\"Considerações históricas acerca da estabilidade do Maciço Calcário Estremenho em períodos de catástrofes naturais\", in «Luz da Serra», Ano XLI, n.º 496, janeiro de 2016, p. 14.

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LUZ DA SERRA

JANEIRO

-- histórias da História --

14

2016

Considerações históricas acerca da estabilidade do Maciço Calcário Estremenho em períodos de catástrofes naturais O designado Maciço Calcário Estremenho, como o apelidou, em 1949, em dissertação de doutoramento apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, subordinada ao título Maciço Calcário Estremenho: contribuição para um estudo de Geografia Física, Alfredo Fernandes Martins, tem sido, de um modo geral, bastante estável no que se refere às mais diversas catástrofes naturais que têm afetado a região ao longo dos séculos, facto que é possível apurar em documentação histórica dita coeva, que constitui elemento probatório. Por exemplo, no que se refere a inundações, O Couseiro indica, claramente, que Leiria e parte da respetiva região foram afetadas, constantemente, no decurso dos séculos, tendo-se destacado: a de 1475, que levou à destruição de inúmeras habitações e meios de produção; a de 28 de maio de 1596, que foi intensa, tendo provocado muitas perdas; a de 21 de dezembro de 1600, que, além de casas, desfez moinhos, lagares, assim como imensos solos imprescindíveis para a prática da agricultura, designadamente de cereais, azeite e vinho; a de 18 de junho de 1612, segundafeira, que fez com que se alagassem campos de trigo, milho e feijões; e, entre outras, a de 11 de novembro de 1646, que, em Leiria, atingiu a Rua Direita, fazendo desaparecer adegas, celeiros e fazendas. Relativamente à serra, como era expectável, não ocorreu nenhuma das enchentes mencionadas. Todavia, o facto de se encontrar em ponto elevado não evitou, pelo menos para a de 1612, acima referida, que a precipitação provocasse danos nos campos agríco-

las, designadamente nos que estavam repletos de trigo, cereal importantíssimo, até ao século XVIII, no Maciço Calcário Estremenho. Ainda no âmbito das cheias é de destacar, para o caso de Minde, as do sítio da Mata, cujo enchimento da lagoa (hoje, polje) está documentado pelo menos desde seiscentos. Tal deve-se ao facto de aquela se encontrar em local com reduzida elevação face à morfologia envolvente. Também no plano sísmico, o Maciço Calcário Estremenho tem-se mostrado estável, pois os abalos, apesar de falhas próximas, não são de marcada intensidade. Nem aquando do terramoto de 1 de novembro de 1755, de máxima magnitude na região de Lisboa, a zona montanhosa foi marcadamente afetada, como se pode verificar nas memórias paroquiais das freguesias existentes na região rochosa. Sabe-se que em Leiria e em Ourém se registaram danos de monta, facto que não sucedeu no Maciço, onde apenas ocorreram alguns estragos, depressa reparados. Foi, por exemplo, o caso da freguesia de Fátima, na qual se desmoronaram algumas casas (três na referida aldeia, uma em Ramila e outra em Giesteira). Para Minde, o cura, não identificado, registou, de igual modo, que o território da paróquia não sofreu «ruina alguma notavel no terremoto de 1755», ou seja, não houve danos significativos. Até ao momento, verificamos que o Maciço Calcário Estremenho, pela respetiva morfologia, é seguro no que se refere a elevadas precipitações, por um lado, e no plano sísmico, por outro. Acon-

tece, porém, que o mesmo é permeável a correntes eólicas que, em algumas situações, conforme documentação histórica, provocaram prejuízos avultados. Sabe-se, hoje, que a mancha florestal localizada no setor norte, abarcando parte da freguesia de Minde e, por completo, a de Fátima, a de Santa Catarina da Serra e Chainça, a São Mamede e a de Reguengo do Fetal, foi plantada no século XIX, na sequência de estudos realizados, em setecentos, por Tomás António de Vila Nova Portugal (1755-1839), que, escrevendo a partir do então termo de Ourém, propôs que as zonas baldias localizadas a maior altitude fossem providas de espécies arbóreas, para, guardando o vento, permitir o cultivo de terras e a substituição, paulatina, do trigo pelo milho, ainda que de sequeiro. Em artigo subordinado ao título «Sobre a cultura dos terrenos baldios que ha no termo da villa de Ourem», publicado pela então Academia Real das Ciências de Lisboa, em 1790, o mencionado silvicultor apresentou, como se verificou supra, uma solução para a problemática das intensas correntes eólicas. O trabalho desenvolvido parece ter surtido efeito, pois em oitocentos, apesar de parte significativa da paisagem ser ainda constituída por charneca com urzes, já existiam muitos pontos repletos de árvores. Na passagem pelo Maciço Calcário Estremenho em direção a Leiria, Alexandre Herculano (1810-77), historiador, registou, em 1853, que a cultura já se fazia em inúmeros locais da desabrida paisagem. Apesar dos esforços desenvolvidos, a serra conti-

nuou (e continua) permeável a fortes correntes eólicas, que, nalguns anos, deixaram visíveis marcas de destruição no referido Maciço. O exemplo mais flagrante é o do ciclone de 14 de fevereiro de 1941, que, com ventos com velocidades superiores a 100 quilómetros por hora, provocou a queda ou a danificação de milhares de árvores em toda a região, particularmente de pinheiros, mas também de eucaliptos, que já os havia, e de oliveiras, ainda significativas na socioeconomia da época. Algumas décadas depois, mais precisamente a 19 de janeiro de 2013, sábado, ventos de elevada intensidade para a zona fizeram tombar inúmeras espécies arbóreas e arbustivas, provocando, de igual modo, prejuízos em imensos edifícios, além de falhas elétricas e de telecomunicações. Bibliografia sumária: - CASTANHEIRA, José Pedro, História de Covão do Coelho, Covão do Coelho, Comissão de Festas, 2008, pp. 50-51 - O Couseiro ou memórias do bispado de Leiria, Braga, Typographia Lusitana, 1868 - HERCULANO, Alexandre, Scenas de um anno da minha vida e apontamentos de viagem, Lisboa, Livraria Bertrand, 1934, pp. 163-164 - MARTINS, Abílio Madeira, e NOGUEIRA, Agostinho, Minde: Monografia e História, Minde, Comissão da festa do Espírito Santo, 2002 - MARTINS, Alfredo Fernandes, Maciço Calcário Estremenho: contribuição para um estudo de Geografia Física, Coimbra, Faculdade de Letras, 1949 - NETO, Maria Rosa Vaz Borralho, Festas em honra de Nossa Senhora da Conceição - Covão do

Coelho, Covão do Coelho, Comissão de Festas, 2013 - NEVES, José Manuel Dias Poças das, A Fátima nos inícios do século XX, Fátima, Edição do Rotary Club de Fátima, 2005, p. 30 - PORTUGAL, Tomás António de Vila Nova, “Sobre a cultura dos terrenos baldios que ha no termo da villa de Ourem”, in Memorias economicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes, e da industria em Portugal, e suas conquistas, Lisboa, Officina da mesma Academia, MDCCXC, tomo II, pp. 413-430 - SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Baldios de Ourém: 1790”, in Nova Augusta, Torres Novas, Câmara Municipal, 2012, n.º 24, p. 78 - SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “As memórias paroquiais de Ourém (1758)”, in Nova Augusta, Torres Novas, Câmara Munici-

Vasco Jorge Rosa da Silva Paleógrafo e Epigrafista Leiria - Ourém

pal, 2011, n.º 23, pp. 69-70 - SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Memórias paroquiais de Alcanena (transcrição)”, in Nova Augusta, Torres Novas, Câmara Municipal, 2013, n.º 25, p. 231 - SILVA, Vasco Jorge Rosa da, “Minde e o ciclone de 15 de fevereiro de 1941”, in Jornal de Minde, Ano LIV, n.º 611, 30 de abril de 2009, p. 4

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