Considerações iniciais sobre o niilismo nos romances do jovem Machado de Assis

June 3, 2017 | Autor: Vitor Cei | Categoria: Nihilism, Machado de Assis, Literatura brasileira, Niilismo, Filosofia da Literatura
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Machado de Assis: urbano, cosmopolita e carioca

1ª Edição

Cilene Rohr Diego Flores (Organizadores)

Cabo Frio Mares Editores 2016

Copyright © da editora, 2016.

Capa e Editoração Mares Editores

Dados Internacionais de Catalogação (CIP) Machado de Assis: urbano, cosmopolita e carioca/ Cilene Trindade Rohr; Diego do Nascimento Rodrigues Flores (Organizadores). – Cabo Frio: Mares, 2016. 167 p. ISBN 978-85-5927-001-3 1. Escritores brasileiros. 2. Literatura brasileira. I. Título. CDD. B869.092 CDU 82-3/49

2016 Todos os direitos desta edição reservados à Mares Editores Rua das Pacas, s/n. Qd 51/Lt 2431. Nova Califórnia. CEP 28927-000. Cabo Frio, RJ. E-mail: [email protected]

Sumário Apresentação ..................................................................... 7 Sobre os Autores ..............................................................18 Difícil ofício de escritor no Brasil da época de Machado de Assis............................................................................. 21 Machado, tradutor de Hugo ............................................ 47 Considerações iniciais sobre o niilismo nos romances do jovem Machado de Assis........................................... 67

William Wilson refletido no espelho de Machado ..........81 O bonde elétrico e a crônica machadiana. .................... 97

Uma Excursão Milagrosa por O País das Quimeras: o texto fantástico de Machado de Assis .............................111 Pelas ruas do Rio: Um flâneur pelos caminhos de Esaú e

Jacó. ................................................................................ 133 O mimetismo antagônico em Esaú e Jacó, de Machado de Assis............................................................................151

Considerações iniciais sobre o niilismo nos romances do jovem Machado de Assis Vitor Cei19

Este artigo apresenta a proposta de um projeto de pesquisa iniciado em janeiro de 2016, na Universidade Federal de Rondônia, sob o título O trabalho surdo da destruição: o niilismo na prosa do jovem Machado de Assis. Por isso, defende uma posição teórica ainda em desenvolvimento. Nossa intenção, aqui, é sinalizar um possível caminho para o estudo do niilismo na obra do jovem Machado de Assis, tema que permanecia inédito. O objetivo geral da pesquisa é argumentar que o niilismo é um leitmotiv dos quatro primeiros romances publicados por Machado de Assis, aparecendo como perspectiva a ser galhofada. Embora o niilismo na obra do escritor brasileiro apresente várias afinidades eletivas com o niilismo europeu, ele estrutura-se a partir de questões machadianas específicas que percorrem toda a sua obra. As principais reivindicações desta pesquisa são: em Ressurreição (1872) e A Mão e a Luva (1874) o pessimismo aparece configurado como protoforma do niilismo; em Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878) o niilismo aparece configurado na

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Doutor em Estudos Literários, UFMG. Professor da Universidade Federal de Rondônia e líder do grupo de pesquisa Ética, Estética e Filosofia da Literatura.

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dissolução dos valores senhoriais; o jovem Machado de Assis teve uma aguda consciência do caráter complexo e multifacetado da presença do niilismo em seu tempo. O conceito de niilismo, em uso desde o século XVIII, designa a perspectiva de negação absoluta de todos os valores e princípios estabelecidos

pela

tradição,

sejam

de

ordem

ontológica,

epistemológica, religiosa, social, moral ou política. Indica, ainda, a expressão de esforços artísticos, literários e filosóficos voltados para a experimentação do poder do negativo e para a vivência de suas consequências, trazendo à luz o profundo mal-estar da modernidade (VOLPI, 1999, p. 7). No século XIX, o problema do niilismo passou a ocupar um lugar central tanto na filosofia quanto na literatura, especialmente em obras de autores alemães, com destaque para Friedrich Nietzsche, e russos, notadamente Ivan Turguêniev e Fiódor Dostoievski. Enquanto o romance Pais e Filhos (1862) contribuiu para a popularização da palavra niilismo, obras como Os Demônios (1872), que desenvolvem uma abordagem trágica do tema, influenciaram o pensamento do filósofo alemão, que é considerado o maior teórico do niilismo. Após Nietzsche, segundo Theodor Adorno, a filosofia não pôde mais renunciar ao estudo desse conceito:

O termo “niilismo” associa-se com as palavraschave “vazio” e “ausência de sentido”: Nietzsche adotou a expressão, que foi utilizada pela primeira vez filosoficamente por Jacobi [...] Com uma ironia para a qual nossos ouvidos se tornaram entrementes

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surdos demais, ele a utilizou para denunciar o contrário daquilo que a palavra designava na prática dos conjurados, para denunciar o cristianismo enquanto negação institucionalizada da vontade de vida. A filosofia não pôde mais renunciar a esse termo (ADORNO, 2009, p. 314).

De Friedrich Heinrich Jacobi, que no fim do século XVIII considerou o idealismo alemão necessariamente niilista (o que para ele significa ser incapaz de apreender o ser, de desvelar a existência e revelá-la), à Nietzsche, que considera o cristianismo como uma instituição promotora de niilismo, passando pelos niilistas russos, que praticavam atentados terroristas para subverter a ordem, o conceito de niilismo passou por uma série de ressignificações, mas sempre preservando vínculo com a sua raiz etimológica: nihil, redução ao nada. Nietzsche pensou o advento do niilismo como um fenômeno histórico de destruição, isto é, como um processo singular de dissolução e autodestruição dos valores que definem metas, que respondem ao “porquê”, isto é, que dão uma finalidade e, portanto, um sentido à existência. Quando tais valores deixam de ter valor e, assim, já não dão sentido à vida, temos o niilismo: “Niilismo: falta o fim; falta a resposta ao ‘porquê’. Que significa niilismo? – Que os valores supremos desvalorizam-se” (NIETZSCHE, 1999, p. 350). No Brasil, Machado de Assis foi o primeiro grande autor a tratar o niilismo como um dos temas centrais de sua obra. O nosso livro A voluptuosidade do nada: niilismo e galhofa em Machado de Assis, apresentado originalmente como tese de doutorado em Teoria da Literatura e Literatura Comparada, no Programa de Pós-Graduação em

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Estudos Literários da UFMG, em fevereiro de 2015, argumenta que o niilismo é um dos motivos condutores da prosa machadiana, isto é, um traço fundamental de sua ficção, que se estende por todas as fases de sua obra, e, nessa medida, sua descrição oferece uma contribuição para uma renovada compreensão das dimensões literária e filosófica da obra do escritor brasileiro (CEI, 2016; SANTOS, 2015). A existência de tal tema vinha sendo sugerida por vários críticos, do século XIX ao XXI, sem que, no entanto, tivesse sido devidamente documentada. Depois de chamar atenção para a escassez da literatura secundária a respeito do niilismo na obra de Machado, o objetivo central do trabalho foi o de oferecer tal documentação, mostrando os sentidos que o niilismo assume na prosa machadiana: ora designa a condição humana, ora a feição pessoal dos narradores ou personagens, ora uma característica da sociedade brasileira, sempre como perspectiva a ser galhofada (CEI, 2016; SANTOS, 2015). O corpus literário de A voluptuosidade do nada incluiu os romances da chamada segunda fase da obra de Machado de Assis: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1900), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Concluiu-se que as duas obras narradas em terceira pessoa configuram o niilismo no contexto de modernização do Rio de Janeiro, enquanto nos romances narrados em primeira pessoa os três memorialistas reagem cada um à sua maneira: superação da finitude e negatividade total (Brás Cubas), ressentimento (Bento Santiago) e ideal ascético (Conselheiro Aires).

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As presenças, que compõem um corpus amplo, justificam as omissões. A pesquisa do doutorado não abordou os quatro romances de juventude – Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). O estudo do niilismo nessas obras permanecia inédito, justificando esta nova pesquisa. A divisão da obra machadiana em duas fases, instituída pelo crítico José Veríssimo20, apesar de controversa, costuma ser aceita pela maioria dos pesquisadores, que oferecem um conjunto amplo de “teorias explicativas para a virada da primeira para a segunda fase” (GUIMARÃES, 2004, p. 34). Ademais, teve a simpatia do próprio escritor, conforme expresso em carta de 15 de dezembro de 1898 destinada ao próprio Veríssimo: “O que você chama a minha segunda maneira naturalmente me é mais aceita e cabal que a anterior, mas é doce achar quem se lembre desta, quem a penetre e desculpe, e até chegue a catar nela algumas raízes dos meus arbustos de hoje” (ASSIS, 2008j, p. 1367). Uma análise detida e pormenorizada dos critérios de classificação periódica da obra de Machado de Assis extravasaria o escopo deste artigo. Não obstante, ainda que não possamos falar de períodos estanques marcados por rupturas drásticas, por existir uma continuidade rigorosa, mas difícil de estabelecer, entre as obras publicadas antes e depois de 188021, tal divisão é adotada por boa parte 20 “As Memórias póstumas de Brás Cubas eram o rompimento tácito, mais completo e definitivo de Machado de Assis, com o Romantismo sob o qual nascera, crescera e se fizera escritor” (VERÍSSIMO, 1954, p. 355). 21 “A descontinuidade entre as Memórias póstumas de Brás Cubas e a literatura apagada da primeira fase machadiana é irrecusável, sob pena de desconhecermos o

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dos estudiosos, teve a simpatia do autor e ainda atende à necessidade de delimitação do corpus. Argumentamos que os quatro primeiros romances publicados por Machado de Assis prenunciam o problema do niilismo a partir do pessimismo e da crise dos valores senhoriais, naquele contexto socioeconômico, político e ideológico da sociedade monárquica escravocrata, caracterizado por crises: crise dos mecanismos políticos e culturais de dominação da classe senhorial escravista (pós-1860) e crise da hegemonia política e cultural dos mecanismos de dominação da ideologia senhorial (pós-1871). O romance de estreia conta a história de Dr. Félix, rapaz vadio e desambicioso, “que parecia esquecido de Deus e dos homens” (ASSIS, 2008a, p. 237), o que nos remete à morte de Deus, evento fundamental da modernidade, que ocasiona a derrocada da moral judaico-cristã e da metafísica socrático-platônica, com a decorrente descrença em fundamentos metafísicos e morais absolutos, gerando niilismo – a falta de sentido que se instalou entre nós com a morte de Deus. O desolado protagonista trocava de amantes a cada seis meses, até que seu amigo Viana apresenta-lhe a irmã Lívia, e os dois se apaixonam. Depois de muitas idas e vindas, Félix pede a viúva em casamento, mas desiste na véspera do matrimônio por causa de uma carta anônima com acusações falsas contra a noiva. Graças à

fato qualitativo, afinal de contas a razão de ser da crítica. Mas há também continuidade rigorosa, aliás mais difícil de estabelecer” (SCHWARZ, 2000, p. 208).

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intervenção do amigo Meneses, Félix se arrepende de seu gesto impensado e tenta se reconciliar, mas Lívia se recusa a casar com um homem desconfiado e instável. Ressurreição é a primeira das “obras que meditam sobre as consequências morais da obsessão amorosa, e que engendram dramas caracterizados pelo contraponto, nem sempre nítido para o próprio herói, entre o ciúme, o ressentimento e o remorso” (PASSOS, 2007, p. 26-27). O protagonista Félix, incapaz de confiar na mulher amada, torna-se, assim como Bento Santiago, “instrumento de sua própria ruína” (ASSIS, 2008a, p. 266), rejeitando o amor e se condenando a um isolamento pejado de ilusões. Antecipa, assim, o desenvolvimento mais complexo do mesmo tema em Dom Casmurro – o do ressentimento enquanto configuração fisiopsicológica do niilismo (CEI, 2015; CEI, 2016). O último parágrafo de Ressurreição apresenta a síntese da narrativa e explica o título do romance, que se refere à possibilidade de Félix voltar a amar, o que não ocorre, pois mesmo na ausência de confirmação da infidelidade de sua amada, ele sofre com “dúvidas póstumas” que jamais permitiram conciliar o sentimento e as constantes suspeitas. O narrador conclui oferecendo uma máxima de caráter moralizante: Quando de todo se lhe calou o coração, Félix confessou ingenuamente a si próprio que o desenlace de seus amores, por mais que o mortificasse outrora, foi ainda assim a solução mais razoável. O amor do médico teve dúvidas póstumas. A veracidade da carta que impedira o casamento,

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com o andar dos anos, não só lhe pareceu possível, mas até provável. [...] Dispondo de todos os meios que o podiam fazer venturoso, segundo a sociedade, Félix é essencialmente infeliz. A natureza o pôs nessa classe de homens pusilânimes e visionários, a quem cabe a reflexão do poeta: “perdem o bem pelo receio de o buscar”. Não se contentando com a felicidade exterior que o rodeia, quer haver essa outra das afeições íntimas, duráveis e consoladoras. Não a há de alcançar nunca, porque o seu coração, se ressurgiu por alguns dias, esqueceu na sepultura o sentimento da confiança e a memória das ilusões (ASSIS, 2008a, p. 314).

Em suma, Félix, assim como Dom Casmurro, seria um homem do ressentimento, sujeito refém de seu passado e de suas marcas, desprovido daquela que seria a autêntica ação, a afirmativa, lhe restando somente a reação, que consiste numa espécie de autoenvenenamento que o devora por dentro. Impotente quanto ao que foi feito, ele é um irritado espectador de tudo o que passou – um niilista ressentido (CEI, 2015; CEI, 2016). No segundo romance de Machado, a personagem principal é a ambiciosa Guiomar, moça de origem humilde que depois da morte dos pais foi adotada pela madrinha, uma baronesa viúva. A trama gira em torno da escolha de um dos três candidatos a marido: o estudante de Direito Estêvão, jovem romântico e fraco; o herdeiro Jorge, inexpressivo sobrinho da baronesa, a quem Guiomar deve a sua posição social; o advogado Luís Alves, homem forte e ambicioso que arrebata o coração da moça, pois a sua ascensão social e política seria também a de Guiomar como sua esposa.

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O niilismo em A mão e a luva está prefigurado no caráter pessimista da “voluptuosidade da dor” de Estêvão (ASSIS, 2008b, p. 386), que sofre com o desdém da mulher amada e termina derramando as lágrimas derradeiras por sua face emagrecida e pálida. Porém, logo na abertura da obra, Luís Alves apresenta o niilismo de Estêvão como perspectiva a ser galhofada:

– Mas o que pretendes fazer agora? – Morrer. – Morrer? Que ideia! Deixa-te disso, Estêvão. Não se morre por tão pouco... – Morre-se. Quem não padece estas dores não as pode avaliar. O golpe foi profundo, e o meu coração é pusilânime; por mais aborrecível que pareça a ideia da morte, pior, muito pior do que ela, é a de viver. Ah! tu não sabes o que isso é? – Sei: um namoro gorado... – Luís! – ...E se em cada caso de namoro gorado morresse um homem, tinha já diminuído muito o gênero humano, e Maltus perderia o latim. Anda, sobe. Estêvão meteu a mão nos cabelos com um gesto de angústia; Luís Alves sacudiu a cabeça e sorriu. Achavam-se os dois no corredor da casa de Luís Alves, à Rua da Constituição – que então se chamava dos Ciganos – então, isto é, em 1853, uma bagatela de vinte anos que lá vão, levando talvez consigo as ilusões do leitor, e deixando-lhe em troca (usurários!) uma triste, crua e desconsolada experiência (ASSIS, 2008b, p. 318, grifos nossos).

A passagem acima mostra que o niilismo é compatível com uma atitude mais equilibrada que inclui o senso de humor, envolvendo uma capacidade de criar e adotar novas e inesperadas perspectivas a partir

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do qual as dolorosas, frustrantes e ameaçadoras incongruências da vida podem ser reveladas como potenciais objetos de alegria, trazendo prazer ao invés de dor. Aproximar-se da experiência do niilismo com uma atitude bem-humorada não serve para eliminar ou acabar com o sofrimento do niilista, mas ajuda a dar um sentido ao sofrimento, permitindo que o niilista suporte as inevitáveis frustrações da vida, Esse talvez seja o principal serviço que o humor pode desempenhar em confronto com o niilismo (MARMYSZ, 2003, p. 2-4). O terceiro romance machadiano narra a história da jovem Helena, que, após ser reconhecida, em testamento, como filha legítima do Conselheiro Vale, tornando-se herdeira, sai de um colégio interno e passa a morar na casa da família, junto com a tia Úrsula e o irmão Estácio. Após a reviravolta da fortuna, a pobre órfã considera-se “uma pobre alma lançada num turbilhão” (ASSIS, 2008c, p. 416), como se “todos os ventos do infortúnio se houvessem desencadeado sobre ela” (ASSIS, 2008c, p. 439). A prosa de Helena mostra o ser humano como uma criatura irremediavelmente corrompida e sem saída diante de forças que comandam seu destino. Diante da precariedade de sua própria sorte, e da humanidade em geral, a heroína “dizia que para ela a própria felicidade era um germe de morte e destruição” (ASSIS, 2008c, p. 440), revelando o niilismo, isto é, o total e absoluto espírito destrutivo, em relação ao mundo circundante e ao próprio eu. Segundo Chalhoub, a história de Estácio e Helena, antes que o drama choroso de um amor impossível, é a descrição do período de

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hegemonia inconteste da classe senhorial-escravista, cuja crise profunda o romancista vivenciara entre 1866 e 1871, e cujo desmanchar ele assistia com olhar investigativo no decorrer da década de 1870. Nesse sentido, além do niilismo como condição psicológica, temos o niilismo como problema de época, configurado na dissolução dos valores senhoriais e no consequente desmanchar das políticas tradicionais de dominação, tema presente em

Iaiá Garcia.

(CHALHOUB, 2003, p. 41-44). Em Iaiá Garcia, a narrativa se move ostensivamente para os anos que o próprio Machado percebia como decisivos na crise do paternalismo (1866 a 1871), sendo então traçado um amplo painel das mudanças históricas do período (CHALHOUB, 2003, p. 67). A temporalidade que não é cumulativa nem evolutiva, mas que tudo destrói e devora, também dissolve os valores senhoriais: “O tempo, esse químico invisível, que dissolve, compõe, extrai e transforma todas as substâncias morais” (ASSIS, 2008d, p. 514). Ora, a dissolução de todas as substâncias morais, isto é, o esgotamento dos valores e dos ideais que sustentavam todas as esferas de atividades humanas, é justamente aquilo que caracteriza o niilismo – o “trabalho surdo da destruição” ASSIS, 2008d, p. 596). O jovem Machado, que cunha um horizonte próprio de discussão do problema filosófico do niilismo, percebe-o com penetração e constância; mas em lugar de representá-lo apenas superficialmente, como tema, em cenas e falas de personagens, incorpora-o como elemento funcional da composição literária.

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Enquanto problema artístico, linha de força literária, o conceito filosófico de niilismo é limado, ganhando algumas características e perdendo outras. Caracteriza-se, nesse sentido, pela polissemia, abrangendo manifestações distintas – vários Leitmotiven, ou variações do leitmotiv em questão. Ao concluir a pesquisa, espero demonstrar que o niilismo é um traço fundamental da ficção do jovem Machado, que se estende por todas as fases de sua obra, e, nessa medida, sua descrição oferece uma contribuição para uma renovada compreensão das dimensões literária e filosófica da obra machadiana, revelando o niilismo como uma perspectiva a ser galhofada.

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Referências Bibliográficas: ADORNO, Theodor. Dialética negativa. Trad. Marco Antonio Casanova. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009. ASSIS, Machado de. Ressurreição. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008a. ______. A mão e a luva. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008b. ______. Helena. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008c. ______. Iaiá Garcia. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008d. ______. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008e. ______. Quincas Borba. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008f. ______. Dom Casmurro. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008g. ______. Esaú e Jacó. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008h. ______. Memorial de Aires. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 1. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008i. ______. Correspondência. In: ______. Obra completa, em quatro volumes: volume 3. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2008j. CEI, Vitor. O ressentimento em Dom Casmurro. Machado de Assis em linha. Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, p. 120-133, jun. 2015.

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______. A voluptuosidade do nada: niilismo e galhofa em Machado de Assis. São Paulo: Annablume, 2016. CHALHOUB, Sidney. Machado de Assis, historiador. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. DOSTOIÉVSKI, Fiódor. Os demônios. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2013. JACOBI, Friedrich Heinrich. Jacobi an Fichte. In: ______. Friedrich Heinrich Jacobi Werke: Band 2,1. Gesamtausgabe herausgegeben von Klaus Hammacher und Walter Jaeschke. Hamburg: Felix Meiner Verlag, 2004. MARMYSZ, John. Laughing at nothing: humor as a response to nihilism. Albany: State University of New York Press, 2003. NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Nachgelassene Fragmente 18851887. In: ______. Sämtliche Werke. Kritische Studienausgabe. Herausgegeben von Giorgio Colli und Mazzino Montinari. Berlin. New York: de Gruyter, 1999 (Band 12). PASSOS, José Luiz. Machado de Assis: o romance com pessoas. São Paulo: EDUSP, Nankin, 2007. SANTOS, Vitor Cei. A voluptuosidade do nada: o niilismo na prosa de Machado de Assis. Tese de doutorado em Estudos Literários. Faculdade de Letras, UFMG, Belo Horizonte, 2015. SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2000. VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). Rio de Janeiro: José Olympio, 1954. VOLPI, Franco. O niilismo. Trad. Aldo Vannuchi. São Paulo: Loyola, 1999.

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