Considerações Sócio-históricas da Participação de Crianças e Adolescentes na Política Orçamentária de Fortaleza [ MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA]

May 27, 2017 | Autor: L. Barros Soares | Categoria: Participation, Children's Rights, Democracy and Citizenship Education
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FACULDADE CHRISTUS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOPEDAGOGIA

LEONARDO BARROS SOARES

CONSIDERAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DA PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA POLÍTICA ORÇAMENTÁRIA DE FORTALEZA

Fortaleza Março / 2011

CONSIDERAÇÕES SÓCIO-HISTÓRICAS DA PARTICIPAÇÃO DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES NA POLÍTICA ORÇAMENTÁRIA DE FORTALEZA

LEONARDO BARROS SOARES

Profª Orientadora: MsC. Marbênia Gonçalves Almeida bastos

Monografia apresentada ao curso de Pósgraduação em Psicopedagogia, da Faculdade Christus, para obtenção do título de especialista.

Fortaleza /2011

Esta monografia foi submetida à coordenação do curso de Pós-graduação em Psicopedagogia como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de especialista, outorgado pela Faculdade Christus e que se encontra à disposição dos interessados na Biblioteca da referida Faculdade. A citação de qualquer trecho desta monografia é permitida desde que seja feita em conformidade com as normas da ética científica.

____________________________________ Nome do Aluno

_______ Média

____________________________________ Profª Orientadora

_______ Média

____________________________________ Membro da Banca Examinadora

_______ Média

____________________________________ Membro da Banca Examinadora

_______ Média

Monografia apresentada em: __________/_________/________

Este trabalho é dedicado a todos aqueles e aquelas que, contra todas as expectativas, constroem hoje e no futuro, de forma silenciosa e anônima, um mundo em que todos, inclusive nossas crianças e adolescentes, podem tomar parte das decisões da comunidade em que vivem.

AGRADECIMENTOS

Gostaria, primeiramente, de agradecer a você Harrieth, pelo brilho que emanava dos teus olhos quando eu dissertava sobre o tema deste trabalho, por entender minha ausência e reclusão para me dedicar a escrevê-lo e simplesmente por existir. Você é uma companheira maravilhosa! Em segundo lugar, que agradecer aos meus colegas de trabalho, em especial às pessoas incríveis que compuseram e ainda compõem a Coordenação de Formação Cidadã da Comissão de Participação Popular do Gabinete da Prefeita, ou simplesmente a “galera da Formação”, nestes últimos anos. Jon Anderson, Teresa, Alana, César, Aline, Fernandinha, Rafael, Lili e Carlos Eduardo, cada um de vocês contribui não somente para o meu crescimento profissional, mas sobretudo para o enriquecimento de minha existência. Sinto-me um felizardo por saber que um dia eu vou poder dizer para os meus netos, talvez: “Quando eu era um garoto e estava começando eu trabalhei com uma galera massa, nós éramos realmente como uma família!”. A vocês, um grande abraço, um grande obrigado e uma prestimosa reverência! Estendo o agradecimento a toda equipe do Orçamento Participativo de Fortaleza, que trabalha com dedicação, paixão e entusiasmo para promover a participação popular nos rumos decisórios de nossa querida cidade. Tenho a certeza de que estamos todos lutando por um mundo mais justo, solidário e democrático, em que também as crianças e adolescentes possam ter seus desejos e aspirações respeitados. Agradeço também às minhas colegas de especialização – Daysi Catunda, Márcia Rebeca Jansen, Liziany Medeiros, Aylana Rocha, Eveline Câmara, turma por quem nutro um afeto imenso! Um agradecimento para Marbênia e para a professora Lurdinha, pelos momentos agradáveis de orientação e pela confiança em meu trabalho. E, para não esquecer, jamais, um agradecimento especial a vocês, Giovanni e Eliane. Por tudo, é claro.

RESUMO

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.060/1990) estabelece o direito de crianças e adolescentes de participação na vida política da comunidade em que vivem. A política de Orçamento Participativo (OP) de Fortaleza visa concretizar este preceito legal ao realizar atividades específicas para esta população. O direito, a legitimidade e as implicações desta participação, entretanto, não são consensuais nem entre os membros da equipe executora da política, nem entre seus gestores e a população adulta participante. Indagações acerca da capacidade cognitiva e moral deste segmento populacional de compreensão do complexo jogo das correlações de forças existentes no processo do OP e de participação efetiva e responsável nas decisões e discussões empreendidas em suas atividades fazem parte do cotidiano da política. Utilizando o arcabouço teórico-metodológico da psicologia históricocultural de L.S.Vigotsky e recorrendo à nossa experiência na elaboração e execução de atividades para crianças e adolescentes que participam do OP discorremos, em três ensaios de cunho teórico, sobre possíveis implicações psicopedagógicas de crianças e adolescentes na política orçamentária municipal, enfocando aspectos relativos ao processo de formação conceitual, à participação como fator de humanização e ao OP como campo de mediação intergeracional e de ampliação de Zonas de Desenvolvimento Proximal.

Palavras-chave: Participação. Crianças e Adolescentes. Psicopedagogia

ABSTRACT

The Statute of Children and Adolescents (Law 8.060/1990) establishes the right of children and adolescents to participate in the political life of the community in which they live. The Participatory Budget (PB) of Fortaleza is aimed at implementing this legal provision to carry out activities specific to this population. The right, the legitimacy and implications of this participation, however, there is no consensus even among members of the team executing the policy, nor between their managers and adult participants. Inquiries about the cognitive and moral understanding of this population segment of the complex interplay of power correlations in the PB process and effective and responsible participation in decisions and discussions undertaken in its activities are part of daily politics. Using the theoretical and methodological framework of cultural-historical psychology from LS Vigotsky and using our experience in developing and implementing activities for children and adolescents who participate in the PB we took ,in three theoretical essays, on possible psychological implications for children and adolescents of the participation in the municipal PB policy, focusing on the process of concept formation, participation as a factor of humanization and the PB as a field of mediation and intergenerational expansion of Zones of Proximal Development. Keywords: Participation. Childrens and Adolescents. Psychopedagogy

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO: A CONCHA ............................................................................ p.1

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PRÓLOGO: ALGO SOBRE A POLÍTICA DE OP DE FORTALEZA ......... p.5

3 ENSAIO Nº 1: O OP DE FORTALEZA E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS POLÍTICOS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES ............................................... p.12

4 ENSAIO Nº 2: PARTICIPAR DA POLÍTICA PÚBLICA DE OP É HUMANIZAR-SE ......................................................................................................... p.22

5 ENSAIO Nº 3: OP DE FORTALEZA: CAMPO DE MEDIAÇÃO INTERGERACIONAL E DE CRIAÇÃO DE ZONAS DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL ................................................................................................................... p.28

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EPÍLOGO: DEMOCRACIA SE APRENDE? ................................................... p.34

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CONCLUSÃO........................................................................................................ p.36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... p.38

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1 INTRODUÇÃO: A CONCHA

[...] o rumo produtivo, se quisermos recuperar o papel da palavra iniciadora na democracia, consiste em trilhar outras sendas. Um novo caminho capaz de empolgar a todos na permanente construção dos ideais democráticos, em especial as novas gerações, deve reinventar de alto a baixo o quadro institucional em que aprendemos a subjetivar-nos. [...] Penso que devemos levar a sério questões como vínculos de amizade, hospitalidade, cortesia, honra, lealdade e fidelidade, assim como a questão do reencantamento ou paixão pelo mundo.

Jurandir Freire Costa

A Inglaterra, durante a segunda guerra mundial, foi atingida por uma bomba nuclear. Tentando manter a salvo das letais emissões radioativas uma quantidade “razoável” de jovens “de boa família” do país, a Coroa Britânica evacua um grupo de crianças em um avião que finda por sofrer uma pane em pleno vôo e é obrigado a aterrissar numa ilha localizada em algum lugar no mar do Pacífico. Os adultos que as acompanham não sobrevivem. Elas estão sozinhas num ambiente inóspito e misterioso. Logo o grupo percebe a necessidade de organizar-se para a obtenção de alimentos, água, construírem abrigos e explorar a ilha. “Não há adultos. Vamos ter de cuidar de nós”, afirma Ralph, que já começa a se destacar frente aos demais por sua oratória e liderança. Ele começa a idealizar um sistema “político” para a tomada de decisões em grupo: em uma “assembléia de membros”, cada um dos participantes terá direito a falar e a expressar sua opinião sobre determinado assunto ou tema, desde que lhe tenha sido entregue o que doravante seria o “símbolo” da permissão para o discurso: uma concha. Ao portador da concha será facultado exercer o ato máximo da democracia desde os idos tempos da ágora grega: a oratória em praça pública, o falar direta e livremente aos concidadãos de sua comunidade. “Vamos ter regras!”, gritou excitado o jovem artífice da incipiente democracia nascente na ilha. O irascível Jack, entretanto, não aceita submeter-se às ordens de um “conselho”, e acredita que as soluções baseadas no poder da autoridade violenta e das decisões arbitrárias são mais factíveis, menos burocráticas e covardes. Desdenha dos garotos que tentam simular a ordem da refinada sociedade de que vieram e foge para a mata com alguns membros do grupo, formando um bando cada vez mais sanguinário e cruel. Daí por diante, não há convivência possível entre os dois grupos: da refrega entre os dois “sistemas políticos” que se organizam na ilha, apenas um triunfará.

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Este é, em resumo, o enredo do lancinante livro “O senhor da Moscas”, do escritor britânico Nobel de literatura em 1973, William Golding. Esta obra lança muitas questões importantes, sobre as quais não os debruçaremos por entendermos que assim procedendo fugiríamos em demasia aos nossos objetivos, mas que consideramos passíveis de serem anunciadas aqui a guisa de reflexão: o “sistema” que sobreviverá a batalha de seus “partidários” será necessariamente o “melhor” ou será somente aquele que reunirá mais forças para conseguir manter-se em funcionamento? Sendo estes grupos formados apenas por crianças, não deveriam relevar a sua “boa natureza” essencial e formarem um “sistema político” único, baseado na harmonia e na fraternidade intrínsecas ao “bom selvagem” rousseauniano? Para nós, para além destas indagações, este livro serve aos propósitos deste trabalho por nos colocar diante de desafios com que temos nos deparado em nosso contexto de atuação profissional enquanto membros da Coordenação de Formação Cidadã da Comissão de Participação Popular da Prefeitura Municipal de Fortaleza, responsável, dentre outras atribuições, por elaborar e executar um plano de formação política e pedagógica para as crianças e adolescentes que participam da política de Orçamento Participativo (OP) desta cidade. Ao facilitarmos a participação deste segmento populacional específico nos rumos decisórios da política orçamentária não somente de seu bairro ou comunidade, mas também do município em toda sua abrangência territorial, algumas perguntas se nos impõem: estes sujeitos em fase peculiar de desenvolvimento biológico, psíquico e social, são capazes de participar ativamente dos debates políticos pertinentes ao assunto do orçamento municipal? Eles são capazes de formular conceitos sobre palavras aparentemente tão abstratas tais como “democracia”, “participação”, “política”, “diálogo” ou “controle social”? Assim como os jovens da ilha construíram para si mesmos os rudimentos de dois “sistemas” de organização política, as crianças e adolescentes que participam do OP também são capazes de elaborarem algo similar? O Orçamento Participativo de Fortaleza é uma experiência de política pública municipal de promoção da participação popular nos rumos decisórios do planejamento orçamentário da cidade. Nestes últimos cinco anos, por meio de assembléias, fóruns e do Conselho do Orçamento Participativo (COP), a Prefeitura Municipal de Fortaleza vem incentivando a participação de toda a população da cidade no processo político de sua gestão pública e tem lançado um olhar diferenciado para as populações historicamente discriminadas

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tais como as mulheres, a população negra, o público de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Travestis (LGBT‟s), a juventude, os idosos, as pessoas com deficiência e, também, as crianças e adolescentes. A experiência do OP de Fortaleza foi reconhecida internacionalmente por seu trabalho com estas populações, recebendo o prêmio “Boa Prática em Participação Cidadã”, conferido pelo Observatório Internacional de Democracia Participativa (OIDP), além de, em 2009, o conjunto de suas metodologias e experiências com o Orçamento Participativo Criança e Adolescente (OPCA) ter sido certificado com o título de “tecnologia social” pela Fundação Banco do Brasil, o que indica sua qualidade e efetividade na promoção da participação de crianças e adolescentes na política em questão. O direito, a legitimidade e as implicações desta participação, entretanto, não são consensuais nem entre os membros da equipe executora da política, nem entre seus gestores e muito menos entre a população participante. Indagações acerca da capacidade cognitiva e moral de crianças e adolescentes de compreensão do complexo jogo das correlações de forças existentes no processo do OP e de participação efetiva e responsável nas decisões e discussões empreendidas em suas atividades fazem parte do cotidiano da política e se anunciam como desafios que solicitam uma maior atenção e aprofundamento por parte de todos aqueles implicados em sua gestão, execução e participação. Estes questionamentos a que aludimos desembocam, usualmente, em respostas evasivas ou conclusões taxativas, no mais das vezes amparadas em visões do senso comum, claramente preconceituosas e estereotipadas, que pouco contribuem para a compreensão real das implicações éticas, cognitivas e psicológicas da participação de crianças e adolescentes nas atividades do OP de Fortaleza. Tendo em vista tal estado de coisas, será no intuito de fornecer subsídios para a construção de uma argumentação que encontre um sólido respaldo teórico para sua sustentação que colocaremos a questão de forma clara, e buscaremos, nas fontes necessárias, possíveis pistas para sua elucidação: a participação de crianças e adolescentes, a partir de seis anos de idade, 1 na política de Orçamento Participativo, é justificável do ponto de vista cognitivo, psicológico e psicopedagógico?Quais são as implicações, no âmbito “psi”, desta participação? 1

A política de Orçamento Participativo de Fortaleza permite a participação de crianças e adolescentes em suas atividades entre os seis e os dezessete anos de idade incompletos. Como veremos a seguir, estes participantes realizam atividades similares aos dos participantes adultos em todas as fases do ciclo do OP, com a exceção do poder de voto no Conselho do Orçamento Participativo (COP) que, conforme alteração regimental realizada em 2010, só o faculta às crianças com idade superior a doze anos.

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Neste texto pretendo expor de forma resumida alguns pontos que compõem uma argumentação baseada na obra do psicólogo bielo-russo L.S.Vigotsky, no intuito de contribuir para este debate. Este trabalho, é preciso ressaltar, se apresenta como uma ainda incipiente e superficial incursão na obra vigotskyana, que carece de estudos experimentais – tão caros à escola de psicologia soviética- e baseia-se, sobretudo, em nossas experiências e observações como membro da equipe responsável pela realização de atividades formativas com a população participante da política pública de OP. Também é oportuno ressaltar que o presente trabalho de conclusão do curso de pós-graduação em Psicopedagogia Clínica, Hospitalar e Institucional terá o caráter de ensaio eminentemente teórico, situado no campo dos estudos do desenvolvimento infantil, que fornecerá algumas linhas gerais para uma possível investigação empírica a ser realizada no futuro com os sujeitos do processo.

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2 PRÓLOGO: ALGO SOBRE A POLÍTICA DE OP DE FORTALEZA

Não é possível, por outro lado, educar para a democracia ou experimentá-la sem o exercício crítico de reconhecer o sentido real das ações, das propostas, dos projetos sem a indagação em torno da possibilidade comprovável de realização das promessas feitas sem se perguntar sobre a real importância que tem a obra anunciada ou prometida para a população como uma totalidade bem como para cortes sociais da população. Paulo Freire, “Denúncia, anúncio, profecia, utopia e sonho”, em Pedagogia da indignação

No contexto político brasileiro pós-Constituição de 1988 tem-se atribuído às instâncias de participação popular no Estado – notadamente os conselhos, as conferências de políticas públicas e as diversas experiências de Orçamento Participativo (OP) - o potencial de superação dos padrões tradicionais da relação entre este e a sociedade civil. Adicionalmente, o horizonte vislumbrado pela atuação efetiva destes canais evidencia de forma patente as possibilidades de realização de justiça social através da inclusão direta dos cidadãos e cidadãs na democratização dos processos decisórios das cidades ao possibilitarem mecanismos efetivos de reconstrução, sob premissas democráticas, da cultura política de uma sociedade estruturalmente autoritária e iníqua. (AVRITZER ; NAVARRO, 2003; AVRITZER , 2007). Em termos conceituais (id), o OP é uma experiência de política pública de promoção da participação popular na deliberação nos rumos decisórios do planejamento orçamentário de uma cidade ou estado, mais especificamente da Lei Orçamentária Anual (LOA) 2 . Em Fortaleza esta política é executada desde 2005, contabilizando um montante de mais de 250 milhões de reais investidos em obras e serviços na cidade mediante a deliberação popular de cerca de mais de 128 mil pessoas3. O Orçamento Participativo se organiza para atender a população da cidade de Fortaleza em dois níveis: a partir do “território” de origem do cidadão - no nosso caso, as 2

A Constituição Federal estabelece a obrigatoriedade da elaboração, por parte do Governo Federal, dos governos estaduais e municipais, de três leis orçamentárias que instruem o planejamento dos investimentos públicos e da gestão orçamentária dos mesmos, a saber: o Plano Plurianual PPA, realizado de quatro em quatro anos e que dispõe sobre as diretrizes gerais de dotação orçamentária das políticas públicas de um governo; a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), realizada anualmente e que especifica os percentuais específicos para cada um dos programas de governo que deverão levara cabo as indicações expressas no PPA; e a Lei Orçamentária Anual (LOA), que indica os pormenores dos empenhos orçamentários do município ou estado. É esta última lei que é composta em sua totalidade ou em parte pelas demandas apresentadas pela população nas atividades do OP. 3 Dados orçamentários relativos somente ao ano de 2010 e da participação entre 2005 e 2010 de crianças e adolescentes nos ciclos territorial e escolar e adultos nos ciclos territorial e de segmentos sociais a nós repassados pela Coordenação Geral do Orçamento Participativo.

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subunidades administrativas da municipalidade, as Secretarias Executivas Regionais (SERs) 4; e a partir do “segmento social”- juventude, idosos, pessoas com deficiência, mulheres, população negra, LGBT‟s e crianças e adolescentes - com o qual o indivíduo se identifica e afirma pertencer5. As atividades que formam a política de OP se dão integradas num fluxo cíclico que, grosso modo, apresenta as seguintes etapas: - Em termos territoriais primeiramente ocorrem, em diversos bairros e comunidades da cidade, as chamadas “reuniões comunitárias”, oficinas pedagógicas ou grupos de discussão nos quais os diversos grupos sociais – associações de moradores, ONGs, entidades e demais grupos de pessoas – encontram-se com a equipe executora da política para conhecer as áreas de atuação da Prefeitura, os limites orçamentários da Gestão e as peculiaridades de todas as fases que compõem o ciclo do OP. Estas atividades, de caráter eminentemente pedagógico e mobilizador, podem ser solicitadas espontaneamente à equipe de mobilização comunitária do OP6 ou agendadas previamente por esta dentro do quadro de suas atividades de mapeamento comunitário e de contato com os atores sociais existentes em determinada localidade ou bairro da cidade. - A segunda etapa do ciclo é aquela em que são realizadas, em 59 pontos 7 que contemplam todas as SERs da cidade, as Assembléias Eletivas, grandes reuniões abertas em que a população participante lança e elege suas propostas de serviços e obras prioritárias a serem analisados pelos órgãos e secretarias competentes da gestão municipal. Os segmentos sociais, excetuando-se o de crianças e adolescentes, contam com uma Assembléia Eletiva de caráter municipal. Aquele segmento, por seu turno, participa de oito Assembléias Eletivas territoriais

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e de seis realizadas em escolas municipais que se disponibilizaram

voluntariamente para participarem da política de OP.

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Assim são chamadas as subdivisões administrativas do município de Fortaleza. Este é, por exemplo, o caso do segmento “população negra”. Para que uma pessoa participe de uma assembléia ou reunião comunitária com este segmento é necessário tão somente que ela se afirme como “negra”, mesmo apresentando fenótipo que não condiga com esta afirmação. 6 Cada Secretaria Executiva Regional da cidade conta com uma equipe de mobilização comunitária do OP, com número de integrantes que varia de acordo com o tamanho e o adensamento populacional da região. 7 Estes pontos a que fazemos alusão são chamados de “áreas da participação” (APs), um conjunto de bairros adjacentes territorialmente ou aproximados por características culturais ou infra-estruturais que são mobilizados e participam conjuntamente da assembléia do OP. 8 Este número se deve ao fato de estipularmos a realização de uma assembléia eletiva para crianças e adolescentes para as SERs geográfica e populacionalmente menores (SERs I, II, III e IV) e duas para aquelas maiores (SERs V e VI). A proporção de assembléias eletivas escolares é a de uma para cada SER da cidade. 5

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- A terceira fase do processo é o de análise, por parte dos órgãos e secretarias da Prefeitura Municipal de Fortaleza, da viabilidade técnica, jurídica e financeira das demandas apresentadas pela população. - A quarta fase é caracterizada pela realização de Assembléias Deliberativas em 59 pontos da cidade, em que os cidadãos e cidadãs poderão conhecer as propostas de realização de serviços e obras para aquela região e o orçamento disponível para tal, escolhendo aquelas que considerarem de maior importância. Também é nesta segunda assembléia que são eleitos os representantes da população que serão “delegados” do OP que, por sua vez, formam os Fóruns Regionais de Delegados em cada SER, responsáveis por debater e acompanhar o processo de execução das obras do OP em cada localidade. Os segmentos sociais, incluindo as crianças e adolescentes, também contam com suas Assembléias Deliberativas específicas e igualmente elegem seus próprios delegados. - Por fim, estes delegados elegem entre si os membros do Conselho do Orçamento Participativo (COP), a instância máxima de deliberação da política, que congrega conselheiros do OP que representam a população das seis Secretarias Executivas Regionais da cidade, além de conselheiros governamentais e representantes dos diversos segmentos sociais atendidos e tem como atribuições, dentre outras, fiscalizar o andamento do cumprimento do cronograma de obras e serviços em âmbito municipal. É de interesse para este trabalho que nos debrucemos de forma mais aprofundada sobre os procedimentos metodológicos que adotamos nas atividades a que fizemos alusão acima, com o recorte que nos interessa, a saber, aquelas destinadas especialmente para a população de crianças e adolescentes. Devemos sublinhar, de início, que as atividades realizadas com o segmento populacional da infância e da juventude são estruturadas de modo específico, apresentando um caráter mais lúdico do que aquelas realizadas com os adultos e demais segmentos. Para tornarmos esta afirmação mais “palpável” tomemos, a guisa de exemplo, a descrição do processo de realização de uma Assembléia Eletiva 9 territorial de crianças e adolescentes. Este tipo de atividade ocorre geralmente aos sábados, em escolas municipais ou qualquer outro equipamento público que seja acessível ao transporte público e que comporte a população participante, aí incluindo o pré-requisito da apresentação da possibilidade de 9

Os procedimentos descritos a seguir são realizados nas Assembléias Eletivas para crianças e adolescentes tanto em âmbito territorial como nas escolas, com a diferença de que, nesta última, os grupos não são divididos por faixa etária, posto que as salas de aula são abordadas com seu conjunto de alunos.

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acessibilidade física para pessoas com deficiência. Transportados geralmente por associações de moradores, lideranças comunitárias ou Organizações Não-Governamentais (ONGs), as crianças e adolescentes são direcionados, inicialmente, às mesas de cadastro de participantes, recebendo nesta um “vale-lanche” e sendo identificados, através de fitas com cores variadas amarradas no pulso. Esta fita demarca o grupo de discussão do qual participará o indivíduo. Os participantes, na seqüência, são encaminhados para tomarem assento nas cadeiras de uma sessão plenária, usualmente organizada na quadra da escola ou salão do equipamento, comportando uma média de participantes que varia entre 50 crianças nas assembléias de menor porte até 350 nas maiores. Esta plenária se inicia com alguma apresentação de um grupo cultural do bairro previamente contatado pela equipe do OP, o que proporciona momentos de descontração e ludicidade, sendo seguida por uma apresentação de “mestres de cerimônia” pertencentes à equipe do OP, que apresentam, também de forma teatral, os objetivos daquela atividade. São estes apresentadores que, ao final deste momento inicial, convidam os participantes a seguirem com os membros da equipe do OP para os grupos de discussão. Uma vez nos grupos de discussão – que não devem ultrapassar o número de 20 participantes e são organizados de modo a aproximar faixas etárias - as crianças e adolescentes entram em contato com pelo menos dois membros da equipe executora da política, que devem conduzir as atividades com o grupo com o objetivo de que este possa elaborar propostas de realização de serviços e obras para sua comunidade ou para a cidade numa perspectiva ampliada. Com o auxílio de ícones que representam palavras geradoras (FREIRE, 1983; 1987) e os atores sociais envolvidos na política de Orçamento Participativo, os coordenadores dos grupos, após a realização de um momento prévio de apresentação pessoal dos participantes, buscam auxiliá-los a concentrarem sua atenção nos objetivos que lhes serão propostos. Ao instigar um debate inicial com as crianças e adolescentes, os coordenadores visam proporcionar que Robert Gagné (1996 apud LEFRANÇOIS, 2008) considera o primeiro dos nove “eventos instrucionais”10 que devem estar presentes em todas as atividades formais de transmissão de conhecimentos: “ganhar a atenção” dos participantes para assim torná-los mais aptos a receberem novas informações. 10

Estes eventos são: 1. Ganhar a atenção; 2. Informar os aprendizes do objetivo; 3. Estimular a recordação da aprendizagem anterior; 4. Apresentar o estímulo; 5. Proporcionar orientação para a aprendizagem; 6. Eliciar o desempenho; 7. Proporcionar feedback; 8. Avaliar o desempenho; 9. Estimular a retenção e a transferência.

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O debate decorrente da exposição de opiniões, questionamentos e pontos de vista dos participantes sobre o assunto em questão se desenrola por cerca de quinze minutos, após o que os coordenadores propõem às crianças e adolescentes que tentem exprimir seus anseios de melhoria de condições de vida através da elaboração de propostas para apresentação ao orçamento da cidade. Com este objetivo, o coordenador a avalia a necessidade de estabelecimento de subgrupos, usualmente não ultrapassando o número de dez participantes para cada grupo criado11. Portando duas cartolinas de cor branca, canetas marcadoras nas cores vermelha e preta ou azul e uma caixa com uma quantidade suficiente de lápis de cor e giz de cera para que todos os indivíduos possam manuseá-los, o coordenador do grupo, sentado à roda com as crianças e adolescentes, propõe a estas que eles desenhem livremente numa das cartolinas aquilo que eles mais gostam na cidade ou no bairro em que moram, enfatizando a importância desse momento para a Prefeitura Municipal de Fortaleza. O membro da equipe do OP pode sugerir exemplos tais como campos de futebol, parques, igrejas, ruas, casas, postos de saúde, escola, mas não deve, salvo casos de impossibilidade física, desenhar pela criança ou adolescente. Uma vez terminado este momento, o coordenador do grupo pode pedir explicações sobre os desenhos, e até mesmo identificá-los com seus nomes ao lado dos mesmos. Ato contínuo, o coordenador do grupo apresenta a outra cartolina e solicita aos participantes que desenhem agora não as coisas “boas” da cidade, do bairro ou comunidade em que vivem, mas aqueles equipamentos e serviços que “não vão bem” e que precisariam melhorar em qualidade ou quantidade. Aqui também o profissional pode citar exemplos, mas não deve realizar a atividade pela criança. Findado estes dois processos, o coordenador passa então a solicitar dos indivíduos que eles apontem, de todos aqueles desenhos, aqueles que eles consideram mais importantes e que demandam um especial interesse por parte do poder público municipal. Ele os circula com a caneta de cor vermelha e pergunta ao grupo se aquele desenho poderia se transformar numa proposta para o orçamento da cidade. Caso haja consenso, o coordenador ensaia a redação de uma demanda orçamentária num outro pedaço de cartolina, solicitando a ajuda dos participantes para que corrijam eventuais falhas ou distorções na elaboração da mesma. A 11

Esta subdivisão está condicionada ao número de alunos por sala de aula e de coordenadores. Para grupos muito pequenos ou no caso de uma atividade realizada contando apenas com um coordenador sugere-se a não divisão em grupos menores.

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produção de demandas por subgrupo é de número ilimitado, mas os coordenadores são orientados a formularem no máximo duas propostas por cada conjunto de indivíduos, primando pela qualidade e não pela quantidade das propostas apresentadas12. Concluído o processo de elaboração das propostas orçamentárias, o grupo se recompõem em sua totalidade e discutem sobre as mesmas coletivamente, avaliando a necessidade de eventuais correções, inclusões ou exclusões. Aquelas que serão apresentadas no último momento da assembléia são sistematizadas, cadastradas – recendo um número de identificação- e afixadas pela equipe do OP em murais por todo o local em que ocorre a sessão plenária. O fim do processo grupal se dá com a apresentação da cédula de votação das propostas e seu modo de uso. Reconduzidos ao pátio em que ocorreu a sessão plenária inicial, os participantes tomam conhecimento de todas as propostas realizadas nos grupos de discussão e são convocados a votarem naquelas cuja execução consideram prioritárias. Seguindo um critério de pontuação diferenciado e mediante as regras de proporção participantes/demandas 13 que regem a Assembléia Eletiva, as crianças e adolescentes estabelecem suas escolhas e conhecem as propostas priorizadas poucos minutos após o encerramento da votação. Participando destas atividades na condição de elaboradores e executantes da metodologia acima, explicitada em suas linhas gerais, pudemos acompanhar vis-à-vis o processo de participação de crianças e adolescentes na política de OP. A peculiaridade de algumas das demandas apresentadas, a singularidade de percursos de raciocínio e de questionamento a nós feitos durante estas atividades, somadas aos questionamentos reiterados sobre a capacidade cognitiva de crianças e adolescentes de participarem ativamente das mesmas, nos levaram a nos perguntar sobre o processo de construção conceitual deste

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É preciso enfatizar que não há restrição quanto à generalidade de formulação de uma proposta, mas, antes, a orientação para que o facilitador do grupo possa torná-la mais detalhada, ou seja, com uma maior quantidade de informações que a tornem mais específica. Neste sentido, por exemplo, um grupo de crianças pode formular a proposta “queremos mais médicos”. O coordenador, entretanto, deverá buscar junto aos participantes um maior esclarecimento da mesma, até obter uma proposta similar a “queremos mais dois médicos e remédios para o posto de saúde do Bairro Floresta”, considerada de qualitativamente superior à proposta inicial mais vaga. 13 Estes critérios são os seguintes: a cada quinze participantes é facultada a eleição de uma demanda apresentada. Estas demandas são priorizadas seguindo a pontuação obtida mediante votação em cédula específica, que comporta espaços para a inscrição do número de até três propostas que recebem, simultaneamente três, dois e um ponto, objetivando aferir um coeficiente que expresse a importância daquela proposta para a comunidade de votantes. Neste sentido, numa Assembléia de 150 participantes os eleitores poderão apresentar quantas propostas quiserem, mas só poderão priorizar até dez destas, aquelas que receberem a maior pontuação dentro do processo acima referido.

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segmento populacional e, no limite, sobre a importância global, em termos psicopedagógicos, da participação destes em toda a política de OP. Consideramos que as questões acima levantadas podem ser formalizadas e abordadas sob o prisma do arcabouço teórico-metodológico do campo de conhecimentos psicopedagógicos, mais claramente através da compreensão do processo de desenvolvimento biológico, psicológico, social e cultural de crianças e adolescentes. Neste trabalho elaboramos, com o intuito de lançarmos luz de modo amplo às implicações psicopedagógicas em crianças e adolescentes decorrente de sua participação em atividades do OP, três ensaios que visam responder às seguintes perguntas: primeiramente, é possível afirmar que crianças e adolescentes “constroem” conceitos? Em caso afirmativo, como este processo se desenrola? Ele também abrangeria a formação de conceitos políticos tais como a política de OP deseja fomentar?; Em segundo lugar, qual é a importância global em termos de desenvolvimento infantil da participação de crianças e adolescentes em atividades comunitárias, aí incluídas as atividades políticas?; Por fim, o que podemos discutir em termos psicopedagógicos quando compreendemos as atividades do OP como campos de mediação intergeracional em que crianças, adolescentes e adultos interagem democraticamente objetivando a consecução de determinados objetivos? É preciso novamente sublinhar a nossa afirmação realizada na introdução deste trabalho de que nossa opção analítica recai sobretudo sobre a contribuição do pensador L.S Vigotsky e seus colaboradores dentro do quadro de referência geral da Psicologia SócioHistórica. Entendemos que os ensaios aqui apresentados não apresentam um caráter conclusivo mas, antes, buscam estabelecer linhas gerais de investigação e discussões eminentemente teóricas que podem ser aprofundadas posteriormente em trabalhos com escopo mais ampliado. Comecemos, portanto, com as primeiras indagações que norteiam a elaboração do presente trabalho, a saber, aquelas que dizem respeito ao processo de formação de conceitos em crianças e adolescentes.

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3 ENSAIO Nº 1: O OP DE FORTALEZA E A FORMAÇÃO DE CONCEITOS POLÍTICOS EM CRIANÇAS E ADOLESCENTES

Ramos (1984), numa crônica de sua autoria intitulada “Um novo A B C”, nos conta como se deu seu aprendizado das primeiras letras, ainda no interior do estado das Alagoas. Na cartilha de alfabetização, apenas sílabas, frases soltas e máximas morais: “fala pouco e bem: ter-te-ão por alguém.” Mas quem era esse Terteão e o que ele fazia ali no fim da frase? Ou ainda “a preguiça é a chave da pobreza.” Morando no início do século XX numa das localidades inóspitas de um dos estados brasileiros mais pobres, Graciliano (1984, p.174) refletia:

Que espécie de chave seria aquela? Aos seis anos, eu e meus companheiros de infelicidade escolar, quase todos pobres, não conhecíamos a pobreza pelo nome e tínhamos poucas chaves, de gavetas, de armários e de portas. Chave de pobreza para uma criança de seis anos é terrível.

A crítica bem humorada de Ramos (1984) ao método com o qual foi alfabetizado deixa entrever, além do conservadorismo reinante e da completa inadequação entre as experiências de vida dos educandos e as frases utilizadas no material didático, a dificuldade sentida pelo autor e seus “colegas de infortúnio” em “conhecer a pobreza pelo nome”, ou, dito de outra forma, em abarcar o conceito de pobreza expresso na sentença. Gostaríamos de estender a ponderação de Graciliano para pensarmos outros “nomes que não conhecemos pelo nome”. Muitas das crianças e adolescentes que participam da política de Orçamento participativo de Fortaleza são pobres, mas será que “conhecem a pobreza pelo nome” ou apenas a vivenciam em seu dia-a-dia sem no entendo construir um conceito sobre sua situação sócio-econômica? Será que constroem um conceito sobre política ao assistirem ao programa eleitoral obrigatório na televisão em períodos eleitorais? Que tipo de conceito elaboram nas conversas com seus pais quando estes comentam sobre as negociações da prefeitura com a associação de moradores da qual fazem parte? Que tipo de conceito “político” engendram ao perceber que o modus operandi da quadrilha de traficantes do seu bairro é violento mas também, em alguns aspectos, aparentemente também é bastante eficaz?

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No que tange à participação de crianças e adolescentes a partir de seis anos de idade nas atividades do Orçamento Participativo, a indagação que se desvela diante de nossa mirada teórica é a seguinte: estes indivíduos elaboram conceitos políticos, históricos e sociais de termos tais como “democracia”, “controle social”, “participação popular”, “negociação”, “diálogo”, “política”, “orçamento”? Estamos cônscios de que respostas conclusivas ao questionamento levantado são inviáveis haja vista a impossibilidade de realizarmos uma pesquisa de campo estruturada e de longo alcance com os sujeitos participantes da política. Não obstante, tentando lançar luz a possíveis argumentos que forneçam pistas valiosas para a tessitura de uma explicação para estas indagações, as investigações deste primeiro ensaio centrar-se-ão sobre o processo de formação conceitual na obra vigostkyana. A guisa de introdução consideramos importante reproduzir integralmente a firmação de Vigostky (1991, p.69), para quem

[...] num estágio inicial de seu desenvolvimento, uma criança é capaz de compreender um problema e visualizar o objetivo colocado por esse problema; como as tarefas de compreender e comunicar-se são essencialmente as mesmas para o adulto e para a criança, esta desenvolve equivalentes funcionais de conceitos numa idade extremamente precoce, mas as formas de pensamento que ela utiliza ao lidar com essas tarefas diferem profundamente das do adulto, em sua composição, estrutura e modo de operação.

Entendemos esta afirmação vigostkyana como um parágrafo especialmente esclarecedor acerca da importância da consideração, seja no âmbito da pesquisa ou no da vida cotidiana, que as crianças apresentam formas de pensamento que diferem profundamente das do adulto, ou seja, não são em si mesmas nem melhores nem piores que estas últimas. Esta “advertência” serve para que lembremos sempre de que juízos de valor sobre uma suposta “superioridade” inerente ao pensamento conceitual que se apresenta na idade adulta de um ser humano é prejudicial à compreensão global do fenômeno do pensamento humano. Com esta clara demarcação analítica e através de rigorosas experiências com crianças, o pensador russo estabeleceu a distinção clara entre patamares de desenvolvimento conceitual que se ocorrem durante o crescimento do indivíduo.

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Para Vigotsky, o primeiro “estágio” de desenvolvimento do pensamento conceitual nos seres humanos é o agregado sincrético, o agrupamento de alguns objetos numa “agregação desorganizada, ou „amontoado‟, para solucionar um problema que nós, adultos, normalmente resolveríamos com a formação de um novo conceito” (id, p. 74, grifo do autor). As palavras, neste momento inicial do desenvolvimento conceitual, denotam “um conglomerado vago e sincrético de objetos isolados” (id, p. 74, grifo do autor). Não obstante estes objetos apresentarem-se unidos pelo frágil liame das impressões ocasionais, a coincidência pragmática entre as impressões ou relações da criança com o significado atribuído a uma palavra atribuem a esses primeiros passos no desenvolvimento conceitual infantil a capacidade de estabelecimento de uma comunicação objetiva entre a criança e os adultos com os quais interage. As palavras que se referem ao ambiente habitual da criança têm, em larga medida, o mesmo significado para estas e para seus cuidadores, o que garante o estabelecimento de uma compreensão mútua entre os mesmos. Podemos pormenorizar a descrição deste primeiro estágio na formação do pensamento conceitual ao discriminarmos os três subestágios a seguir: - O subestágio da organização de grupos sincréticos através do método da tentativa e erro (ibid, p.75, grifo do autor), em que a criança agrega elementos díspares e conforma uma coleção de objetos que representam uma determinada palavra de forma aleatória, baseando-se tão somente nas suposições conjunturais de determinado experimento ou situação cotidiana em que o indivíduo pode “experimentar” se a palavra que lhe é apresentada abarca ou não o conjunto de objetos que supunha designar. Podemos pensar, por exemplo, num caso em que uma criança junta elementos que estão sobre a mesa de jantar aleatoriamente: uma folha de alface, um pedaço de rabanete e outro de cenoura e diz “verdura”, sendo prontamente encorajada pela mãe, que a aplaude. Em seguida, a criança coloca ao lado do grupo uma laranja, e repete a palavra “verdura”, ao que sua mãe responde negativamente, dizendo-lhe que uma laranja não é uma verdura. Neste episódio poderíamos inferir que a criança talvez supusesse que a palavra “verdura” abarcaria todos os elementos que estavam disponíveis num dado conjunto e findou constatando, ainda através de um rudimentar método prático de tentativas e erros, que nem todos os objetos podem ser agrupados sobre um mesmo significado de uma palavra. - O segundo subestágio é aquele em que a composição do grupo é em larga medida influenciada pela disposição espacial dos objetos, ou seja, “por uma organização do campo

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visual da criança puramente sincrética” (Id, ibid, p.75, grifo do autor). Continuando o exemplo anterior, poderíamos expandi-lo para imaginarmos que a criança ignoraria o pedaço de cenoura que não se encontrasse disponível em seu campo visual, mas continuaria a incluir outros elementos (tais como outras frutas, por exemplo) caso estes estivessem reunidos e nele se apresentassem. - O terceiro subestágio é designado pela progressiva estabilização e combinação dos dois outros estágios acima mencionados. A criança começa a organizar elementos a partir dos procedimentos de tentativa e erro e da discriminação de elementos isolados disponíveis em seu campo perceptual de forma mais hábil e combinada. Este primeiro estágio fornece as bases cognitivas para que ocorra um “salto qualitativo” no desenvolvimento conceitual infantil. Do agregado aleatório de elementos isolados que se combinavam ao sabor das tentativas e da disposição espacial contígua a criança começa a agrupar elementos a partir de “relações que de fato existem entre esses objetos”, delineando uma forma de pensamento que Vigotsky designou de “pensamento por complexos” (ibid, p 76). Neste estágio a criança já não confunde suas impressões e suposições subjetivas com as relações entre as coisas, o que é um passo decisivo para a superação do sincretismo e a caminhada rumo ao refinamento do pensamento objetivo. De forma elucidativa, Vigotsky (1991, p.76-77) esclarece que

Na linguagem dos adultos persistem alguns resíduos do pensamento por complexos. Os nomes da família talvez sejam o melhor exemplo disso. Qualquer nome de família, digamos „Petrov‟, classifica os indivíduos de uma forma que se assemelha em muito àquela dos complexos infantis. Nesse estágio de seu desenvolvimento, a criança pensa, por assim dizer, em termos de nomes de famílias; o universo dos objetos isolados torna-se organizado para ela pelo fato de tais objetos agruparem-se em „famílias‟ separadas, mutuamente relacionadas.

Estas ligações objetivas entre as “famílias” de objetos se formam através da experiência prática realizada pela criança, o que define complexo como “um agrupamento concreto de objetos unidos por ligações factuais” (ibid, p.77) que carece de unidade lógica, posto que o agrupamento não se dá mediante a abstração e generalização de atributos dos elementos de um conjunto – o que caracteriza o pensamento conceitual e o que diferencia de um complexo – mas pela variedade inumerável das interações que efetivamente podem ocorrer entre estes.

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Vigotsky (1991) identificou cinco tipos de complexos que se sucedem uns aos outros durante este período de desenvolvimento do indivíduo, quais sejam: - O complexo de tipo associativo caracteriza-se por basear-se em qualquer relação percebida pela criança – de contraste ou semelhança, por exemplo – entre um objeto amostral e demais objetos que o sigam. Demonstra-se aí um princípio rudimentar de conexão entre algum tipo de atributo de um objeto isolado e os demais que porventura se apresentem à criança. -Na etapa subseqüente consiste no estabelecimento de grupos que se assemelham a coleções de objetos agrupados pelo critério da existência de atributos que os diferenciem e os tornem complementares. Uma criança que coleciona tampas de refrigerantes, por exemplo, os agrupa por características que as distinguem – suas cores ou desenhos – mas que só fazem sentido juntas. Diferentemente dos “amontoados” sincréticos e dos complexos associativos, um complexo de coleções “é um agrupamento de objetos com base em sua participação na mesma operação prática - em sua cooperação funcional” (ibid, p. 79, grifo do autor). -Segue-se então o estágio do complexo em cadeia, definido por Vigotsky (1991, p.79) como “uma junção dinâmica e consecutiva de elos isolados numa única corrente, com a transmissão de significado de um elo para o outro”. A ênfase deste estágio é o deslocamento do fator aglutinador do agrupamento de objetos baseados em atributos isolados para as relações que estes mantêm entre si. Esta mudança de percepção de algo imediatamente concreto como um atributo de um determinado objeto (cor, forma etc.) para aquilo que “emerge” da interação entre os objetos, ou seja, precisamente a relação entre eles, levou o pensador russo (ibid, p.79) a caracterizá-lo como “a mais pura forma de pensamento por complexos”. -O complexo difuso, por sua vez, representa o amadurecimento da qualidade “fluida” dos atributos relacionais que conformam o estágio precedente. Este tipo de pensamento expande progressivamente sua abrangência e se torna uma espécie de “guarda-chuva” cognitivo ilimitado, que “fagocita” e aglutina em torno das relações entre objetos ou características destes dadas num grupo qualquer um número cada vez maior de elementos. É importante salientar, no entanto, que “[...] esses complexos ilimitados são construídos de acordo com os mesmos princípios dos complexos concretos circunscritos” (ibid, p.82) o que equivale a dizer, em outras palavras, que este tipo de pensamento não prescinde da operação prática da percepção da criança sobre o conjunto de elementos que deseja organizar.

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-Por fim, a ponte entre os complexos iniciais e o estágio final da formação de conceitos é chamado de complexo de pseudoconceito, o que denota a similaridade fenotípica da generalização desta última fase do pensamento por complexos que apresenta uma criança com o pensamento conceitual em sua forma mais refinada. Importante destacar que este complexo “já carrega a semente que fará germinar um conceito” e que, devido a isso, “[...] a comunicação verbal com os adultos torna-se um poderoso fator no desenvolvimento dos conceitos infantis” (ibid, p.85-86). Antes de adentrarmos na discussão sobre o desenvolvimento do pensamento conceitual propriamente dito, próxima e decisiva etapa cognitiva infantil, nos deteremos brevemente nas implicações para nosso objeto de estudo neste ensaio, da compreensão do fenômeno do pensamento por complexos que estudamos acima. Muito embora não encontremos nas obras de Vigotsky uma delimitação etária precisa para cada um dos estágios acima mencionados, posto que é de acordo com as mediações socioculturais a que determinado sujeito tem acesso que ele poderá aceder mais ou menos precocemente a determinada aquisição conceitual, podemos supor que o pensamento por complexos é aquele que se desenvolve na criança pequena a partir dos dois anos de idade e que se estende, presumivelmente, aos onze anos, intervalo em que se encontram um grande número de crianças e adolescentes participantes da política pública de OP. O autor salienta que o pensamento por complexos é o fundamento real do desenvolvimento lingüístico da espécie humana, e que o legado deste tipo de pensamento primitivo pode ser claramente visto, por exemplo, em palavras como “manga” – que pode denotar o presente do indicativo do verbo mangar (fazer galhofa, troçar), como em “ele „manga‟ de alguém”; a fruta da mangueira; e, por fim, a parte de uma camisa em que há uma abertura para a passagem dos braços. Agrupar elementos heterogêneos com base em uma característica isolada dos objetos ou mediante o estabelecimento da primazia de eventuais relações concretas entre os objetos de um conjunto são, como vimos, características do pensamento por complexos em distintas fases. Outro ponto a ser destacado é o fato de que

[...] mesmo o adulto normal, capaz de formar e utilizar conceitos, não opera com conceitos coerentemente ao pensar. À exceção dos processos primitivos dos sonhos, o adulto constantemente desvia-se do pensamento conceitual para o pensamento concreto semelhante aos complexos. A forma de pensamento transitória, por

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pseudoconceitos, não é exclusiva das crianças; nós também recorremos freqüentemente a ela em nossa vida cotidiana. (Ibid, p. 94)

Como vimos, o pensador russo é taxativo ao afirmar a possibilidade de fluidez e de transição entre as formas de pensamento conceituais mais refinadas e aqueles ligados à concretude das relações e das percepções que caracterizam os diversos tipos de complexos. Isso implica, a nosso ver, além da possibilidade real de entendimento entre crianças e adultos, pelo menos no que concerne às características definidoras de um significante que consiga agregar elementos do cotidiano da criança, ou das quais a criança já detenha algum tipo de memória visual, conseguir compreender as diferenças entre as formas de pensamento de modo menos dicotômico e excludente. Após a delimitação teórica do pensamento por complexos, ponto nodal importante para a compreensão do funcionamento psíquico infantil, passemos a nos debruçar de modo mais minucioso sobre o pensamento conceitual propriamente dito. Nesta última etapa do longo e complexo caminho de refinamento das formas de funcionamento cognitivo do ser humano observamos a importância do processo de análise-síntese e sobretudo da abstração – o isolamento e a análise de elementos abstratos separadamente da totalidade da experiência concreta da qual participam - para o entendimento da progressiva formalização das experiências cotidianas que a caracterizam. A “jornada” rumo ao estágio mais acabado de funcionamento cognitivo, a saber, o do desenvolvimento do pensamento conceitual segue, para Vigotsky (1991), uma linha de complexificação ascendente que discriminamos a seguir: -Primeiramente a criança, já habilitada a “colecionar” objetos num determinado grupo desde sua mais tenra idade começa, ao se aproximar da real construção conceitual, passa a realizar um agrupamento com grau máximo de semelhança, ou seja, há o direcionamento mais acurado da atenção para elementos dos objetos que possam ser agrupados segundo um grau de importância que lhes seja atribuído, o que denota um “início de abstração positiva e negativa” (Id, ibid, p.96). Desta forma, a criança começa a perceber que a aparência de uma cadeira “esquisita” é um elemento de menor importância na caracterização daquele objeto como uma “cadeira”, posto que esta palavra engloba um conjunto de cadeiras que detêm formas variadas mas que preservam funções similares.

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-A seguir vem o desenvolvimento de conceitos potenciais, que substituem os agrupamentos obtidos por máxima semelhança por aqueles relativos a um único atributo. Esta restrição torna o conceito mais rigoroso, capaz de incluir elementos heterogêneos que, no entanto, apresentem apenas um atributo que os reúna sob a égide de um significante. Interessante notar, no que diz respeito a estes conceitos , a observação de Vigotsky (1991, p.97, grifo do autor) de que neste estágio, se pedirmos a uma criança que explique uma palavra que designe um conceito abstrato, como por exemplo a palavra “sensato”, ela responderá que “sensato quer dizer que estou com calor mas não me exponho a uma corrente de ar”, ou seja, ela irá traduzi-la para a linguagem funcional das ações concretas. -Por fim, surgem os conceitos verdadeiros, o estágio final da formalização de um sentido conferido a um agrupamento de objetos designados por uma palavra, combinando o centramento ativo da atenção, a abstração de determinados traços, sua posterior síntese e, finalmente, sua simbolização por meio de um signo. Nas atividades de produção de desenhos em uma Assembléia do OP, por exemplo, podemos supor que a forma de pensamento conceitual surge graficamente quando, por exemplo, uma criança desenha um policial e um desenho que ela identifica como o bebedouro da escola e os coloca sob o conceito de “segurança”. Para a criança ou adolescente que assim se expressa, a segurança pública simbolizada pelo desenho de um agente da lei e a segurança que ela deseja ter ao dispor de um bebedouro que não esteja vazando e deixando o chão molhado e, conseqüentemente, com maior risco de proporcionar a queda dos alunos na escola, o que está em jogo, poderíamos pensar, é a abstração das qualidades de ambas as situações que conformam um conceito de segurança. De igual modo a criança que consegue relacionar a ausência de esgotamento sanitário da rua em que mora e as precárias condições do posto de saúde do bairro em que vive como elementos que dizem respeito à saúde pública também, de alguma forma, a nosso ver, elaboraram um conceito de saúde que “abstrai” das características físicas ou relacionais dos elementos em questão um rol de deduções lógicas e de parâmetros de avaliação que lhes permitem abranger, sob uma mesma definição, fatos aparentemente tão mutuamente distantes quanto um pútrido córrego atulhado de fezes e lixo e um equipamento de atendimento médico. Acreditamos que tal produção conceitual pode ser analisada sob a ótica dos estágios da formação conceitual sobre os quais discorremos acima. Como vimos no prólogo deste trabalho, a atividade sobre a qual nos debruçamos estimula os participantes para que

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expressem sua visão de mundo através de desenhos que dão suporte à definição de conceitos diversos. Afirmamos, ademais, que a compreensão do longo e diversificado processo de formação progressiva dos conceitos em crianças e adolescentes nos permite entender a singularidade dos eventos cognitivos deste indivíduos, o que nos leva, inclusive, a ousarmos imaginar as formas através das quais podemos aceder de forma ainda mais precisa às opiniões e pontos de vista deste segmento populacional. Por fim, como, gostaríamos ainda de lembrar, a guisa de conclusão deste primeiro ensaio, que para Vigotsky (1991) o entrecruzamento entre pensamento e linguagem promove a complexificação cognitiva dos seres humanos e dá suporte para a construção do pensamento conceitual, o estágio máximo de formalização e abstração do pensamento. Decisivo para nossos propósitos aqui é a noção de que o pensamento e a linguagem são dois processos cognitivos distintos que somente se entrecruzam, se reforçam e se estimulam mutuamente num determinado nível de desenvolvimento do sujeito- normalmente por volta dos dois anose que ambos são, originariamente, formas de comportamento social – interpsicológicos- para só depois serem internalizados pelo indivíduo e se transformarem em comportamentos intrapsicológicos. Com isto queremos dizer que, para Vigotsky (1991), os seres humanos, imersos numa rede discursiva comunitária, progressivamente internalizam um sistema de comportamentos sociais, externos ao sujeito, para somente então os singularizar e analisar a partir de sua compreensão individual. Desta forma, podemos pensar que há uma “inteligência”, uma “lógica”, uma “imaginação” cultural, concretizadas em formas específicas de ação coletiva, que só a posteriori se tornam aquisições individuais, num movimento que vai da compreensão do “todo” do sentido do sistema de ações para suas “partes” isoladas. Avançando nesta direção poderíamos pensar também que conceitos abstratos tais como “democracia”, “controle social” e “cidadania” são formas observáveis de existência das coletividades humanas que podem ser apreendidas em sua globalidade por parte das crianças e adolescentes participantes de uma comunidade na qual elas possam participar destas formas de agir. Destaca-se aí a importância da imersão dos jovens seres humanos nas atividades que queremos que eles realizem quando em sua fase adulta. Este é o tema que abordaremos no segundo ensaio deste trabalho: em que medida a participação de crianças e adolescentes numa atividade socialmente coordenada e mediada por

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adultos ou pares mais experientes contribui decisivamente para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores?

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4 ENSAIO Nº 2: PARTICIPAR DA POLÍTICA PÚBLICA DE OP É HUMANIZARSE

[...] a criança tem uma infinidade de oportunidades sociais, e dela podem construirse as mais diferentes individualidades. A criança, segundo Franck, que se imagina um “bandido”, soldado ou cavalo e “representa” esses seres, na realidade está mais certa que seus pais ou mestres-psicólogos, que vêem nela apenas um ser indefeso que vive na infância. Sob essa aparência esconde-se de fato uma reserva de potencialidades e realidades que não intervêm na realidade concreto-material de sua vida. Nesse pequeno ser realmente habitam forças e aspirações do bandido, do soldado e até dos cavalos; ele é mesmo algo infinitamente maior do que parece ao observador externo” (1917,p .57). Na criança encerra-se potencialmente uma infinidade de futuras individualidades, ela pode vir a ser essa, aquela e aquela outra. A educação faz a seleção social da individualidade necessária. Através da seleção, ela faz do homem como biótipo o homem como sociótipo. (VIGOTSKY, 2004, p.78)

O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) prevê em seu artigo 6º, inciso VI, o direito de crianças e adolescentes participarem da vida política da comunidade em que vivem. Uma mirada, entretanto, para o cenário institucional da gestão do Estado, das instâncias de participação política nas três esferas governamentais e, ainda, para os movimentos sociais revela a quase completa inexistência de canais de deliberações políticas democráticas em que seja permitida a participação deste segmento populacional. Conseguimos imaginar, por exemplo, a presença de crianças e adolescentes nas reuniões de um Conselho de Direitos de Crianças e Adolescentes, um colegiado eleito democraticamente para deliberar sobre as políticas públicas que os têm como público contemplado? O impedimento da participação de crianças e adolescentes não está, no entanto, restrita somente na esfera da “macropolítica”, mas também na das políticas do cotidiano relacional (FOUCAULT, 1987). No que tange à estruturação das oportunidades de aprendizagem para crianças e adolescentes por parte dos adultos, Rogoff (2005) observa dois padrões culturais nitidamente contratantes: o daquelas sociedades para as quais é importante que seus jovens membros observem e participem ativamente de atividades culturais comunitárias mediante a orientação e colaboração de indivíduos mais experientes, e aquele, marca das sociedades ocidentais, que separa crianças e adolescentes destas atividades em nome de sua “preparação para a vida adulta”. Em nossos dias, o alargamento do período de escolarização e de especialização profissional parece corroborar a visão de que é necessária a postergação da assunção dos papéis destinados aos indivíduos adultos por parte de crianças e adolescentes.

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Esta

alegada

“preparação”

responde

a

determinados

objetivos

escolares

(MANACORDA, 2006): certamente, muito de nosso conteúdo curricular contemporâneo pode ser aproveitado para a obtenção de boas notas e até mesmo para a aprovação num vestibular. O que dizer, no entanto, em relação a conceitos como ética, respeito, dignidade, direitos humanos, democracia e paz 14?Aprendemos a praticar o diálogo, a cooperação e a solidariedade? Conversam conosco sobre a importância das eleições para nossa sociedade? Ensinam-nos a como tomar parte nas decisões coletivas que nos dizem respeito, ou ainda, nos ensinam a participar de qualquer atividade escolar de forma crítica e criativa? Este é talvez o cerne da questão: como podemos saber participar de decisões sobre a cidade em que vivemos se não nos ensinam a fazer isso? Se em casa meus pais não me contam sobre as decisões que tomarão ou os investimentos que farão? Se na escola em que estudo os professores são autoritários, meus colegas vão rir de mim e não disponho de espaços para tal? E se eu nem mesmo tenho casa, ou pais, ou dinheiro e escola, como posso participar? Argumentaremos, baseados em Vigotsky (1991; 2000), que esta participação de crianças e adolescentes em atividades comunitárias, sejam elas de caráter lúdico – como participar de um jogo de futebol no campo do bairro – sejam elas de cunho político – como por exemplo as assembléias do OP, são fundamentais para que as crianças superem os estágios iniciais de cognição, ainda similar aos dos grandes antropóides, e empreendam uma complexificação comportamental progressiva, passando a se constituir como sujeito na teia de relações sociais na qual estão inseridas. Em outras palavras, discorreremos sobre a importância da atividade socialmente coordenada como processo de humanização do homem. É importante que esclareçamos logo de partida que estamos chamando aqui de humanização o processo pelo qual o homem desenvolve o que Vigostky (1991; 2000) chamava de funções psicológicas superiores. Estas, diferentemente das funções psicológicas elementares, que compreendem os comportamentos inatos do recém-nascido de sugar, balbuciar e chorar, por exemplo, dizem respeito à imaginação, à atenção concentrada, ao desenvolvimento da memória, da afetividade, da vontade, do intelecto e do pensamento. 14

Não queremos, todavia, com estas indagações, sugerir que todas as escolas são omissas quanto ao desenvolvimento destes valores em seu cotidiano. É preciso fazer a ressalva de que o MEC, através dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), aponta como temas transversais às disciplinas formais ministradas nas escolas a ética, saúde, pluralidade cultural e orientação sexual, e que muitas escolas parecem obter êxito no que diz respeito ao trabalho com estes temas. As escolas municipais participantes do ciclo do OP, por exemplo, são exemplos inequívocos de instituições que se interessam pelo desenvolvimento da cidadania de seus alunos.

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Frutos da ampla interação do organismo com a cultura circundante, estas funções nos diferenciam dos demais símios superiores, pois implicam (DIAS ; PASCUAL, 2004): 1. A internalização das atividades inscritas no contexto social e histórico de determinada comunidade. 2. O controle consciente do processo psíquico por parte de quem o realiza. 3. A ação intencional por parte de quem usa o processo psíquico. 4. A liberdade da pessoa em relação ao momento e ao espaço da ação executada. Neste sentido o sujeito humano, sublinha Vigotsky (1991; 2000) - e aqui ele se aproxima de autores como Deleuze (2001), Guattari e Rolnik (1999) e Foucault (1987) - só se constitui na ação, em sua participação efetiva numa atividade15, e não pode ser compreendido como dado a priori, sujeito transcendental descolado de seus contextos de produção de vida, de subjetividade, de cultura, de história, de amores, afetos, de trabalho e de linguagem. O homo sapiens, em termos de evolução filogenética, só se tornou efetivamente humano quando passou a estabelecer relações de cooperação em atividades comunitárias, com o objetivo de proteção mútua e sobrevivência coletiva. Da mesma forma, as crianças nascem homens (e mulheres), mas não humanos, posto que esta humanização se dá no cotidiano das atividades socializantes do indivíduo. Vigotsky (1999, p.208), seguindo a teoria do materialismo histórico, argumenta inicialmente que

Sabemos que, segundo a teoria do materialismo histórico, o emprego de instrumentos é o ponto de partida responsável pela singularidade do desenvolvimento histórico do homem, que o diferencia do desenvolvimento zoológico de seus antecessores.

Possuidor de um polegar opositor que lhe tornou capaz do movimento de “pinça fina” e de manipulação com estabilidade e precisão objetos expostos na natureza, o ser humano 15

Leontiev (apud DIAS e PASCUAL, 2004) chamava de atividade toda a expressão coletiva humana determinada por 1) um motivo e 2) supõe a integração de um sistema de ações intermediárias, cada uma subordinada à sua própria meta parcial que, por sua vez 3) são compostas de operações específicas. Neste sentido, poderíamos pensar uma assembléia do OP como uma atividade pois 1) seu motivo é o da promoção da participação de crianças e adolescentes na construção do orçamento municipal, integra 2) ações tais como discussões em pequenos grupos, realização de desenhos e redação de propostas e votações que, por seu turno, são compostas de 3) operações específicas, tais como escrever o número da proposta na cédula de votação.

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pode interagir com seu meio ambiente circundante de forma ativa e não meramente vegetativa. Podemos imaginar – e Stanley Kubrick em “2001 uma odisséia no espaço” nos fornece belíssimas imagens disto - que uma possível primeira utilização de instrumentos teve como objetivo a defesa do indivíduo e seu “bando”, assim como também para a caça. Posteriormente a utilização de objetos pontiagudos para cinzelar materiais diversos e entalhar madeira, e depois a construção de alavancas para mover pedras e outros obstáculos.

Vemos portanto com toda clareza que a capacidade de inventar e utilizar instrumentos é uma condição para o desenvolvimento histórico do homem e que já surge no período zoológico de evolução de nossos antepassados. (Ibid, p.209)

Numa atividade de um coletivo de hominídeos primitivos, podemos imaginar que eram necessários esforços de coordenação de atividades de seus membros tendo em vista a racionalização da utilização dos recursos alimentares e hídricos e a manutenção da segurança dos mesmos. Podemos aventar a possibilidade de que os indivíduos deste “bando” desenvolveram, progressivamente, a competência lingüística, um salto qualitativo fundamental em termos cognitivos e que demarca fundamentalmente a qualidade “humana” do homem.

Nós acreditamos que a falta de desenvolvimento cultural, que do ponto de vista psicológico constitui o fato mais importante da diferenciação entre o chimpanzé e o homem, depende da ausência no comportamento do primeiro de qualquer fato comparável, ainda que remotamente, à linguagem humana e, em sentido mais amplo, da utilização de signos. (Ibid, p.215) Porque é com a ajuda do significado da palavra que pela primeira vez se torna possível o pensamento abstrato e o uso de conceitos. A palavra possibilita a atividade especificamente humana, que é impossível no macaco, e cuja essência consiste em que o homem começa a organizar sua conduta, não em função da percepção direta desta, nem dependendo da estrutura da campo visual, mas somente através do pensamento. (Ibid, p.294)

A linguagem, para Vigostky (2004, p.483), assim como todas as outras funções psicológicas superiores, têm sua gênese no seio comunitário, e só depois se tornam parte do complexo cognitivo humano. Em suas palavras:

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[...] a lei básica do desenvolvimento das funções psíquicas superiores: toda função psíquica superior no desenvolvimento da criança vem à cena duas vezes: a primeira como atividade coletiva, social, ou seja, como função interpsíquica; a segunda como atividade individual, como modo interior de pensamento da criança, como função intrapsíquica.

O caráter fundamental desta afirmação é o de nos permitir pensar que primariamente existem uma “atenção”, uma “imaginação” e um “pensamento” que estão, por assim dizer, fora do indivíduo, encarnadas em práticas sociais. Para ilustrarmos esta afirmação imaginemos então uma criança pequena, numa aldeia indígena do Alto Xingu, por exemplo, a escutar os caçadores de sua tribo narrando uns para os outros as vicissitudes encontradas durante a jornada em busca de alimento para tribo, as estratégias que empregaram, os instrumentos eu utilizaram e os perigos que enfrentaram. Para este curumim, podemos supor, a caça é uma atividade comunitária socialmente coordenada por adultos que só passara a existir em seu campo discursivo em prática num momento posterior de sua realização em companhia destes. Em outras palavras, a atividade “caça” existe enquanto prática a que ele tem acesso em sua tenra idade mas que somente a posteriori se tornará um “conceito”. Esta paulatina formalização conceitual das práticas comunitárias, obtida mediante a participação em atividades socialmente coordenadas, “puxa” o desenvolvimento cognitivo das crianças, distanciando-as dos padrões de pensamento iniciais. Ao enfatizarmos este ponto poderemos compreender, por exemplo, que a participação de crianças na atividade comunitária do tráfico de drogas em alguns bairros periféricos é, possivelmente, um poderoso dispositivo de subjetivação que conforma um ser humano específico, com características lingüísticas, culturais e psicológicas específicas, adequadas àquele tipo de atividade. Crianças pequenas que auxiliam seus pais a embalarem pedras de crack, por exemplo, participam de uma atividade comunitária que demanda coordenação de comportamentos complexos que envolvem uma ampla gama de procedimentos. De igual modo, crianças, adolescentes e todos os envolvidos na política de OP podem vir a se constituir, in loco, em sujeitos participativos, capazes de interferir diretamente na construção coletiva do planejamento orçamentário da cidade, na elaboração de estratégias de cooperação e de controle social das ações do governo municipal e, no limite, na democratização de uma sociedade ainda marcada pela lógica dicotômica e discricionária do “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, pela

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discriminação histórica de grupos populacionais, pelo machismo, o falocentrismo e, também, pelo adultocentrismo (GUATTARI ; ROLNIK, 1999). Esta participação, todavia, não está isenta de apresentar contradições e dificuldades inerentes ao fato de que as instituições políticas, como aludimos no início deste ensaio, não estão preparadas para acolher a presença de sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento. A participação de crianças e adolescentes em ambas as atividades, independentemente dos nossos juízos de valor sobre as mesmas, promovem a transformação cognitiva e biológica dos indivíduos, alçando-os de padrões de pensamento ainda encontrados em nossos antepassados simiescos para aqueles marcadamente humanos, amparados pela abstração e formalização conceitual adquirida a partir do desenvolvimento da linguagem.

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5 ENSAIO Nº 3: OP DE FORTALEZA: CAMPO DE MEDIAÇÃO INTERGERACIONAL E DE CRIAÇÃO DE ZONAS DE DESENVOLVIMENTO PROXIMAL A coletividade escolar é uma arena insuficientemente ampla para o desenvolvimento de grandes paixões sociais, sendo até uma escola estreita e insignificantes demais para o instinto social. Por outro lado, a educação tem pela frente duas tarefas grandiosas. A primeira é educar esse instinto dentro das grandiosas dimensões mundiais. Essa tarefa só pode ser psicologicamente resolvida através de uma imensa ampliação do meio social. Devemos derrubar as barreiras domésticas em prol da turma, as barreiras da turma em prol da escola, as barreiras da escola em prol da unificação de todas as escolas da cidade, etc., até dos movimentos infantis que abrangem todo o país, ou até mesmo dos movimentos infantis mundiais como o movimento dos pioneiros ou da juventude comunista. Nesses movimentos, e só neles, a criança pode aprender a reagir aos mais distantes estímulos, a estabelecer vínculos entre a sua reação e um acontecimento que se deu a milhares de léguas de distância, de coordenar e relacionar o seu comportamento ao comportamento de gigantescas massas humanas, digamos , ao movimento operário internacional. .(VIGOTSKY ,2004, p.23)

A escola é, certamente, o lócus privilegiado, legitimado culturalmente, para a promoção de interação entre crianças e adolescentes e adultos experientes (MANACORDA, 2006). Não obstante a advertência de Vigotsky de que a coletividade escolar pode ser uma “arena insuficientemente ampla” para “o desenvolvimento das paixões sociais”, as instituições educacionais formalizam a transmissão de conhecimentos e regulam as relações entre educandos e educadores. Todavia, se expandirmos nosso olhar para além desta instituição, em que situação poderemos observar crianças e adultos interagindo com fins educacionais? No presente ensaio queremos argumentar, baseados em Vigotsky (2000; 2004) que a política de Orçamento Participativo, através de suas atividades, pode ser compreendida como um campo em que as interações entre crianças e adolescentes e indivíduos adultos em que as Zonas de Desenvolvimento Proximal daquele segmento são ampliadas com fins educacionais não-formais, ou seja, não diretamente vinculados à estrutura curricular do sistema escolar básico. O ponto inicial que consideramos central na argumentação que será aqui empreendida e sobre o que nos deteremos é o conceito vigostkyano de Zona de Desenvolvimento Proximal (VIGOTSKY, 2000; 2004). Sua definição, nos termos do autor, é

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Ela é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (Ibid, p 97, grifos do autor) sic

Para melhor compreensão deste construto teórico, hoje amplamente difundido nas escolas adeptas do paradigma sócio-histórico de ensino e aprendizagem, será necessário, entretanto, demarcarmos primeiramente a diferença crucial entre o ponto de vista deste autor e de outro gigante das ciências psicológicas, o suíço Jean Piaget, no que tange à compreensão da relação entre desenvolvimento humano e aprendizagem para ambos os pesquisadores. Grosso modo, Piaget (1970 apud DIAS; PASCUAL, 2004; LEFRANÇOIS, 2008) estabelece a primazia da maturação biológica do sujeito para que este possa desenvolver as necessárias capacidades cognitivas para a aquisição de aprendizagens progressivamente mais complexas. Em outros termos, é preciso primeiro que o indivíduo tenha determinadas faculdades neurológicas suficientemente desenvolvidas para poder começar a aprender determinada atividade ou conteúdo. Sob este prisma a aprendizagem vem posterior ao desenvolvimento, e é rebocada por este. Para este autor, por exemplo, seria inócuo tentar engajar uma criança de seis anos, em estágio de transição do período pré-operatório para o das operações concretas16, em atividades que demandem uma maior formalização do pensamento ou a compreensão de regras sociais mais complexas, como, por exemplo, as existentes nas atividades do OP, pois esta não estaria cognitivamente preparada para tal. Vigotsky, por seu turno, assim como Piaget (1970 apud DIAS; PASCUAL, 2004; LEFRANÇOIS, 2008), compreende que os indivíduos têm, sim, limitações cognitivas a depender de sua faixa etária, mas que estas aquisições não devem ser consideradas de forma estáticas mas, antes, de forma dinâmica, pois já contêm em si mesmas o “potencial” para a realização de atividades mais complexas, desde que estas sejam acompanhadas por adultos ou pares mais experientes em sua realização. Para Vigotsky (2000), devemos ter em mente que o

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É célebre a distinção das “fases de desenvolvimento” encontrada na obra piagetiana. Não nos deteremos neste ponto por entendermos que o aprofundamento deste tópico fugiria em demasia do escopo introdutório deste trabalho. Para efeito de compreensão global, todavia, elas seguem aqui em resumo: fase sensório-motor (entre 0 e 2 anos de idade, marcada pela ausência de pensamento e linguagem); fase pré-operacional ( entre 2 e 7 anos, marcada pela fala egocêntrica e pela incapacidade de conservação do objeto); fase das operações concretas ( entre 7 e 11 ou 12 anos, na qual se observa o desenvolvimento do pensamento reversível, da classificação e da seriação de objetos); fase das operações formais ( a partir dos 12 ou 15 anos, dominado pela generalização do pensamento formal e abstrato e pela capacidade de hipotetizar).

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Nível de Desenvolvimento Real do indivíduo - ou seja, o rol de comportamentos e atividades que ele pode efetivamente realizar sozinho, sem a ajuda de companheiros mais experientes - é apenas um plano de análise de suas formações cognitivas, mas que este não se esgota aí. Mais importante para a pedagogia, entende o autor, é saber o conjunto de ações que o indivíduo pode fazer em parceria ou sob a orientação de colegas num nível de saber mais enriquecido, ou seja, interessa saber qual a amplitude de seus comportamentos possíveis em situações de interação social, dentro do que ele denominou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP). Na concepção do psicólogo soviético, portanto, a aprendizagem vai à frente do desenvolvimento e o estimula.

Nosso conceito de desenvolvimento implica a rejeição do ponto de vista comumente aceito de que o desenvolvimento cognitivo é o resultado de uma acumulação gradual de mudanças isoladas. Acreditamos que o desenvolvimento da criança é um processo dialético complexo caracterizado pela periodicidade, desigualdade no desenvolvimento de diferentes funções, metamorfose ou transformação qualitativa de uma forma em outra, embricamento de fatores internos e externos, e processos adaptativos que superam os impedimentos que a criança encontra. (Ibid, p.80)

Assim, desta forma, não é absurdo pensarmos numa criança em tenra idade participando de atividades para as quais ela ainda não está preparada para agir sozinha, posto que ela, através da interação com pares mais “avançados” em determinados tipos de saberes, poderá, em pouco tempo, realizá-las. Para Vigotsky ( 2004, p.480):

O que hoje a criança faz com o auxílio do adulto fará amanhã por conta própria. A zona de desenvolvimento imediato pode determinar para nós o amanhã da criança, o estado dinâmico do seu desenvolvimento que leva em conta não só o já atingido mas também o que se encontra em processo de amadurecimento.(...). O estado de desenvolvimento mental da criança pode ser determinado pelo menos através da elucidação de dois níveis: do nível de desenvolvimento atual e da zona de desenvolvimento imediato.

O que acontece, neste sentido, em atividades que favorecem a interação entre crianças e adolescentes tais como as sessões do Conselho do Orçamento Participativo ou as Assembléias Eletivas e Decisivas é a expansão mútua de ZDPs de crianças, adolescentes e

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adultos, a ampliação dos horizontes dos comportamentos possíveis. Em termos simplificados, há enriquecimento cognitivo de todos os implicados no processo, ou seja, todos, de alguma forma, acabam ganhando com esta interação: as crianças e adolescentes têm a oportunidade de lidar com lideranças comunitárias mais experientes, com longa história de luta pela afirmação de direitos para a comunidade e pode, com eles, aceder ao arcabouço de vivências por eles acumuladas em todos os anos em que participaram das lutas sociais e, além disso, observar aqueles comportamentos que consideram mais ou menos éticos, mais ou menos adequados para sua formação política. Os adultos, por sua vez, experimentam o desafio de dialogar com sujeitos em uma fase peculiar de desenvolvimento, que devem ter suas especificidades respeitadas e que fornecem pontos de vista insuspeitos sobre determinada questão em debate nas plenárias do COP ou nas assembléias e reuniões comunitárias do OP. O segundo ponto a que gostaríamos de fazer alusão, diretamente ligado ao conceito anterior, é a importância da mediação como relação entre seres humanos que implica o ensino e aprendizagem mútua a partir da construção coletiva de “andaimes” 17 epistemológicos com crescentes graus de complexidade. A ZDP, propõe Vigotsky (2000), é um espaço de ensino-aprendizagem18 coletiva, em que se evidencia o caráter mediatizado das relações humanas. O homem, argumenta, não tem uma relação “direta” com o mundo – como os demais animais fazem – mas, antes, interage com este por meio de um instrumento, seja ele uma alavanca para remover uma pedra e assim abrir um caminho, ou a linguagem – um conjunto de signos e símbolos culturais - que, utilizada em coordenação com outro indivíduo, pode remover a mesma pedra de outras formas19.

Através de experiências repetidas, a criança aprende, de forma não expressa (mentalmente), a planejar sua atividade. Ao mesmo tempo ela requisita assistência de outra pessoa, de acordo com as exigências do problema proposto. A capacidade 17

A metáfora do “andaime” – tradução literal do termo scaffolding - tem sido apontado como uma das implicações educacionais da teoria vigotskyana (LEFRANÇOIS, 2008). Diz respeito sobretudo aos procedimentos de complexificação, dentro das competências esperadas para determinada Zona de Desenvolvimento Proximal de um indivíduo, proporcionando simultaneamente apoio e suporte quando da realização de atividades por um educando no âmbito de um processo de ensino-aprendizagem. 18 O termo russo para esta atividade compreendida de forma indissociável e numa via de mão dupla entre mestre e aprendiz é obuchenie (id, ibid). 19 Lembremos, exercitando capacidade metafórica da linguagem, da conhecida poesia de Carlos Drummond de Andrade (2001) No meio do caminho.

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que a criança tem de controlar o comportamento de outra pessoa torna-se parte necessária de sua atividade prática. (Ibid, p.19)

Pensemos a guisa de ilustração da afirmação acima, uma situação em que uma criança deseje alcançar um pote de doces, prudentemente colocado por seus pais no alto de uma prateleira, para ele inacessível. Podemos pensar em várias formas de resolver o problema que pode ser assim colocado: como chegar até o pote de doces? A criança pode chorar até que um adulto pergunte-a em que pode lhe ajudar. Outra possibilidade – certamente um pouco mais arriscada - é a de que ela mesma utilize um banco ou cavalete para alcançar o objeto de seu interesse. Controlando o comportamento de outrem ou lançando mão do expediente de recorrer a um objeto para alcançar outro, o comportamento deste indivíduo foi mediado por elementos de seu meio ambiente histórico-cultural. Como sintetiza Vigotsky (2000, p.20)

O caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social.

O que queremos sublinhar aqui é o caráter de mediação contínua de todas as atividades coletivas humanas. Ao contrário dos demais animais, para quem a relação com a natureza é imediata, ou seja, se processa sem instrumentos, entre os seres humanos há mediações políticas, lingüísticas, culturais, afetivas, históricas, econômicas, midiáticas de toda ordem, que tornam ainda mais nuançadas as suas relações sociais, em que a interação multilateral de diversos atores com diferentes níveis de aprendizagem, posições discursivas e composições subjetivas promovem a proliferação das atividades de mediação entre os mesmos. Assim, por exemplo, podemos pensar que, strictu sensu, as atividades do OP lançam mão de recursos mediadores – como, por exemplo, a utilização de desenhos como suporte para a elaboração de propostas, ou a farta utilização de imagens para ilustrar termos complexos. Por outro lado, observando o processo de forma mais ampla, podemos supor que os executores da política de OP aprendem e ensinam em conjunto com os diversos conselheiros e delegados participantes da política, que por sua vez, entre si, mediam a construção de consensos e dissensos sobre a alocação orçamentária da cidade, sobre a melhor forma de fiscalização das obras e serviços demandados nas assembléias, e assim os saberes vão ganhando em substância e pertinência, transformando-se em andaimes para níveis de

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compreensão ainda mais refinados, num movimento de complexificação ascendente virtualmente infinita. Em resumo queremos, por fim, sublinhar o fato de que, para nós, a investigação da política de Orçamento Participativo sob o prisma do arcabouço teórico-metodológico da psicologia sócio-histórica nos revelou um profícuo espaço de análise e intervenção para o profissional psicopedagogo. Utilizando-se dos padrões de interação entre crianças e adultos assim como estas se dão no cotidiano da política este profissional pode, por analogia, fecundar sua práxis laboral com insights de natureza metodológica e conceitual que podem, por exemplo, auxiliá-lo em sua intervenção na relação entre ensinantes e aprendentes no âmbito de uma instituição escolar.

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6 EPÍLOGO: DEMOCRACIA SE APRENDE?

As crianças precisam crescer no exercício desta capacidade de pensar, de indagar-se e de indagar, de duvidar, de experimentar hipóteses de ação, de programas e não apenas seguir os programas a elas, mais do que propostos, impostos. As crianças precisam ter assegurado o direito de aprender a decidir, o que se faz decidindo. Se as liberdades não se constituem entregues a si mesmas, mas na assunção ética de necessários limites, a assunção ética desses limites não se faz sem riscos a serem corridos por elas e pela autoridade ou autoridades com que dialeticamente se relacionam. Paulo Freire, “Do direito e do dever de mudar o mundo”, em Pedagogia da indignação

O Psicólogo alemão Lewin (1970), hoje lembrado como o “pai” dos estudos sobre a dinâmica dos grupos e da Teoria da Gestalt, foi também um teórico preocupado com a modificação cultural dos povos no sentido da instituição de condutas democráticas e o progressivo abandono das práticas autocráticas, características das sociedades européias das primeiras décadas do século XX. Lewin (1970), que era um alemão de origem judia, imigrou para os Estados Unidos ainda na década de 20 e de lá acompanhou, com preocupação, o desenrolar da ascensão hitlerista ao poder em seu país e as conseqüências nefastas deste fato para o seu povo. Fascinado com a cultura associacionista, empreendedora e democrática da sociedade americana, mais flexível e aberta aos contatos interpessoais, não cessou de traçar paralelos entre os dois padrões culturais, que considerava opostos, e de recomendar amplamente a disseminação, em todos os níveis sociais, de condutas pluralistas, dialógicas e baseadas em decisões coletivas. Lewin (1970) era um teórico e um engenheiro das ciências psicológicas. Não o interessava apenas a especulação conceitual sobre determinado assunto, trabalho a que de resto aparentemente se lançava de bom grado, mas também, e, sobretudo, o teste in loco de suas hipóteses. Era enfático com relação à sua compreensão de que a democracia – ao contrário da autocracia, que pode ser imposta aos indivíduos, que se plasmarão sem muitas dificuldades a esta configuração social – só pode ser aprendida e, mais, aprendida mediante a vivência prática e cotidiana de situações democráticas, nas quais efetivamente as decisões fossem compartilhadas e preponderassem as soluções dialogadas. Lewin (1970) afirmava ainda que era somente através da intervenção técnica em pequenos grupos que se poderia obter transformações subjetivas de forma consolidada.

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Pensemos portanto que, se a vivência de situações democráticas reais, tal como postula Lewin (1970), é condição sine qua non para que aprendamos a nos tornar sujeitos democráticos, caiba talvez lançar a questão: em que momentos, na vida cotidiana, nós temos a oportunidade de vivenciarmos experiências que consideramos efetivamente democráticas? Em nossa família, nosso bairro, nosso trabalho, em nosso círculo de amizades, em nossas relações amorosas, desenvolvemos relações democráticas, amparadas na decisão conjunta e na abertura à opinião dos outros? Direcionando nosso questionamento para a instituição escolar - lócus de atuação precípua do psicólogo escolar e do profissional psicopedagogopodemos dizer que nós aprendemos com ela a sermos cidadãos fiadores e mantenedores da democracia em nossas vidas cotidianas? Nesta instituição - e aqui devemos pensar nas instituições escolares concretas, que conhecemos ou nas quais estudamos - quantas das decisões que afetam diretamente os alunos são tomadas em conjunto com eles? A participação dos alunos nos Conselhos escolares é qualitativa? Como são resolvidas as questões salariais e a disposição dos docentes na grade de aulas? As questões relativas à escola são tomadas em conjunto com a comunidade, com seus usuários e com seus funcionários? As respostas a estas indagações, a nosso ver, têm como pano de fundo algumas das questões que exploramos no presente trabalho. Aos nos fixarmos somente na instituição escolar como espaço de produção de relação de ensino-aprendizagem, aparentemente perdemos de vista a oportunidade de problematizarmos as possibilidades educacionais existentes, por exemplo, em políticas públicas como a de Orçamento participativo em Fortaleza. Acreditamos que “ensinar” democracia, como parece corroborar a afirmação de Paulo Freire na epígrafe desta última seção de nosso texto, só é possível no engendramento de situações em que as crianças e adolescentes possam efetivamente participar dos processos decisórios coletivos

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7 CONCLUSÃO

Os ensaios que compõem o presente trabalho originaram-se de nossa experiência enquanto membros da Coordenação de Formação do Orçamento Participativo de Fortaleza, ou seja, como sujeitos que participam desta política pública a partir de um lugar específico, a saber, enquanto “gestores” da mesma. Nosso

trabalho

de

conclusão

de

curso

discorreu

sobre

as

implicações

psicopedagógicas da participação de crianças e adolescentes na política pública de Orçamento Participativo de Fortaleza a partir da obra de um dos “astros de primeira grandeza” das ciências psicológicas do século XX, o médico e psicólogo bielo-russo L.S. Vigotsky. Construtor de um paradigma original e de grande influência no pensamento pedagógico ocidental, o paradigma epistemológico histórico-cultural, este pensador soviético entendia que os seres humanos deveriam ser observados sob o crivo de quatro planos analíticos de desenvolvimento distintos, a saber, o plano filogenético, que liga os processos psíquicos humanos aos seus predecessores, os animais; o plano ontogenético, que trata especificamente das características próprias do desenvolvimento proporcionadas pela inserção dos seres humanos na cadeia ontogenética, como a bipedia, a visão binocular frontal ou polegar apreensor; o plano sociogenético, que se ocupa da situação social e histórica das pessoas e, por fim; o plano microgenético, que abarca as transformações psíquicas singulares em cada indivíduo. Esta análise multidimensional do desenvolvimento humano a partir dos escritos de Vigotsky permite uma série de desdobramentos teóricos que podem ser utilizados, por exemplo, em investigações como a aqui realizada. Conforme

vimos,

alguns

dos

vocábulos

da

teoria

histórico-cultural

do

desenvolvimento humano são de imensa importância para o entendimento da pedagogia moderna, tais como interiorização, mediação, atividade e, principalmente, a “famosa” ZDP, a Zona de Desenvolvimento Proximal. Para designar esta zona virtual de atualização de subjetividade existente entre o Nível de Desenvolvimento Real (NDR) e o Nível de Desenvolvimento Potencial (NDP) Vigotsky a chamou de Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), zona de interferência educacional por excelência, pois indica a importância dos componentes sócio-culturais e históricos expressos nos métodos pedagógicos para o desenvolvimento dos planos outrora citados. Em nosso ensaio, dissertamos sobre a

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possibilidade de observarmos as atividades do sob o prisma de seu potencial de ampliação das ZDPs dos participantes, considerando as profícuas mediações intergeracionais entre adultos e crianças nelas ocorridas. Vigostky muito contribuiu também para o aprofundamento na investigação da gênese dos processos psicológicos superiores (atenção, memória, afetividade, linguagem, pensamento) de cada criança histórica e particular e não daquela concepção abstrata de “criança universal” até então presente nos estudos sobre o desenvolvimento humano. Neste sentido, levantamos a hipótese de que a participação de crianças e adolescentes em atividades comunitárias socialmente coordenadas por adultos é condição essencial para a sua humanização, aqui entendido como o desenvolvimento pleno destas funções psicológicas superiores. Vimos também o longo e complexo processo de formação conceitual de crianças e adolescentes, desde sua mais rudimentar característica de agregação sincrética de elementos dispersos , passando pelos diversos “complexos” de pensamento até o desenvolvimento do pensamento conceitual propriamente dito. As teorias de Vigotsky a este respeito nos fornecem um amplo cabedal de indícios que nos permitem supor que os indivíduos detêm, desde sua mais tenra idade, a capacidade de formar conceitos sobre o mundo em que vivem e, consequentemente, operar sobre o meio circundante com base nestas formas de pensamento. A guisa de conclusão esperamos ter lançado luz sobre alguns pontos fulcrais da extensa e densa obra vigotskyana no que diz respeito aos conceitos e idéias que fornecem um embasamento para a justificação da participação de crianças e adolescentes nas atividades do OP de Fortaleza. Para o campo de saber psicopedagógico, por definição de natureza interdisciplinar, consideramos preciosa a oportunidade de abordar outros temas educacionais que não somente aqueles restritos à instituição escolar. Estamos cônscios de que nossa abordagem introdutória se mantém pouco abaixo da superfície dos temas aqui referidos, mas que esta pode servir como um profícuo caminho heurístico para a realização de um aprofundamento empírico subseqüente. Desejamos ter exprimido aqui a dimensão do compromisso social do profissional psicopedagogo reflexivo que temos buscado ser em nossa atuação laboral cotidiana, ao intentarmos uma reflexão sobre nossa práxis junto a Coordenação de Formação da Coordenadoria de Participação Popular da Prefeitura Municipal de Fortaleza.

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