Considerações sobre o imperialismo romano, prefácio ao livro de Carlos Eduardo da Costa Campos

Share Embed


Descrição do Produto

Funari, Pedro Paulo . Prefácio , considerações sobre o imperialismo romano. In: Carlos Eduardo da Costa Campos. (Org.). Imperialismo romano em Sagunto, século II a.C. - I d.C.. 1ed.Rio Janeiro: UERJ/NEA, 2013, v. 1, p. 7-10.

Considerações sobre o imperialismo romano

O poder imperial romano fascina há muito. Já no século II a.C., o historiador de língua grega Políbio chamava a atenção para a conquista romana do Mediterrâneo e a procurava explicar. Os próprios romanos voltaram-se para o tema do poder (imperium, em latim) inúmeras vezes. Ora o fizeram para louvá-lo e glorifica-lo, como propôs Virgílio (Eneida, 1, 16-26)

Hic iam ter centum totos regnabitur annos gente sub Hectorea, donec regina sacerdos Marte grauis geminam partu dabit Ilia prolem. Inde lupae fuluo nutricis tegmine laetus Romulus excipiet gentem et mauortia condet moenia Romanosque suo de nomine dicet. His ego nec metas rerum nec tempora pono: imperium sine fine dedi. Quin aspera Iuno, quae mare nunc terrasque metu caelumque fatigat, consilia in melius referet, mecumque fouebit Romanos, rerum dominos gentemque togatam.

Aí, de Heitor a raça reinará trezentos longos anos, até que Ília, a sacerdotisa real, dê, por Marte engravidada, à luz dois gêmeos. Depois, vestindo a pele da ama loba, Rômulo, satisfeito, acolherá a todos, construirá as marciais muralhas e, a partir do próprio nome,

chamará de romanos sua gente. A estes, nem no espaço nem no tempo fixo limites: dei-lhes um império sem fim. E mesmo a rude Juno que ora, por receio, mar, terra e céu castiga, mudará seu juízo e, assim como eu, irá favorecer sempre os romanos, donos do mundo, povo togado. (Tradução de Márcio Thamos)1

Ora esse mesmo império foi caracterizado como uma verdadeira escravidão. Nessa linha, Tácito colocava na boca do líder bretão Cálgato (Agrícola, 1, 30) a seguinte caracterização do império romano:

Raptores orbis, postquam cuncta vastantibus defuere terrae, mare scrutantur: si locuples hostis est, avari, si pauper, ambitiosi, quos non Oriens, non Occidens satiaverit: soli omnium opes atque inopiam pari adfectu concupiscunt. Auferre trucidare rapere falsis nominibus imperium, atque ubi solitudinem faciunt, pacem appellant. Os romanos são predadores do mundo todo. Quando falta terra para devastarem, voltam-se ao próprio mar. São ávidos se o inimigo é rico, arrogantes se é pobre. Nem o Oriente, nem o Ocidente pôde saciá-los. Os romanos, únicos dentre os humanos, cobiçam tanto a riqueza como a miséria. Dão o falso nome de império ao roubo, assassinato e rapina e chamam de paz o deserto que produzem.

Outros tantos autores antigos de idioma grego, como o pró-romano Élio Aristídes, trataram do poder romano, sem contar os críticos, como a literatura cristã primitiva e a rabínica. Os séculos posteriores viriam a interpretar o domínio romano de diversas maneiras, muitas vezes de forma positiva, como imagem de poderes imperiais a ocidente e a oriente, mas também como símbolo dos riscos do poder discricionário. O surgimento da moderna disciplina histórica, no século XIX, viria a tratar o tema de forma recorrente e entusiasmada, ainda que o termo imperialismo tenha sido tardio e emprestado da experiência capitalista contemporânea. No século XX, haveria uma passagem para uma visão cada vez mais crítica e nuançada do poder romano, em especial graças ao influxo dos movimentos sociais que lutaram contra o colonialismo, o imperialismo e a guerra. Houve, portanto, mudanças epistemológicas derivadas, em última instância, das transformações sociais. Também ocorreram transformações no 1

Cf. Márcio THAMOS, A EXPRESSÃO CONCRETA DO MITO DE ROMA (em um trecho da Eneida de Virgílio), Olho d’água, São José do Rio Preto, 1 (1): 127-134, 2009.

âmbito historiográfico derivadas do uso, cada vez mais intenso, das evidências materiais, que permitiram observar os limites da ação imperial e a resistência ao império. Tudo isto e muito mais está envolvido na análise de Carlos Eduardo da Costa Campos da estrutura de atitudes e referências do imperialismo romano em Sagunto (séculos II a.C. – I d.C.). O domínio romano na Península Ibérica foi precoce e profundo e Sagunto esteve na origem da Segunda Guerra Púnica 2, com sua posição estratégica entre as esferas de influência púnica ao sul e romana ao norte3.

Pedro Paulo A. Funari Professor titular do Departamento de História da Unicamp

2

Cf. GARRAFFONI, R. S. . Guerras Púnicas. In: Demétrio Magnoli. (Org.). História das Guerras. São Paulo: Editora Contexto, 2006, v. , p. 47-75. 3 Cf. J. Carcopino, Les étapes de l’impérialisme romain. Paris, Hachette, 1961.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.