CONSIDERAÇÕES INVESTIGATIVAS SOBRE O FAZER ARTÍSTICO COMO UMA PLATAFORMA DE AUTOCONHECIMENTO.

May 29, 2017 | Autor: J. Silva | Categoria: Autopoiesis, Processos Criativos, Ciencias Cognitivas, Arte e vida
Share Embed


Descrição do Produto

CONSIDERAÇÕES INVESTIGATIVAS SOBRE O FAZER ARTÍSTICO COMO UMA PLATAFORMA DE AUTOCONHECIMENTO.1

João Pedro Tavares da Silva (UFPE)i

RESUMO

Como o processo criativo ajuda a pensar no direcionamento pelo qual o estudante de arte dá à sua própria vida? Como se opera o fazer artístico como um viés de autoconhecimento? Como se desenvolvem as afetações sensíveis entre o criador e a obra? Será possível, durante o processo de experimentação e criação, pensar na operação como plataforma de autocompreensão? A que caminhos isso nos leva? É a partir dessas inquietações que o presente artigo aborda considerações iniciais sobre a investigação entre artista e obra dentro da perspectiva do fazer artístico. Diante disso, é pertinente para o trabalho levar em consideração e fortalecer a proximidade que a relação entre vida e processo criativo estabelece. Para que sejam evidenciadas as problemáticas que norteiam esse trabalho, questiono como os processos subjetivos do fazer apontam para um desenvolvimento de si. E, para isso, reflito sobre a importância de uma metodologia “afetada”, ou seja, uma metodologia híbrida e aberta a alterações, assim como também o desenvolvimento de uma postura política individual durante o processo de criação. Fazer a obra é, também, afetar-se. Se a arte está ligada ao ser que a advém, trata-se então de uma plataforma que indica o estado daquele que cria, e é a partir dessa tal plataforma que abre oportunidade para essa pesquisa investigar sobre autopercepção. PALAVRAS-CHAVE: Arte-vida, processos de criação, autoconhecimento.

ABSTRACT

How the creative process helps to think which ways the art student choose for your life? How operates the artistic work as a self-knowledge? How to develop sensitive affectations between the creator and the work? It will be possible during the process of experimentation and creation, to think of the operation as self-platform? What ways those things show us? It is from these concerns that this article discusses first considerations on research between artist and art piece within the "make art" perspective. Therefore, it is relevant to the work to think the 1

Este trabalho trata-se de uma atualização do artigo O Fazer Artístico como Procedimento de Autoconhecimento: uma maneira de ver a obra como parte de si publicado e comunicado no evento IV Diálogos Internacionais em Artes Visuais e I Encontro Regional ANPAP Nordeste 2015, promovido pelo Programa Associado de Pós-graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal da Paraíba (PPGAV UFPE/UFPB), em Novembro de 2015.

P ágina |2

proximity within relationship between life and creative process. For to note the problems that guide this research, questions as how the subjective processes indicates to self-development. And to develop this investigation, reflects on the importance of a methodology "affected", this means, a hybrid methodology and open to change, as well as the development of an individual policy stance during the creation process. If art is connected to the being that conveys, so it is a platform that indicates the state of who creates. And it is from this platform that opens opportunity for this research to investigate self-awareness. Keywords: Art-life, creative processes, self-knowledge.

Introdução Conhecer a si mesmo favorece o processo de criação de obras de arte. Ter consciência de alguns de seus gostos, valores, intenções, virtudes e defeitos são elementos ricos para a construção de uma obra. É através dessa compreensão que a pesquisa se concentra em “fertilizar” uma espécie de “solo” para estudantes de arte – como eu - que refletem sobre o campo das artes visuais utilizando, como foco, a ligação entre vida e arte, sobretudo no processo criativo. Portanto, esta pesquisa convida a refletir, sensivelmente, o metaprocesso antes de manifestar o desenvolvimento dos ofícios. As questões que vivificam essa investigação suscitam a partir da maneira com a qual os processos subjetivos do fazer apontam para uma construção de si. Em busca desses procedimentos operatórios, surgem perguntas: Como o processo criativo ajuda a pensar no direcionamento pelo qual o estudante de arte dá à sua própria vida Como se opera o fazer artístico como um viés de autoconhecimento? Como se desenvolvem as afetações sensíveis entre o criador e a obra? Será possível, durante o processo de experimentação e criação, pensar na operação como plataforma de autocompreensão? A que caminhos isso nos leva? Vale salientar que a trilha por onde envereda essa pesquisa nasce da importância do fortalecimento de laços entre vida e processo criativo em busca de uma organicidade poética do fazer artístico. Durante o processo de elaboração da obra, quando o criador segue um conjunto de regras e normas pré-estabelecidas para se adequar a um determinado território, já sedimentado no campo da arte, o produto, ao ser colocado em circulação, é passível de funcionar como uma mera reprodução de discurso ausente de singularidade e sentido. Ou seja, a pragmaticidade excessiva do fazer funciona da mesma forma da produção industrial por meio da técnica ou do método - adquirido pelo artista – e inclina-se para a

P ágina |3

(re)produção de objetos e discursos. Um ofício ausente de singularidade. Para melhor ilustrar, de maneira conotativa, tal ação é comumente vista como uma receita de bolo: escolhe-se um tema, uma técnica, um suporte e determinada linguagem “disponível nas prateleiras” dos livros de história da arte, em seguida põe-se todos os “ingredientes” numa forma e espera o fogo “agir”, ou melhor, em sentido denotativo, expõe os itens para a venda. Evidentemente, esse é um exemplo de uma receita de um bolo sem personalidade, pois o que importa neste caso é o uso do produto pronto ao invés da criação dele. Entretanto, esta pesquisa defende que o processo de criação deve possuir uma dimensão mais profunda, algo que está ligado ao ser e, para que isso ocorra, é preciso que a metodologia também seja matéria de manipulação. Essa matéria deve ser regulada conforme as necessidades do processo criativo, para que a mesma não tolha determinadas singularidades que envolvem a relação entre o sujeito e o objeto (artista e obra). Caso contrário, o condicionamento das reproduções sobre determinado fazer artístico causam sintomas, delimita a fronteira que distancia a maneira de ver e agir na obra, no valor, conceito, imagem e processo como somente um produto externo isolado do artista, algo a ser vendido e mostrado: apenas um objeto formatado destituído de sua singularidade. Portanto, este artigo propõe uma relação mais próxima entre sujeito e objeto. Dentro dessa perspectiva, justifica dizer que o fazer é orgânico, necessita de várias fases, por quê o artista está sempre em movimento. Suas ideias produzidas recebem outras “vestimentas” ao longo do tempo, ou seja, em outro momento podem ser desdobradas, readaptadas, reformuladas e etc. A obra finalizada indica não só o contexto em que o artista está envolvido, mas sua subjetividade dentro desse recorte. A obra está situada num determinado espaço-tempo: é a materialização presente de sua subjetividade, ou seja, ali o artista está contido no trabalho. Dessa maneira, a “pele da obra”, ou seja, sua dimensão formal, já não é mais parte de seu criador, mas extensão dele (ou, no caso de uma arte-ação, uma experiência que se evoca em determinado lugar). Portanto, esquecer que a obra é um fragmento do próprio artista, como uma “extensão de seu corpo” (MCLUHAN, 1964) dotada de singularidade, anestesia a potência investigativa pela qual buscamos em seu processo. Pensar na obra como sempre uma extensão do artista, viabiliza pensar num fluxo de outros fatores que permitem a análise do que pertence à subjetividade do mesmo.

P ágina |4

Como por exemplo, sua trajetória dentro do discurso, os desdobramentos de suas produções, a escolha da temática, a relação de sua vida com sua poética etc. Para colocar em prática essa investigação, a pesquisa se baseia em alguns autores da área da filosofia, como Deleuze-Guattari, Jacques Rancière, Peter Pál Pelbart e John Berger para pensar esse território da arte e do processo criativo.

A obra e o artista. Por mais que a investigação teórica em artes visuais construa alicerces que fortificam a base conceitual do estudante, e ainda que proporcione um ambiente fértil para criar “ilhas de afinidade” em diversos campos da área das Artes Visuais, não podemos destituir o fato de que o combustível necessário para desenvolver a produção é a vontade. Caso contrário, a sensação de vazio predomina e substitui o lugar onde deveria localizar o propósito, dificultando, muitas vezes, que a ideia vigore na mente e que se torne um produto tangível. É sabido que, para dar concretude a determinada ideia, o fazer necessita de disposição, motivação e um método. Entretanto, para que o método respeite a singularidade do criador e da obra, ele deve ser passível de alteração, mudança e modificação: um método “afetado” que será abordado mais a frente. Entre o artista e o que virá a ser: a obra, existe o fazer. Essa é a relação da criação. Esse fazer é vital e orgânico, está próximo do que sente o ser, e tal sentimento é o que transmite a singularidade da situação, fator necessário para afetação e aquisição dessa razão sensível. Durante o processo artístico, o método se pronuncia através da necessidade, assim como ocorre com o ser: A Necessidade é a condição do existente. É o que torna a realidade real. [...] Até recentemente, todos os relatos que as pessoas faziam de suas vidas, todos os provérbios, fábulas, parábolas, abordavam a mesma coisa: a eterna, temível e eventualmente bela luta da vida com a necessidade, que é o enigma da existência – o que se seguiu à Criação, e que subsequentemente sempre continuou aguçando o espírito humano. Necessidade produz tragédia e comédia. É o que beijamos, ou no que batemos nossa cabeça. Hoje em dia, no espetáculo do sistema, ela não existe mais. Consequentemente, nenhuma experiência se comunica. Tudo o que resta para partilhar é o espetáculo, o jogo que ninguém joga e todo mundo pode assistir. Como jamais anteriormente, as pessoas precisam tentar localizar sua própria

P ágina |5

existência e suas próprias dores, sozinhas, na vasta arena do tempo e do universo. (BERGER, 2004, p. 16).

Para que seja possível criar algo, em analogia com o que diz Berger (2004), essa criação se dá mediante à Necessidade, seja ela qual for. A Necessidade aparece em diversas camadas do processo de criação, como por exemplo: A necessidade da elaboração da obra; a necessidade de utilizar determinado recurso ou linguagem; a necessidade de escolha de algum procedimento e etc. Ao invés de identificar cada necessidade, é importante atentar para o fato que existem inúmeras micropolíticas envolvidas na criação. Isso acontece nas pequenas decisões que fazem o artista optar por uma coisa, e não outra, dentro do próprio processo. “No espetáculo do sistema”, como diz Berger (2004), é importante “jogar o jogo” que, como o autor aponta, ninguém joga, e é exatamente nesse “jogar” que prefiro “enraizar” esta investigação. Esse “jogo” que menciona Berger, e que permite “localizar sua própria existência” é o objetivo a que se propõe essa pesquisa: o autoconhecimento, cujo fim é o “campo fértil”, onde reside a singularidade. Pois, o indivíduo que se conhece - e legitima seus interesses no trabalho - produz uma “voz” que evoca de sua obra, e isso é um exercício político. Efetivamente, em primeiro lugar, a política não é o exercício do poder e da luta pelo poder. É, antes de tudo, a configuração de um espaço específico, a circunscripção de uma esfera particular de experiência, de objetos localizados como comuns e que respondem a uma decisão comum, de sujeitos considerados capazes de designar a esses objetos e de argumentar sobre eles (RANCIÈRE, 2005, p. 18, tradução nossa).1

Durante o processo de criação, cria-se uma delimitação de fronteira, ou seja, uma demarcação de território. Esse lugar é o espaço específico que proporciona a esfera particular de experiência e, a partir desta é que são tomadas as decisões para a elaboração da obra, respeitando as necessidades que envolvem o processo. Todavia, quando não há disponibilidade e abertura para os requisitos políticos que processo solicita, nem tampouco dá importância a autocompreensão e autoobservação durante o fazer artístico, a tendência é desviar para um caminho “já préestabelecido”. A produção pode corroer a diferença - proporcionada pela experiência singular do indivíduo – e enveredar para outro caminho já configurado e bem delimitado. Inclina-se, portanto, para a “receita de bolo” apontada no início deste artigo, quando aquele indivíduo que cria utiliza determinadas “equações artísticas” para

P ágina |6

reproduzir a mesma voz que profere regras poéticas, políticas ou estéticas de um determinado lugar já edificado. Dessa maneira, desconsidera a voz da singularidade no processo, acaba por adotar certos fatores que conduz a um “lugar-comum” já politicamente constituído por normas hierárquicas de um contexto social imposto, ou seja, silencia essa “voz” da singularidade para veicular outras “frequências”. Como por exemplo, discursos enrraizados numa suposta “razão” econômica, determinada “verdade” midiática, terror político de um securitizado ou uma confiança no “saber” representativo. Estes são os principais sintomas das “figuras subjetivas da crise” (NEGRI; HARDT, 2014, p. 21) que estão presentes na reprodução dos discursos contemporâneos. Quando não se dá abertura para a “informação viva”2 que está presente na voz da singularidade, uma outra fala assume, completamente vestida de “informação morta que reforça o funcionamento da disciplina e das relações de subordinação” (NEGRI; HARDT, 2014, p. 30) e destitui o potencial político da obra. O potencial político da obra está ligada a sua diferença radical das formas estéticas mercantis e do mundo administrativo. Mas, este potencial não reside no simples isolamento da obra. A pureza que este isolamento autoriza é a pureza da contradição interna, da dissonância por meio da qual a obra dá testemunho de um mundo não reconciliado. (RANCIÈRE, 2005, p. 34, tradução nossa).3

Essa “dissonância por meio da qual a obra dá testemunho”, é onde se encontra a diferença, ou seja, a singularidade sensível pela qual a experiência individual se apresenta. Segundo o autor, a linguagem é o veículo das políticas entre os homens. Essa política veiculada pela linguagem está presente durante os processos que envolvem a experimentação, pois dá sentido ao trabalho. Quando o indivíduo se relaciona pragmaticamente com sua produção, por meio de técnicas, ações, formatos, procedimentos destituídos de algum sentido individual, corre-se o risco de assinar embaixo políticas de um “corpo produzido” configurado pelo seu meio. Dá notoriedade aos condicionamentos de biopoder4 que, por consequência, expõe nitidamente sintomas da crise da subjetividade contemporânea apontado por Negri e Hardt (2014). Evidenciando, a diluição da singularidade sensível no trabalho, ou seja, nota-se um objeto dotado de intenções alheias à sua própria estrutura. Por outro lado, quando se está dentro da visão homogênea entre sujeito e objeto, o trabalho é considerado parte do indivíduo que a criou. Uma extensão. Portanto, seus processos cognitivos, sensitivos e práticos são parte de diferentes níveis de criação que

P ágina |7

auxiliam no autodesenvolvimento, se aproximando do conceito metadesign e autopoiésis: É neste sentido que Maturana (1998) utilizam o termo. Para o autor, “metadesign” é um processo pelo qual um ser vivo atinge sua autorregeneração, ou ainda sua autocriação (o que Maturana e Varella chamam de auto-poiésis) (MATURANA apud VASSÃO, 2010, p.21).

A auto-poiésis é elemento importante tanto para a criação como para a metodologia utilizada para dar concretude à ideia, pois é necessário ser flexível às necessidades que se tornam presentes durante o processo. A autocompreensão também se desenvolve durante o fazer artístico e, dessa maneira, o processo se assemelha a upgrades de programa de computador. Tal fenômeno proporciona investigações do indivíduo sobre ele mesmo, através da relação observação/auto-observação; análise/ autoanálise e criação/autocriação, ou seja, uma consciência em constante diálogo com o trabalho. Pois, a obra, fruto de processos internos, é percebida como um órgão, o qual foi expelido e exposto em determinado momento da vida. Isso cria uma conexão, a obra torna-se uma ampliação de si como uma pele que se descola do corpo e que “aponta” para o indivíduo que a deixou.

Sobre a metodologia afetada e autoconhecimento. A metodologia afetada é uma forma híbrida de outras metodologias, cujo desenvolvimento é alterado confome as circunstâncias, pois o upgrade desse tipo de metodologia consiste em não ser uma metodologia fechada, “dura” ou precisa, mas que seja ajustável de acordo com as mudanças, sempre buscando um caminho resoluto pelo qual seu objetivo possa fluir. Portanto, podemos considerar que o processo é sempre dinâmico, assim como a própria vida, esta que não se encontra “descolada” da obra, ou melhor, a obra não está apartada da vida do criador. Para que o ideal se torne material realizado, necessita-se de uma construção metodológica que facilite o caminho, logo, deve se pensar em construir uma base. Tal estrutura, que será alicerce para a construção da obra, é passível de transformações, de descobertas e mudanças, pois, para garantir o livre fluxo da criação, o método deve ser flexível para que o propósito possa emergir. De fato, o próprio trabalho exigirá diversas

P ágina |8

maneiras de lidar com seu objeto, propondo problemas a serem resolvidos. Para isso, a metodologia deve estar “aberta” à manipulação e ajustes, em outras palavras, passível de ser alterada conforme a execução da obra. Tudo isso ocorre de maneira de forma cíclica, sempre se auto-regulando. E, para manter um campo fixo dentro de tanta flexibilidade, é necessário a elaboração de uma espinha dorsal, tal como o planejamento de um programa de ação - semelhante a proposta de programa performativo da Eleonora Fabião (2013) -, sempre intercalando com momentos de suspensão e reflexão dos processos. O experimentalismo na produção de arte permite descobrir autonomamente seus processos. Estar sozinho consigo mesmo na execução proporciona aprendizados sobre si e sobre o que se faz através da experiência. De qualquer forma, ter consciência e participação desse processo, é investigar-se em reclusão. Pensar em si mesmo, é também buscar a si através da obra, fazer e perceber-se nela: afetar-se. Não há como separar essas duas coisas ao se entender a obra como uma explicitação do pensamento ou da forma de pensar do artista. Ela evidencia algumas coisas a seu respeito, a respeito de suas preferências, de sua visão de mundo. Portanto, a obra é, com certeza, um dos aspectos formadores da imagem do artista. (ARAÚJO, 2008, p.114-115).

A arte está ligada diretamente ao indivíduo, pois o trabalho se viabiliza através de uma série de ações micropolíticas do ser que a veicula. Se nos permitimos a imaginar, a obra exposta seria como um fato concreto, ou uma espécie de “fotografia”, da subjetividade do indivíduo e do contexto daquele determinado. O universo que envolve seguir a carreira das Artes Visuais é vasto e diverso, necessita de uma metodologia de ação e um posicionamento claro sobre si conforme seus objetivos, ou seja, de que forma se quer atuar. É autônomo e autogestionado. Diante deste fato podemos saber que não há fórmula padrão, e aqueles que se interessam por tal campo devem desenvolver sua própria maneira através da percepção. Pensar no campo da Arte com seu conjunto amorfo de modos de processo, diversas fronteiras de atuação e inúmeros métodos de planejamento e criação é caminhar por um

P ágina |9

percurso que só será definido e explorado por si mesmo: escolher estar sozinho caminhando com sua autonomia, experimentando quais as melhores ferramentas a utilizar. Ao iniciar a carreira nas Artes Visuais, existem fatores são necessários durante o processo do trabalho daquele que cria, um deles é a necessidade do fazer como “formação de si”. Durante o desenvolvimento criativo, ficam em evidência, situações, reflexões, sensações e outros procedimentos que envolvem a gênese; operações essenciais para determinar o desenvolvimento orgânico da metodologia do propositor. Compreende-se que o processo criativo de uma obra parte de acordo com a maneira em que se vive, sente e age o criador, cujo planejamento e a forma de se lidar com o trabalho está anexado à existência dele e é passível de periódicas mudanças em sua concepção. Importante reforçar: o processo é dinâmico. O fazer, pensar e sentir são orgânicos e cooperativos, se autocriam e se autoregeneram. Dessa maneira, o processo deve experimentar a constante autopercepção, levando em consideração a flexibilização do método aproximando-se daquela voz que o ser compartilha com aquilo que cria. Do contrário, “se existe distância muito grande entre o artista e a sua obra, pode-se criar um problema” (ARAÚJO, 2008, p.115) fazer sem ter consciência do que se faz pode cair na inércia da reprodução constante ou apenas “correr atrás do próprio rabo”. Segundo Araújo, “uma proximidade do artista personaliza o objeto de arte, cria um diálogo” (ARAÚJO, 2008), portanto os atos de “perceber” e “observar” são os primeiros passos para abrir a porta para outras complexidades que envolvem a Arte. Trato aqui algo semelhante ao conceito de bioascese3: observar a própria vida como minério para a produção, autoimpondo valores próximos ao cuidado de si, partindo de percepções que se adequam a si mesmo. Produzir a si mesmo e construir a obra, assim como seu contrário. Um exemplo de experiência é produzir e ocupar espaços urbanos para descobrir os próprios limites enquanto artista. Nesse ambiente, a feitura de obras não necessariamente precisa seguir uma série de normas de alguma instituição, nem tampouco cumprir ordens ou uma série de regras impostas. É exigido uma postura provida de interesse, organização e responsabilidade com o próprio trabalho, pois a produção da cultura urbana é, antes de tudo, uma criação para si, pois o que importa é a assinatura e a aquisição de território, logo pode-se compreender que possui forças

P á g i n a | 10

autocráticas. Para que se veicule a obra no espaço urbano, é exigido uma série de programas para a realização do trabalho, desde a escolha de um tema, como o local onde vai ser inserido até as formas de registro. Um exemplo de prática autônoma que permite, por meio desta, adquirir experiências necessárias para aquele estudante que investiga a carreira nas Artes Visuais para criar estruturas sólidas que auxiliem seu próprio processo de produção. O fato de intervir no espaço público por conta própria exige do indivíduo postura para várias situações ligadas ao contexto social urbano. Fatores que envolvem a segurança pública, a desigualdade social, restrições jurídicas e morais que, pelo fato de não estar sendo acompanhado por alguma instituição ou curador que financie o trabalho, faz com que o artista desenvolva sua autonomia. Diante disso, para atingir um grau de realização gratificante, a autonomia exige uma metodologia “afetada”, adequada ao processo, em que o artista necessita de um método que se adeque ao seu modo de ser, de agir e viver no mundo.

Considerações Pensar na ligação entre artista e obra possibilita questionar o direcionamento pelo qual o estudante está seguindo em sua própria vida. O que está em questão neste artigo não é a imagem de ambos, mas a relação entre criador e criatura (mesmo que seja ela um objeto), onde há uma conexão sensível entre ambos, embora independentes um do outro. Perceber essa extensão que conecta um ao outro, são fatores que auxiliam a consciência como um recurso criativo. Mostra um caminho. O processo de criação e a escolha de onde e como atuar não é apenas uma escolha simples, é preciso ter método e conhecimento de si. No caso das Artes Visuais, o indivíduo deve compreender que a produção da obra depende também do envolvimento de seus interesses e valores que estão presentes em seus “órgãos”. Pois, o sentido desse envolvimento na produção não está apenas nas “influências” midiáticas nem nas “tendências” contemporâneas do corpo social, mas também na crença que o indivíduo tem na singularidade de seu próprio trabalho. Ou seja, nesse caso também em si.

P á g i n a | 11

Olhar para si mesmo com a contemplação de um pesquisador-artista permite entender como funcionam seus próprios processos. As descobertas enveredam para uma captação de recursos necessários à existência, fator imprescindível que demonstra por meio da linguagem, o espírito e a intenção de quando se faz Arte. Por conseguinte, levando em consideração que o funcionamento “em anonimato” é um processo natural do inconsciente, sendo difuso, profundo e oceânico, o objetivo de identificar estados de si mesmo é detectar os fatores que emergem na “superfície”, ou seja, quando se obtém consciência do fato. Portanto, o trabalho finalizado é uma “matéria-pronta” do estado subjetivo do artista. É sua extensão. Pois, contém ali uma apresentação da intencionalidade do criador dentro do espaço-tempo. A partir do momento em que é exposta, a obra se desdobra como também o artista se desdobra, entrando em contato com novas experiências, cujo processo é notavelmente retroalimentado tanto pela obra quanto pela sua vida. _______________________ 1 Efectivamente, la política no es en principio el ejercicio del poder y la lucha por el poder. Es ante todo

la configuración de un espacio específico, la circunscripción de una esfera particular de experiencia, de objetos planteados como comunes y que responden a una decisión común, de sujetos considerados capaces de designar a esos objetos y de argumentar sobre ellos. (RANCIÈRE, 2005, p. 18). 2 NEGRI; HARDT, 2014, p. 30.

3 El potencial político de la obra está ligado a su diferencia radical de las formas de la mercancía estetizada y del mundo administrado. Pero este potencial no reside en el simple aislamiento de la obra. La pureza que este aislamento autoriza es la pureza de la contradicción interna, de la disonancia por medio de cual la obra da testimonio del mundo no reconciliado. (RANCIÈRE, 2005, p. 34). 4 Para resumi-lo numa frase simples: o poder já não se exerce desde fora, desde cima, mas sim como que por dentro, ele pilota nossa vitalidade social de cabo a rabo. Já não estamos às voltas com um poder transcendente, ou mesmo com um poder apenas repressivo, trata-se de um poder imanente, trata-se de um poder produtivo. (PELBART, 2009, p. 58). [...] O poder tomou se assalto vida. Isto é, o poder penetrou todas as esferas da existência, e as mobilizou inteiramente, e as pôs para trabalhar. Desde o genes, o corpo, a afetividade, o psiquismo, até a inteligência, a imaginação e a criatividade. Tudo isso foi violado, invadido, colonizado; quando não diretamente expropriado pelos poderes. (PELBART, 2007) 5 A bioascese é um cuidado de si visando o corpo, é adequar o corpo, seja para para um vida saudável ou aos moldes da cultura do espetáculo, conforme um modelo de celebridade. Essa decisão é autoimposta, uma tentativa de ser autonomamente explorado. (ORTEGA apud PELBART, 2009, p. 60).

Referências

P á g i n a | 12

ARAÚJO, Paula Langie. A imagem do artista e os diferentes públicos. Um estudo de caso na 6ª Bienal do Mercosul. 2008. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul , Instituto de Artes, Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais Porto Alegre, 2008. BERGER, John. Passos em direção a uma pequena teoria do visível. In: Bolsões de Resistência. São Paulo: Editorial Gustavo Gili, Barcelona, 2004. BRANCO, Guilherme Castelo. Estética da existência, resistência ao poder. Revista Exagium, vol. 1. 2008. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs – Capitalismo e Esquizofrenia. Trad. Aurélio Guerra Neto et al. Editora 34, vol. 3. Rio de Janeiro, 1996. FABIÃO, Eleonora. Programa Performativo: o corpo-em-experiência. Em: Revista do Lume. N.4 (dezembro de 2013) HEINICH, Nathalie. As Reconfigurações do Estatuto do Artista na Época Moderna e Contemporânea. Em: Porto Arte: revista de artes visuais. Vol. 13, n. 22 (maio de 2005); p. 137-147. MCLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. Cultrix. São Paulo, 1964. NEGRI, Antonio; HARDT, Michael. Declaração – Isto não é um manifesto. N-1 edições, trad. Carlo Szlak. São Paulo, 2014. PELBART, Peter Pál. Biopolítica. In: Sala Preta, Brasil, v. 7, p. 57-66, nov. 2007. ISSN 2238-3867. Disponível em: . Acesso em: 21 Mai. 2015. doi:http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-3867.v7i0p57-66. ____. Vida nua, vida besta, uma vida. Trópico, p.1-5, 2007. Disponível em: . RANCIÈRE, Jacques. Sobre políticas estéticas. Barcelona, 2005. VASSÃO, Caio Adorno. Metadesign: ferramentas, estratégias e ética para a complexidade. Blucher. São Paulo, 2010.

i

Graduado no curso de Licenciatura em Artes Visuais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e mestrando no Programa Associado de Pós-Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Pernambuco e Universidade Federal da Paraíba. É artista experimental, atualmente pesquisa sobre o conceito de autopoiesis nas micropolíticas do processo criativo. Email: [email protected].

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.