Considerações sobre a posição do analista nas instituições

June 14, 2017 | Autor: Marcelo Araldi | Categoria: Psychoanalysis, Freud and Lacan, Psicoanálisis, Psicanálise, Psicoanálisis Lacaniano
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Considerações sobre a posição do analista nas instituições
Marcelo Araldi

Nos tempos que correm, a aplicação da psicanálise em instituições já é uma realidade. Assim, perguntamo-nos: há diferença na posição ocupada pelo analista naquelas em relação a que ocupa nas clínicas tradicionais? De saída, esta questão supõe alguma diferença, nomeadamente, em algo que se positiva e/ou se negativa num contexto de trabalho, mas não no outro. Esse algo inclui aspectos próprios da população a quem se busca ofertar a escuta analítica, aspectos institucionais, aspectos relacionados ao cenário padrão da práxis analítica, e possivelmente outros imprevistos. Isso poderia inviabilizar o ato analítico?
Essa questão de algum modo esteve capturada pela atenção da comunidade analítica há anos atrás por ocasião da distinção entre psicanálise pura, psicanálise aplicada versus psicoterapia. Nesse contexto, Miller indicava a existência de "confusões" entre psicanálise aplicada e psicoterapia, cujos contornos poderiam nos ser antecipados pela advertência de Maria Inês Lamy, segundo a qual "o trabalho em instituição, com suas rotinas e pedidos de resoluções rápidas e aplacamento do mal-estar, constitui-se num apelo fácil para uma atitude psicoterápica". Ora, uma das distinções introduzidas por Miller entre essas duas atividades na referida discussão passa precisamente pela posição do analista, na medida em que este deve ocupar uma posição de Outro do inconsciente na transferência. Tomando o grafo do desejo por referência, Miller destaca "o papel crucial daquilo que em A abre a via ao andar superior, e onde nós podemos considerar que o operador é o desejo do analista".
De que se trata ocupar a posição de Outro do inconsciente? A situação de transferência naturalmente é identificada por Lacan com um momento de fechamento ao inconsciente – ao inconsciente, pois este "é o discurso do Outro". Isso significa que o inconsciente não está "dentro da cabeça"; é externo. De qualquer modo, a situação de transferência, pelas formações do inconsciente, atuação, endereçamentos, dá acesso ao analista à causa inconsciente – ainda que "de maneira enigmática", conforme a expressão utilizada por Lacan. Como tal causa é da ordem do não-ser e do não-realizado, trata-se de promover sua realização pela interpretação. E, se esta última "não faz mais do que recobrir o fato de que inconsciente (...) já procedeu por interpretação", todavia não é, tal qual o discurso do mestre, que "é conforme ao inconsciente". Pelo contrário, aqui entra – ou deveria entrar – a interpretação como discurso analítico, que visa fazer furo na queixa, na demanda, de modo que a realização daquilo que é inconsciente, por meio de uma abertura, seja elaborado.
Para que isto seja possível, é preciso que o analista deixe um lugar vazio, para que aquilo que é endereçado a este possa retornar ao sujeito da demanda, fazendo emergir o sujeito suposto saber, signo de entrada em análise para a psicanálise de orientação lacaniana. Acerca desse lugar vazio, Freud já asseverava num de seus artigos sobre técnica que "o médico deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o que lhe é mostrado". Se o/a analista "mostrar" algo, para Lacan isso significa que tenderá a ser capturado pela relação imaginária e estará à mercê de suas resistências rivalizarem com as resistências do analisando, e, portanto, estará situado em a' – daí também a necessidade de análise do analista, para que este seja "morto o bastante".
Estar morto é não estar presente enquanto eu (moi), mas enquanto Outro. É somente desta posição que a palavra pode efetivamente incidir sobre o sintoma, uma vez que promove uma abertura ao inconsciente do sujeito para a questão do desejo e do gozo, colocando em jogo uma série de efeitos que compreendo muito parcamente ainda, mas que implicam em respostas correlatas adequadas por parte do analista. Nesse sentido, deve cultivar um terreno fértil para "a progressiva migração da imagem do sujeito em direção ao S, à coisa a revelar, a coisa que não tem nome". De outra maneira, o analista torna-se apenas mais um objeto que serve ao circuito de gozo do analisante, circunstância tal que "nos garantimos de poder continuar a desconhecer precisamente aquilo que nos falta". Essa armadilha de participar do gozo do sujeito dividido e se identificar com o sujeito suposto saber é inerente a toda relação analítica, mas a própria instituição ocupa um lugar de Outro que responde a demanda de gozo, como nos demonstra Paola Salinas.
As instituições são atravessadas por discursos regidos pela mestria. Como exemplos, é possível citar os imperativos da reinserção social e da promoção de saúde. Tais discursos balizam o trabalho profissional no aqui e agora por uma situação projetada no futuro para os pacientes. Apesar de neles existir a consideração acerca da subjetividade, seu idealismo pode perpassar, ainda que veladamente, uma lógica do enquadramento, da adaptação para todas as pessoas acolhidas pela instituição. Como é possível lidar com estes discursos e simultaneamente com a especificidade estrutural e a posição subjetiva dos pacientes? Que dizer do tempo do inconsciente em relação ao tempo das próprias instituições? Nesse cenário, pode-se sustentar que o analista se posiciona na contramão desses discursos para buscar promover o discurso analítico. É provável que, para não ceder de seu desejo, o analista deva estar preparado para evidenciar conflitos nas práticas da direção e da equipe com quem trabalha. Por isso, compreendo que deva ter um domínio suficiente das diretrizes do funcionamento da instituição bem como da técnica analítica, com vistas a fundamentar rigorosamente seus pontos de vista.
Essas considerações parecem nos remeter a um caráter geral e ideal acerca da posição do analista. Parecem ser válidas para qualquer contexto de exercício da práxis analítica. Entretanto, a especificidade desta posição será dada pela transferência de cada caso. Nesse sentido, é preciso destacar aqui a especificidade no manejo da transferência em relação às psicoses, visto que a lida com essa estrutura é mais frequente nas instituições. Isso nos levou à outra questão: por que se afirma que a posição do analista em termos gerais é no lugar do Outro, enquanto na psicose ocupar esse lugar poderá dar ocasião para o advento do sujeito suposto saber no real do sujeito? Isso não poderia indicar alguma inconsistência dessa posição formal?
Ao que tudo indica, o trabalho analítico é tão viável nas instituições quanto nas clínicas tradicionais. O trabalho em sua essência é o mesmo, apesar de apresentar nas primeiras limitações relativas ao quão longe, em princípio, se pode levar o tratamento. Deste modo, o que varia nessa empreitada parece estar relacionado principalmente às condições de sua realização. Em relação a estas, alguma criatividade e inventividade são exigidas do analista para responder problemas de ordem estritamente prática, embora algum antagonismo sempre permaneça onde o analista se fizer presente, visto que se apresenta como representante da falta.


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