Constitucionalismo e Diálogo Institucional: Uma análise dos limites pragmáticos e normativos da noção de ativismo judicial

June 14, 2017 | Autor: D. Cronemberger | Categoria: Direito Constitucional, Ativismo Judicial, Constitucionalismo, Teoria do Diálogo
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CONSTITUCIONALISMO E DIÁLOGO INSTITUCIONAL: UAM ANÁLISE DOS LIMITES PRAGMÁTICOS E NORMATIVOS DA NOÇÃO DE ATIVISMO JUDICIAL Danilo Nunes Cronemberger Miranda1 Caso haja alguma concordância na literatura nacional sobre o ativismo judicial, esta deve ser sobre a origem recente do debate brasileiro em relação às experiências estrangeiras, em especial a estadunidense. Em larga medida, o debate nacional está intimamente ligado à ascensão do poder judiciário, com especial foco para o Supremo Tribunal Federal, nas últimas duas décadas (CAMPOS 2014, 210). Apesar de ainda nascente, entendo que nossa discussão atual já nasceu viciada. Pretendo defender, ao longo das próximas páginas, que a noção de ativismo judicial utilizada no debate nacional ao mesmo tempo mascara e é influenciada por certa visão acerca do constitucionalismo. Tal visão possui limites pragmáticos e normativos que diminuem (i) a capacidade explicativa do termo ativismo judicial e (ii) comprometem a possibilidade de construir-se justificativas normativas robustas para o termo. Em suma, no nosso estágio de discussão, a compreensão e problematização da interação ente Cortes Constitucionais e Parlamentos, e com ela a noção de ativismo judicial, é deficiente por falta de uma noção mais dinâmica e dialógica do constitucionalismo. Para os fins deste artigo, utilizo uma noção mais abrangente de constitucionalismo, que em poucas palavras pode ser compreendida como uma corrente teórico-normativa que visa canalizar e controlar as manifestações de poder político como mecanismo de legitimação. Com esta concepção mais larga, busco identificar um aspecto comum aos distintos modelos de constitucionalismo desenvolvidos ao longo dos últimos 70 anos pelo menos, qual seja a preMestrando em Direito Constitucional pela Universidade de São Paulo – Brasil. O contato com o autor pode ser feito pelo correio eletrônico [email protected]. 1

DOI: 10.17931/dcfp_v1_art05

Danilo Nunes Miranda • 57 tensão de controlar-se a arbitrariedade decisória nos processos de tomada de decisão política em determinada comunidade política. Pensado dessa forma, o constitucionalismo deve ser visto como um objetivo (achievment) que, apesar de aceitar variações, não é compatível com todo e qualquer conteúdo. Dois aspectos são fundamentais a este conteúdo mínimo: o estabelecimento de uma relação de legitimidade para as regras do jogo e o exercício da regulação da atividade daqueles que comandam. Existe, portanto, um exercício de equilíbrio entre a presença da (i) legitimidade democrática da origem do poder público e a (ii) limitação do poder governamental erigido pelo próprio princípio democrático. Isto indica duas conclusões: A mais óbvia é aquela que diz que uma constituição que privilegia apenas um desses conteúdos (legitimidade democrática sem governo limitado ou o contrário) não contempla as expectativas do constitucionalismo (GRIMM 2010, 10). A segunda conclusão, menos óbvia, é que mesmo uma Constituição que englobe estes pressupostos pode estar sujeita à não contemplar as expectativas do constitucionalismo. É o caso, por exemplo, quando não há equilíbrio no modo como tais pressupostos são organizados, o que inclui atenção tanto no momento de criação da ordem constitucional (direcionada ao arquiteto institucional) quanto ao desenvolvimento futuro das relações entre os agentes políticos que participam do “jogo constitucional”. Esta consideração é menos óbvia, pois ela pressupõe que o observador esteja ciente de que as interações nascentes entre os participantes do jogo, como Cortes Constitucionais e Parlamentos por exemplo, também podem dar ensejo à formação de cenários arbitrários de assimetria de forças entre os participantes. Entendo que a atual noção de ativismo judicial empregada no Brasil é em larga medida produto de um modelo de constitucionalismo ancorado em certa noção de estática institucional. Por isso, refiro-me a este modelo como constitucionalismo estático. Aqui reside o vício a que fiz referência no debate nacional acerca do ativismo judicial. Tal noção estática, entendo, limita a capacidade do observador de entender e problematizar deformações que possam se formar nas interações entre os participantes da interação institucional. É o que tentarei demonstrar a seguir. Um recorte metodológico a ser imprimido é que minha preocupação aqui residirá sobre a jurisdição constitucional, o que inclui além das tradicionais cortes supremas como nosso Supremo Tribu-

58 • Constitucionalismo e diálogo institucional nal Federal, a atuação de juízes singulares nas situações em que estes são autorizados a fazer controle de constitucionalidade, como em países em que vigora o modelo difuso. Não desconheço que o ativismo judicial possa ocorrer inclusive fora da jurisdição constitucional, mas entendo que se minha argumentação for consistente, ela poderá ser adequadamente expandida para a atuação como um todo do poder judiciário, atentando para possíveis diferenças de grau, que não explorarei aqui. Minha preocupação, portanto, reside, basicamente na decisão que controla a constitucionalidade de modo amplo (declarações de inconstitucionalidade, interpretação conforme, dentre outras). A questão é ainda mais relevante para conjuntura brasileira, pois, como gosta de ressaltar o próprio Ministro Barroso, todo juiz no Brasil é juiz constitucional. Portanto, daqui em diante, utilizarei de modo indistinto palavras como juiz, corte e tribunal, sempre querendo me referir ao momento em que exercem a jurisdição constitucional. Em segundo lugar, me parece importante deixar claro desde o princípio, que minha análise parte de determinados pressupostos descritivos e normativos, respectivamente as ideias de interação e diálogo institucional. Assim, em termos ideais, minha crítica ao modelo de constitucionalismo estático passará pela possibilidade de superação desse modelo.

Entre pessimistas e otimistas Foco minha preocupação na empreitada largamente discutida em nossos dias pela doutrina constitucional nacional em identificar-se com exatidão a posição de juízes e legisladores em nosso arranjo institucional, especificamente quanto ao produto de suas atuações. É provável que a característica mais marcante deste debate seja a inclinação pela negação ao ativismo ou por sua defesa inflamada na legitimação de direitos fundamentais. A ligação com a ideia de ativismo judicial é intuitiva e reside, resumidamente, na alegação de que juízes devem ou não, dependendo da posição normativa do observador, ultrapassar os limites que lhe são impostos pela função jurisdicional. Para os fins desse trabalho, vejo no apego à idéia de ativismo judicial o melhor exemplo do modo como um modelo estático de constitucionalismo expõe suas limitações.

Danilo Nunes Miranda • 59 A inclinação do debate nacional pelas faces negativas ou positivas do ativismo judicial demonstra verdadeira inclinação pelo uso do ativismo judicial como lente de análise de mérito das decisões judiciais, o que por vezes dificulta a própria identificação do núcleo conceitual do ativismo judicial (CAMPOS 2014, 150). Nossa cultura constitucional está ligada ao choque de discurso entre pessimistas e otimistas. A boa notícia, no entanto, é que a estagnação neste ponto do debate revela as limitações do aproach estático do constitucionalismo em que se fundamentam, o que pode facilitar uma futura inflexão nos rumos de nossa discussão constitucional, caso as mudanças de postura necessárias sejam feitas. Assim, a primeira constatação importante é que em ambas as correntes a questão da última palavra sobre a Constituição é um tema recorrente. Entendo dessa forma, pois, em ambas correntes, a construção da legitimidade democrática de uma decisão constitucional, de onde quer que ela emane, está diretamente relacionada com a atuação do poder que institui essa decisão ou com a expectativa que se tem sobre o Poder que emana a decisão. Por um lado, pessimistas analisam a legitimidade com base na expectativa construída através da Constituição e da leitura feita pela doutrina e operadores do Direito. Ou seja, a comunidade jurídica, tendo como base a Constituição, define a priori as situações em que a corte constitucional deve ou não poder se manifestar sobre determinado tema. A legitimidade da corte, portanto, dependerá de sua atenção a estes limites. É, portanto, uma postura altamente deontológica. A proibição do ativismo reside na própria regra que regula os limites de atuação dos poderes e em como essa regra é compreendida (RAMOS 2010, 195). Por outro lado, otimistas, definem os limites dos tribunais por meio das possíveis consequências e das capacidades das cortes de lidarem com a dificuldades impostas pelo ativismo. Significa dizer que a legitimidade também está centrada na atenção a certos limites de atuação da corte (BARROSO 2008, 06). Se considerarmos os Poderes constituídos como espaços decisórios, teremos como conclusão que ambas as correntes se preocupam em trabalhar a legitimidade da atuação dos Tribunais dentro de espaços decisórios delimitados. Há uma diferença de grau apenas entre as correntes, no sentido de que otimistas tendem a olhar um pouco mais para externalidades produzidas pelo tribunal e para além do seu espaço decisório. Ainda assim, a preocupação

60 • Constitucionalismo e diálogo institucional se dá não pelo engajamento em entender possíveis interações com os outros espaços, mas com o modo como as influências externas devem se acomodar dentro da decisão da Corte. Pensar o ativismo significa diagnosticar um fenômeno e até certo ponto entendê-lo como problema ou solução, sem perder de vista seus eventuais vícios, como faz o Ministro Barroso (2011, 45). Por esse motivo, entendo que o diagnóstico ativista, em sua inclinação pelo pessimismo ou pelo otimismo, é um diagnóstico voltado para a compreensão das complicações concernentes ao problema da legitimidade de determinado arranjo constitucional, com foco no judiciário. E por pensá-lo como mecanismo autocentrado na atuação de um ou outro espaço decisório, em geral no da corte, entendo que o ativismo encerra um modelo de constitucionalismo estático. A segunda grande consideração é que ambas as correntes estão amparadas numa concepção tradicional da separação de poderes voltada, basicamente, para a divisão do trabalho. Tal menção é explícita em Ramos (2010, 113). Já no modelo otimista, a concepção de separação de poderes como divisão de trabalhos fica mais claro, ainda que indiretamente, na ideia de capacidades institucionais. Neste conceito, o Ministro Barroso explora situações em que o Tribunal deixaria de se manifestar em casos convencionais (em que inexiste a necessidade de efetivar-se direitos fundamentais), pois o legislativo, por exemplo, estaria mais apto a dirimir sobre aquela questão, seja porque tem maiores mecanismo de entrada ou porque tem maior potencial em entender e controlar as externalidades produzidas pela decisão (BARROSO 2008, 12). Vale ressaltar que, assim como foi apresentado na introdução, meu objetivo não é identificar erros metodológicos ou teóricos nas noções de ativismo aqui apresentadas. Pretendo explorar, na realidade, limites dessas ideias, em acordo com minha hipótese inicial de que o modelo de constitucionalismo estático em que se escora as noções de ativismo possui limitações tanto descritivas quanto normativas. Tal posição não significa dizer que a teoria deva deixar de analisar e criticar decisões judiciais, inclusive pelo ponto de vista de sua legitimidade democrática. Significa apenas que talvez devamos trocar nossas lentes para poder enxergar novos problemas e entender melhor velhos desafios.

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O Direito e o Tempo Em poucas palavras, a noção de ativismo judicial se propõe a identificar momentos nos quais tribunais vão além de suas atribuições. Apesar da palavra momento indicar clara preocupação temporal, as noções de ativismo em geral estão mais preocupadas com fixações pontuais. Quando me refiro a histórico trato da ideia de que determinado ato humano pode não só postergar-se no tempo, como também servir se símbolo, base, ou mesmo razão para a prática de outros fatos no futuro. Ações, nesse sentido, podem e são tomadas como referências para outras ações. Por outro lado, histórico indica não só pertinência com o futuro, mas também com o passado. Ações no presente, ou no passado, podem também serem analisadas pelo ponto de vista dos fatores e demais ações que lhe influenciaram. O Direito, como me parece intuitivo, também não está alheio ao fluxo histórico. Nas suas diversas manifestações o Direito também aparece como uma ação histórica, seja no momento da instituição de uma Constituição pelo poder constituinte originário seja na produção de uma decisão judicial. Parece-me, portanto, um fato inquestionável que decisões de tempos diferentes se comunicam, ainda que isto não seja um ato necessariamente consciente ou expresso nas fundamentações do magistrado. O Direito, e por consequência a decisão judicial, estão imersos em certa contingencialidade temporal. A contingencialidade temporal está relacionada à impossibilidade do juiz de prever no longo prazo as externalidades produzidas por sua decisão. O devir jurídico, nesse sentido, é inerente à dinâmica social, e pode ser percebido pelo fluxo contínuo de novas interpretações extraídas de um mesmo comando legal, tendo como consequência não a “descoberta” de um Direito já existente no âmago da lei, mas a criação de Direito novo, inerente às mudanças do tempo (LARENZ, 1997, p. 495). Isto torna impossível a percepção do ativismo como fenômeno isolado no tempo. Qualificar determinada decisão judicial como “ativista” não só esconde o caráter dinâmico do direito, como também nos impede de entender as relações entre judiciário e legislativo como fenômeno histórico, ou seja, sujeito às mudanças temporais. Chamo a atenção é para uma certa deficiência de uma pro-

62 • Constitucionalismo e diálogo institucional posta de definição que não se atém ao aspecto histórico e que não consegue explicar a evolução do modo como o judiciário encara o seu próprio papel frente a Constituição. Minha última afirmação me conecta com o próximo tópico. O caráter histórico dá fortes indícios de que decisões do próprio judiciário são um importante fator na construção do papel do próprio judiciário. A separação de poderes, mais do que estabelecer regras claras sobre espaços decisórios, pelo contrário, parece possibilitar que os Poderes “testem” até onde vão seus espaços. Não só o judiciário se auto afirma por meio de suas decisões, como também os demais Poderes, inclusive reagindo aos avanços e retrocessos dos demais. O que significa, portanto, que o caráter provisional das decisões judiciais não está só relacionado ao fato delas sofrerem modificações e evoluções conforme o tempo, mas também que elas estão sujeitas à apreciação e, até certo ponto, também à reversão por outros poderes.

Provisionalidade e reatividade: última palavra? Tribunais e Parlamentos, não atuam no vazio político, suas ações são, nalguma medida, influenciadas pelas posições assumidas pelos demais participantes do jogo político. Significa dizer, portanto, que Cortes e Parlamentos podem interagir não só com o ambiente político que as rodeiam, mas também que estas instituições podem interagir entre si. Existe alguma reticência na teoria tradicional em afirmar que juízas realizam ponderações políticas. Minha atenção aqui não se prende à noção mais lata de juízo político, relacionada à escolha de pontos de vista pessoais e interesses na tomada de decisão. Meu foco está na percepção de que Tribunais percebem o ambiente político em que suas decisões entraram em vigor, e a potencialidade de tais decisões serem ou não cumpridas. Assim, cortes tem de, em algum momento, lidar com a reatividade política dos demais agentes componentes da comunidade política, ou seja, a corte tem de se perguntar como devem ser implementados aquelas razões e princípios que a corte entende serem devidos por meio da Constituição (BICKEL, 1986, p. 69). A reatividade política, portanto, existe tanto para dentro da decisão da corte, quanto para fora. O judiciário participa, nesse sentido, da construção não só jurídica, mas também política dos temas

Danilo Nunes Miranda • 63 constitucionais, num aspecto que é dificilmente percebido por teorias da interpretação (MENDES 2009b, 07). Cortes são simultaneamente constrangidas tanto pelo direito quanto pela política, no sentido de que, ao mesmo tempo que têm de ser responsivas quanto ao modo como o direito e as normas jurídicas devem ser operacionalizados (especialmente tal qual entende a comunidade política), cortes também tem de perceber os movimentos políticos para poder implementar suas decisões, bem como sua capacidade não de não sofre ataques políticos, mas de sobreviver a eles (ROUX, 2013, p. 84-87). O ativismo judicial como diagnóstico de compreensão da decisão judicial e de sua relação com a legitimidade dificilmente consegue captar este tipo interação mais dinâmica entre política em cortes, o que expõe novamente uma limitação pragmática na utilização do conceito. A ideia de reatividade política, no entanto, engloba não só a reação que poderes adotam internamente em relação à conjuntura política e às decisões de outros poderes. A reatividade possibilita, inclusive, que Poderes “respondam” às ações dos demais. Especificamente quanto à relação entre Judiciário e Legislativo, são conhecidas as situações em que congressistas passam novas leis ou atos normativos com o intuito de sobrepor-se à decisão do tribunal. Parlamentos não só percebem decisões dos Tribunais como também respondem às duas decisões. Michell Pickerill, em seu estudo sobre o impacto das decisões da Suprema Corte Norte-Americana sobre as deliberações do Congresso Nacional daquele país (2004), constatou pelo menos quatro tipos de respostas legislativas às decisões da corte (2004, p. 40-41). O que estudos como o Pickerill revelam é que existe certa imprecisão com a ideia de última palavra. Decisões constitucionais, sejam elas emitidas por tribunais ou parlamentos, são provisionais, não só no sentido temporal, mas no sentido de que não determinam o final da linha para a controvérsia. O apego à noção de ativismo judicial, como lente de análise de acerto das decisões judiciais ou da legitimidade destas, reforça a predileção pelo discurso acerca da existência da última palavra sobre questões constitucionais, o que obscurece uma série de outros elementos envolvidos na continuidade da relação entre política e direito. Por certo, apenas clamar pela inexistência de uma última palavra e aclamar pela “transitoriedade universal das coisas” obs-

64 • Constitucionalismo e diálogo institucional curece que o jogo político e jurídico que anima a Constituição envolve custos (MENDES, 2009a, p. 41). A sociedade não pode depender da inexistência ou da busca sem resultados de uma resposta. A noção de ativismo judicial, no entanto, do modo como proposto, peca por não se ater a nenhuma dessas perspectivas, nem dá conta da continuidade da política, nem oferece bases firmes para a fixação de “últimas palavras provisórias”, devido à sua falta de caráter histórico. A conexão da noção de ativismo judicial com um modelo estático de constitucionalismo, em muito atrelado a uma separação de poderes também estática, dificulta a percepção mais interativa dos arranjos constitucionais. A noção de ativismo judicial ela própria não percebe que a própria ideia de separação de poderes é ela própria sujeita à historicidade, à provisionalidade sobre suas concepções e à disputa de atuação entre os Poderes que a compõe. Ninguém tem a última palavra, por que não existe última palavra2, inclusive sobre a própria separação de poderes (MENDES 2009a, 41). O ativismo judicial, do modo como é proposto, esconde a armadilha de trabalhar-se com a definição a pripri de quem deve ter a última palavra, sobre o que, quando, como e por quê. Um tipo de dilema constitucional dificilmente capaz de ser resolvido. O atrelamento à última palavra expõe a limitação pragmática que eu gostaria e acredito ter exposto de modo suficiente nesta subseção.

Separação de poderes e diálogo: uma velha conhecida, um novo olhar Para dar um passo adiante, e entrar nas explicações sobre teorias dialógicas, me parece importante ressaltar que em primeiro lugar elas são várias. Possuem alcances distintos e propósitos descritivos e normativos variados3. No entanto, para os fins deste trabalho, me importa ressaltar que teorias do diálogo compartilham a assunção de que a decisão judicial não é o fim da linha, ou, mais especificamente, a última palavra. Não importa o A frase é uma referenciadas feita por Conrado Hübner Mendes em “Is it all about the last word?” a Hanna Pitckin - “No one has the last word, because there is no last word”. 3 Neste sentido José Ribas Vieira et al. em Diálogos Institucionais e Ativismo (2010) e Chistine Bateup em The Dialogic Promise: Assesing the normative Potencial of Theories of Constitutional Dialogue (2006). 2

Danilo Nunes Miranda • 65 quão custoso possa ser a reversão de uma tal decisão, importa ter em mente que teorias do diálogo partilham a crença de que decisões são inevitavelmente provisionais. Existe vida política e constitucional após a sentença do Tribunal Constitucional (MENDES, 2011, p. 01). Neste sentido, a compreensão de diálogo institucional em que me baseio aqui, escora-se em uma nova leitura da separação de podres, de seu potencial normativo e de seu funcionamento. Nesta visão, separação de poderes propicia às instituições interagirem sobre as suas respectivas visões acerca da Constituição e, paralelamente, a definirem as barreiras que separam as competências de cada ente, chegando, assim, a uma situação de controle mútuo. A Constituição representa o guia mais elevado de possibilidades de atuação do poder político, e como guia que é, não pode oferecer mais do que “respostas incompletas”, as quais demandam a devida leitura, interpretação e desenvolvimento. Isto significa que mesmo a própria separação de poderes representa uma “resposta incompleta”, sua definição não está alheia à troca de influências entre os participantes do jogo político e aos fluxos e refluxos das relações de influência (MENDES, 2011, p. 13). O principal, no entanto, é que essa forma de controlar o poder possibilita que a legitimidade não seja uma questão de delimitação a priori. “Accordingly, it becomes possible to grasp that legitimacy is not only a product of a normative ex ante recipe of the separation of powers, but also hinges upon the performance that institutions may achieve ex post” (MENDES 2011, 05). A última palavra (ressalte-se provisional), portanto, importa, mas numa escala bem menor de importância do que no modelo de constitucionalismo estático. Ela serve à “colmatação” de disputas temporárias e à certa demanda por durabilidade decisória. No entanto, ela não tem qualidade de definitividade. A alegação polêmica de uma tal teoria é que a dinamicidade imposta pela separação de poderes implica também que nenhuma instituição tem o monopólio decisório, nem sobre direitos nem sobre políticas (MENDES, 2011, p. 11). Isto, no entanto, não deve ser entendido com um vale-tudo. O que tal teoria preconiza é que, primeiro, todas as instituições são intérpretes constitucionais. Segundo instituições possuem arranjos distintos, estão associadas a práticas, símbolos e padrões diferentes e que, por isso, a produção de suas decisões estará consequentemente atrelada à sua origem institucional. Terceiro, o intercâmbio de proposições entre as instituições é estimulado pela separação de poderes, mas não ocorre no vazio político. A política é um processo contínuo, o que significa que mesmo do ponto

66 • Constitucionalismo e diálogo institucional de vista da inexistência de monopólios decisórios, dificilmente o aventuramento de uma instituição sobre áreas que ela tem poucas condições de se aventurar seria aceito. Ressalte-se que como a teoria do diálogo está ancorada no pressuposto da interação constitucional, tende-se tomar em conta que a instituição que se dispõe ao diálogo está também disposta à perda de autoridade cultural sempre que avança de modo inconsistente sobre temas constitucionais. É dessa força altamente interativa, que a teoria do diálogo extrai sua força normativa (MENDES 2011, 13). A teoria do diálogo possibilita, nesses termos, que a legitimidade democrática de um arranjo institucional seja construída de modo flutuante. Por aceitar que a interação entre instituições está sujeita a atingir equilíbrios através de fluxos e refluxo, a teoria do diálogo também acarreta a possibilidade de crises institucionais. Mas talvez seja aí, justamente, um dos maiores ganhos de um constitucionalismo dinâmico em relação a um estático. Isto, pois na compreensão dinâmica, a regulação constitucional do momento de legitimidade máxima de uma instituição face determinada questão não é possível (MENDES, 2011, p. 13). O modelo estático, por lhe faltar subsídio histórico e a percepção da interação num sentido mais profundo, tende a ou não perceber o real andamento da flutuação da legitimidade, ou a sugerir o travamento do desenrolar da interação, propondo o regresso à situação de onde a crise partiu. A teoria do diálogo institucional propõe um novo olhar sobre a separação de poderes e o modo como as instituições podem e devem se comportar. Ela ainda oferece um novo parâmetro para medir a interação entre instituições, baseado na capacidade destas instituições efetivamente participarem e promoverem o diálogo entre si, sendo elemento essencial o procedimento deliberativo que tais instituições operam. Por fim, a teoria do Diálogo abre uma nova perspectiva para a análise da correlação entre a atividade de cortes e parlamentos com a legitimidade democrática. Mais especificamente, acredito que a teoria do diálogo traz, na realidade, um novo patamar em que o pesquisador possa perceber a construção da legitimidade constitucional. Tal patamar está representado pela qualidade da própria interação entre as instituições.

Conclusão Constitucionalismo e arbitrariedade estão no campo de conceitos antagônicos. Por suas próprias características, uma noção

Danilo Nunes Miranda • 67 robusta de constitucionalismo requer alta sensibilidade à operacionalização das regras constitucionais na realidade. Constituições não podem ser suficientemente entendidas fora de seu contexto de operação. A completa maximização dos objetivos do constitucionalismo depende desta sensibilidade. O atual estágio de nossa discussão sobre ativismo judicial impede que percebamos a formação de desequilíbrios nas relações entre cortes e parlamentos, justamente por uma debilidade no modelo de constitucionalismo em que se escora a atual noção de ativismo judicial. Um constitucionalismo dinâmico e dialógico traz consigo a promessa de ser capaz de captar as mudanças e reviravoltas nas relações entre cortes constitucionais e parlamentos. A importância dessa sensibilidade reside na percepção de que modificações contínuas nas relações entre estes agentes políticos podem levar a sérios desequilíbrios capazes de impactar a produção de decisões constitucionais. O constitucionalismo nos oferece as ferramentas para perceber, problematizar e consertar desequilíbrios de poder. Negar a incorporação de novas ferramentas que o robusteçam é aceitar que as relações de forças entre os poderes possam se desenvolver de forma arbitrária. Como já dito, tal escolha não nos é aberta quando pretendemos refletir sobre constitucionalismo. Estas eram as considerações que entendo necessárias para começarmos a iniciar um novo debate sobre o ativismo. Em que o ativismo seja visto dentro de uma concepção mais histórica e política e seja capaz de perceber curvas e inflexões no equilíbrio de forças entre cortes e parlamentos. Assim, talvez em breve poderemos utilizar a ideia de ativismo para entender o aumento da força normativa do poder judiciário em face de outros poderes, de modo a sermos aptos a construir uma crítica mais ampla ao arranjo constitucional e ao desenvolvimento da constituição.

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Danilo Nunes Miranda • 69 PICKERILL, J. Mtichell. Constitutional Deliberation in Congress: The impact of Judicial Review in a Separated System. Duke University Press, 2004. RAMOS, Elival da Silva. Ativismo Judicial: aspectos dogmáticos. 1ª ed. São Paulo. Saraiva, 2010. ROUX, Theunis. The Politics of Principle: the first south african constitutional court. 1995-2005. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.

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