Constitucionalismo democrático e direitos humanos

July 7, 2017 | Autor: Fernanda Duarte | Categoria: Direito Constitucional, Direitos Humanos, Constitucionalismo Democratico
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12ª Semana Jurídica da UFRJ. O constitucionalismo e os direitos humanos numa perspectiva do ensino jurídico crítico. 2004

CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO E DIREITOS HUMANOS: uma visão panorâmica Fernanda Duarte Duas observações iniciais: 1. intervenção para sensibilizar para a temática 2. condução generalista do tema = assumir os riscos que as generalizações trazem consigo. Construção de minha fala: 3 momentos 1o. momento: radiografia do mundo atual 2o. momento: o que são os direitos humanos nesse cenário? 3o. momento: mapear alguns dos “problemas”/debates que hoje se desenham 1o. momento: RADIOGRAFIA DO MUNDO ATUAL traço característico de nosso mundo: COMPLEXIDADE 

crise: de valores (ética) - crise do Estado (crise fiscal, segurança pública, seguridade social ) crise política (sistema representativo) - crise dos tradicionais papéis de gênero - crise da família - crise das religiões - crise dos 30, dos 40 ...

crise da MODERNIDADE que derruba por terra a certeza das verdades inquestionáveis (SANTOS, Boaventura de Souza. Um discurso sobre as ciências. 13. ed. Porto: Afrontamento, 2002)



fragmentação/heterogeneidade

a Medicina é o maior exemplo dessa “hiperespecialização” (movimento de crescimento de terapias alternativas, holísticas, como a homeopatia Hall apresenta o diagnóstico dessa fragmentação (HALL, Stuart. A identidade cultural na pósmodernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2000): “Um tipo diferente de mudança estrutural está transformando as sociedades modernas no final do século XX. Isso está fragmentando as paisagens culturais de classe, gênero, sexualidade, etnia, raça, e nacionalidade, que, no passado, nos tinham oferecido sólidas localizações como indivíduos sociais. Estas transformações estão também mudando nossas identidades pessoais, abalando a idéia que 1

temos de nós próprios como sujeitos integrados. [...] O sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas.” 

incerteza/ instabilidade

riscos da globalização (mercado de trabalho, por ex., riscos do desemprego, da mobilidade social riscos quanto à segurança pessoal (física e moral), patrimonial e coletiva riscos do terrorrismo riscos da Aids riscos da guerra nuclear riscos da destruição do meio-ambiente riscos da informação RISCO (Giddens) “Hoje em dia, os mundos social e natural estão totalmente influenciados pelo conhecimento humano reflexivo; mas isso não conduz a uma situação que nos permite ser, coletivamente, os donos do nosso destino. Muito ao contrário: o futuro se parece cada vez menos com o passado e, em alguns aspectos básicos, tem se tornado muito ameaçador. Como espécie, não temos mais uma sobrevivência garantida, mesmo a curto prazo – e isto é uma conseqüência de nossos próprios atos, como coletividade humana. Hoje em dia, a noção de ‘risco’ é fundamental para a cultura moderna justamente porque grande parte do nosso pensamento tem de ser do tipo ‘como se’. Em muitos aspectos de nossa vida, tanto individual quanto coletiva, temos de construir regularmente futuros potenciais, sabendo que essa mesma construção pode, na verdade, impedir que eles venham a acontecer. Novas áreas de imprevisibilidade são muito freqüentemente criadas pelas próprias tentativas que buscam controlá-las” (GIDDENS, Anthony, BECK, Ulrich e LASH, Scott. Modernização reflexiva. São Paulo: UNESP, 1995)



DESENCANTO = ANGÚSTIA= medo

Pablo Gentili e Chico Alencar escreveram “como educar para a esperança em tempos de desencanto” (GENTILI, Pablo; ALENCAR, Chico. Educar na esperança em tempos de desencanto. Petrópolis: Vozes, 2001)

O que nos espera amanhã???? 2o. momento: o que são os direitos humanos nesse panorama?  problema da vagueidade semântica = expressão sem densidade semântica

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Para Pérez Luño, “basta uma análise superficial das diversas concepções doutrinárias elaboradas sobre os direitos humanos para comprovar a profunda e radical equivocidade que tem assumido este termo” (PÉREZ LUÑO, Antonio Enrique. Derechos humanos, estado de direito e constituição, p.23.) Ou no dizer de Iginacio Ara Pinilla, os direitos humanos podem ser caracterizados por uma “realidade polivalente” ou como o paradigma da “equivocidade” (ARA PINILLA, Iginacio. Las transformaciones de los derechos humano. Madrid: Tecnos, 1994).  problema da eficácia = tão bem apontado por Bobbio em a Era dos Direitos.  uso simbólico = postura de resistência (especialmente se falamos em estudo crítico preservação da vocação emancipatória dos DH) intencionalidade de violação e desrespeito (Celso de Albuquerque Mello, Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996)  uma definição para nós (embora o autor fale em direitos fundamentais que são os direitos humanos em plano interno positivados)

Para Gregorio Peces-Barba Martinez, direito fundamental é concebido como:

“faculdade que a norma atribui de proteção à pessoa no que se refere a sua vida, sua liberdade, a igualdade, a sua participação política ou social, ou qualquer outro aspecto fundamental que afete o seu desenvolvimento integral como pessoa, em uma comunidade de homens livres, exigindo respeito dos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com possibilidade de colocar em atividade o aparato coativo do Estado em caso de infração.” (PECES-BARBA, Gregorio. Derechos e derechos fundamentales, p. 190-1)  núcleos = DIGNIDADE remete à felicidade possibilidade de realização de tudo o que podemos ser  independentemente de sua definição = idéia de ESCUDO PROTETOR

A importância dos direitos humanos se evidencia na sua própria vocação para proteção e continuidade da vida humana que funcionam como um escudo de proteção da

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vulnerabilidade humana às intempéries incitas da existência humana ou produzidas pelos próprios seres humanos.

“ O antídoto que os homens inventaram para neutralizar essa fonte de desgraças é precisamente a idéia de direitos humanos. Não obstante antecedentes tão remotos como os fueros espanhóis, as

cartas inglesas, as declarações norte-americanas, etc., é com a

Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789 que se faz completamente explícito que a mera vontade dos fortes não é uma justificação última de ações que comprometem interesses vitais dos indivíduos, e que a simples qualidade de ser um constitui um título suficiente para gozar de certos bens que são indispensáveis para que cada uno eleja seu próprio destino com independência do arbítrio de outros. Todavia resulta impressionante a sentença do prólogo da Declaração da Assembléia francesa que diz que “a ignorância, o esquecimento e o desprezo dos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos” (NINO, Carlos Santiago. El construtivismo ético. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1984).

TAREFA DOS DH: (RE)HUMANIZAÇÃO - vocação emancipatória 3o. momento: mapear alguns dos “problemas”/debates que hoje se desenham  alguns alertas: 

traço marcante dos DH: transversalidade



DH não podem ser apropriados com exclusividade pelo jurídico



Diversas áreas do conhecimento humano aportam com o seu olhar - o que nos permite uma maior aproximação do ideal da “completude/inteireza”



PORÉM, é o Direito que é especialmente convocado a dar soluções em situações de conflito

Esse é o desafio do Constitucionalismo Democrático estar atento a um objeto multifacetado, sem se descurar do universo jurídico

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 segue a proposta de uma radiografia geral, mas cada um dos seus elementos podem ser recortados e, portanto, melhor delimitados e aprofundados, definindo-se suas categorias teóricas, com uma bibliografia e interlocutores próprios.  Vamos pinçar 3 aspectos, propondo uma breve sistematização: a questão do multiculturalilsmo; a instrumentalização teórica; e os novos direitos.

A QUESTÃO DO MULTICULTURALISMO Multiculturalismo = conjunto de “reivindicações de determinadas minorias para sua especificidade e sua identidade sejam reconhecidas e leis sejam criadas, podendo ir da simples concessão de direitos ou privilégios especiais até a concessão de formas de autonomia política e governamental” (SEMPRINI, Andréa. Multiculturalismo. Bauru, São Paulo: Edusc, 1999:56). O Multiculturalismo, numa visão enciclopédica, “is a current in socio-political thought claimed by some to be an ideology. It is popular among the political left and social liberals in developed countries. The primary focus of multiculturalism is centred around the interactions between different cultural groups resident within a political entity; namely a state. Exponents of multiculturalism often believe some, but not necessarily all of the following: different ethnic groups possess unique attributes; differences and similarities between ethnic groups should be identified and celebrated; different ethnic groups should learn from each other, and one means to this is by living within the same country; ethnic homogeneity within a country leads to a bland and highly negative existence, and should be strongly discouraged; mass immigration has positive effects on society; the hegemony of occidental cultures has been a source of racism and intolerance, and the foundation of numerically large ethnic minorities within countries of predominantly occidental culture may influence members of the majority community towards tolerance and and away from a heritage of racism; most human beings are inherently prone to, and the perpetrators of, racism and intolerance, and may, in theory, learn how to be tolerant and unracist by living in a diverse environment; opposition to multiculturalism is fueled by racism.” (Wikipedia. Disponível em:< http://www.wikipedia.org/wiki/Multiculturalism>. Acesso em: 12 ago. 2003)

(De forma geral, as críticas que são formuladas ao Multiculturalismo têm como ponto principal o risco de fragmentação que o mesmo apresenta, o que ameaçaria a ordem democrática - que tem por pressuposto um valor universal de igualdade.)   

esse debate remete ao problema do alcance dos destinatários/titulares dos DH chama atenção para problemática da identidade - diferença - minorias (qual o valor da diferença) universalismo X particularismo (liberais e comunitários) - Rawls, Habermas, Walzer, Taylor ... entre nós Gisele Cittadino bem retrata esse debate (CITTADINO, Gisele. Pluralismo, direito e justiça distributiva. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1999)

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INSTRUMENTALIZAÇÃO TEÓRICA PARA O DEBATE JURÍDICO 

Produção de categorias jurídicas que forneçam maior racionalidade e sofisticação para (densidade argumentativa) para a solução dos conflitos que envolvam DH

 natureza dos DH: direitos morais, direitos públicos subjetivos .... - os direitos sociais são DH (sindicabilidade, mínimo existencial, escolhas difíceis) ?  estrutura morfológica (normas: regeras e princípios)  problema da colisão : os tipos de colisão, formas de resolução: categorização, ponderação (núcleo essencial), limites dos DH (novos contornos com o terrorismo? Já há obras nos EUA sobre isso e em Minas há um grupo trabalhando essa questão) ....  interpretação dos DH - formulação de métodos e princípios que informam a interpretação (Bockenford, Jane) , v.g., vedação do retrocesso; maior efetividade ...  eficácia: a) sistemas internos: federalização dos crimes DH; acesso à Justiça (Defensoria pública e JE - papéis estratégicos ; instrumentos processuais (jurisdição da liberdade, meios alternativos de solução de conflitos); b) sistemas externos: Tribunais supranacionais; tratados internacionais (setoriais, regionais....Pacto de São José da Costa Rica); c) o papel das ONGs - emergência de novos atores  aplicação dos DH nas relações privadas: eficácia horizontal (Daniel)  jurisdição constitucional : legitimidade, Cortes Constitucionais, papel do juiz constitucional, como interpretar a constituição..... etc... etc... etc...

NOVOS DIREITOS Deringer nos fala da troca de paradigmas - de liberdade, igualdade e fraternidade para segurança, diversidade e solidariedade. Sem que os direitos clássicos tenham sido alcançados em plenitude!!!!   

eutanásia bioética: clonagem humana fontes de energia (água e petróleo)

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direitos das minorias (direitos dos homossexuais, dos idosos,) meio-ambiente sustentável internet direito à literatura (defendido por Antonio Cândido, em Vários Escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995) direito á diferença

etc... etc...etc...

Palavras finais, numa inspiração crítica: “ Esta importância dos direitos humanos está dada, como é evidente, pelo fato de que eles constituem uma ferramenta imprescindível para evitar um tipo de catástrofe que com freqüência ameaça a vida humana. Sabemos, embora prefiramos não recordá-lo a todo o tempo, que nossa vida é permanentemente espreitada por infortúnios que podem aniquilar nossos planos mais firmes, nossas aspirações de maior alento, o objeto de nossos afetos mais profundos. Não é por ser óbvio que deixa de ser motivo de perplexidade o fato de que este caráter trágico da condição humana esteja dado pela fragilidade de nossa constituição biológica e pela instabilidade de nosso habitat ecológico, por obra de nós mesmos. Para um observador externo deve ser realmente patético o espetáculo destes pobres seres cuja consciência se prolonga por apenas umas décadas e cujos penosos intentos de dar sentido a sua vida durante esse breve lapso se vêem muitas vezes frustrados por interferências mútuas. Estas colisões se produzem não apenas pela escassez de recursos externos para satisfazer interesses, mas também pela prática de muitos de utilizar seus congêneres como outro tipo de recursos, seja para assegurar seu próprio bem-estar, seja para materializar alguma visão peculiar do bem absoluto. Esta prática de usar os homens como instrumentos é muito mais desastrosa, como costuma acontecer, quando é levada a cabo pelos poderosos, por aqueles que têm acesso às armas ou a outros meios para submeter seus semelhantes em grande escala.” (Nino, 1989:1-2)

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