realizada a penhora, é necessário que o credor faça a prova da insolvência de fato do devedor. – Não há de se falar em presunção de insolvência do devedor em favor do credor, portanto, quando ainda não efetivado o ato de constrição sobre os bens alienados. Isso porque a dispensabilidade da prova da insolvência do devedor decorre exatamente da alienação ou oneração de bens que já se encontram sob constrição judicial. Recurso especial provido. (REsp 867.502/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2007, DJ 20/08/2007, p. 277) Página 34

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“FRAUDE DE EXECUÇÃO. PENHORA DETERMINADA PELO JUIZ, MAS NÃO EFETIVADA. INDISPENSABILIDADE DA PROVA ACERCA DA INSOLVÊNCIA DO DEVEDOR. ÔNUS PROBATÓRIO DO CREDOR. – É pressuposto ao reconhecimento da fraude de execução, quando não efetivada a penhora, a prova de insolvência, de fato, do devedor, a cargo do credor. Precedentes do STJ. Recurso especial conhecido e provido.” (REsp 170.126/RJ, Quarta Turma, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ de 14/3/2005) “FRAUDE DE EXECUÇÃO. ALIENAÇÃO APÓS A CITAÇÃO, MAS ANTERIOR À CONSTRIÇÃO. CIÊNCIA DO ADQUIRENTE DA DEMANDA EM CURSO. ÔNUS DA PROVA. – É pressuposto ao reconhecimento da fraude de execução, quando ainda não realizada a penhora, a prova da insolvência de fato do devedor, a ser demonstrada pelo credor. – Incidência no caso do verbete sumular nº 7-STJ. – Na ausência de registro, ao credor cabe o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso. Recurso especial não conhecido.” (REsp 136.038/SC, Quarta Turma, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, DJ de 1º/12/2003, grifou-se) “PROCESSO CIVIL. FRAUDE DE EXECUÇÃO (CPC (LGL\1973\5), ART. 593-II). ALIENAÇÃO APÓS A CITAÇÃO MAS ANTERIOR A CONSTRIÇÃO. CIÊNCIA DO ADQUIRENTE DA DEMANDA EM CURSO. ÔNUS DO CREDOR. PROVA. RECURSO ACOLHIDO. I – Em se tratando de fraude de execução, impõe-se identificar a espécie, tantas são as hipóteses do complexo tema, sendo distintas as contempladas nos incisos do art. 593, CPC (LGL\1973\5). II – Na ausência de registro, ao credor cabe o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso. III – Na alienação ou oneração de bem sob constrição judicial (penhora, arresto ou seqüestro), não se indaga da insolvência, que aí é dispensável. Se, porém, a constrição ainda não se efetivou, mas houve citação, a insolvência de fato é pressuposto, incidindo a norma do art. 593-II, CPC (LGL\1973\5), que deve ser demonstrada pelo credor.” (REsp 489.346/MG, Quarta Turma, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJ de 25/8/2003, grifou-se) “LOCAÇÃO PREDIAL URBANA – EXECUÇÃO. PENHORA SOBRE IMÓVEL. ATO DE CONSTRIÇÃO NÃO LEVADO A REGISTRO. ALIENAÇÃO DO BEM A TERCEIRO. ART. 593, II, CPC (LGL\1973\5). FRAUDE DE EXECUÇÃO. DESCARACTERIZAÇÃO. A presunção de que trata o inciso II, do art. 593, do CPC (LGL\1973\5) é relativa, e para configuração da fraude de execução torna-se necessário o registro do gravame. Na sua ausência, incumbe ao exeqüente provar que o terceiro adquirente tinha ciência da ação ou da constrição. Acresce que, pelo § 4º, do art. 659, do CPC (LGL\1973\5), o registro da penhora não é pressuposto da sua validade, mas, sim, de eficácia erga omnes. Recurso conhecido e provido.” (REsp 293.686/SP, Quinta Turma, Rel. Min. JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 25/6/2001) Salutar a lição de HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: “a) Se o terceiro adquire bem judicialmente constrito por meio de penhora ou outro gravame processual equivalente, o ato aquisitivo, em princípio, ‘é ineficaz, sendo desnecessário demonstrar insolvência do executado’. b) Quando ainda não se consumou a constrição judicial sobre o bem, isto é, enquanto nãoPágina existir 35

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penhora, arresto ou sequestro, a fraude, nos termos do art. 593, II, dependerá de prova do requisito objetivo: dano ou prejuízo decorrente da insolvência a que chegou o devedor com a alienação ou oneração de seus bens; e, também, do requisito subjetivo, se a ação pendente não estiver inscrita no registro público, caso em que caberá ao credor, ‘o ônus de provar que o terceiro tinha ciência da demanda em curso’. c) Mesmo quando já exista a constrição judicial, sem entretanto ter sido levada ao registro público, para configuração de fraude de execução cumprirá ao credor ‘demonstrar que dela os adquirentes-embargantes tinham ciência, máxime quando a alienação a estes tenha sido realizada por terceiro que não o executado’. d) Nos termos da legislação atual ‘somente após o registro, a penhora faz prova quanto à fraude de qualquer transação posterior (Lei nº 6.015, art. 240)’. De qualquer modo é importante que os juízes exijam sempre a averbação da penhora imobiliária e não realizem, em hipótese alguma, a arrematação sem essa medida, pois a inovação da Lei nº 8.953, de 13.12.1994, remodelada pelas Leis nºs 10.444, de 07.05.2002 e 11.382, de 06.12.2006, teve como objetivo maior justamente evitar a insegurança das vendas judiciais geradas pelas constantes arguições de fraude no curso do processo executivo, além da constrição sobre imóveis que não pertencem, de fato, ao executado ou que não podem ser atingidos, juridicamente, pela penhora.” (Curso de Direito Processual Civil, Vol. II, 47ª ed., rev. e atual., Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 198) Com essas considerações, entendo que: I) o terceiro adquirente de boa-fé, a título oneroso, deve ser protegido desde que tenha tido o cuidado de examinar a matrícula do imóvel; II) a má-fé do adquirente à título oneroso não pode ser presumida, salvo quando existente registro imobiliário prévio desabonador da alienação da qual participou. Afinal, não se pode exigir do terceiro adquirente que saiba: 1) quantos domicílios tem o alienante para, em cada um deles, buscar certidões nos foros e Tribunais de Justiça Comum, Trabalhista e Federal; 2) conhecer todo o patrimônio do vendedor para efeito de saber aferir se eventual ação existente contra o vendedor é ou não capaz de reduzi-lo à insolvência, mormente considerando que as pessoas jurídicas e os empresários, de modo geral, sempre tem ações tramitando contra si. Seriam tarefas árduas que se estaria a exigir do terceiro de boa-fé. Por outro lado, para o credor exequente bastaria cumprir a tarefa bem simples de proceder ao registro, na matrícula do imóvel, da existência de sua ação (não é necessário aguardar-se a penhora, registra-se, querendo, a existência da própria ação, desde seu início), como, de resto, já determinam e permitem tanto a lei processual (CPC (LGL\1973\5), arts. 615-A e 593) quanto a registral, de direito notarial (LRP, art. 167, I, 21). Com isso, concluo, no tocante à unificação da jurisprudência com base no art. 543-C do Estatuto Processual Civil, que deve ser mantida incólume, em sua integralidade, a segura orientação esposada na mencionada Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ: “ O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente ”. Seria um tanto paradoxal que esta Corte decidisse modificar esse entendimento consolidado em sua jurisprudência, justamente após a legislação processual civil haver evoluído no sentido de fortalecer a segura compreensão traduzida na mencionada súmula. No julgamento do caso concreto, entendo que houve cerceamento de defesa no julgamento antecipado da lide (CPC (LGL\1973\5), arts. 330, II, e 332), inviabilizando a produção de provas quanto à efetiva existência de má-fé do adquirente do imóvel, devendo o ônus probatório ser atribuído ao exequente e não ao adquirente. Diante do exposto, peço vênia a eminente Ministra Relatora, para acompanhar a divergência iniciada pelo ilustre Ministro João Otávio de Noronha, tanto no que diz respeito aos efeitos do art. 543-C do CPC (LGL\1973\5), com a manutenção da Súmula 375 (MIX\2010\1623)/STJ, como, no caso concreto, para dar “provimento ao recurso especial, a fim de anular o acórdão recorrido bem como a sentença monocrática e determinar a realização da instrução processual na forma requerida pelos recorrentes, prosseguindo-se, após, como se entender de direito”. É como voto. CERTIDÃO DE JULGAMENTO

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CORTE ESPECIAL Número Registro: 2007/0124251-8 REsp 956.943 / PR Números Origem: 3469196 346919603 PAUTA: 07/05/2014 JULGADO: 29/05/2014 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER Subprocurador-Geral da República Exmo. Sr. Dr. ODIM BRANDÃO FERREIRA Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE : CARLOS OSCAR PREMAZZI E OUTROS ADVOGADO : JULIO CESAR BROTTO E OUTRO(S) RECORRIDO : JÚLIO CESAR DA SILVA ADVOGADO : LUIZ CARLOS COELHO DA CUNHA ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil CERTIDÃO Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Sidnei Beneti conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento, com ressalvas, e do voto do Sr. Ministro Raul Araújo acompanhando a divergência inaugurada pelo Sr. Ministro João Otávio de Noronha, pediu vista o Sr. Ministro Ari Pargendler. Aguarda o Sr. Ministro Jorge Mussi. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Herman Benjamin, Napoleão Nunes Maia Filho e Og Fernandes. Licenciado o Sr. Ministro Jorge Mussi. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira. Convocado o Sr. Ministro Raul Araújo. VOTO-VISTA EXMO SR. MINISTRO ARI PARGENDLER: 1. Os autos dão conta de que Carlos Oscar Premazzi e outra ajuizaram embargos de terceiro, com Página 37

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pedido de medida liminar, contra Julio Cezar da Silva (fl. 02/19). O MM. Juiz de Direito Dr. Rui Portugal Bacellar Filho, decidindo antecipadamente a lide, julgou improcedente o pedido (fl. 273/277). Seguiu-se apelação (fl. 279/294), à qual o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná negou provimento em acórdão assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS DE TERCEIROS. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES DO JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. SENTENÇA QUE JULGA IMPROCEDENTE O PEDIDO E DETERMINA O PROSSEGUIMENTO DA EXECUÇÃO. FRAUDE À EXECUÇÃO. REQUISITOS DO ARTIGO 593, II, DO CPC (LGL\1973\5). DEMANDA EM CURSO AO TEMPO DA ALIENAÇÃO. DEMANDA CAPAZ DE REDUZIR O DEVEDOR À INSOLVÊNCIA. VENDA DO IMÓVEL APÓS A CITAÇÃO DO DEVEDOR EM AÇÃO COGNITIVA. DESNECESSIDADE DE INÍCIO DE DEMANDA EXECUTIVA PARA CONFIGURAÇÃO DA FRAUDE À EXECUÇÃO. VALOR CORRETAMENTE FIXADO NOS TERMOS DO ART. 20, § 4º, DO CPC (LGL\1973\5). AGRAVO RETIDO E RECURSOS DE APELAÇÃO E ADESIVO DESPROVIDOS. 1. Para a configuração de fraude à execução, o artigo 593, II, do CPC (LGL\1973\5) exige que exista demanda em curso à época da alienação, seja cognitiva, cautelar ou executiva, independentemente do comprador ter conhecimento da demanda em curso, porque na fraude à execução há inequívoco interesse público, sendo presumida a má-fé. 2. Em se tratando de sentença declaratória, proferida em sede de embargos de terceiros, os honorários devem ser fixados de acordo com os critérios do art. 20, § 4º , do CPC (LGL\1973\5), devendo ser mantidos nos valores arbitrados na sentença a quo” (fl. 368). Opostos embargos de declaração (fl. 384/385), foram rejeitados (fl 393/402). Daí o presente recurso especial, interposto com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal (LGL\1988\3), dizendo violados os arts. 330, I, 332, 593, § 4º e 659, § 4º do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) (fl. 417/439), destacando-se nas respectivas razões o seguinte trecho: “Pretende-se discutir no presente recurso questão unicamente de direito e bastante debatida perante esse STJ: pode-se presumir a má-fé do terceiro adquirente de imóvel, se quando da realização do compromisso de compra e venda não havia qualquer constrição registrada na matrícula do imóvel ? Como se passa a demonstrar, esse entendimento, adotado pela Corte local, acaba por malferir os arts. 593, § 4º e 659, § 4º do CPC (LGL\1973\5), uma vez que jamais se poderia imputar má-fé aos recorrentes, terceiros de boa-fé. Além disso, discutir-se-á o cerceamento de defesa e consequente violação dos arts. 330, I, e 332 do CPC (LGL\1973\5), uma vez que, embora tenham os recorrentes pleiteado a produção de provas para demonstrar sua boa-fé, a lide foi julgada improcedente antecipadamente” (fl. 418). A relatora, Ministra Nancy Andrighi, afetou o julgamento do recurso especial à Corte Especial, submetendo seu processamento ao rito previsto no art. 543-C do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), nos seguintes termos: “Na forma do art. 2º, § 1º, da Resolução nº 08/08, do STJ, afeto à Corte Especial o julgamento do presente recurso especial e dos REsp 773.643/DF e 1.112.648/DF, para os efeitos do art. 543-C do CPC (LGL\1973\5). Oficie-se ao Presidente do STJ, aos Presidentes dos Tribunais Regionais Federais e aos Presidentes dos Tribunais de Justiça, com cópia dos acórdãos recorridos e das petições de interposição dos recursos especiais, comunicando a instauração do aludido procedimento, para que suspendam o processamento dos recursos especiais que versem sobre os requisitos necessários à caracterização da fraude de execução envolvendo bens imóveis, excetuadas as execuções de natureza fiscal. Comunique-se aos demais membros da Corte Especial. Nos termos do art. 543-C, § 4º, do CPC (LGL\1973\5), dê-se ciência, facultando-lhes manifestação no prazo de quinze dias: (i) ao Advogado-Geral da União; (ii) ao Defensor Público-Geral da União; Página 38

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(iii) ao Conselho Federal da OAB; (iv) à Associação dos Notários e Registradores do Brasil; e (v) ao Instituto Brasileiro de Direito Processual. Recebidas as manifestações ou decorrido in albis o prazo acima estipulado, abra-se vista ao Ministério Público Federal, pelo prazo de 15 dias, em cumprimento ao art. 543, § 5º , do CPC (LGL\1973\5)” (fl. 471, o sublinhado é do texto original). Seguiram-se manifestações da União (e-stj, fl. 569/582 e 662/690), do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (e-stj, fl. 584/613), da Defensoria Pública da União (e-stj, fls. 639/645), do Ministério Público Federal (e-stj, fl. fls. 649/659), do Instituto Brasileiro de Direito Processual (e-stj, fl. 692/696) e da Associação dos Notários e Registradores do Brasil-Anoreg/BR (e-stj, fl. 701/704). Submetido o recurso à julgamento da Corte Especial, após o voto da relatora, conhecendo do recurso especial e negando-lhe provimento, e dos votos divergentes dos Ministros João Otávio de Noronha, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti e Raul Araújo, todos conhecendo do recurso especial e dando-lhe provimento para anular o processo desde a sentença, determinando sua instrução, pedi vista dos autos. 2. O julgamento no regime do art. 543-C do Código de Processo Civil (LGL\1973\5) não difere daquele que ordinariamente fazem os juízes e tribunais; o procedimento e efeitos desse julgamento é que são diferentes, v.g., suspensão dos recursos sobre matéria idêntica (CPC (LGL\1973\5), art. 543-C § 2º); participação de terceiros no processo (art. 543-C, § 4º); juízo de retratação na instância ordinária, se for o caso (CPC (LGL\1973\5), art. 543-C, § 7º, II). Consequentemente, o Superior Tribunal de Justiça deve julgar a causa pelo método usual de aplicar o direito ao caso concreto, e só depois extrair a orientação para os casos idênticos. Aqui os votos divergentes inverteram essa equação, decidindo acerca da orientação a ser seguida nos termos do art. 543-C do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), para depois julgar o caso concreto, com esta agravante: a de que não proferiram juízo de mérito, anulando simplesmente o processo. Quer dizer, a se formar a maioria nesse sentido, ter-se o julgamento de um recurso no regime do art. 543-C do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), sem que o mérito da causa que lhe dá suporte tenha sido decidido. Lê-se, v.g., no voto do Ministro João Otávio de Noronha: “Não vejo razão para alterar a jurisprudência da Casa relativa ao ponto, por não enxergar obstáculo de tão grande monta que possa prejudicar o credor na sua demonstração de ausência de boa-fé do adquirente. Ao contrário, a mudança do rumo da jurisprudência neste momento, às vésperas da introdução do novo diploma processual em nosso ordenamento jurídico, que certamente provocará profundas alterações no entendimento sobre essa e outras matérias, não é recomendável, mormente quando, repito, a atual posição do Superior Tribunal de Justiça tem sido adequada e suficiente para a resolução dos conflitos da espécie que são submetidos à apreciação do Judiciário. Pelo exposto, e pedindo vênia mais uma vez à relatora, divirjo do seu voto na parte que trata da matéria para efeitos do art. 543-C, do Código de Processo Civil (LGL\1973\5)”. ............................................................. “Também no que diz respeito ao caso concreto, peço vênia para divergir da eminente relatora e dar provimento ao recurso. É que ao contrário do que foi definido no acórdão hostilizado, no caso de fraude de execução, há, sim, de se perquirir do elemento subjetivo atinente à ciência do adquirente sobre a existência da demanda em curso”. .............................................................. “No caso concreto, porém, foram os próprios adquirentes quem pleitearam a oportunidade de provar sua boa-fé no decorrer da instrução processual, sendo, contudo, obstados pelo julgamento precoce da demanda ao argumento de que, na hipótese dos autos, a ciência sobre a existência da demanda Página 39

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era irrelevante”. A anomalia é evidente, data venia. Voto, por isso, (a) preliminarmente, no sentido de que o julgamento do recurso especial seja excluído do regime do art. 543-C do Código de Processo Civil (LGL\1973\5), e, (b) no mérito, no sentido de que o recurso especial seja conhecido e provido para anular o processo desde a sentença, determinando sua instrução. CERTIDÃO DE JULGAMENTO CORTE ESPECIAL Número Registro: 2007/0124251-8 REsp 956.943 / PR Números Origem: 3469196 346919603 PAUTA: 07/05/2014 JULGADO: 20/08/2014 Relatora Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI Relator para Acórdão Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA Presidente da Sessão Exmo. Sr. Ministro FELIX FISCHER Subprocuradora-Geral da República Exma. Sra. Dra. ELA WIECKO VOLKMER DE CASTILHO Secretária Bela. VANIA MARIA SOARES ROCHA AUTUAÇÃO RECORRENTE : CARLOS OSCAR PREMAZZI E OUTROS ADVOGADO : JULIO CESAR BROTTO E OUTRO(S) RECORRIDO : JÚLIO CESAR DA SILVA ADVOGADO : LUIZ CARLOS COELHO DA CUNHA ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Responsabilidade Civil CERTIDÃO Certifico que a egrégia CORTE ESPECIAL, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão: Prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Ari Pargendler preliminarmente rejeitando a submissão do feito ao rito do art. 543-C do CPC (LGL\1973\5), e, no mérito, acompanhando a divergência, no que foi acompanhado pelo Sr. Ministro Jorge Mussi, a retificação de voto para acompanhar o Sr. Ministro Ari Pargendler quanto à preliminar dos Srs. Ministros Humberto Martins e Maria Thereza de Assis Moura, a Corte Especial, por unanimidade, conheceu do Página 40

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recurso especial e, por maioria, deu-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Vencidos quanto à preliminar os Srs. Ministros Ari Pargendler, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura e Jorge Mussi. Lavrará o acórdão o Sr. Ministro João Otávio de Noronha. Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Humberto Martins, Maria Thereza de Assis Moura, Herman Benjamin, Sidnei Beneti, Raul Araújo e Ari Pargendler. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Gilson Dipp, Napoleão Nunes Maia Filho, Og Fernandes e Luis Felipe Salomão. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz e Sidnei Beneti. COMENTÁRIO CONSIDERAÇÕES CRÍTICAS SOBRE O INSTITUTO COMENTÁRIOS AO ACÓRDÃO DO RESP 956.943/PR

DA

FRAUDE

DE

EXECUÇÃO:

CRITICAL CONSIDERATIONS ON FRAUD OF EXECUTION: COMMENTS ON THE DECISION RESP 956.943/PR ÁREA DO DIREITO: Civil; Processual RESUMO: O presente texto examina acórdão proferido pelo STJ (REsp 956.943/PR) versando sobre fraude de execução. PALAVRAS-CHAVE: Fraude de execução – Fraude contra credores – Má-fé – Registro da penhora – Novo CPC. ABSTRACT: This text examines a decision of the Superior Court of Justice (REsp 956.943/PR) about “fraud of execution”. KEYWORDS: Fraud of execution – Fraud – Bad faith – Attachment – Registration. SUMÁRIO: A) Acórdão – B) Comentário: 1. Introdução – 2. O REsp 956.943/PR: proposta de revisão da Súmula 375 – 3. A demonstração da má-fé: critério normativo e ônus da prova – 4. Apontamentos críticos sobre a fraude de execução: eliminação da expressão da legislação processual civil e alteração do Código Civil. A) ACÓRDÃO STJ – REsp 956.943-PR – Corte Especial – j. 20.08.2014 – m.v. – rel. p/ acórdão Min. João Otávio de Noronha – DJe 01.12.2014 – Área do Direito: Civil e Processual Civil. B) COMENTÁRIO 1. INTRODUÇÃO O devedor responde, pelo débito, com o seu patrimônio. A regra, originária da lei Poetelia Papiria (326 a.C.), possui previsão expressa no direito brasileiro (CC, art. 391; CPC, art. 591). O abandono da concepção material do vínculo jurídico, pelo qual o devedor respondia pela dívida com o seu próprio corpo, representou inquestionável avanço. Todavia, a responsabilização patrimonial importa no risco de o devedor praticar, antes da execução de seus bens, atos que provoquem ou agravem o seu estado de insolvência, como a alienação gratuita ou onerosa de bens. Para remediar este problema, o Código Civil municia os credores com o instituto da fraude contra credores (arts. 158 a 165). Originário do direito romano, sua consequência legal é a anulabilidade do ato fraudulento, dependendo o pronunciamento da invalidade do ajuizamento de ação própria, denominada actio Pauliana, no prazo decadencial de quatro anos (CC, art. 178, II). O art. 158 do CC cuida dos “negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívidas”, exigindo o eventus Página 41

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damni como único requisito para a anulabilidade do ato. Ou seja, basta que o ato cause prejuízo ao credor ao provocar ou agravar o estado de insolvência do devedor. O art. 159 trata dos “contratos onerosos”, exigindo, além do eventus damni, a scientia fraudis do terceiro, ou melhor, a notoriedade da insolvência ou a existência de “motivo para ser conhecida” por ele. O CPC prevê remédio semelhante. Seu art. 592, V, sujeita à execução os bens “alienados ou gravados com ônus real em fraude de execução”, expressão pela primeira vez empregada, no direito processual civil brasileiro, pelo Regulamento 737, de 1850. Atualmente suas hipóteses estão indicadas no art. 593 do CPC: “considera-se em fraude de execução a alienação ou oneração de bens: I – quando sobre eles pender ação fundada em direito real; II – quando, ao tempo da alienação ou oneração, corria contra o devedor demanda capaz de reduzi-lo à insolvência; III – nos demais casos expressos em lei”. São consideradas abrangidas pelo inciso III as situações previstas nos arts. 672, § 3.º, do CPC, 129 da Lei 11.101/2005, art. 185 do CTN, art. 4.º da Lei 8.009/1990 e art. 240 da Lei 6.015/1973. As hipóteses não serão investigadas. Os incs. I e II descrevem com objetividade e precisão o critério legal para a aplicabilidade do instituto – a pendência de demanda fundada em direito real (inc. I) ou de outra capaz de reduzir o devedor à insolvência (inc. II). A lei processual estabelece uma fórmula quase automática de fraude. Nada obstante, defende-se, na doutrina e na jurisprudência, a boa ou má-fé do terceiro como fator determinante para a configuração ou não de fraude de execução, com a consequente aproximação do instituto processual à fraude contra credores. É neste contexto que se discute, para a hipótese de bens sujeitos a registro, a relevância das medidas de publicidade de atos processuais, em especial a de registro, no ofício competente, da penhora, nos termos do art. 659, § 4.º, do CPC. Se o registro, que visa gerar presunção absoluta de conhecimento por terceiros, é providência que incumbe ao exequente, por que razão privilegiar o interesse deste em desfavor de eventual adquirente quando o primeiro não tomou as cautelas previstas na legislação em seu próprio favor? Esta é a razão que levou o STJ a aprovar, em 18.03.2009, seu Enunciado sumular 375: “o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”. Esta solução tem em vista a segurança e a fluidez do tráfego jurídico, pois reduz o risco de perda do bem e, desta forma, os custos relativos à pesquisa e investigação da situação jurídica e patrimonial do alienante e de eventuais pessoas que o antecederam na titularidade do bem. Além disso, o perigo de o devedor, não citado, mas ciente do ajuizamento da demanda, alienar rapidamente o bem a terceiro, em geral com ele mancomunado, seria mitigado pela faculdade, conferida, ao exequente, pelo art. 615-A do CPC, de, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto. De fato, seu § 3.º presume em fraude de execução a alienação ou oneração efetuada após tal providência. 2. O RESP 956.943/PR: PROPOSTA DE REVISÃO DA SÚMULA 375 Entretanto, a edição do enunciado não pôs termo às discussões. O próprio STJ voltou a reexaminar o tema por ocasião do julgamento do REsp 956.943/PR. Eis, em síntese, as circunstâncias do caso: Um casal adquiriu imóvel cujo proprietário era réu em ação de conhecimento com sentença condenatória. Alguns anos depois, quando já iniciado o processo de execução em face do alienante, eles transferiram parte ideal do bem a terceiro, mas, em seguida, o imóvel foi penhorado com fundamento no instituto da fraude de execução. Os três atuais proprietários opuseram embargos de terceiro, os quais foram julgados improcedentes em primeira instância. Confirmando o entendimento do juízo monocrático, o TJPR decidiu ser irrelevante saber se o bem fora adquirido com ou sem ciência da demanda que corria contra o alienante, razão pela qual considerou correto o julgamento antecipado da lide, sem produção de prova quanto à boa-fé dos adquirentes. O tribunal justificou seu entendimento na natureza pública do interesse que fundamenta a fraude de execução. Quanto à inexistência de registro da penhora, consignou ser ônus dos adquirentes verificar, no cartório distribuidor, a pendência de demanda em face do alienante. O caso subiu à apreciação do STJ. A aplicação da jurisprudência sumulada implicaria reconhecer não haver, salvo prova de má-fé, fraude de execução. Mas a relatora sorteada, Min. Nancy Andrighi, Página 42

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processou o recurso nos termos do art. 543-C do CPC, que trata dos recursos repetitivos, pugnando pela revisão do enunciado. Para a magistrada, o art. 659, § 4.º, do CPC, condiciona à averbação apenas a presunção absoluta de conhecimento por terceiros, não impedindo se mantenha a relativa nas hipóteses em que não for realizado tal registro. Como fundamento, a Ministra socorre-se da teoria da distribuição dinâmica do ônus da prova, com base na qual se flexibiliza o sentido do art. 333 do CPC para que o ônus da prova recaia sobre quem tiver melhores condições de produzi-la, conforme as circunstâncias fáticas de cada caso – a prova do conluio fraudulento é árdua, enquanto o terceiro adquirente reúne plenas condições de demonstrar haver agido de boa-fé, sendo a má-fé do devedor ‘reflexa’. Desta forma, para a magistrada é ônus do terceiro adquirente apresentar “pesquisas realizadas nos distribuidores, por ocasião da celebração da compra e venda, abrangendo as comarcas de localização do bem e de residência do alienante nos últimos 5 anos”. A conclusão é bastante compreensível, ainda que fosse preciso que as cortes pormenorizassem alguns aspectos da solução. Porém, ela contradiz a jurisprudência sumulada do STJ, confirmada, enfaticamente, nos demais votos proferidos no julgamento do REsp 956.943/PR. A divergência foi iniciada pelo Ministro João Otávio de Noronha, o qual, cioso da segurança jurídica, apontou os riscos de movimentos pendulares da jurisprudência, no que foi acompanhado pelos demais magistrados – era mister jogar uma pá de cal na celeuma, confirmando o entendimento sumulado. Do ponto de vista prático, isso significa que, ao determinar quais cautelas ou providências devem ser tomadas pelo terceiro para verificar se o negócio não prejudicará legítimo interesse de credor, as cortes não podem impor, no caso de bem sujeito a registro, o ônus genérico de pesquisar sobre a distribuição de feitos capazes de reduzir o alienante à insolvência. Este entendimento foi reforçado com a adoção da MedProv 656/2014, convertida na Lei 13.097/2015. Neste contexto jurisprudencial, as cortes somente podem considerar necessária a apresentação de certidões em situações específicas. Por exemplo, o entendimento sumular não obsta decisões exigindo de quem adquire imóvel por valor muito inferior ao de mercado que diligencie para saber se o alienante não está manobrando para prejudicar credores. Situação diferente, mas que também poderia justificar tal ônus, é a de familiares próximos e a de pessoas que possuem relações negociais habituais com o devedor, como a de sócio em empreendimentos empresariais comuns. Ao contrário do primeiro exemplo, não se trata precisamente de exigir uma investigação mais cuidadosa da situação patrimonial do alienante, mas de impor medidas que eliminem eventual dúvida sobre a idoneidade do negócio. O ônus, caso reconhecido pelas cortes, seria estabelecido em vista do interesse de eventuais credores prejudicados, não do próprio adquirente, sendo justamente em razão do provável conhecimento da situação patrimonial do alienante que se requer do terceiro um cuidado suplementar: apresentar as certidões ou correr, por sua conta, os riscos da relação pessoal de confiança. 3. A DEMONSTRAÇÃO DA MÁ-FÉ: CRITÉRIO NORMATIVO E ÔNUS DA PROVA Não se trata, porém, de exigir do credor prejudicado a demonstração da má-fé do terceiro ou mesmo de sua efetiva ciência da pendência da demanda. O problema resolve-se pela formulação de uma regra de conduta impositiva de um ônus. O critério é normativo, portanto. Em termos práticos, foi o que a Min. Nancy Andrighi fez: ela especificou uma regra de conduta imposta, como ônus, aos adquirentes de imóveis em vista dos legítimos interesses de eventuais credores do alienante. O caráter normativo e não anímico do critério fica evidente quando a Ministra o fundamenta na boa-fé objetiva, invocando, outrossim, o padrão de um “homem médio, zeloso” e “diligente no trato dos seus negócios”, bem como a praxe imobiliária – “só se pode considerar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que adota mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição”. Vale lembrar que a boa-fé objetiva não se contrapõe a má-fé; não se trata de um estado subjetivo, mas de um dever de agir de acordo com determinados padrões de conduta. A insistência da jurisprudência no critério anímico da má-fé talvez se explique por resquícios de uma concepção de atividade jurisdicional como aplicação de critérios normativos abstratamente estabelecidos pelo legislador. O magistrado não formularia regras de conduta. Sua função resumir-se-ia, no caso da fraude contra credores ou de execução, a aferir o estado subjetivo das partes envolvidas no litígio, em especial a do terceiro. Mas, para isso, vale-se de presunções: em determinadas circunstâncias presume-se que o terceiro sabia da pendência de demanda, incumbindo a ele o ônus de provar o contrário. E como ele poderia debelar esse ônus? A primeira possibilidade é demonstrar a inexistência das circunstâncias apontadas (e.g. não Página possuir, 43

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efetivamente, relações negociais habituais com o devedor; não se tratar de valor de venda inferior ao praticado no mercado). A segunda, convencer o magistrado de que, mesmo em face destas circunstâncias, não é legítimo e justo considerar que “deveria saber” da pendência da demanda. Ora, seria mais simples se os tribunais reconhecessem expressamente que estão formulando regras de conduta. Por exemplo: quem pretende adquirir imóvel por valor muito inferior ao de mercado deve apresentar pesquisas realizadas nos distribuidores, por ocasião da celebração da venda, abrangendo tais e tais comarcas, inclusive, ou não, em relação a eventuais antecessores na propriedade, pelo período de tantos anos, etc. Com isso alcança-se maior segurança jurídica, na medida em que, impelidas a atacar o problema em sua verdadeira natureza, as cortes, com o auxílio da doutrina na sistematização dos julgados em grupos de casos semelhantes, procederão a uma gradual e progressiva catalogação de situações impositivas de ônus. Esta perspectiva reflete na abordagem do ônus da prova. Observa-se no julgado do STJ que a divergência instaurou-se na natureza da presunção da má-fé. A tese que prevaleceu foi que a má-fé não se presume, devendo ser demonstrada – ou o credor registra a penhora (ou averba a distribuição da execução) no ofício imobiliário, ou precisará, segundo a súmula 375, comprovar que o terceiro agiu de má-fé. No entanto, em rigor o objeto de eventual instrução probatória não é o estado anímico do adquirente, mas as circunstâncias fáticas relevantes para a formulação ou aplicação, pelas cortes, de uma regra de conduta impositiva de um ônus. Neste contexto, a Súmula 375 deve ser interpretada nos seguintes termos: na ausência de registro da penhora, incumbe ao exequente demonstrar, nos autos da execução, as circunstâncias particulares a partir das quais o magistrado possa formular um juízo de valor acerca da conduta do adquirente – deveria ele, quando da celebração do negócio, ter pesquisado sobre a distribuição de demandas, contra o alienante, capaz de reduzi-lo à insolvência? Respondendo afirmativamente, o magistrado determina a penhora, submetendo o bem à execução. Ressalvada a natureza normativa do critério da má-fé, é este o sentido da Súmula 375 do STJ, interpretada no contexto do julgado ora analisado. A demorada sedimentação da jurisprudência neste tema, com inquestionável prejuízo à segurança jurídica, impõe aos operadores do direito e à própria corte muito cuidado ao defenderem soluções contrárias à súmula. O acórdão que julgou o REsp 956.943/PR deixa um recado claro: o entendimento jurisprudencial, sobre o assunto, não deve mudar, salvo alteração legislativa. 4. APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE A FRAUDE DE EXECUÇÃO: ELIMINAÇÃO DA EXPRESSÃO DA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL CIVIL E ALTERAÇÃO DO CÓDIGO CIVIL É com esta preocupação que se passa às críticas à solução vigente no direito positivo brasileiro. A fraude de execução é instituto genuinamente brasileiro, sem similar no direito estrangeiro. Geralmente fundamentado no interesse público do Estado-juiz na efetivação de suas decisões, é, comparativamente à fraude contra credores, uma forma mais severa de tratar a fraude – o interesse prevalecente seria o do Estado, impondo-se, em prejuízo do terceiro, um critério objetivo e aferível de plano pelo juiz na configuração da fraude: a pendência, ao tempo da alienação ou oneração, de demanda capaz de reduzir o devedor a insolvência. Porém, na evolução da matéria os tribunais foram compreensivos com os terceiros de boa-fé, conferindo-lhes tratamento favorável quando houverem agido de forma razoavelmente regular. No entanto, esta tendência criou insegurança jurídica, cenário no qual o STJ aprovou a Súmula 375, reafirmando a essência objetiva e não valorativa da fraude de credores. O tribunal privilegiou, assim, o interesse dos terceiros e a fluidez dos negócios imobiliários, ao indicar a necessidade de prévio registro da penhora, mantendo, porém, a má-fé como um critério residual de correção in concreto do rigor de uma solução que coloca o interesse do credor em segundo plano. Entretanto, a má-fé é um corpo estranho a uma figura cuja aplicação não dependeria, segundo o texto da lei, de investigações fáticas mais profundas, nem de ponderações valorativas. Com efeito, a apreciação da má-fé do terceiro, para seguir a terminologia da súmula, pressupõe apreciação de provas e formulação de juízos de valores quanto aos interesses conflitantes, enquanto, pelo texto da lei ou da primeira parte da súmula, basta a conferência documental da anterioridade ou não da pendência da demanda ou, respectivamente, do registro, ao ato apontado como fraudulento. O STJ, ao aprovar a Súmula 375, encontrou uma boa resposta para uma questão que persistia sem Página 44

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solução há décadas. O enunciado pôs termo a parte das incertezas decorrentes da diversidade de entendimentos sobre a matéria, e, além disso, não obstruiu o reconhecimento da fraude nos próprios autos da execução caso inexistente registro do ato constritivo no ofício imobiliário. Neste cenário, é merecedor de encômios. Entretanto, muitos desses problemas seriam dissipados se a legislação distinguisse, com mais clareza, a existência de duas situações distintas. Na primeira delas, o bem alienado ou onerado é submetido à execução de plano e de forma automática, bastando ao juiz conferir a ocorrência ou não de uma circunstância fática descrita de forma precisa na lei. É o que ocorre, por exemplo, no caso de alienação ou oneração de bem sujeito a registro após a anotação do ato constritivo. Como esta circunstância é de simples aferição, o deferimento da penhora dificilmente ensejará oposição séria do terceiro. Já a segunda situação ocorre nos casos que exigem que o magistrado formule um juízo de valor em vista dos interesses conflitantes. Ela é constituída dos casos atualmente abordados sob a rubrica da má-fé, os quais não se solucionam pela mera subsunção lógica do caso a uma hipótese legal de descrição precisa e podem exigir dilação probatória. O problema da fraude de execução, tal como hoje interpretada, é que ela abrange, indistintamente, estas duas hipóteses. Porém, é possível cogitar numa solução legislativa mais clara. Ao invés de conjugar dois dispositivos (CPC, arts. 693, V, e 593), seria mais simples se a lei processual determinasse, diretamente e sem o emprego do termo “fraude”, que ficam sujeitos à execução os bens alienados ou onerados quando sobre eles pender ação fundada em direito real; quando, ao tempo da alienação ou oneração, houver registro público da constrição do bem ou da distribuição da execução; e nos demais casos expressos em lei. Já os casos sem previsão específica e precisa em lei seriam solucionados com base no instituto civil da “fraude contra credores”. Contudo, para isso seria necessário alterar o Código Civil para eliminar a anulabilidade como consequência do instituto, dispensando a necessidade de ajuizamento da actio Pauliana. Desta forma, o juiz da execução, quando convencido das alegações do credor mediante apresentação de prova documental, poderá deferir, de plano, a penhora; caso contrário, remeterá a discussão às vias ordinárias, em razão da complexidade das questões fáticas. No primeiro caso, seria ônus do terceiro apresentar embargos; no segundo, o processo de conhecimento seria de iniciativa do próprio credor. Em toda hipótese, o ônus da prova quanto às circunstâncias fáticas seguiria as regras gerais – em princípio, a prova incumbe a quem as alega. A eliminação da expressão “fraude de execução” ou correlatas da legislação processual, além de evitar equívocos, teria outra importante consequência: corrigir uma perspectiva, tradicional na doutrina e jurisprudência brasileiras, que enfatiza o interesse público do Estado-juiz na repressão contra atos fraudulentos. A doutrina assinala que as hipóteses do art. 593 do CPC representam atentado à função jurisdicional ao prejudicar a efetivação das decisões dos tribunais. No entanto, este ponto de vista interessa apenas à configuração de ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, art. 600), cuja consequência é a prevista no art. 601 do CPC, não atacando o cerne do problema da sujeição do bem à execução: saber se o interesse do credor é mais digno de tutela do que o do terceiro; um dilema que é melhor designado sob a expressão “fraude contra credores”. Em se tratando de bem sujeito a registro, o registro da penhora ou a averbação do ajuizamento da execução, na medida em que confere publicidade ao ato processual justifica in abstrato a tutela do credor. Neste caso, o magistrado apenas verifica se há anterioridade da alienação ou oneração, sem apreciar concretamente os interesses em conflito. Por outro lado, quando o bem não estiver sujeito a registro ou não houver anotação do ato processual, o juiz deverá proceder à ponderação in concreto dos interesses das partes em conflito, por meio do instituto da fraude contra credores, que em nada se relaciona com o interesse do Estado-juiz. O que se busca, na verdade, é determinar se é razoável impor ao terceiro, em consideração aos interesses de eventuais credores do alienante, o ônus de pesquisar nos cartórios distribuidores. Em relação à distinção entre bens sujeitos e não sujeitos a registro, há um importante questionamento. O texto da Súmula 375 não indica existirem soluções diversas para cada uma das duas hipóteses. Num ou noutro caso, a ‘má-fé’ sempre deve ser demonstrada pelo credor, na terminologia da súmula. No entanto, um dos principais fundamentos para a aprovação da súmula foi a ausência de diligência do credor quanto ao registro do ato constritivo ou à averbação da distribuição da execução, o que indica a razoabilidade de uma interpretação restritiva para a segunda parte da súmula – a exigência de prova da má-fé limitar-se-ia aos casos de bem sujeito a registro, impondo-se ao adquirente de bem não registrável o ônus genérico de realizar pesquisas Páginanos 45

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distribuidores do local do bem e do domicílio do devedor. Neste sentido, o novo CPC, na redação final do substitutivo da Câmara dos Deputados ao projeto de lei do Senado 166/2010 (8.046/2010, naquela Casa), envidado à sanção presidencial, dispõe expressamente que “no caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem” (art. 792, § 2.º). No entanto, a previsão deve ser eliminada. Além de não oferecer um critério preciso, pois as cortes teriam necessariamente que concretizar as ‘cautelas necessárias’, a diversidade das circunstâncias fáticas não recomenda uma solução genérica. Por exemplo, não é razoável exigir do terceiro que se interessa pela bicicleta do vizinho, a qual não está sujeita a registro, que se preocupe com eventual prejuízo aos credores deste, a não ser que se cuide de um modelo de elevado valor e existam indícios de dilapidação do patrimônio. A melhor solução é seguir o critério indicado no art. 159 do Código Civil: a notoriedade da insolvência e, principalmente, a existência de motivo para ser conhecida do terceiro. Ainda quanto ao novo CPC, o texto final mantém-se fiel à tradição do direito brasileiro. Assim como o atual CPC, ele prevê, em seu art. 790, V, que “ficam sujeitos à execução os bens: (…) V – alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução”, elencando, em seu art. 792, caput, as hipóteses de fraude de execução. Seria melhor integrar as previsões do art. 792, caput, nos incisos do art. 790, sem emprego do termo fraude. Também é importante mencionar que neste último dispositivo consta, como sujeito à execução, o bem “cuja alienação ou gravação com ônus real tenha sido anulada em razão do reconhecimento, em ação própria, de fraude contra credores” (art. 790, VI), o que não encontra correspondente no atual CPC. Quanto a este aspecto, uma alternativa melhor é indicar no rol, simplesmente, o bem “alienado ou gravado com ônus real em fraude contra credores”, ou mesmo suprimir por completo este inciso. Em qualquer das hipóteses, é indispensável alterar a disciplina do Código Civil. No primeiro caso, basta eliminar a anulabilidade como consequência legal do instituto; no segundo, substituí-la pela ineficácia relativa. GUILHERME HENRIQUE LIMA REINIG Mestre e Doutor em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP (FDUSP). Professor de Direito Civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Foi pesquisador visitante do Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Privado Internacional (Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht). [email protected] DANIEL AMARAL CARNAÚBA Mestre pela Faculdade de Direito da Sorbonne (Paris 1). Doutorando em Direito Civil pela Faculdade de Direito da USP (FDUSP). Professor Assistente de Direito Civil da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF/GV). [email protected] 2. Cf. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano II. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 10 (= n. 194) 3. Cf. MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano I. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 228, nt. 87 (= n. 130). 4. Sobre a contagem do prazo cf. o Enunciado 538 da VI Jornada de Direito Civil: “no que diz respeito a terceiros eventualmente prejudicados, o prazo decadencial de que trata o art. 179 do Código Civil não se conta da celebração do negócio jurídico, mas da ciência que dele tiverem”. 5. O art. 162 cuida do recebimento, por credor quirografário, de pagamento de dívida ainda não vencida, impondo-lhe a obrigação de “repor, em proveito do acervo sobre que se tenha de efetuar o concurso de credores, aquilo que recebeu”. O CC também possui regra para a prestação de garantia, dispondo que “presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado a algum credor”. Página 46

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6. Cf. AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de execução. São Paulo: Atlas, 2002. p. 9. 7. O devedor dá quitação, a terceiro, de crédito penhorado. 8. Alienação de bens no período suspeito da falência. 9. Alienação de bens pelo devedor após a inscrição de crédito tributário como dívida ativa. Sobre o dispositivo o STJ decidiu pela não aplicabilidade da Súmula 375. Para a corte, “a alienação engendrada até 08.06.2005 exige que tenha havido prévia citação no processo judicial para caracterizar a fraude de execução; se o ato translativo foi praticado a partir de 09.06.2005, data de início da vigência da Lei Complementar 118/2005, basta a efetivação da inscrição em dívida ativa para a configuração da figura da fraude” (REsp 1.141.990/PR, 1.ª Seção, j. 10.11.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.11.2010). 10. Transferência da residência familiar para imóvel mais valioso adquirido pelo devedor mesmo sabendo-se insolvente. 11. Alienação de bem penhorado, arrestado ou sequestrado. 12. Sobre as hipóteses cf. AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de execução cit., p. 25 e ss. 13. O dispositivo não exige a anotação do ajuizamento da demanda no ofício competente, no caso de bem sujeito a registro. Exigência de tal ordem era feita pelo art. 281 do Dec. 4.857/1937, norma revogada pela Lei 6.015/1973. Sobre o tema cf. AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de execução cit., p. 46 e ss. Todavia, atualmente o art. 54, caput, I, da Lei 13.097/2015, dispõe que “os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias”. Sobre a recente alteração legislativa cf. nota. 23 infra. 14. Expressão utilizada por Carlos Alberto Carmona em apresentação à obra Rodolfo da Costa Manso Real Amadeo, Fraude de execução cit. 15. Não se discute aqui o problema da boa-fé do devedor. Na doutrina ou na jurisprudência encontram-se referências a este critério. Entretanto, ele é irrelevante. A lei, mesmo na fraude contra credores na hipótese de contrato oneroso, não exige apreciação desta natureza. O determinante, para a anulabilidade do ato, é a scientia fraudis do terceiro. Sobre o tema cf. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Comentários ao novo Código Civil, v. 3, t. 1: livro III – dos fatos jurídicos: do negócio jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008. p. 347-348 (= n. 130); AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de execução cit, p. 5. 16. “Art. 659. (…) § 4.º. A penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, cabendo ao exequente, sem prejuízo da imediata intimação do executado (art. 652, § 4.º), providenciar, para presunção absoluta de conhecimento por terceiros, a respectiva averbação no ofício imobiliário, mediante a apresentação de certidão de inteiro teor do ato, independentemente de mandado judicial” (Redação dada pela Lei 11.382, de 2006). 17. Acrescentado pela Lei 11.382/2006. 18. Outra questão discutida foi saber se a configuração de fraude de execução nos termos do art. 593, II, do CPC, pressupõe, necessariamente, que a alienação ou oneração de bens do devedor haja sido realizada após o início da fase ou do processo de execução da sentença. Ela foi decidida negativamente nas instâncias inferiores. No acórdão do TJPR consta expressamente que “para que se configure a fraude à execução basta a citação em processo de conhecimento que leve à condenação capaz de ensejar à insolvência do devedor, não é necessário que já tenha sido iniciado o processo de execução, eis que a alienação dos bens do devedor vem constituir verdadeiro atentado contra o eficaz desenvolvimento da função jurisdicional já em curso, porque lhe subtrai o objeto sobre o qual a execução deverá recair. Dessa forma, é suficiente a citação válida em ação de conhecimento para o preenchimento de um dos requisitos da caracterização da fraude à execução” (TJPR, ApCiv 346919-6, 6.ª Câm. Civ., j. 29.06.2006, v.u., rel. Des. José Aniceto). O STJ não enfrentou a questão direta e expressamente, mas, se seguisse entendimento diverso, teria dado provimento ao REsp, para julgar procedentes os embargos em razão da não configuração de fraude à execução. O fato, porém, é que as discussões foram substituídas por outra – a necessidade ou não de citação do devedor para a configuração da fraude de execução. Prevaleceu a tese de sua indispensabilidade, ressalvada a hipótese prevista no § 3.º do art. 615-A do CPC, o qual estabelece presunção de fraude quando a alienação ou oneração efetuar-se após a averbação do ajuizamento da execução. Porém, o problema não possuía pertinência com o litígio, pois quando da primeira alienação o devedor já havia sido citado para o processo de conhecimento. Seu enfrentamento explica-se pelo processamento do recurso nos termos do art. 543-C do CPC, havendo a Corte Especial do STJ firmado tese, no contexto do regime dos recursos repetitivos, para questão cuja solução não era necessária à decisão do litígio. Página 47

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19. “Art. 333. O ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor. Parágrafo único. É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando: I – recair sobre direito indisponível da parte; II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.” 20. A Ministra sustenta a referida teoria com base numa interpretação sistemática da legislação processual, uma vez que é, em princípio, incompatível com o teor do citado artigo. 21. Segundo a Ministra, “a praxe nas negociações envolvendo imóveis é de que o próprio alienante providencie as certidões exigidas pelo Cartório de Registro”. Sobre este aspecto cf. nota 14 supra. 22. Em especial é importante cogitar na hipótese em que o alienante oculta residências que tivera nos últimos cinco anos contados da celebração do negócio. Quais providências devem ser consideradas necessárias e suficientes para que o adquirente não responda? Basta, por exemplo, exigir declaração expressa do alienante, para efeitos penais (CP, art. 299)? É indispensável que proceda a outra espécie de investigação? 23. Cf. em especial o voto do Ministro Sidnei Beneti. Mesmo considerando que a Súmula 375 “contém o germe da cizânia de que se aproveita a raposia do devedor”, o Ministro ponderou o papel, exercido pelo STJ, de harmonização da interpretação infraconstitucional, concluindo ser “melhor não abandonar, a esta altura, a Súmula 375, devolvendo-se a matéria ao legislador que, evidentemente, interpretando as necessidades da sociedade, poderá manter ou alterar o regramento legal em que essa Súmula se fundou. 24. O art. 54, caput, da Lei 13.097/2015, dispõe que “os negócios jurídicos que tenham por fim constituir, transferir ou modificar direitos reais sobre imóveis são eficazes em relação a atos jurídicos precedentes, nas hipóteses em que não tenham sido registradas ou averbadas na matrícula do imóvel as seguintes informações: I – registro de citação de ações reais ou pessoais reipersecutórias; II – averbação, por solicitação do interessado, de constrição judicial, do ajuizamento de ação de execução ou de fase de cumprimento de sentença, procedendo-se nos termos previstos do art. 615-A da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; III – averbação de restrição administrativa ou convencional ao gozo de direitos registrados, de indisponibilidade ou de outros ônus quando previstos em lei; e IV – averbação, mediante decisão judicial, da existência de outro tipo de ação cujos resultados ou responsabilidade patrimonial possam reduzir seu proprietário à insolvência, nos termos do inciso II do art. 593 da Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil”. O parágrafo único do artigo citado esclarece ainda que “não poderão ser opostas situações jurídicas não constantes da matrícula no Registro de Imóveis, inclusive para fins de evicção, ao terceiro de boa-fé que adquirir ou receber em garantia direitos reais sobre o imóvel, ressalvados o disposto nos arts. 129 e 130 da Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, e as hipóteses de aquisição e extinção da propriedade que independam de registro de título de imóvel”. A MedProv alterou, outrossim, a redação do art. 1.º, § 2.º, da Lei 7.433/1985. Pela redação anterior, o tabelião, na lavratura de atos notariais, deveria consignar a apresentação de certidões de feitos ajuizados e ônus reais. A expressão “feitos ajuizados” foi substituída por “certidões de propriedade”. Segundo a atual redação, “o Tabelião consignará no ato notarial a apresentação do documento comprobatório do pagamento do Imposto de Transmissão inter vivos, as certidões fiscais e as certidões de propriedade e de ônus reais, ficando dispensada sua transcrição”. 25. O art. 54, parágrafo único, da Lei 13.097/2015, transcrito na nota supra, indica não ser possível opor situações jurídicas não constantes da matrícula do registro de imóveis. Todavia, restringe esta consequência ao “terceiro de boa-fé”. Desta forma, não impossibilita, de fato, que as cortes exijam a apresentação de certidões em situações específicas. 26. Cf. NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais (autonomia privada, boa-fé, justiça contratual). São Paulo: Saraiva, 1994. p. 136. Porém, não se defende aqui tratar-se, no caso de fraude de execução, de problema a ser solucionado com o princípio da boa-fé objetiva. A referência serve apenas para demonstrar a necessidade de solucionar a questão em termos normativos. 27. Não de um dever, pois não se pode exigir do adquirente que realize as pesquisas. A consequência da não observância da regra é a atribuição, a ele, do risco de perda do bem adquirido em razão de sua sujeição à execução promovida por eventual credor. 28. AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de execução cit., p. 6. 29. Por exemplo, DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil IV – execução forçada. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 372, afirma que, com a conduta de fraude de execução “o obrigado não só quer prejudicar o titular do direito a ser satisfeito mediante o emprego do bem, como ainda rebela-se contra a autoridade exercida pelo Estado-juiz, procurando fazer com que caia no vazio tudo quanto no processo vier a ser decidido, determinado, comandado”. 30. Além da dispensa de ajuizamento de ação autônoma para o reconhecimento da fraude de Página 48

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execução. 31. DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil IV cit., p. 393. 32. O que se justifica na interpretação conjunta do art. 593, II, com o art. 659, § 4º, ambos do CPC. Em 1994 a Lei 8.953 incluiu o § 4.º ao art. 659 do CPC, determinando que “a penhora de bens imóveis realizar-se-á mediante auto ou termo de penhora, e inscrição no respectivo registro”. O dispositivo, cujo texto literal indicava possuir a averbação (ou inscrição) natureza constitutiva, foi alterado pela lei 10.444/2002: a providência, de incumbência do exequente, visa exclusivamente gerar presunção absoluta de conhecimento por terceiros. A redação atual foi dada pela Lei 11.382/2006. Cf. nota 15 supra. 33. A lei pode ou não exigir a anotação do ajuizamento no registro do bem para a hipótese de ação fundada em direito real. Sobre a evolução legislativa quanto a este aspecto cf. nota 12 supra. Não se discute aqui se requerer a averbação ou o registro do ajuizamento é ou não a melhor solução para os casos de ações fundadas em direito real. Por isso a opção foi por simplesmente indicar que “ficam sujeitos à execução os bens alienados ou onerados quando sobre eles pender ação fundada em direito real”. 34. Tanto não o ataca que, para justificar diferença de critérios quanto ao art. 185 do CTN, o STJ, no julgamento do REsp 1141990/PR, 1.ª Seção, j. 10.11.2010, rel. Min. Luiz Fux, DJe 19.11.2010, afirmou que “a diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal justifica-se pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas”. 35. É importante assinalar ser uma faculdade do credor, mesmo no caso de alienação após o competente registro, abrir mão da penhora de bem sujeito à execução, independentemente do que o Estado pensa sobre a efetivação da sua decisão. Afinal, a execução realiza-se no interesse do credor, não propriamente no do Estado. 36. O Projeto de Lei do Senado 166/2010, no texto aprovado pela referida casa não é claro quanto ao tema. Seu art. 749, parágrafo único, dispõe que, “não havendo registro, o terceiro adquirente tem o ônus da prova de que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinente, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem”. Cf. quadro comparativo em disponível no site do Senado: [www.senado.leg.br/atividade/materia/getdocumento.asp?t=158926]. Acesso em: 17.02.2015. Para a versão final, divulgada no site do Senado em 24 de fevereiro de 2015, cf. [http://legis.senado.leg.br/mateweb/arquivos/mate-pdf/160741.pdf]. Acesso em: 25.02.2015. 37. “Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução: I – quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver; II – quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828; III – quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude; IV – quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência; V – nos demais casos expressos em lei. § 1.º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente. § 2.º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem. § 3.º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar. § 4.º Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.”O caput do art. 828 do novo CPC dispõe que “o exequente poderá obter certidão de que a execução foi admitida pelo juiz com a identificação das partes e do valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, no registro de veículos ou no registro de outros bens sujeitos a penhora, arresto ou indisponibilidade”. 38. Isto dependerá da concepção adotada quanto à consequência. Em princípio, é possível defender tanto a ineficácia relativa do negócio jurídico ou quanto a simplesmente a sujeição do bem à execução. Sobre a discussão cf. AMADEO, Rodolfo da Costa Manso Real. Fraude de execução cit., p. 63. 39. O art. 158, caput, poderia ter a seguinte redação: “consideram-se praticados em fraude contra credores os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por ele reduzido à insolvência, ainda quando o ignore”. O art. 159, esta: “são igualmente praticados em fraude contra credores os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante”. A consequência é estabelecida na lei processual: sujeição à execução. Página 49

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