Considerações iniciais acerca da Lei Anticorrupção e os novos desafios da advocacia criminal

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Considerações Iniciais

Acerca da Lei Anticorrupção e os Novos Desafios da Advocacia Criminal Guilherme Brenner Lucchesi

Advogado inscrito na OAB/PR sob o nº 50.580. Attorney at Law – NYSBA 824.727. Doutorando em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná. Mestre em Direito pela Cornell Law School. Professor de Direito Penal na Faculdade Estácio de Curitiba.

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chamada “Lei Anticorrupção” (Lei Federal n.º 12.846/2013) tem por objetivo regulamentar a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração Pública nacional e estrangeira, o que constituiria, até então, uma lacuna no ordenamento jurídico nacional, segundo a Controladoria-Geral da União, o Ministério da Justiça e a Advocacia-Geral da União, propositores da lei em 2009. No texto encaminhado à Presidência da República, os idealizadores da lei justificaram que o sistema jurídico brasileiro não possuiria “meios específicos para atingir o patrimônio das pessoas jurídicas e obter efetivo ressarcimento dos prejuízos causados por atos que beneficiam ou interessam, direta ou indiretamente, a pessoa jurídica”. A ampliação das hipóteses de punição das pessoas jurídicas, visando a proteção da Administração Pública estrangeira, também seria necessária para atender aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no combate à corrupção,

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ao ratificar a Convenção das Nações Unidas contra Corrupção, a Convenção Interamericana de Combate à Corrupção e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Segundo tais tratados, os países signatários estão obrigados a punir de forma efetiva as pessoas jurídicas que praticam atos de corrupção, como os Estados Unidos da América, em seu Foreign Corrupt Practices Act, e o Reino Unido, em seu Bribery Act. Até então, muito embora as condutas lesivas à Administração Pública nacional e estrangeira fossem expressamente tipificadas no Código Penal, como nos crimes de peculato, corrupção ativa, tráfico de influência e suborno transnacional, por exemplo, tais normas apenas alcançam pessoas naturais, sendo controversa, ainda, a possibilidade de responsabilização penal das pessoas jurídicas para além dos crimes ambientais. Por outro lado, ao prever apenas a responsabilização civil e administrativa das pessoas jurídicas por atos lesivos à Administração, evita-se, primeiramente, reacender a discussão acerca da possibilidade de criminalização dos atos sociais das empresas, e, ademais, permite-se utilizar de

meios mais eficazes para a responsabilização. No entender dos idealizadores da lei, o Direito Penal não dispõe de mecanismos efetivos ou céleres para a punição das pessoas jurídicas infratoras, sendo que a responsabilização administrativa mostra-se mais eficiente na repressão de desvios no âmbito da Administração Pública e a responsabilização civil melhor atinge os interesses reparatórios dos prejuízos causados. Tal opção legislativa revela uma importante mudança na postura do legislador em face do Direito penal: enquanto a tendência do legislador ao final do anos 1990 fosse utilizar-se deste ramo do Direito enquanto verdadeiro “braço armado” da execução fiscal, visando conferir maior eficiência às cobranças da Procuradoria da Fazenda Nacional por meio da sempre presente ameaça penal, os idealizadores da Lei Anticorrupção abandonaram esta visão, reconhecendo a existência de outros mecanismos mais adequados que o sistema

jurídico-penal para atingir seus objetivos. Tendo a responsabilidade civil e administrativa características reparatória e regulatória, respectivamente, a partir da adoção destas sanções em caráter punitivo em substituição às sanções penais é possível falar não apenas na expansão do Direito penal, como também na expansão dos mecanismos de controle punitivos para além do Direito penal. Verifica-se do texto da lei que esta não possui natureza criminalizadora; em seu bojo não há a criação de tipos penais ou a imposição de penas de reclusão ou detenção. A lei prevê, em seu artigo 5.º, rol taxativo de atos que considera lesivos à Administração Pública. Deve-se notar que muitos destes atos já estão previstos alhures como tipos penais, aplicáveis às pessoas naturais responsáveis por sua infração caso venham a ser identificadas. Ao prever, em seu artigo 3.º, que a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou continua na página 8

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administradores pela prática de atos ilícitos, pôde a Lei Anticorrupção contornar antigos problemas referentes à identificação e responsabilização pessoal e individual dos responsáveis, não havendo mais motivos para embasar imputações em juízos de probabilidade e presunções de que os dirigentes tinham a vontade consciente de infringir o ordenamento. Pune-se, portanto, a sociedade infratora pelos atos sociais lesivos à Administração, relegando a responsabilização criminal dos indivíduos a um segundo plano, posterior à devida apuração individual de responsabilidade, que no plano criminal é estritamente subjetiva. Com esta nova perspectiva, lança-se um novo desafio aos advogados militantes na área criminal. Se até recentemente esta classe de profissionais deveria se especializar apenas em uma defesa pautada pelas regras processuais penais, a atuação passou a englobar uma carga multidisciplinar, devendo o advogado equipar seu arsenal também com recursos que o habilitem a atuar efetivamente nestas defesas civis e administrativas, seja autonomamente ou em parcerias com outros escritórios destacados nestas áreas. A atuação, porém, não pode mais ser meramente reativa à repressão estatal, pois a Lei Anticorrupção prevê benefícios às pessoas jurídicas que implantem mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e programas de aplicação efetiva de

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ISSN 2175-1056 Diagramação: Ctrl S Comunicação www.ctrlscomunicacao.com.br

códigos de ética e de conduta em seu âmbito. Esta atuação interna preventiva por parte das empresas vem sendo denominada “compliance”, em alusão às políticas internas de pessoas jurídicas estrangeiras de observância e cumprimento às leis. Além de permitir a prevenção de práticas lesivas, tais programas também possibilitam eventual atenuação das decorrentes sanções civis e administrativas às pessoas jurídicas. Isto, pois a Lei Anticorrupção prevê em seu artigo 7.º que a implantação de programas de compliance serão levados em conta, juntamente com outros fatores, na aplicação de sanções. Desta forma, a contratação de assessoria jurídica especializada na prevenção de delitos e atos lesivos à Administração Pública assume dupla relevância: primeiramente, em uma política de redução de riscos visando ao estrito cumprimento das normas legais em todas as instâncias empresariais, e, ademais, em uma eventual minoração de eventuais sanções para aqueles atos que escapem ao controle das políticas de compliance. Tal inversão no papel dos tradicionais defensores, para que se tornem verdadeiros investigadores de possíveis ilícitos de seus clientes, quiçá constitua a maior dificuldade na adaptação a esta nova fase legislativa. Este é um desafio que deve ser encarado com otimismo, pois permite uma nova frente de trabalho para os escritórios de advocacia criminais.

Coordenação Acadêmica: Estêvão Lourenço Corrêa Advogado inscrito na OAB/PR sob nº. 35.082 OAB Paraná – Rua Brasilino Moura, 253 – 80.540-340 Telefone: 3250-5700 | www.oabpr.org.br

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