CONSTITUCIONALISTAS E INTEGRALISTAS: a construção de um novo pensamento político e social na cidade de Monte Alto, SP. (1932-37)

June 19, 2017 | Autor: Samuel Decresci | Categoria: Teoría Política, Integralismo, Pensamento Político Brasileiro, Revolução Constitucionalista
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unesp

UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JÚLIO DE MESQUITA FILHO” Faculdade de Ciências e Letras Campus de Araraquara - SP

SAMUEL DECRESCI

CONSTITUCIONALISTAS E INTEGRALISTAS: a construção de um novo pensamento político e social na cidade de Monte Alto, SP. (1932-37)

ARARAQUARA 2014

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos meus professores que, em maior ou menor grau, contribuíram para a minha formação e para o amadurecimento da minha pessoa enquanto estudioso das Ciências Humanas.

Agradeço ao Professor Dr. Carlos Henrique Gileno pelo apoio ao transformar a idéia dessa pesquisa em projeto contemplado com bolsa pela FAPESP e, consequentemente, neste trabalho monográfico. Fica aqui meu carinho pelo ilustre profissional e amigo.

Agradeço às Professoras Karina Lilia P. Mariano e Márcia Teixeira de Souza pela prestatividade, paciência e cuidado que tiveram para comigo desde o princípio do curso; e também pela leitura e avaliação de meu trabalho de conclusão de curso.

Agradeço à minha família pelo apoio infindável, em especial à minha mãe que sempre acreditou no meu potencial e me incentivou.

Agradeço à minha noiva, Juliana Cristina Terra de Souza, historiadora e estudante de Letras, pelas leituras, valiosas sugestões, críticas e apontamentos deste trabalho monográfico.

Agradeço a Renan Gilmar Leite, amigo e pedagogo, pelas leituras deste conteúdo e valiosas sugestões e críticas.

Agradeço aos jornalistas Elton Barrozo e Luiz Felipe Nunes no apoio à consecução da matéria-prima (fontes) para essa pesquisa.

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RESUMO O presente trabalho tem o objetivo de desvelar a conjuntura política de 1932-37 na cidade de Monte Alto-SP; mormente compreender, em meio a um cenário efervescente tanto nacional como internacionalmente, a emergência e a atuação de dois grupos políticos antagônicos, “Integralistas” e “Constitucionalistas”. No afã de atender a esses desígnios, dividiu-se o trabalho em duas partes. Na primeira, lança-se, a partir de um estudo bibliográfico, uma análise do conturbado contexto histórico (nacional e internacional) e das ideologias e mentalidades que despontam como salvacionistas, com destaque para o Integralismo. Na segunda parte, a partir da análise de textos de dois periódicos locais, o foco da monografia passa a ser a descrição dos fatos sociopolíticos que ocorreram na cidade de Monte Alto-SP dentro do recorte delimitado. Destacam-se nesta os agentes de socialização política, a atuação política dos grupos, diálogos, pragmatismo de partidos. Assim, o trabalho apresenta que estava posta, na política local, na conjuntura turbulenta em que ambos existiram, uma situação ambivalente em que ocorria uma política real, praticada no jogo político democrático a partir de partidos, representação, debate, pleito etc. e uma ideal, onde um grupo era catequizado e plasmado no afã de concretizar um projeto político de futuro com fortes teores teleológicos. Por final, os resultados alcançados pelo trabalho são interessantes e impressionantes, uma vez que, a despeito do fato de Monte Alto ser, à época, uma pequena cidade, esta sentiu os reflexos e vivenciou a efervescência dos fatos do macro-espaço, tanto nacional como internacional. Palavras-chave: Pensamento político. Integralismo. Revolução Constitucionalista. Constitucionalismo.

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RÉSUMÉ Le présent travail a pour but de dévoiler la conjoncture politique de 1932 à 1937 dans la ville de Monte Alto, SP; en particulier la compréhension, au milieu d'une scène animée dans l’échelle nationale et internationale, l'émergence et l'occurrence de deux groupes politiques antagonistes, "intégralistes" et "constitutionnels". Dans un effort pour répondre aux questions de cette scène, nous avons divisé le travail en deux parties. Dans une première partie, à partir d'une revue de la littérature, il y a une analyse du contexte historique (national et international) et les idéologies et les mentalités qui émergent comme salutistes, en particulier l’Intégralisme. Dans la deuxième partie, à partir de l'analyse de deux journaux locaux, la mise au point de la monographie est la description des événements socio-politiques qui se sont produits dans la ville de Monte Alto-SP au sein de la vue historique délimitée. A ce própos, nous soulignons la socialisation politique, les groupes d'action politique, des dialogues, le pragmatisme. Ainsi, les cadeaux de papier présentent qui a été mis dans l'environnement turbulent dans lequel les deux existait dans la politique locale, une situation ambivalente d'une véritable politique pratiquée dans le jeu politique démocratique des partis politiques, la représentation, le débat, les élections, etc. et une idéal où un groupe a été catéchisés et moulé dans la course pour obtenir un projet politique pour l'avenir avec des niveaux téléologiques forts. À la fin, les résultats obtenus par l'étude sont intéressants et impressionnants, puisque, malgré le fait que Monte Alto est à l'époque, une petite ville, ce ressenti réflexions de l’ époque et a connu l'effervescence des faits de macro-espace, tant au niveau national et à l'étranger. Mots-clés: Pensée politique. Intégralisme. Constitutionnalisme. Socialisation politique.

Révolution

constitutionnaliste.

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Lista de abreviaturas e siglas:

SEP: Sociedade de Estudos Políticos; AIB: Associação Integralista Brasileira; ANL: Aliança Nacional Libertadora; UJB: União Jornalística Brasileira; FUP: Frente Única Paulista; PC: Partido Constitucionalista; PD: Partido Democrático; FMA: Folha de Monte Alto;

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Sumário

1 1.1 1.2 1.3 2 2.1 2.2 2.3 3

INTRODUÇÃO

07

PARTE I: O CONTEXTO HISTÓRICO (1932-37) O contexto histórico internacional O contexto histórico brasileiro O Integralismo e o contexto histórico O INTEGRALISMO Integralismo: projeto político ligado a um pensamento conservador As características do integralismo e sua relação com o liberalismo e fascismo Concepção de Estado integralista e sua relação com a sociedade civil A democracia liberal: objeto de defesa dos “Constitucionalistas”

11 11 14 19 21 21 23 27 31

PARTE II: 1 1932-34: RECONSTITUCIONALIZAÇÃO, OS EFEITOS DA GUERRA CIVIL DE 1932 E O SEU LEGADO NA SOCIEDADE MONTE-ALTENSE A PARTIR DA ANÁLISE DE “A SEMANA” 32 1.1 A antessala da “Revolução de 1932” e o debate em torno da reconstitucionalização 32 1.2 A Revolução de 1932 e o seu legado para a sociedade monte-altense 33 1.3 A volta do debate acerca da reconstitucionalização 34 1.4 A linha editorial de “A Semana” nos idos de 1933-34 35 1.5 A reconstitucionalização do país, do estado de São Paulo e as primeiras eleições 35 2 OS JORNAIS COMO PROMOTORES DOS GRUPOS POLÍTICOS 36 2.1 Preâmbulo ao capítulo 36 2.2 Sobre o periódico “A Semana”, o despontar do Integralismo em Monte Alto e a afirmação da linha editorial integralista 36 2.2.1 Sobre a fundação do Núcleo Integralista Monte-altense 38 2.2.2 Sobre o catecismo integralista, a difusão integralista, as aulas de civismo, a simbologia e a ênfase na educação física 40 2.2.3 A defesa e reação integralista perante os difamadores 41 2.2.4 Sobre o Partido Constitucionalista no jornal “A Semana” 42 2.3 O periódico “Folha de Monte Alto” como promotor e panfletário do Partido Constitucionalista 43 2.3.1 Uma visão rápida e genérica do periódico 43 2.3.2 Por uma defesa da liberal democracia e a superação de uma política “viciada” 44 2.3.3 As eleições municipais de 1936 45 2.3.4 A reconstitucionalização do estado nas páginas de a “Folha de Monte Alto” 46 2.3.5 Opiniões dos “constitucionalistas” acerca dos integralistas e o Núcleo Integralista nas páginas de “A Folha de Monte Alto” 47 2.3.6 Sobre as tentativas de censura ao integralismo em Monte Alto 48 2.3.7 O ano de 1937 e a campanha do periódico “Folha de Monte Alto” para as eleições presidenciais 48 2.3.8 A sucessão presidencial e os efeitos do golpe de Estado 50 2.3.9 As implicações do golpe no jornal 50 3

CONCLUSÃO

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REFERÊNCIAS

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Introdução

Monte Alto é uma cidade localizada no centro-norte de São Paulo. Sua fundação (1881), gênese e formação se enquadram em um momento histórico marcado pela transição da Monarquia para a República, de uma hegemonia da economia do café dentro do estadopaís e pelo fluxo grandioso de imigrantes1 para o sul-sudeste do Brasil. E é ainda nesse contexto de grande crescimento e difusão dessa economia, nesse estado, que ela foi elevada a município em 1895 e se instalou comarca em 1929. Sua ocupação e colonização se deram através da ação de migrantes (nordestinos que vieram tentar a emancipação econômica e política neste rincão) e imigrantes europeus (italianos, portugueses, espanhóis, russos, alemães e poloneses) e asiáticos (japoneses, sírios e libaneses). Isto posto, importante destacar que tais povos imprimiram sua marca e influência no espaço geográfico2 montealtense, mormente se termos em conta, a criação das primeiras fábricas na cidade, o desenvolvimento da agricultura e o comércio. Ademais, obviamente, uma variedade de manifestações e trocas culturais. Logo, foi nessa Monte Alto que despontaram, na tumultuada década dos “Trinta”, dois grupos políticos antagônicos, “Integralistas” e “Constitucionalistas”, com ideologias, atitudes e “modus operandi” distintos. Grupos esses que refletem as dicotomias sociopolíticas tanto nacionais como internacionais do momento. Basicamente, o objeto de estudo desta pesquisa tem relação com esse cenário, conjuntura de época e principalmente sobre tais segmentos políticos. Portanto, o presente trabalho monográfico foi idealizado a partir de duas partes. Dentro da primeira há, de início, um quadro panorâmico, ou seja, uma contextualização do recorte histórico internacional e nacional da década de “Trinta” do século XX; dentro desta, procurou-se explicar, a partir de uma análise bibliográfica, o cenário que emergiu oriundo da conjuntura política, econômica e social da década. Além, estabelecer nexos entre as vicissitudes do período, dentre elas, o ocaso do liberalismo e dos governos liberais, o despontar dos grupos de natureza e ideologia eminentemente conservadora e do Estado interventor em algumas de suas formas. Num segundo momento, analisou-se a ideologia do movimento integralista e as bases do pensamento conservador. A partir da comparação do discurso e características do primeiro, 1

Este mesmo que aqui traça tais linhas é descendente direto de italianos e portugueses. Muitas indústrias foram criadas por italianos que possuíam experiência em seu país de origem; na lavoura, baianos e sergipanos eram proprietários das primeiras propriedades rurais. Porém, com a afluência dos imigrantes, eles se tornaram maioria e exerceram influência marcante e positiva no bom andamento das mesmas. Quanto ao comércio, sírio-libaneses e portugueses se destacaram e alguns deles mantém, até hoje, seus estabelecimentos comerciais. 2

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com as premissas do segundo, afirmou-se que existe uma relação estreita entre ambos. Destarte, houve a classificação do fenômeno do “sigma” como de natureza conservadora. Ademais, apresentou-se uma concepção ideal de Estado integralista em sua suposta relação com a sociedade civil. Num terceiro momento, com o intuito de entender a realidade de época (“cosmus”), foi exposta a relação conflituosa do Integralismo com a corrente ideológica do Liberalismo e a nova ordem constitucional brasileira, eminentemente liberal de 1934. Nesse intento, valeuse aqui da análise do discurso de figuras emblemáticas do integralismo, sobretudo de Plínio Salgado. Destaque para o caráter combativo do argumento integralista para com o liberalismo hegemônico de até então. Num quarto e breve momento, discorreu-se sobre as características, referências e princípios

norteadores

da

Democracia

liberal,

modelo

político

defendido

pelos

“Constitucionalistas” paulistas. Em regra geral, pode-se afirmar que houve, nesta primeira parte, um mapeamento do cenário em que surgem “integralistas” e “constitucionalistas”, uma “prospecção”- recuperação da mentalidade de época intentando compreender a realidade. Ademais, uma identificação do perfil dos grupos e a relação deles com a sociedade e ideologia adversária. No que diz respeito à segunda parte, apresentou-se uma síntese de natureza descritiva do que foi apurado na análise empírica dos jornais A Semana e Folha de Monte Alto. Atentase aqui para o fato de que, em vários momentos, houve um diálogo com a primeira parte (no qual – como foi dito atrás– se trouxe um mapeamento do cenário e uma análise ideológica, sobretudo do grupo integralista). Dentre os pontos importantes da segunda parte, destacou-se a descrição minuciosa dos reflexos da política e fatos relevantes do nacional no universo municipal, ou seja, a repercussão do macro-espaço político no micro. Por outro lado, foram expostas a reação e os desdobramentos dos fatos no universo citadino, como, por exemplo, a Revolução de 1932 e o despontar dos grupos “Integralista” e “Constitucionalista” em Monte Alto. Quanto a esses últimos, a partir dos jornais da cidade, foi apresentado como ambos surgiram, os protagonistas (atores) da socialização política, a promoção e a popularização dos grupos; além, a veiculação das

ideologias,

propostas,

debates,

controvérsias

envolvendo

“Integralistas”

e

“Constitucionalistas” e a sociedade. Por último, lançou-se uma tese envolvendo a prática de uma “política real” por parte dos “constitucionalistas” e uma “política ideal” quanto aos “integralistas”.

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Por final, cabe aqui uma tratativa das dificuldades envolvendo a pesquisa. Pode-se afirmar com segurança que esta se deparou com inúmeros obstáculos durante sua trajetória; em especial na segunda etapa, em que se analisou o conteúdo dos jornais (fontes primárias). Dificuldades e obstáculos esses de diferentes naturezas. Dentre eles, pode-se citar aqui a falta de dados e informações sobre os proprietários dos jornais, redatores e articulistas de um lado; e de outro, o desafio de filtrar textos com posturas indevidas e conteúdos sem objetividade e imparcialidade. E há também que considerar e ressaltar que, a partir de 1936, não existem mais edições disponíveis do periódico A Semana. Dessa forma, pelo que se pôde apurar, a partir das informações do jornal 3Folha de Monte Alto, durante este ano citado, o primeiro se tornou um jornal clandestino. Por outro lado, no que diz respeito à bibliografia, sentiu-se a falta de obras que contemplem com profundidade o Partido Constitucionalista. De todo modo, eis abaixo uma digressão mais pormenorizada das dificuldades. Uma primeira dificuldade diz respeito à falta de informações a respeito dos proprietários dos jornais, seus redatores e articulistas. Empreenderam-se investigações no próprio arquivo municipal, museus, por meio de pessoas octogenárias e influentes na cidade, e até nas redes sociais. Infelizmente, não foi obtido sucesso. A única informação coletada é que as famílias deixaram a cidade e não legaram descendentes e familiares nesta municipalidade. Assim, as únicas evidências apresentadas a respeito deles, nesta monografia, são as coletadas nos próprios jornais ou que são captadas e desenvolvidas a partir de intuições inegáveis. Prosseguindo, estabelece-se aqui um destaque para aquela em que foi, em vários momentos, uma prática recorrente: a censura. Dentro do trabalho monográfico são apresentadas situações em que o clima sociopolítico estava em níveis cataclísmicos (por exemplo, maio e junho de 1932 em São Paulo, capital). Contudo, pelas páginas do jornal, são veiculadas apenas notícias banais que destoam do grau de importância imediato, ou seja, das contradições e dissensões políticas de então. Muitos fatos são omitidos. Dentre eles, ocorridos aqui mesmo na cidade de Monte Alto e seu distrito de Aparecida. Já durante o período da famosa “Revolução de 1932”, o jornal A Semana apresenta várias omissões (motivadas em virtude da censura), falácias, conteúdos impregnados de retórica ufanista, inverdades e maniqueísmos envolvendo as partes em conflito e sua divulgação. Parte dessas manchetes e boletins de guerra é reproduzida de parceiros da capital (isso será analisado em pormenores ao longo deste trabalho monográfico). Enfim, o jornal traz inúmeros textos contemplativos, entusiásticos da causa e não proporciona ao leitor os

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O periódico Folha de Monte Alto, por sua vez, só é lançado em 1935.

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reais acontecimentos das batalhas ou um razoável balanço do conflito e das reais condições/situação. Logo, no período, o jornal mais desinformava que informava. Outro problema relacionado ao conteúdo dos jornais é que, até a guerra civil envolvendo paulistas e o governo central, a maior parte dos textos veiculados foi produzida fora da cidade; são provenientes da UJB (União Jornalística Brasileira) e repassados para o interior. Assim, obviamente fica difícil precisar e medir o grau exato de amplitude que essa notícia repercute dentro do universo citadino. Após o conflito, essa dependência é gradualmente rompida e muitos textos são produzidos por locais. Finalmente, afirma-se com segurança que os dois jornais, sobretudo o Folha de Monte Alto, assumem papéis de panfletários e promotores políticos dos respectivos grupos (Núcleo Integralista Local e o Partido Constitucionalista Local). Com isso, a tarefa de filtrar as informações sobre o universo político municipal se torna ainda mais complexa.

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Parte I

1 O contexto histórico (1932-37)

1.1 O contexto histórico internacional A década de “30” do século XX foi um período de transição dentro da história das nações, sobretudo as ocidentais. Iniciada sob os efeitos da “grande depressão” esta conjuntura foi palco de acontecimentos inimagináveis onde um sistema ou forma de organização social, política e econômica (até então hegemônico e incontestável) seria descartado e, em seu lugar, instalar-se-iam novos com nuances totalmente antagônicos ao anterior. O pivô de todo esse “mal estar” estaria na crise de fins da década dos “Vinte”. Controversa e geradora de um dissenso interminável entre economistas, cientistas políticos e historiadores, a crise gerada a partir da recessão e do “crack” da bolsa, em 1929, foi o despertar da depressão econômica que, como “efeito dominó”, tornou vulnerável todas as economias interligadas do mundo capitalista e derrubou, uma a uma, de uma forma ou de outra, plataformas e práticas político-econômicas há muito estabelecidas e governos de natureza eminentemente liberais. Ademais, propiciou em várias partes, do antes pujante mundo capitalista urbano, desemprego, fome, estagnação e caos político. Quanto a este último aspecto, ele se deu muito em função de uma falta de solução, perspectiva ou receita dos governos (liberais) para combater aquela que foi a pior das depressões econômicas da história capitalista (HOBSBAWM, 1995). Em conseqüência, a política de “Estado mínimo” e desregulamentação econômica, proposta pelo liberalismo clássico, perdia sustentação e passou a ser desacredita e combatida em todas as partes por grupos sociais e partidos políticos. Em seu lugar outras, de cunho notadamente intervencionista e centralizador, foram propostas. Destarte, a depressão obrigou os governos ocidentais a dar às considerações sociais prioridade perante as econômicas em suas políticas de Estado. Como bem aponta Eric Hobsbawm (1995), em meio à depressão não apenas as instituições políticas entraram em colapso, mas todo sistema de valores liberais: De todos os fatos da Era da Catástrofe4, os sobreviventes do século XIX ficaram talvez mais chocados com o colapso dos valores e instituições da civilização liberal cujo progresso seu século tivera como certo, pelo menos 4

Eric Hobsbawm denomina, em sua obra, o período de 1914-1945, compreendido por duas guerras e a ascensão do fascismo, como “era da catástrofe”.

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nas panes "avançadas" e "em avanço" do mundo. Esses valores eram a desconfiança da ditadura e do governo absoluto; o compromisso com um governo constitucional com ou sob governos e assembléias representativas livremente eleitos, que garantissem o domínio da lei; e um conjunto aceito de direitos e liberdades dos cidadãos, incluindo a liberdade de expressão, publicação e reunião. O Estado e a sociedade deviam ser informados pelos valores da razão, do debate público, da educação, da ciência e da capacidade de melhoria (embora não necessariamente de perfeição) da condição humana (HOBSBAWM, 1995, p.113-114).

As opções que visavam a uma substituição dessa hegemonia intelectual e organizacional política orbitavam pelo marxismo, social-democracia e o fascismo. Entretanto, das três, ganhou relevância a última. A era do Estado forte e interventor havia chegado. O fascismo era tido para seus idealizadores como uma “força nova” que surgia como uma espécie de panacéia para resolução dos graves problemas emanados da depressão econômica da ordem liberal precedente. Sistema ideológico de matriz totalitária tinha no axioma "5Tudo no Estado, nada fora do Estado, nada contra o Estado" de seu líder, Benito Mussolini, um de seus principais postulados. Além disso, ele seria um instrumento para fins fundamentais que propunha a recuperação da integridade do homem pelas instituições e sua integração à teia institucional das sociedades (SILVA, 2000). Porém, importante destacar que houve não apenas um fascismo6 (a despeito da matriz italiana), mas sim várias manifestações pulverizadas e formas de movimentos particulares com matizes fascistas. Genericamente, eles compartilhavam nacionalismo, anticomunismo, antiliberalismo, uma ojeriza aos princípios da Revolução Francesa com outros elementos não fascistas da direita. Vários desses, notadamente de grupos reacionários (HOBSBAWM, 1995). Além disso:

Também devemos levar em conta que cada fascismo, apesar das semelhanças e dos elogios mútuos, sempre defendeu a plena originalidade histórica e nacional, buscando no seu próprio solo e céu as origens de suas idéias... Daí o desdobramento na originalidade nacional (7raça pura) e a volta para um passado de glórias (SILVA, 2000, p. 123).

A despeito do que fora citado acima, Hobsbawm (1995) sinaliza e adverte para as questões envolvendo o tradicional e o moderno; uma vez no poder, o fascismo e, principalmente, o nazismo se empenhavam na modernização e avanço ideológico8. “Tutto nello Stato, niente al di fuori dello Stato, nulla contro lo Stato”. Discurso proferido na Câmara dos deputados italiana no dia 26/05/1927. 6 O próprio Hobsbawm em sua obra distingue três tipos. 7 Adendo meu. 8 Tal premissa destoa daquela de Plínio Salgado, um dos principais idealizadores do integralismo (que para muitos é uma espécie de fascismo brasileiro) no Brasil. Ele era avesso a qualquer forma de modernização 5

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Para o Estado fascista, nos dizeres de outro ícone, Giuseppe Rocco: “(ele, o Estado) deve presidir e dirigir a atividade nacional em todos seus aspectos. Nenhuma organização política, moral ou econômica pode permanecer à margem do Estado” (apud SILVA, 2000, p.132.). Enfim, em uma concepção, o fascismo identifica em si mesmo valores absolutos; ele deve atuar como potência expansiva implicando nisso a subordinação e o sucumbir da nacionalidade civil aos objetivos identificados como nacionais. Assim, o que se constata é um total desprezo por qualquer esfera exclusiva da sociedade civil e o privado (idem). O ponto de inflexão nazifascista, na década dos “Trinta”, deu-se com a ascensão de Hitler e o Partido Nacional-Socialista na Alemanha. Em pouco tempo, com “mãos firmes”, tal governo eliminou o desemprego, fez uma parceria com a burguesia nacional e internacional, reprimiu, controlou e neutralizou o movimento operário e promoveu um crescimento econômico9. Tal panorama, dentro daquele estado de coisas internacional, funcionou como espelho e modelo para outros Estados que não conseguiam superar ainda os efeitos desastrosos da depressão. Em conseqüência, o nazifascismo inspirou movimentos pelo mundo que resultaram numa derrubada em cadeia de regimes liberais e uma guinada mundial para a direita:

Em resumo, o liberalismo fez uma retirada durante toda a Era da Catástrofe, movimento que se acelerou acentuadamente depois que Adolf Hitler se tomou chanceler da Alemanha em 1933. Tomando-se o mundo como um todo, havia talvez 35 ou mais governos constitucionais e eleitos em 1920 (dependendo de onde situamos algumas repúblicas latino-americanas). Até 1938, havia talvez dezessete desses Estados, em 1944 talvez doze, de um total global de 65. A tendência mundial parecia clara. (HOBSBAWM, 1995, p. 115).

Ainda tendo Hobsbawm (1995) como referência, pode-se afirmar que a novidade do fascismo era que, uma vez no poder, ele se recusava a jogar segundo as regras dos velhos jogos políticos, e tomava posse completamente onde podia. Em suma, as condições que potencializaram o triunfo dessa ultradireita eram: “Estados velhos”, com seus mecanismos dirigentes não mais funcionando; uma massa de cidadãos desencantados, desorientados e descontentes, não mais sabendo a quem ser leais; fortes movimentos socialistas ameaçando ou parecendo ameaçar com a revolução social, mas não de fato em posição de

tecnológica. Para ele, de grosso modo, o integralismo levaria o homem brasileiro de volta a um estágio précapitalista e eminentemente tradicional. 9 Digno de nota também que existiram outras de formas de superação da depressão econômica, notadamente o caso estadunidense com a política de matriz “keyneseana” “New deal” de Roosevelt.

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realizá-la; e uma inclinação do ressentimento nacionalista contra os tratados de paz de 1918-20 (idem, p.130).

Está claro, segundo o autor, que o fascismo alcançou relevância internacional em virtude da depressão. Não fosse ela e a inércia dos governos liberais, o grau de sucesso e abrangência do fenômeno claramente não seria o mesmo. Finalmente, podemos lançar um “diagnóstico de época” e elencar alguns pontos importantes nessa primeira parte do trabalho:

1- A receita liberal potencializou a depressão econômica e a crise social; 2- A uma economia política desregulada, com uma organização sócio-econômica desacreditada, pela grande maioria das pessoas, surgem outras notadamente intervencionistas. Algumas ainda sob regimes livres e democráticos; outras com traços autoritários em que o Estado assume a direção por meio de um centralismo político; 3-Uma grande virada mundial para a direita com regimes totalitários e conservadores.

1.2 O contexto histórico brasileiro

O ano de 1932, na história brasileira, foi marcado por uma conjuntura política conturbada, em que o país estava sendo presidido por um governo provisório –desamparado constitucionalmente- oriundo de uma suposta revolução conhecida por “Revolução de 30” e que sofria forte oposição vinda de uma elite oligárquica tradicional, destituída dois anos antes do poder. Tratava-se de um cenário de rearranjo institucional, em meio a uma crise internacional (tratada no item anterior), donde houve uma acomodação de novos e velhos quadros, oriundos da elite, dentro do contexto político, mas que não se pode entender por uma quebra de status quo (NOGUEIRA, 1998). Como bem aponta Luís Werneck Vianna (1997), no Brasil, nunca houve, de fato, uma revolução. O que ocorria naquela oportunidade era que determinadas elites, sedentas por ascender politicamente, voltavam as atenções para uma necessidade maior de dinamização e modernização estrutural e social do país:

As amplas demandas por modernização econômica e social são acolhidas por setores tradicionais das elites, sob a liderança dos estados de MG e RS, que, com o apoio de parte do tenentismo, das camadas médias e da vida popular nos centros urbanos, iniciam, com a chamada Revolução de 1930,

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um novo andamento à Revolução burguesa, já agora sob a chave clássica de uma modernização conservadora (idem, p. 17-18).

Na esteira deste pensamento, acrescenta-se que:

Os vitoriosos de 1930 compunham um quadro heterogêneo, tanto do ponto de vista social como político. Eles tinham-se unido contra um mesmo adversário, com perspectivas diversas: os velhos oligarcas, os representantes típicos da classe dominante de cada região do país, desejavam maior atendimento à sua área e maior soma pessoal de poder, com um mínimo de transformações (...) (ou seja10, assim) ocorreu uma troca de elite do poder sem grandes rupturas. Caíram os quadros oligárquicos tradicionais (...) Subiram os militares, os técnicos diplomados, os jovens políticos e, uma pouco mais tarde, os industriais (FAUSTO, 2010, p. 326-27).

Em suma, pode-se de maneira segura afirmar que tal movimento organizava uma modernização “pelo alto” e se arrogava uma posição de eixo catalisador de forças num empreendimento de reestruturar a nação dentro de uma ordem (CÂNDIDO, 1984). Desta forma, com a entrada desses atores políticos, no cenário nacional, houve uma mudança na forma de fazer política. E essa divergiu flagrantemente daquela (liberal) dos oligarcas tradicionais da “República Velha”. Em síntese, houve um reforço do executivo, centralização dos poderes nas mãos daquele poder e a introdução de interventores, oriundos dos quadros “tenentistas”, nos estados da nação. Dessa forma, impossível entender os desdobramentos de 1932, dentre eles a “Revolução Constitucionalista”, sem uma análise da atuação dos “tenentistas” e a crítica por parte dos segmentos da elite paulista. Os “tenentes”, conhecidos por sua atuação política, em 1922-24, defendiam uma moralização e mudanças dentro da política nacional. Para tal, pregavam um reforço do executivo, uma revisão constitucional e a implementação de um unitarismo. Inspirados por Oliveira Vianna e Alberto Torres, eles criticavam acerbamente o liberalismo e o “bacharelismo” como forma de organização da vida nacional (FAUSTO, 2010).

Eram

autoritários, nacionalistas e antiliberais. Serviram de grupo de pressão para Vargas no sentido de tentar neutralizar o poder político das oligarquias (FAUSTO, 1972). E é partir do choque constante e oposição entre “tenentes” e elite paulista que surge a conhecida “Revolução Constitucionalista” em São Paulo. A “Revolução Constitucionalista” é indubitavelmente um objeto que gerou e gera muita controvérsia na história brasileira. Emília Viotti da Costa (1982) ilustra bem tal questão ao enfatizar que os mitos nascidos no calor da luta dificultaram e dificultam a compreensão 10

Adendo meu.

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desse processo. Segundo ela: “o movimento de 32 era senão o desenvolvimento inevitável das contradições da revolução de 30” (DA COSTA, 1982, p.8); ou seja, tanto dentro do grupo situacionista como no oposicionista. Logo, afirma-se isso muito em função de que a oligarquia paulista, ressentida da marginalização política que sofrera, questionava tal ordem extralegal; e, principalmente, a natureza dos interventores inseridos na organização de sua administração política. Ademais, sentiam ojeriza por serem eles militares. Portanto:

A elite de SP defendia a constitucionalização do país a partir dos princípios da democracia liberal. Como medida transitória, exigia a nomeação de um interventor civil e paulista. A bandeira da constitucionalização e da autonomia sensibilizou amplos setores da população e facilitou a aproximação do PRP e PD. Isso ocorreu com a formação da Frente única em 1932 (FAUSTO, 2010, p. 342).

De fevereiro a julho de 1932 inúmeros fatos ocorrem na capital paulista, desde a já citada (acima) formação da Frente Única Paulista (PRP e PD), a aprovação de um novo código eleitoral, a nomeação de um interventor civil em São Paulo, a 11conflitos entre civis e militares e conseqüentemente o empastelamento de jornais “tenentistas” naquela capital. Fazse uso das explicações do historiador João Paulo Rodrigues (2010) para tentar, de maneira satisfatória, sintetizar a trama deste conflito:

Definida a base que comporia a campanha capaz de aglutinar as insatisfações sociais, a Frente Única Paulista (FUP) – união do PD e do PRP, com o apoio de diversas associações de classe em São Paulo – investe também na estratégia de atribuir exclusivamente as dificuldades econômicas do período aos “revolucionários” de 1930 e, por conseguinte, canalizar as expressivas insatisfações populares na direção dos interesses que lhe convinham no momento: a autonomia de São Paulo, para conquistar a interventoria, e a Constituição, a fim de redefinir a partilha do poder em âmbito nacional. Desta feita, a despeito da ascensão da reação popular espontânea ou da manipulação arbitrária da classe dominante sobre a sociedade, ao que parece, já no princípio de 1932 destaca-se uma intensa luta política no cenário nacional, na qual a burguesia12 paulista está fomentando os rancores e insatisfações sociais pré-existentes no espaço público com o intuito evidente de beneficiar-se deles no momento oportuno. (RODRIGUES, 2010, p.148).

Desta forma, apesar da convergência do Governo Vargas a parte dos desígnios paulistas, a desarmonia entre as partes, sobretudo dos segundos pelo prolongamento do governo provisório, toma vultos consideráveis que culminam na eclosão do conflito. 11

Trata-se da morte dos jovens estudantes, em maio de 1932: Martins, Miragaia, Dráuzio e Camargo (MMDC). Essa será a sigla do movimento civil paulista no levante posterior. 12 Entenda-se de forma ampla.

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Os insurretos de São Paulo objetivavam, a partir de suas tramas, arrebanhar para o conflito outros estados. Estavam confiantes que no momento da eclosão do conflito, eles viriam atender à chamada pela volta do país à ordem constitucional-legal. Entretanto, esse apoio político-militar não ocorreu e, dessa forma, os paulistas tiveram de mobilizar sua sociedade civil integralmente para o combate. Segundo Da Costa (1982), a iniciativa veio de “cima”, mobilizou, a partir dos meios de comunicação, as massas descontentes facilmente e criou toda uma mística paulista que fomentou um entusiasmo. Em conseqüência, a visão das demonstrações populares deu às elites a certeza de sua força. A despeito disso tudo, São Paulo resistiu apenas três meses. O presente trabalho monográfico, que está sendo aqui desenvolvido, aborda e trata da questão do civismo na política brasileira, sobretudo a partir do desdobramento dos efeitos da “Revolução Constitucionalista” e do Movimento Integralista13. Quanto o primeiro, segundo Marco Antônio Villa (2010), tal levante14 assume uma importância fundamental na representação de civilidade do povo paulista: “o tesouro perdido de 1932 foi a defesa da democracia, de uma constituição democrática, enfim, de um Estado democrático, isso em um ambiente marcado pelo autoritarismo, tanto na esfera internacional, como na nacional” (VILLA, 2010, p.81). Por outro lado, ao pensar um pouco adiante, e ter como referência 1937, e a ausência de manifestações de indignação públicas, segundo Antônio Cabral Neto (1997), o autoritarismo recorrente é um problema à efetivação e continuidade democráticas: As especificidades (15decorrente da política) brasileiras traduzem-se na edificação de uma sociedade com pouca ou quase nenhuma tradição democrática. Nela o conservadorismo está imbricado, não apenas no aparelho de Estado, mas atravessa, de ponta a ponta, toda a sociedade civil. As regras do jogo democrático, definidas predominantemente pelas elites em função dos seus interesses particulares, têm dificultado tanto a participação política mais abrangente da sociedade civil, principalmente das massas desorganizadas, quanto o acesso aos bens materiais e culturais socialmente produzidos (CABRAL NETO, 1997, p. 307).

Enfim, para efeitos de ilustração, foi exposta, nesse parêntese, uma opinião que atribui ao fenômeno de “32” um princípio de civismo, enquanto que, na segunda parte, uma impressão genérica da dificuldade de estabelecimento desse mesmo sentimento em âmbito nacional.

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O Integralismo não será tratado de maneira aprofundada nesta secção. Classifica-se aqui a “Revolução Constitucionalista” como levante por ser a melhor denominação possível para o fenômeno. 15 Adendo meu. 14

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Após tal conflito, pode-se afirmar que houve uma harmonização entre a elite paulista e o Governo Provisório. Quanto aos “tenentes”, foram gradativamente perdendo espaço para seus antigos superiores. Isso se deu, muito em função, de que este estado (SP) gerava a maior parte da riqueza nacional e tinha ainda no café seu principal produto de exportação. Assim, houve um acordo e compromisso entre as partes. A partir daí, em conseqüência, foi efetivada uma Assembléia Nacional Legislativa, em 1933, e a promulgação da 3º Constituição Brasileira em 1934. Neste mesmo ano, outros fatos são dignos de nota. Vargas foi empossado pelo congresso presidente legítimo do Brasil. Além, surgiu o Partido Constitucionalista, formado por personagens do Partido Democrático e de outros partidos menores; tinha à frente Armando de Salles Oliveira, interventor civil no estado de São Paulo. Sua principal bandeira política era a defesa do constitucionalismo, dos princípios da democracia liberal e, sobretudo, o fato de seus correligionários terem participado ativamente do levante de 32. Por essa razão, arrogavam-se portadores dos verdadeiros ideais de civilidade da nação e da memória da legalidade em 1932 (SOUZA, 2010). Dentro do breve período da 2º República brasileira, fora a luta ideológica entre integralistas e comunistas, o que mais chamava a atenção era o destoar do regime e constituição brasileira da grande maioria dos países do mundo. Sobretudo a carta, de matizes notadamente liberais, recebia antes mesmo de aprovada uma reprovação, pois divergia de constituições de países de Estados interventores ou “fortes” como o alemão e italiano: “Os novos tempos pediam governos fortes como os da Itália, da Alemanha, da URSS, ou mesmo do “New deal” americano. Os reformistas autoritários viam no liberalismo uma simples estratégia para evitar as mudanças e preservar o domínio oligárquico” (CARVALHO, 2008, p.102). Dentro desse breve período democrático, em que grande parte do mundo era palco de lutas ideológicas polarizadas no espectro, entre comunistas e fascistas, com clara prevalência dos segundos, uma quartelada, no Brasil, possibilitou o recrudescimento do governo Vargas, a depuração de insurretos do aparelho burocrático e militar e a firme participação do exército no cenário sociopolítico. Trata-se aqui da “Intentona comunista” de 1935. Seus desdobramentos, desse evento até 1937, só tomariam vulto. José Murilo de Carvalho (2008) dá um panorama da conjuntura:

A luta contra o comunismo serviu ainda ao governo para preparar o fim do curto experimento constitucional inaugurado em 1934. As revoltas de 1932 e 1935 tinham possibilitado aos novos chefes do exército, promovidos a partir de 1930, livrar-se dos radicais e outros oposicionistas dentro da corporação.

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Os novos generais... tinham uma visão do papel do exército diferente da dos antigos generais e também dos “tenentes”. Para eles, o exército (...) devia ter papel tutelar sobre o governo e a nação. Devia ter seu próprio projeto para o país, um projeto que incluísse propostas de transformações econômicas e sociais, mas dentro dos limites da ordem. Era uma modernização conservadora (CARVALHO, 2008, p. 105).

Finalmente, em 1937, o governo Vargas perpetrou um golpe de Estado reinstalando uma ditadura no país. Ao contrário de 1930, o Brasil, naquela oportunidade, dava claros sinais de crescimento econômico em todas as frentes, sobretudo as estruturais. Ademais, o governo outorgava à nação direitos sociais, tais como as leis trabalhistas. Isto posto, soma-se isso ao contexto de época, notadamente marcado por governos autoritários, e teve-se uma nação passiva tutelada por um Estado paternalista. Como bem salienta Carvalho (2008), isso prova que a estrutura democrática nacional ainda era deveras frágil. 1.3 O integralismo e o contexto histórico16

O surgimento do integralismo e sua receptividade junto à sociedade brasileira só podem ser entendidos a partir da decadência mundial do liberalismo, no entreguerras, e as vicissitudes ocorridas na década de 30, no Brasil, com destaque para o colapso da “República Velha”, a ascensão do governo “revolucionário” de Vargas e os conflitos ideológicos de época. Assim, como se arrogou, na época, tal movimento se auto-identificava como único possível a colocar o Brasil no rumo certo, combater idéias exóticas, dar uma plataforma ideológica à república e uma resposta satisfatória às necessidades integrais do Brasil. Em meio a essa turbulência, o integralismo surgia, em 1932, como doutrina nacionalista que se amparava em princípios conservadores/ unificadores como “Deus, Pátria e Família” (FAUSTO, 2010). Tal filosofia de vida e projeto político-cultural, de matizes eminentemente religiosos e regressistas, foram idealizados e lapidados por intelectuais conservadores -com destaque para Plínio Salgado- a partir da Sociedade de Estudos Políticos (SEP), que sistematizou tal doutrina e a lançou na forma de Manifesto Integralista com a fundação da Ação Integralista Brasileira (AIB). Seu manifesto inaugural (32) foi: Uma peça, cujo objetivo político, sendo definido por Salgado como ‘pelo Brasil Unido, pela Família, pela Propriedade, pela organização e representação legítima e única das classes; pela extinção dos partidos; pela moral religiosa; pela participação direta de intelectuais no governo da República; pela abolição de Estados dentro do Estado’, é uma resposta de 16

As características e parte da ideologia integralista serão tratados na próxima secção.

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caráter nacionalista tradicional, fundada no convencionalismo católico, que ‘reage contra a influência dos países capitalistas e (luta) sem tréguas contra o comunismo russo’. Tratando-se, de fato, de um produto específico de um determinado espaço econômico-político (CHASIN, 1978, p.142).

Interessante notar, na citação acima, feita pelo autor, que o integralismo, a despeito das semelhanças e convergências com o nazifascismo, não era um simples desdobramento do fenômeno europeu; mas sim fruto das condições objetivas brasileiras (idem). Dentro de pouco tempo, a partir da veiculação através dos meios de comunicação, o integralismo se tornou um movimento de massa disseminado por várias regiões a partir de núcleos municipais. Em suma, passível de afirmação que: “Os integralistas não teriam existido sem a criação de inúmeros mitos do medo. Para compreender o discurso dos integralistas é fundamental ter em mente que falavam a um público inseguro, medroso e à espera do grande líder que lhes oferecesse proteção.” (FREITAS, 1998, p. 33). Dentro dessa massa, a AIB agregou a seus quadros pessoas sem expressão popular, ou seja, desconhecidas. Dessa forma, os integralistas direcionavam sua propaganda para operários, mulheres, jovens, setores quase não representados pelos partidos existentes até então. Ademais, o integralismo atraiu fortemente setores das classes médias urbanas e descendentes das comunidades de origem alemã e também da italiana espalhados pelo país (BERTONHA, 2001). Em 1934, restaurou-se a ordem legal com a aprovação da nova constituição. Deste ano até 1937, um curto período, os integralistas tiveram papel preponderante no que toca à corrosão das bases daquela ordem. O primeiro se deu no mesmo ano, em outubro, da aprovação da carta, quando integralistas e comunistas se digladiaram violentamente nas ruas por questões relacionadas a greves e movimento operário. O segundo, em 1937, quando eles colaboraram na redação do famigerado “Plano Cohen”, que resultou em pretexto para suspensão das garantias constitucionais e o estado de guerra (FAUSTO, 2010). Ademais, outro acontecimento que também potencializou a ação repressora do governo Vargas foi a mal sucedida Intentona Comunista (já citada), em 1935, uma quartelada organizada pela ANL e PCB, que foi facilmente reprimida pelo exército. Desde o primeiro episódio citado, houve uma resposta do governo; ela foi da aplicação de Lei de Segurança Nacional até o já mencionado rompimento da (curta) ordem constitucional. Antes mesmo destes fatos, brevemente relatados, digno de nota que, em 1936, a associação integralista atenuou um pouco a radicalidade do seu discurso (CHASIN, 2010), passou a ser partido político e a figura de seu líder, Plínio Salgado, foi ventilada à presidência. Por essa época, o integralismo mobilizava por todo território nacional cerca de quase 200.000 pessoas em seus núcleos. Com o golpe, tal tentativa foi impossibilitada; pior: o integralismo

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voltava por decreto a ser unicamente associação cultural. Em consequência, foi excluído de toda e qualquer participação política! Sem sucesso, alguns participantes tentaram ainda um infrutífero golpe em 1938.

2 O Integralismo

2.1 O integralismo: projeto político ligado a um pensamento conservador.

Efetuadas várias leituras sobre o integralismo, pôde-se com segurança enquadrá-lo como um pensamento político de natureza conservadora, pois, em resumo, em sua plataforma ideológica, ele visou a um regressismo conservador em que a integralidade e tradição cabocla da “brasilidade” e do Brasil fossem protegidas dos perigos da modernidade potencializada, mormente, pelo capitalismo liberal (CHASIN, 1978). Ou como cita Freitas (1998), o integralismo foi um movimento permanentemente contra-revolucionário, portador das tradições do passado, e que divulgava na sociedade uma grande desconfiança em relação à liberdade humana de conduta, de escolha e pensamento. Dessa forma, e seguindo aqui o raciocínio de Bernardo Ricupero (2010), o integralismo seria, naquele momento, uma espécie de “logos” conservador que direcionaria a “práxis”, ou seja, um projeto com valores e idéias daquela natureza objetivando aplicação, estruturação e rotinização no dia a dia da sociedade. Logo, para embasar tais postulados, nesta secção, tratar-se-á do que vem a ser um pensamento conservador, seus impulsos, objetivos e um pequeno “diálogo” com o as propostas integralistas. Ao contrário do que aparenta, mesmo dentro de um quadro de modernidade, um pensamento conservador se processa continuamente, ou seja, não é estático. Espécie de contra-sistema à modernidade burguesa, ele nasce e toma forma a partir da universalização da tradição em grupos dentro do coletivo, nas dadas circunstâncias históricas e sociais: A ação conservadora (ao menos na esfera política) envolve mais que reações automáticas de um certo tipo; isto significa que o indivíduo é consciente ou inconscientemente guiado por um modo de pensar e de agir que tem por trás de si uma história própria, antes de entrar em contato com o indivíduo. Esse contato com o indivíduo pode, em certas circunstâncias, transformar de alguma maneira a forma e o desenvolvimento desse modo de pensar e agir; mas mesmo quando o indivíduo específico não estiver mais ali para dele participar, o modo de pensar e de agir ainda terá sua própria história e desenvolvimento autônomos. O conservantismo político, portanto, é uma estrutura mental objetiva, em oposição à subjetividade do indivíduo isolado (MANNHEIM, 1982, p.109).

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Dessa forma, ser conservador é muito mais que uma afinidade política; é, sobretudo, uma forma de pensar e organizar a sociedade a partir da história particular, na terra e em entidades orgânicas como a família (idem) e a religião. Roberto Stelmacki Jr. (2006), em artigo intitulado: Uma análise a respeito do pensamento conservador, explora grandes nomes desta linhagem, como Edmund Burke (1729-1797), o já citado Karl Mannheim (1893-1947), dentre outros. Em meio ao texto, ele apresenta genericamente pressupostos do pensamento conservador como: a defesa da cristalização de uma ordem social, econômica e política vigente e a determinação de uma continuidade como valor soberano. Quanto a mudanças, que elas sejam superficiais, prédeliberadas e que tragam o mínimo de efeitos possíveis. Em suma, só são aceitas, na sociedade de cunho conservadora, se encaradas como instrumentos de aperfeiçoamento da ordem vigente e que caracterizem a ampliação das bases de sustentação do status quo. Karl Mannheim, expoente do pensamento conservador, por sua vez, atenta para a maneira de proceder, na sociedade contemporânea, de um governo conservador: Do ponto de vista conservador, o governante deve tomar com cuidado o entusiasmo da transformação que muitas vezes são sugeridos para os negócios práticos do Estado e deixar-se guiar por precedentes e exemplos que já funcionaram a contento no passado. Os conservadores rejeitam as iniciativas de caráter liberal e mantêm forte respeito por instituições tradicionais, como a família e a propriedade privada. Por princípio, são adversários das mudanças súbitas e das inovações e tendem a aceitar as imperfeições do ser humano como realidades inerentes a sua natureza, em vez de contar com a possibilidade de reconstrução e aperfeiçoamento. (MANNHEIM apud STELMACKI JR., 2006).

Ainda tendo Mannheim (1981) como referência, digno de destaque, em sua obra e pensamento, a questão da “ordem” e sua relação íntima com os aspectos deterministas e metafísicos que atuam sobre uma dada sociedade, amparada em valores conservadores, tais como os religiosos: O conservador enfrenta a transformação com a ordem. Não há a negação do movimento constante das sociedades humanas; ao contrário, ele é naturalizado, as sociedades humanas naturalmente caminham para o progresso, logo não há necessidade do rompimento da ordem estabelecida, até porque ela assegura completamente o progresso. Mesmo que o homem não queira sempre haverá mudança, ela é inevitável, pois a história é traçada não pela vontade dos indivíduos, mas por sua evolução natural, contínua e metafísica. O progresso da humanidade e a finalidade da vida social estão amparados a um Deus transcendente, que conduz de fora as ações e intenções humanas. O discurso conservador incorpora a alienação como um dado insignificante historicamente (MANNHEIM, 1981, p. 14).

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Convergindo com isto colocado por Mannheim, Plínio Salgado (apud CHASIN, 1978) artífice mor integralista, embasa seus escritos em princípios metafísicos, em que o a natureza do país seria movida por forças e verdades naturais da terra e da raça: O projeto político que Salgado expõe aparece, a seus olhos, justificado como a decorrência necessária que se pode opor às verdades articuladas ao nível das realidades do homem e de seu meio natural. Estas últimas, como já se viu, independem da atividade humana, enquanto a existência política real sofre desta. Mas não há rigorosamente espaço para opções, a não ser entre o campo polar do acerto e do erro: acerto é harmonizar a ação política às verdades essenciais da Terra e da raça; erro, qualquer outra alternativa... Em síntese, o político não transforma as realidades profundas; sua ação, ou possibilita que estas realizem suas verdades imanentes irrecorríveis, ou frustra sua efetivação e causa dano (idem, p.114).

Assim, na lógica “pliniana” e integralista, a solução para os problemas nacionais estariam na própria terra e no próprio brasileiro. Ademais, deduz-se, a partir disso tudo até aqui discutido, que o Estado integral (finalidade última do integralismo), baseado no princípio da autoridade, seria, na oportunidade, uma espécie de mediador/ tutelador/ regulador que garantiria a ordem, a harmonia social e as mudanças sem que uma suposta ordem (integralista) fosse questionada ou fragilizada. Enfim, impedindo que houvesse rupturas e transformações.

2.2 As características do integralismo e sua relação com o liberalismo e fascismo.

Dentro da seara das Ciências Sociais é notório que cada localidade, dentro deste imenso planeta, é, por inúmeros fatores, singular ou ímpar; ou seja, possui particularidades que lhe são próprias. Diz-se isto em virtude de que um fenômeno naturalmente é típico de um lugar (de suas condições objetivas). E, ao se expandir para outras localidades, ele assume, no processo de sua aplicação, alhures, diferentes facetas. Isto posto, salutar estampar que, para a maioria dos analistas, o integralismo é um simples desdobramento ou uma cópia do fascismo. Para uma minoria, com destaque para José Chasin, não. Sendo assim, nesta secção, tratar-se-á das características do integralismo, sua natureza, o diálogo com o fascismo e as relações com o seu principal alvo de combate, o liberalismo. Conforme já foi tratado anteriormente, neste trabalho, o fascismo foi um fenômeno sociopolítico que surgiu, primeiramente, na Itália, após a 1º guerra mundial. Representou uma forma de Estado e organização social antagônica à da maior parte dos países do período. De lá “exportou” tal projeto político para outras localidades: “Para além da Itália, onde o fascismo

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originou-se, espalharam-se movimentos com características próprias, mas com pontos em comum em relação à “matriz italiana” (FREITAS, 1998, p. 13). Assim: Era impossível não reconhecer no Integralismo, porém, uma série de influências do Fascismo italiano e também de outros movimentos fascistas europeus. Essas influências passavam especialmente pelo campo ideológico, como a doutrina corporativa, a descrença na democracia, a priorização do Estado em relação à sociedade, etc., mas também se manifestavam em itens aparentemente secundários, como a mística e a simbologia, em que eram evidentes as influências do Fascismo italiano na mitologia do líder, na coreografia das grandes manifestações, na doutrinação da juventude (na qual a organização dos “plinianos” se assemelhava notavelmente à dos “balilas” italianos), etc. (BERTONHA, 2001, p.89).

Além destes pontos importantes citados por Fábio Bertonha, o integralismo surgiu como uma tendência de possibilidade de renovação da política nacional; uma moralização entoada a partir de uma figura autoritária, o Estado; defendia uma educação militar da sociedade, o catecismo das crianças e até o uso de parafernálias como o uniforme do “sigma” (FREITAS, 1998). Claramente, elencam-se elementos notoriamente particulares ao fascismo. Entretanto, existem outros que revelam a particularidade nacional do movimento ou fenômeno. Ao contrário dos Estados nazifascistas, o integralismo não aspirava uma modernização aos moldes capitalistas, com a participação ativa de indústrias no processo. Como bem salienta Chasin (2010), o integralismo almejava objetivos distintos como: uma volta a um estágio pré-capitalista, onde existiriam corporações de ofício que regulariam toda a vida trabalhista; a um Brasil rural, sertanejo e folclórico de vocações agrárias e uma ode ao caboclo “Jeca Tatu”, referência de valor de personagem autêntico do Brasil ou “tipo social brasileiro”: “que se origina das realidades econômicas da terra, dos meios cívicos do território, da formação histórica, filho de todas as raças, subordinado ao imperativo de uma formação latina e fixado segundo os impositivos de um meio aborígine inicial.” (CHASIN, 1978, p. 107). Portanto, o integralismo, a partir de seus criadores17, buscava valores autênticos objetivos, que chamavam de “brasilidade”. Dessa forma, pode-se afirmar que o movimento integralista nada mais é que fruto da década de “Vinte”, de todas suas vicissitudes, complexidade e:

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Plínio Salgado e boa parte dos intelectuais integralistas participaram de uma variante do modernismo brasileiro da década de 20 numa variante conhecida por verde-amarela. Esta tinha por características a valorização do nacionalismo e do Brasil rural e folclórico.

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(D) O aparecimento de novos personagens históricos: o intelectual cosmopolita (projetado pelo modernismo); o militar insatisfeito com a corrupção eleitoral (projetado pelo tenentismo) e o ativista comunista (projetado pelas greves e pela organização do movimento comunista). Diante dessas inúmeras tensões políticas que não paravam de aumentar, a multiplicação de inúmeros personagens históricos colocava em discussão para toda a sociedade, a necessidade de se modificar a estrutura econômica do Brasil, responsável por um quadro social injusto (FREITAS, 1998, p. 32).

Destarte, como defende Chasin (1978), identificar o integralismo como uma simples forma plena de fascismo é uma generalização deformante. O integralismo (e antes dele, o fascismo) surgiu em meio a uma crise de conjuntura do capitalismo internacional na qual o Brasil estava, de certa forma, envolvido18, pois era, dentro daquela divisão internacional do trabalho, fornecedor de produtos primários para os países “centrais”. Em virtude disso, o surgimento do movimento decorreu da necessidade de uma forma alternativa de governo que objetivasse retirar a nação da crise na qual estava mergulhada. Crise, que também como vimos, está intimamente relacionada com o liberalismo e seus desdobramentos em instituições e práticas dentro da sociedade brasileira. No Brasil, a crítica a essa filosofia e forma de organização social se iniciou no século XIX, no início da República, adentrou ao século XX com Alberto Torres (1865-1917) e já na década de 20-30 com Oliveira Viana (1883-1955). Em síntese, os pontos mais atacados eram o exotismo e contradições dos valores e instituições liberais aplicados nas diferentes esferas do cotidiano da nação. Quanto aos integralistas, na leitura daquela intelectualidade, o liberalismo representava também a hipertrofia do individualismo, o promotor da dissolução da moral cristã, a negatividade da razão que questiona a autoridade, a religião e a fé. Logo, eles identificavam no Estado liberal um ente desvirtuado, indiferente, que gera anarquia, indisciplina, opressores e que promove a exploração de alguns poucos homens sobre a grande massa da nação. Portanto, para os defensores do “sigma”, o liberalismo, o mercado, as bolsas de valores e os valores libertários eram os grandes causadores do “apocalipse” socioeconômico, moral e ético que afligiu o mundo desde a Revolução Francesa. Dessa forma, dentro da ideologia integralista, existia um discurso antiliberal que permeava tanto aspectos sociais, econômicos e políticos. Para Plínio Salgado, o liberalismo teve seu lado mais negativo na incorporação gradativa do individualismo e materialismo na sociedade. Em conseqüência, gerou a citada hipertrofia da personalidade e enfraquecimento a coletividade: 18

Os efeitos da crise de 1929 variaram de lugar para lugar. Os efeitos, no Brasil, não foram os mesmos do centro capitalista, pois boa parte de sua população habitava o espaço rural e não participava ativamente de uma cultura de consumo.

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Do ponto de vista econômico, ou do ponto de vista cultural e político, o que se vê no século que se findou é o ingurgitamento do individualismo. A liberdade, que foi a senha dos povos na criação dos regimes igualitários, no anseio das democracias perfeitas, começou, pela amplitude que se deu ao seu conceito, a insurgir-se contra si mesma, pela possibilização que facultou ao desenvolvimento da personalidade isolada, em detrimento do todo coletivo. (SALGADO apud CHASIN, 1978, p. 358-359).

Assim, sob a ótica “pliniana”, as liberdades, dentro da contemporaneidade (modernidade), tornaram-se negativas, pois vitimavam a si mesmas num processo em que se transformavam e degeneravam incessantemente. Em síntese, tal qual boa parte da intelectualidade conservadora pelo mundo, os intelectuais integralistas diagnosticaram um colapso do liberalismo e da democracia; ou seja, tinham-nas formas de organização da sociedade, da política e economia desumanizadas que não forneciam mais respostas satisfatórias aos problemas das nações. Eis um fragmento dos manifestos, escrito por Plínio Salgado, que trata sobre tal questão: Por que não nos regemos por estatísticas, determinando tarefas de produção aos povos e efetivando o intercâmbio entre as nações de uma maneira mais humana? Por que não substituir a concorrência agrícola, industrial e comercial pela cooperação agrícola, industrial e comercial? Por que os países não se auxiliam mutuamente? Nada disso será possível, pois os governos não são os que governam; quem manda no mundo são os argentários sem pátria e sem alma. Os governos nada significam para os países liberais democráticos, porque, à revelia deles, decidem a sorte dos povos os cartéis, os monopólios, as bolsas, os bancos (SALGADO apud CHASIN, 1978, p. 383)

Em seu lugar, propôs-se, dentro dos manifestos e diretrizes integralistas, um regime em que se restabeleça a autoridade do Estado, o respeito à autoridade do chefe da nação, a cooperação no trabalho, disciplina, a ordem e conseqüentemente a harmonia social. E que se assente suas bases na tríade: Deus, família e propriedade. 2.3 Concepção de Estado integralista e sua relação com a sociedade civil

Nesta secção, apresenta-se uma breve concepção do que vinha a ser, na década dos “Trinta”, o modelo de Estado integralista; um Estado que, nas palavras de Plínio Salgado, deveria estar na “altura das circunstâncias”; “Um Estado baseado na realidade” e que soubesse que “o combate ao comunismo deve ser começado no combate à mentalidade

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(19liberal) capitalista” (CHASIN, 1978). Além, um ente superior que deveria ser eminentemente autoritário, controlador, tutelador, interventor (economicamente), nacionalista, anti-imperialista e que trouxesse por meio de seus atos uma justiça social. A partir destes adjetivos ou características, fica evidente que haveria pouco ou nenhum espaço para a sociedade civil. Antes de se enveredar por tal análise, importante atentar que de 1930 até 1934 o Estado brasileiro foi presidido extralegalmente, a partir de um governo provisório que lançava mão de decretos para governar. Como já comentado anteriormente, trata-se do governo de Getúlio Vargas alçado ao poder em virtude da conhecida “Revolução de 30”. Plínio Salgado, por sua vez, oscilou, no início, entre apoiar ou combater tal revolução. Por ser avesso a qualquer forma de quebra de ordem por mobilizações sociopolíticas, primeiramente, mantevese fiel ao governo de Júlio Prestes. Entretanto, com o tempo, vislumbrava -naquela conjuntura e momento político- um “vácuo”, uma oportunidade em que ele e seus correligionários poderiam ocupar e dar rumos à política nacional, a partir da introjeção de um embasamento ideológico “integralista”. Portanto, uma oportunidade para regenerar o país integralmente. Em virtude disso, Salgado e os intelectuais integralistas se valiam de espaços midiáticos20 para promover as diretrizes e concepções acerca de um futuro Estado aos moldes integralistas. E é num desses espaços que as Diretrizes Integralistas foram lançadas. Nelas, e, em especial nesse fragmento abaixo, podemos identificar algumas das premissas principais que sustentariam um Estado Integral ideal: Uma vez organizado o Estado Integral, este não poderá permitir que se formem fora de seu círculo de ação quaisquer forças de ordem políticosocial ou econômica que o possam ameaçar; nestas esferas da vida nacional tudo deve ser controlado e orientado pelo Estado Integral’, explicitando sua grande preocupação – a intervenção estatal na economia: ‘O integralismo quer a direção da economia nacional pelo governo, evitando que o agiotarismo depaupere as forças da produção, que o trabalho seja reduzido a uma simples mercadoria sujeita à lei da oferta e da procura; que o intermediário asfixie o produtor e esmague o consumidor; que o capitalismo os escravize, cada vez mais aos grupos financeiros de Londres e Nova Iorque, não transferindo, como faz o Estado Liberal democrático, a soberania econômica da nação ao capitalismo burguês, que permite a orgia dos trustes, cartéis, monopólios, espoliações de toda a sorte através dos juros onerosos, do jogo da praça, das manobras com as quais o capitalismo atenta contra os princípios da propriedade.’ Intervenção estatal que não implica descuidar da defesa da propriedade privada: ‘O Integralismo defende o direito da propriedade até ao limite imposto ao bem comum, estabelecendo ao lado do direito também o dever do proprietário. O 19 20

Adendo meu. Tais espaços eram o jornal A Razão e o jornal da Legião Revolucionária Tenentista.

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Integralismo reconhece na iniciativa privada o fato mais fecundo da produção econômica, mas para salvaguardar das ambições particularistas o bem estar e a liberdade do povo brasileiro, fará a nacionalização dos serviços que por sua natureza não podem ser explorados com fins de lucro, e que se destinem ao desenvolvimento da economia nacional e interesse público, tais como: estradas de ferro, navegação, minas, fontes de energia e aparelhamento bancário21. (SALGADO apud CHASIN, 1978, p. 147).

Nitidamente antiliberal, tal Estado condiciona, como vimos, iniciativas privadas desde que não firam o “bem comum”. Quanto à sociedade, ela deve se moldar e se adaptar aos postulados daquele ente ideal. Marcos Freitas (1998), por sua vez, aponta um aspecto importante da organização da AIB que remete ao tipo estrutural de Estado fascista: Sua estrutura era montada a partir de uma rígida hierarquia e era uma espécie de miniatura do “Estado Integral” que defendia (...) (e) servia tanto para controlar um partido como o governo de um país. Tratava-se de uma instituição que definia, na forma de milícia, a possibilidade de toda uma nação funcionar a partir de um único modelo de autoridade baseada na formação de um único Estado integral. (FREITAS, 1998, p. 40)

Em suma, a burocracia hierarquizada da AIB possuía além do gabinete do chefe, conselho nacional que dispunha de consultorias e departamentos com inúmeras subdivisões que iam da propaganda até as milícias (idem). Sem temeridade, é possível afirmar que a AIB queria fazer do Estado nacional sua imagem e semelhança. Outro documento que auxilia, nesta empreitada, é o próprio “Manifesto de Outubro da Ação Integralista Brasileira22” de 1932. Nele também ficam patentes seus propósitos autoritários, paternalistas e de extirpação das oposições (dentre outros) em relação aos vários setores da nação:

Pretendemos realizar o Estado Integralista, livre de todo e qualquer princípio de divisão: partidos políticos; estadualismos em luta pela hegemonia; lutas de classes; facções locais; caudilhismos; economia desorganizada; antagonismos de militares e civis; antagonismos entre milícias estaduais e o Exército; entre o governo e o povo; entre o governo e os intelectuais; entre estes e a massa popular. Pretendemos fazer funcionar os poderes clássicos (Executivo, Legislativo e Judiciário), segundo os impositivos da Nação Organizada, com bases nas suas Classes Produtoras, no Município e na Família. Pretendemos criar a suprema autoridade da Nação. Pretendemos mobilizar todas as capacidades técnicas, todos os cientistas, todos os artistas, todos os profissionais, cada qual agindo na sua esfera, para realizar a grandeza da Nação Brasileira. Pretendemos tomar 21 22

Grifos meus. Disponível em: http://www.integralismo.org.br/novo/?cont=75. Acesso em 12/04/12.

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como base da Grande Nação, o próprio homem da nossa terra, na sua realidade histórica, geográfica, econômica, na sua índole, no seu caráter, nas suas aspirações, estudando-o profundamente, conforme a ciência e a moral. Desse elemento biológico e psicológico, deduziremos as relações sociais, com normas seguras de direito, de pedagogia, de política econômica, de fundamentos jurídicos. Como cúpula desse edifício, realizaremos a idéia suprema, a síntese de nossa civilização: na filosofia, na literatura, nas artes que exprimirão o sentido do nosso espírito nacional e humano. Pretendemos criar, com todos os elementos raciais, segundo os imperativos mesológicos e econômicos, a Nação Brasileira, salvando-a dos erros da civilização capitalista e dos erros da barbárie comunista. Criar numa única expressão o Estado Econômico, o Estado Financeiro, o Estado Representativo e o Estado Cultural. (...) Para isso, combateremos os irônicos, os "blasés", os desiludidos, os descrentes, porque nesta hora juramos não descansar um instante, enquanto não morrermos ou vencermos, porque conosco morrerá ou vencerá uma Pátria (MANIFESTO..., 1932).

Ademais, um aspecto dentro da concepção de Estado integralista deve ser salientado: a da ênfase na autonomia política municipal e o esvaziamento da esfera estadual. Tal enfoque decorre da forma até então desenvolvida de prática política no Brasil, conhecida por “política dos oligarcas” ou “dos governadores”: Percebia ele (Salgado) que os municípios precisavam de autonomia políticoadministrativa para se desenvolverem, devendo libertar-se da ditadura do governo estadual, das oligarquias que os dominavam através de falsas eleições de políticos que agiam apenas por interesses partidários e pessoais, sem se preocuparem com as necessidades e o progresso do município. Os municípios deveriam de ser governados por prefeitos não manobrados pela política estadual, mas escolhidos conscientemente pela população, e realmente interessados no desenvolvimento da região, com um corpo de idéias e um programa de ação em consonância com a realidade local (CHASIN, 1978, p. 342).

Finalmente, após elencado tais pontos importantes para a compreensão da concepção de Estado integralista e sua relação com a sociedade, poderíamos conceituar o Estado (ideal) Integralista como decorrente de um pensamento político conservador, em que se abre pouca margem de manobra por parte da sociedade civil; ou seja, a tutela e a regulação oprimem e a inibem. Em síntese, era este Estado que os integralistas, na década de 30, desejavam edificar no Brasil em substituição ao “anárquico” do período liberal. 3 A democracia liberal: objeto de defesa dos “Constitucionalistas”

Em outras seções deste trabalho já foi exposto o fato de que o Partido Constitucionalista surgiu da fragmentação do PD e de outras pequenas agremiações do estado de São Paulo. Assim, desde sua formação enquanto segmento político, o PC arrogou-se o

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título de legítimo herdeiro do movimento que culminou com a Revolução Constitucionalista, em 1932. Ainda, dentro de um cenário marcado por governos interventores, de diferentes matizes, defendeu a aplicação de um modelo democrático liberal para o país, a partir da carta constitucional vindoura. Em geral, os adeptos da democracia liberal defendem as liberdades liberais; acreditam que essas são necessárias e essenciais para que se possa dizer que exista uma democracia: Sem liberdade de expressão, de associação e assim por diante, o povo, nas eleições, não poderia dispor das escolhas que lhe permitem tomar as decisões políticas básicas. Em suma, as eleições livres são encaradas como condição necessária para a democracia — e a democracia liberal como sua única forma possível (OUTHWAITE; BOTTOMORE, 1996, p. 181).

Logo: A palavra “liberal”, aplicada a sistemas de governo, costuma implicar uma preocupação com a proteção das liberdades individuais através da limitação do poder do governo. A idéia típica é que o poder de um governo deveria ser limitado, sujeitando-se a regulamentação através de uma constituição ou carta de direitos. Numa democracia liberal, portanto, o governo eleito expressa a vontade do povo, mas seu poder é, não obstante, limitado. Daí existir, em certa medida, uma forma de democracia condicional, na qual o poder do povo — conforme expresso através de seu governo — é limitado (idem).

Os teóricos da democracia liberal têm como referência ou parâmetro autores de diferentes épocas, tais como John Locke (1632-1704), James Madison (1751-1836), John Stuart Mill (1806-73), Benjamin Constant (1767-1830), etc.. Quanto ao último, eminente escritor e político francês de origem suíça, é lhe atribuído, no célebre discurso “A liberdade dos antigos comparada com a dos modernos”, o pioneirismo da elaboração da concepção de Estado liberal: Para Constant, a liberdade dos modernos, que deve ser promovida e desenvolvida, é a liberdade individual em sua relação com o Estado, aquela liberdade de que são manifestações concretas as liberdades civis e a liberdade política (ainda que não necessariamente estendida a todos os cidadãos) enquanto a liberdade dos antigos, que a expansão das relações tornou impraticável, e até danosa, é a liberdade entendida como participação direta na formação das leis através do corpo político cuja máxima expressão está na assembléia dos cidadãos (NOBBIO, 1998, p. 323). Finalmente, pode-se considerar que, a despeito da brevidade, desde o advento da segunda Constituição Republicana Brasileira de 1934 (perfil liberal), tem-se, no Brasil, uma configuração

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sociopolítica e um “demos” inéditos, uma vez que tal carta abriu a possibilidade dos marginalizados enfim participarem de pleitos. Destacam-se aqui mulheres e pobres (desde que alfabetizados)23.

23

Analfabetos, soldados, padres e mendigos não poderiam ter direito ao voto.

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PARTE II

1 1932-34: Reconstitucionalização, os efeitos da guerra civil de 1932 e o seu legado na sociedade montealtense a partir da análise de A Semana. 1.1 A antessala da “Revolução de 1932” e o debate em torno da reconstitucionalização

Antes de tratar especificamente dos dois grupos protagonistas, dentro do recorte histórico e objeto delimitado por esta pesquisa, abre-se tal explanação discorrendo brevemente

sobre

a

conjuntura

política

estadual-nacional

que

antecede

à

reconstitucionalização do Brasil em 1934 e os seus efeitos no universo citadino montealtense; entretanto, faz-se a partir de uma leitura crítica do periódico local A Semana. Como já citado anteriormente, o Brasil vivia, nos idos de 1932, em um estado de exceção, ou seja, em uma situação de inconstitucionalidade. Dois anos antes ocorrera a “Revolução de outubro” encabeçada por Getúlio Vargas e correligionários oriundos de uma oligarquia dissidente daquela que estava no poder, a oligarquia “perrepista” paulista. Pela revolução se tem uma ruptura com a ordem. Com isso, houve, na leitura de muitos grupos (dentre eles os que são objeto deste estudo), uma abertura para uma oportunidade de uma renovação política a partir da superação do “modus operandi” político da “República Velha”, permeado de mandonismo, patrimonialismo, clientelismo e oligarquização do poder. Isto posto, encaminha-se para as páginas de A Semana que, naquela oportunidade, veiculava rotineiramente artigos enfatizando a importância da reconstitucionalização do Brasil. Nesses artigos, há um constante e intenso trabalho de conscientização social a respeito da importância para uma nação “civilizada” estar sob efeito e regulação de leis que possam trazer uma segurança aos contratos e às pessoas contra as arbitrariedades de diferentes naturezas. Assim, há uma ampla mobilização para informar e atrair a sociedade civil para participar do debate em torno da elaboração da nova carta constitucional. Destes textos, alguns são escritos por locais que se valem de pseudônimos para assinar suas colunas e artigos; outros são oriundos da UJB (União Jornalística Brasileira), órgão de imprensa que repassava textos para reprodução aos jornais do interior24. Dessa forma, era consenso dentro daquela mídia que a “revolução” precisava de uma constituinte legítima para não se esboroar.

24

Curiosamente, muitos são de autoria de Menotti Del Picchia (1892-1988), intelectual paulista que participou do movimento modernista. Em um deles, o versátil escritor atenta para que a população fique inteirada dos acontecimentos e se levante contra uma potencial outorga constitucional.

33

Logo, o que se constata, dessa forma, é a tentativa de “pavimentação” por parte da mídia de um caminho para a redemocratização do país e a volta ao estado de constitucionalidade.

1.2 A Revolução de 1932 e o seu legado para a sociedade montealtense

Em meio ao período da guerra civil, pode-se constatar pelas páginas dos jornais uma envolvente mobilização e caldo político em que as entidades (Liga do comércio e indústria, Grupo Escolar e Prefeitura Municipal) e sociedade civil de Monte Alto se sensibilizam e manifestam uma empatia pela causa constitucionalista. Assim, caracteriza-se por parte daquelas um claro rompante cívico. Entretanto, a partir de quê se lançam tais afirmações? Que bases se tem aqui para poder afirmar isso? Eclodido o conflito, o veículo de comunicação apresentava as principais demandas recebidas pelo município diretamente da capital. Destarte, sucessivamente, as edições conclamavam e convocavam as pessoas para comícios cívicos em praça pública ou cine-teatro municipal com personalidades ligadas ao governo estadual e à elite política citadina; apresentavam boletins do poder público estadual e municipal; além, lançava os recursos levantados (quantidade) e quem os doou; e, finalmente, convocava os jovens para o “front” de batalha. Dessa forma, nota-se a ampla mobilização popular em torno da causa, uma vez que a cidade participou e contribuiu ativa e decisivamente seja com voluntários seja com itens variados, como alimentos, matérias-primas, armas, animais de corte e tração, dinheiro e ouro. Tudo arrecadado e enviado para São Paulo e outras cidades. Por outro lado, as edições de A Semana apresentam alguns pontos que podemos ter como preocupantes. Antes da eclosão do conflito, o jornal, em nenhum momento, apresentou o clima político cataclísmico que São Paulo vivera, sobretudo em maio com a invasão dos jornais tenentistas e de Plínio Salgado e também não noticiou as mortes dos jovens que foram inspiração, a partir de suas iniciais, para a sigla MMDC. A omissão -supostamente pela censura- era tamanha que graves distúrbios políticos ocorridos (que ocasionou a perda de uma vida e prisões), no distrito de Monte Alto, Aparecida do Monte Alto, foram apenas mencionados superficialmente, em poucas e minúsculas linhas e sem maiores explicações. Com o conflito, o jornal passa a atuar como panfletário. Quanto às notícias do front de batalha, estas eram poucas. Os artigos, vindos de São Paulo, também eram omissos e carregados de falácias, maniqueísmos, retórica, inverdades e ufanismo. Infere-se, a partir disso, que tais notícias eram veiculadas muito em função de manter o ânimo da população

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exaltado, ou seja, com a moral elevada. Em muitas situações, como na notícia abaixo, conseguimos constatar inversões de situação: Amadeu Olivério, intelligente moço montealtense, visitou a nossa redação, pela tarde quinta-feira última, e depois de externar sobre a ação do Exército Constitucionalista, na zona de Itapira, disse que o ânimo de nossas forças é excellente e que o Exército Ditatorial está em franco declínio. Asseverounos que a munição é farta e que a distribuição do serviço de campanha é sob rigorosa disciplina militar e de vivo entusiasmo. Nestas condições é bem possível que a ditadura brasileira, tenha de render mui breve, dadas as suas columnas indisciplinadas, influírem para a debandada constante dos mercenários dictatoriaes (A Semana, 1932, 158, p.2).

Afirma-se isso tendo em consideração o consenso dentro da historiografia brasileira e outras inúmeras fontes, que tratam do conflito, que a carência e a precariedade em todos os sentidos imperavam dentre as forças constitucionalistas e não dentro do exército brasileiro. A despeito do insucesso do movimento constitucionalista, pode-se afirmar que se extraíram, de todo o fenômeno, pontos positivos no que diz respeito à mobilização popular e civismo. Pelas páginas do semanário é possível captar uma efervescência política, um envolvimento e uma deferência dos cidadãos às demandas. Em conseqüência, as edições, daquela data em diante, promoveriam constantemente conteúdo de caráter político, escrito muitos deles por citadinos.

1.3 A volta do debate acerca da reconstitucionalização

Findada a guerra civil de 1932, em início de outubro daquele ano, e com ela a resignação paulista perante os fatos, o foco do debate do periódico volta a ser, deste marco até todo ano de 1933, as eleições para a formação da assembléia constituinte e o processo de reconstitucionalização do país; a estes, segue em importância a formação da “Frente Única Paulista” 25 e a coesão de todas as entidades políticas paulistas em torno do objetivo. Deste modo, segundo os articulistas de A Semana, a futura constituição deveria ser eminentemente liberal, que visasse pelas liberdades e que garantisse os direitos individuais dos cidadãos. Quanto ao regime, necessário o estabelecimento de uma república federativa, donde esta pudesse garantir a liberdade e autonomia para os estados e que atuasse como um escudo contra as “inviáveis” aspirações unitaristas e centralizadoras (dadas a distância e falta de comunicação). Em suma, estamos diante, em fins de 1932, de uma situação de A sociedade civil montealtense e suas entidades, por sua vez, fecharam com a “Frente Única Paulista” em 25/04/1933. 25

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reconstrução nacional, de um debate sobre quais formas são as mais pertinentes para o Brasil e sobre as novidades que se abrem a partir da outorga do código eleitoral da época (voto secreto e possibilidade de voto feminino).

1.4 A linha editorial de A Semana nos idos de 1932-33

Quanto ao perfil ideológico ou linha editorial do jornal A Semana, por tais evidências antes descritas, pode-se, de início, prematuramente classificá-lo como de linha editorial liberal. Entretanto, a partir das vicissitudes da conjuntura histórica nacional e internacional (ascensão e difusão do nazifascismo e derrocada das democracias liberais), o semanário se torna um paradoxo e uma contradição, ao flertar e compactuar, às vezes, com medidas “centralistas” do governo nacional “varguista” e de outros de semelhante natureza. Assim, ao oscilar e gravitar por elementos de outras correntes ideológicas, difícil classificar com segurança um perfil ao semanário. Logo, o ponto de inflexão (que será tratado mais adiante) do jornal será o despertar e a popularização da ideologia integralista para Monte Alto. Mormente, se ter em conta a sintonia/identificação do editor deste jornal (Antônio Carlos Villas Boas) com o integralismo. Com isso, há um compromisso pela difusão e seu catecismo em colunas e notas semanais ao público26.

1.5 A reconstitucionalização do país, do estado de São Paulo e as primeiras eleições

A reconstitucionalização do país foi um tema amplamente discutido desde o fim do levante de 1932 no jornal A Semana. Concluído o processo, em instância federal, restava aos estados brasileiros deliberarem e promulgarem suas respectivas leis. Segundo as páginas, e obviamente por quem escreve os textos, estar sob uma ordem constitucional representava ser “civilizado”. Na edição de 22 de julho de 1934, o semanário trouxe um texto do General Klinger sobre a importância da lei para os povos civilizados da Terra. Em agosto daquele ano, o jornal destacava a proximidade das eleições estaduais e os fatos inéditos, em nosso estado, da abertura ao voto feminino e do voto secreto. Importante, 26

O integralismo tem sua primeira nota de importância no A Semana de 19 de novembro de 1933 quando uma comitiva de adeptos integralistas dos núcleos vizinhos de Jaboticabal e Taquaritinga veio apresentar a ideologia e teoria às pessoas desta cidade. Nos pontos importantes da fala do apresentador reproduzidos em nota, destacamse: a democracia como algo ultrapassado e integralismo como uma advertência às manifestações maléficas da atualidade de época; por fim, foi distribuído às pessoas “O manifesto de 32”.

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sobretudo se ter em mente que o eleitor não seria mais possivelmente coagido no momento pleito: Desde que foi promulgada a nova constituição, o Brasil vive no seio da lei, princípio fulgurante em que a justiça e o direito congraçados terão amplas finalidades. (...) Com a Nova República, com certeza será formada a política partidária nos Estados da União Brasileira, garantida pela influência da recente legislação eleitoral. O pleito de outubro virá configurar a excelsitude, porque os eleitores terão opportunidade de exercerem os seus deveres sem coação, embora tenham suas opiniões formadas nas respectivas correntes políticas (A Semana, 1934, 248, p.1).

No dia 18 de novembro de 1934 o jornal publicou a apuração dos votos na cidade de Monte Alto e seus distritos (Palmares, Vista Alegre, Aparecida e Fernando Prestes); havia na cidade27 de Monte Alto 1552 eleitores. Naquela oportunidade, o Partido Constitucionalista ficou na primeira posição com uma pequena margem de vantagem ao PRP.

2 Os jornais como promotores dos grupos políticos

2.1 Preâmbulo ao capítulo

A partir da análise dos dois jornais, constata-se que, na conjuntura de reconstitucionalização e redemocratização brasileira, existia um vácuo ideológico no “ethos” político nacional. Assim, objetivamente, surgiram grupos políticos ansiando preencher esse vazio

a

partir

de

suas

respectivas

ideologias.

Tanto

os

“integralistas”

como

“constitucionalistas” desejavam imprimir sua marca na nova configuração política brasileira que estava se delineando/forjando no início dos “Trinta”. Desta maneira, na visão dos grupos políticos antagônicos, o Brasil precisava de uma condução, um “rumo” político diferente do anterior e inovador no que tange a dar conta das novas demandas da sociedade complexa de então.

2.2 Sobre o periódico A Semana, o despontar do Integralismo em Monte Alto e a afirmação da linha editorial integralista

Ao observar as edições de A Semana, nos anos de 1934-35, é possível notar gradativamente a ascensão/despontar da idéia “integralista” no semanário preenchendo espaço 27

Só na cidade de Monte Alto. Se somados os distritos, os votos iam além de 3000.

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considerável, cativando os escritores do periódico e sendo assumida como paradigma de linha editorial. Especialmente a partir do segundo semestre de 1934 matérias e textos de cunho integralista são veiculados pela mídia. Muitos são reproduzidos de periódicos integralistas da capital; alguns são escritos por redatores do jornal28; posteriormente, pelo encarregado da propaganda do núcleo e muitos não tem assinatura (anônimos). De maneira geral, esses textos, inclusive os assinados pelo pessoal do núcleo, reproduzem a cartilha prescrita pela sede da AIB e seu manifesto. Por outro lado, as edições de A Semana também revelam o clima de instabilidade social, política econômica que o Brasil e o mundo viviam à época. Instabilidade essa gerada pelos desdobramentos da crise de 1929 e a crise das liberais democracias. No Brasil, segundo as páginas do jornal, o cenário de principal atrito se dá entre as ideologias e grupos antagônicos de direita e de esquerda (Ação Integralista Brasileira (AIB) e Aliança Nacional Libertadora (ANL) - PCB). Nota-se um clima de apreensão, pois, naquela época, em São Paulo, capital, aconteceram muitos distúrbios e incidentes entre adeptos das duas facções. No que concerne ao conteúdo dos textos integralistas (a maioria panfletários), eles expõem a natureza apartidária, conservadora e nacionalista da doutrina e grupo. Coloca o Integralismo como uma nova força sociopolítica que traria ordem e serviria como orientadora dos rumos e a elevação do Brasil: Surge no Brasil a corrente de novas investidas políticas, desejando a renovação da pátria longe de competições partidárias, isto é, a unificação de princípios elevados, visando unicamente o nacionalismo como ideal dessa geração que desperta reconhecendo os valores (...) como doutrina, o integralismo é de fato a única força construtora para orientação política, porque sua ação se desenvolve no seio das reivindicações sociais dos povos civilizados (A Semana, 1934, 243, p. 1).

Enfim, ele desponta como idéia/meta e atuaria como panacéia para o grande doente, o Brasil. Ademais, muito se trabalha a idéia da integridade da família cristã como preservadora da ordem e dos bons costumes, a disciplina dos moços, a educação moral e cívica da criança (pois viam na menoridade a chave para uma educação ideológica), a revolução espiritual (pois, o integralismo, na visão de seus articuladores, não traz um programa e sim uma doutrina com princípios; é como uma ação social para a renovação do pensamento político nacional e regeneração da nação), o fortalecimento dos aspectos físico, moral e intelectual do homem, a inclusão de raça e gênero, etc. Em suma, os teóricos desejavam difundir e incutir

28

Uma informação importante diz respeito a Manoel Soares, pessoa que escreve artigos para o jornal; Quando da fundação do núcleo local, ele foi nomeado coordenador.

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nas pessoas valores que proporcionariam à nação uma maior coesão com atitudes e procedimentos diferentes daqueles liberais, individualistas e mundanos até então em voga. Dentre os textos do “sigma” montealtense, chama-se a atenção para dois, em especial, escritos pelo (à época) estudante de direito montealtense, em São Paulo, Neville Riemma. Pelas linhas de Riemma é possível afirmar que os integralistas possuíam um projeto político de futuro (com nítidas nuances de totalitarismo) onde o Estado integral era o escopo. Para ele, em um Estado integral existiria a necessidade de uma unidade29 de consciência, pensamento e identidade. Todos, neste Estado, deveriam participar de uma obra de reconstrução nacional mediante um princípio que vigoraria no integralismo: concordata (acordo entre partes; ajuste). Ademais, as crenças seriam admitidas, “salvo quando não colocar em risco a integridade da nação e a ordem” (Vide A Semana, 1935, 284). Em outro momento, o mesmo cita Alberto Torres (1865-1917) como aquele pioneiro que, em seus escritos, desvelou os males que assolam o Brasil, dentre eles a obsessão pelo exótico. Torres, o “precursor da revolução integralista”, criticava os políticos brasileiros pelo desvio de conduta, pela finalidade de perpetuação no poder, indiferença para as coisas públicas e pelo excesso de individualismo; Riemma aponta a abnegação de Torres (em fins de carreira) à política, a sua manutenção da moral e ética. Profetiza Salgado como aquele que substituiria a altura o primeiro. Por outro lado, quanto à política de Estado em si, de Torres a Salgado é premente: “a necessidade de uma guinada ao nacionalismo econômico para que este proteja a nação e o seu proletário das nocividades do capital estrangeiro” (A Semana, 1935, 277, p.1). Além, uma política corporativa, pois, na sua leitura, o povo não tinha capacidade crítica para discernir a “real política”. Finalizando tal raciocínio, sobre a “oração” de Neville Riemma, acadêmico de direito, o Brasil possuía “chagas” e o Integralismo despontava como uma renovação espiritual e panacéia para erradicação dessas supostas doenças. Para ele, o integralismo era uma ideologia “genuinamente brasileira” e “os camisas-verdes (...) fadados a construir um Brasil na base de suas realidades” (idem).

2.2.1 Sobre a fundação do Núcleo Integralista Montealtense

No que tange à fundação do núcleo integralista de Monte Alto, pode-se afirmar com segurança que, sem contar a influência que vem dos estudantes montealtenses na capital, em principal do estudante de direito, Neville Riemma, os núcleos das cidades vizinhas de

29

Grifo meu.

39

Jaboticabal e Taquaritinga tiveram um papel decisivo na organização e difusão do catecismo integralista nesta cidade. Em setembro e outubro de 1934, o jornal A Semana veiculou que foram organizados por aqueles colóquios e desfiles em Monte Alto para orientação e esclarecimento à população da idéia integralista. Consta no semanário que no dia 28 de outubro de 1934 aconteceu a primeira reunião do núcleo integralista local. Nela foi marcante a presença de profissionais liberais, sobretudo advogados e professores. No jornal ainda são divulgadas propagandas convocando os simpatizantes para que fossem até a sede provisória para inscrições, esclarecimentos e participação. Assim, tal mês de outubro daquele ano foi emblemático no que diz respeito à idéia e a causa integralista em Monte Alto e no jornal. Nesse mesmo mês ocorreram também as eleições para a Assembléia Legislativa em São Paulo. Já com coluna permanente, escrita pela comissão coordenadora, os integralistas criticaram ferrenhamente a nova carta constitucional, afirmando que a mesma traria em seu bojo a orientação semelhante e mal sucedida da carta passada: “o princípio que moveu a nova constituição republicana foi restabelecer o regimen neste paiz. Agora são passados os dias de agitação política, mas, perdura a nação brasileira com suas

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enfermidades” (A Semana,

1934, 259, p. 4). Além disso, o núcleo orientou seus simpatizantes a não votarem em candidatos de esquerda ou aqueles avessos ao cristianismo e ao próprio integralismo. Ademais, na observação das edições, nota-se que a idéia integralista acumulava força dentro do universo popular. Entretanto, não dá para medir se isso era decorrente de uma moda, curiosidade ou mesmo identificação. Tudo não passaria de mera especulação da parte deste que aqui escreve. Em 1935, o Núcleo Integralista local, segundo as notas, manchetes e a coluna integralista, estava estabelecido. Dividido em inúmeras secretarias e departamentos, o grupo tinha à frente personalidades da elite montealtense (profissionais liberais em sua maioria) na condução das atividades e catecismo revolucionário. Em 14 de julho daquele ano aconteceu, no Cine-Teatro Guarany, uma conferência integralista e a Cerimônia oficial31 de abertura do núcleo integralista montealtense em que 29 jovens foram prestar juramento e o chefe local foi tomar posse. Em seu discurso32 de juramento e posse, José Zacharias de Lima, empossado chefe do núcleo local, atentou para o perigo comunista, os desmandos políticos que acometeram e acometiam, naquela conjuntura, a pátria. Cita Plínio Salgado, a “bandeira do Sigma”, como alguém que via a necessidade de

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Grifo meu. Como relatado anteriormente, o núcleo funcionava provisoriamente desde outubro de 1934. 32 Jornal estampa o discurso na íntegra. 31

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construir um Brasil forte, a partir de uma revolução de idéias, nos costumes e na política; que combateria a iniqüidade social, a nocividade da política partidária e a “torpe e obsoleta liberal-democracia” (A Semana, 1935, 280, p.2).

2.2.2 Sobre o catecismo integralista, a difusão integralista, as aulas de civismo, a simbologia e a ênfase na educação física.

Pelas páginas das edições de A Semana, nota-se que sua intelectualidade se dedicava à causa com muito afinco. Consta que o núcleo atendia diariamente seus correligionários e aplicava aulas de civismo e seu catecismo ideológico. Ademais, passeatas e atividades esportivas eram constantemente agendadas na cidade ou nas “serras” (Cuestas) de Monte Alto. Nessas, a educação física ganhava destaque, pois, para o integralismo, o homem (num sentido universal que abrange os dois gêneros) deveria ser forte e belo no seu triplo aspecto: moral, físico e intelectual33. Em 17 de julho de 1935, a Coluna Integralista veiculou matéria que nos faz lembrar certa obsessão que orientou por uma época (fins do século XIX e primeiro terço do XX) a civilização ocidental, a eugenia: A Ação Integralista Brasileira, compreendendo o alcance da Educação Physica na finalidade de seu grande movimento nacional, não descuida de sua propaganda e de sua aplicação imediata. Trabalhemos pela eugenia do nosso povo, pela definição étnica de nossa gente (A Semana, 1935, 290, p.1).

A intelectualidade do núcleo integralista montealtense também se empenhou para colaborar na difusão da doutrina. Visitas ao distrito de Vista Alegre do Alto e Aparecida foram empreendidas para levar ao conhecimento das pessoas daquele território a ideologia integralista. Portanto, do mesmo modo que o núcleo de Monte Alto recebeu a influência dos núcleos das cidades vizinhas de Taquaritinga e Jaboticabal, ele colaborou no processo de difusão da ideologia para os distritos montealtenses. Em todas as atividades é possível notar que houve toda uma formalidade e simbologia prescrita nas cerimônias. O jornal de 1 de setembro de 1935 revela que, naquela semana, houve comemorações no núcleo muito em função do recebimento de uma bandeira integralista por Neville Riemma e um grupo de estudantes integralistas vindos de São Paulo. Todo cerimonial estava revestido das “orações”, a saudação (Anauê), o hino nacional etc. Em

33

Elementos esses que convergem para o “tipo ideal” alemão prescrito pelo nazismo.

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07 de outubro aconteceu a noite dos “tambores silenciosos”; seu ápice se deu às 24 horas; foi o primeiro aniversário da fundação do núcleo montealtense. Sobre o quesito religião, em 8 de setembro de 1935, por exemplo, a coluna trouxe nomes de personalidades integralistas que possuíam religiões diversas; o intuito era dar a impressão que o integralismo não deveria ser associado com um movimento clerical exclusivamente católico, mas agregador de várias religiões cristãs. Entretanto, nesta cidade, o integralismo teve uma receptividade muito grande entre os católicos. Outro ponto a se destacar, nessa análise descritiva do núcleo, diz respeito às mulheres e as divisões departamentais por gênero. A participação feminina, segundo as notas, foi grande; se tiver em mente que até então, a participação das mulheres em organizações político-culturais era exígua, interessante admitir que o integralismo permitiu uma abertura política feminina no cenário: Continua empolgando toda a nossa cidade, o glorioso movimento integralista. A chefia municipal não tem medido esforços para o bom desenvolvimento do núcleo local. Fundado há poucos dias o Departamento Feminino, já conta com elevado número de moças de todas as classes sociais. Na última sexta-feira, 29 (de agosto) do mez p. findo, houve uma sessão solemne, na séde, em homenagem Às novas integralistas que nesse dia vestiram pela primeira vez, a symbolica blusa verde. Diante de considerável assistência que encheu totalmente a séde e ainda o espaçosos corredor alli existente, foi dado início a sessão, cantando todos os integralistas o Hymno Nacional (A Semana, 1935, 285, p.1).

Dentro das secretarias e departamentos femininos uma mulher, em especial, assumia uma liderança e chefia: era Dolores Riemma, familiar de Neville Riemma.

2.2.3 A defesa e reação integralista perante os difamadores

Por todo ano de 1935, principalmente em sua segunda metade, os integralistas se defendiam a partir das páginas do jornal A Semana de calúnias e difamações que supostamente eram lançadas por pessoas desta cidade ou de outras. Precisar a quem eles respondem é impossível (entretanto, possível apreender que seriam para adeptos das correntes antagônicas). Logo, essas respostas assumem uma conotação didática, uma vez que os responsáveis pelos textos utilizavam o jornal para tentar instruir a população do quem vinha a ser “realmente” o integralismo. Os textos (matérias e colunas) enfatizavam a natureza apartidária do grupo; segundo eles, os partidos representavam interesses parciais da nação, enquanto que o integralismo

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visava atender única e exclusivamente (integralmente) a nação; ademais, a ideologia não trazia um programa e sim uma doutrina com princípios; enfim, o integralismo era visto como uma ação social para a renovação dos valores, a criação de uma nova mentalidade política e, sobretudo, uma salvaguarda dos interesses reais da nação brasileira. Enfim, um projeto para o novo cidadão brasileiro baseado em um tripé sagrado. Veja-se aqui uma resposta do chefe do núcleo local, José Zacharias de Lima, perante os difamadores. Nela se percebe as nuances do pensamento conservador do grupo: É deveras interessante a atitude dos inimigos gratuitos do integralismo no Brasil (...) Em primeiro lugar nos combatem sem sabermos quaes os motivos dessa guerra injusta que estamos sofrendo (...) Todos os brasileiros já estão cansados de saber que não temos inimigos pessoaes e que não combatemos este ou aquelle partido político, mas sim o regimen: combatemos a chamada liberal democracia. (...) Cumpridores fiéis da nossa doutrina, vemos em cada adversário, mas não um inimigo a combater, mas sim, um irmão a cathechisar. (...) Não temos dado motivo para sermos perseguidos, entretanto, vivem por ahi afora a chamar-nos de periquitos, papagaios, galinhas-verdes, club de varsea... etc. Porque tudo isso, contra a mocidade brasileira? (...) Será que quem defende a trilogia bendita de Deus, Pátria e Família34, devem ser achicalhados? (A Semana, 1935, 286, p.1).

Como resposta ou contra-ataque, os integralistas tinham os liberais (constitucionalistas e PRP) por aquilo que representava o que havia de mais ultrapassado, mesquinho, corrupto, individualista e egoísta dentro de uma nação (alguns fatores convergem para edificar esse argumento integralista; dentre eles, atenta-se aqui para a crise social e das liberaisdemocracias ocidentais e a conseqüente guinada à direita e ou governos com forte cunho intervencionista). Quanto aos comunistas, um perigo exótico que representava a encarnação do mal e o desmantelamento da religião, família e moral cristã. Em suma, ambos, liberalismo e comunismo, deveriam ser combatidos.

2.2.4 Sobre o Partido Constitucionalista no jornal A Semana

Da mesma forma que (conforme irá se tratar mais adiante) o jornal Folha de Monte Alto não abre espaço para difusão de amplos textos sobre os integralistas, o homólogo A Semana, por sua vez, e de maneira pioneira, fez o mesmo com os constitucionalistas; o que se constata são apenas breves notas sobre formação, encontros, reuniões e decisões da sigla.

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Grifo meu.

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Talvez apenas dois fatos tenham proporcionado um diálogo e dissenso entre os semanários 35 e os grupos antagônicos. Vamos a eles. O primeiro (que se torna um parêntese em nossa análise) diz respeito à perda territorial (desmembramento) que Monte Alto sofre dos seus (até então) distritos de Palmares, Fernando Prestes (as duas se tornam cidades emancipadas) e partes de Ibitirama e Aparecida do Monte Alto. Fruto de um decreto36 do governador “peceísta” Armando de Salles, a perda de substancial parte do município abalou a cidade e exaltou os ânimos da “real” política montealtense. Assim, um ator político que não é aqui analisado -o PRP montealtense- atacou constantemente, em A Semana37, o PC pela suposta medida discricionária tomada pelo então governador “peceísta”. Em resposta, a Folha de Monte Alto deu abertura ao PC local para contra-argumentar ou contra-atacar. Quanto ao segundo fato, este diz respeito a uma desavença que gerou acusações, réplicas e tréplicas nos jornais envolvendo um vigário que, supostamente, teria orientado seus pupilos integralistas a votar no PRP38. Finalmente, assiste-se a pouco dissenso entre “constitucionalistas” e integralistas; mesmo porque o PC era pragmático e só dirigia ataques aos adversários em momentos de campanha política. Genericamente, pode-se afirmar que foram constatadas poucas polêmicas envolvendo ataques entre os dois jornais em 1935 (o único em que os dois jornais estão ativos).

2.3 O periódico Folha de Monte Alto como promotor e panfletário do Partido Constitucionalista

2.3.1 Uma visão rápida e genérica do periódico

A análise da Folha de Monte Alto é mais complexa comparada ao A Semana. Lança-se tal afirmativa muito em função de que o periódico assume uma posição panfletária39 permanente promovendo os interesses do PC e visando seu sucesso nas eleições. Assim, a mídia propagandeia uma campanha ativa que estampa a “chapa”, o perfil dos candidatos constitucionalistas e manifestações político-ideológicas somente em períodos que antecedem 35

A Folha de Monte Alto já havia sido lançada. Pelo decreto lei n 7354. 37 Apesar de condenar a medida do intendente, o Núcleo Integralista Montealtense não toma parte da querela política que envolve diretamente PC e PRP locais, atores daquela que veremos como “real política montealtense”. 38 Vide Folha de Monte Alto (25/07/1935). 39 Existia uma comissão permanente de propaganda do PC local responsável pela produção das matérias e panfletos. 36

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eleições: “Já disse a ilustrada Folha de Monte Alto, que a chapa do PC não podia ser mais feliz. Constitui-se dos elementos mais representativos da nossa sociedade, do elemento intelectual da comarca como das classes productoras, fazendeiros e commerciantes” (Folha de Monte Alto, 1936, 42, p.1). Sendo assim, com isso caracterizado, pode-se afirmar que o jornal possuía explícita linha editorial de paradigma partidário (ligada ao Partido Constitucionalista). Dessa forma, ele não se preocupava com questões importantes como objetividade e imparcialidade na veiculação de manchetes. Isto posto, o desafio de conseguir distinguir ideologia e pensamento político de pragmatismo político eleitoral é complicado. Do mais, o jornal se assentava sobre matérias e colunas inócuas e vazias; ou que chamavam a atenção para a conturbada e perigosa conjuntura política internacional que se vislumbra e apresenta. 2.3.2 Por uma defesa da liberal democracia e a superação de uma política “viciada”

Pelas páginas do periódico Folha de Monte Alto se percebe a defesa aberta da liberal democracia e dos valores inerentes. Segundo quem escrevia as colunas e matérias, tratava-se do regime mais nobre existente; nobre porque dava abertura para que o povo tomasse contato com a política, participasse e escolhesse seus representantes. Justaposto a isso, os “constitucionalistas” e o PC, por aquele jornal, intitulavam-se herdeiros do movimento de 1932, um movimento pró-democracia que lutou pela constitucionalidade da nação. Do mais, periódico e partido defenderam a superação da política oligárquica “perrepista” e uma promoção de uma “democracia bem praticada”, orientada por uma ética e moral política. Dito isto, constatou-se que o diálogo e debate político se travavam com o PRP e não com os integralistas, uma vez que esses últimos se recusavam a participar do jogo político local, ou seja, das eleições no município. Em seus inúmeros ataques ao PRP, o jornal Folha de Monte Alto o acusava (inclusive o PRP local) de improbidade administrativa, negócios escusos e manipulação eleitoral. Dessa forma, e a partir do que fora antes citado, o PC queria passar uma imagem de portador de um novo paradigma de política democrática, despida ela da era dos vícios oligárquicos da República Velha “perrepista”. Além, e seguindo neste raciocínio, uma superação de uma forma elitista de administrar o país, ou seja, uma busca e uma vontade de aproximação e prestação de contas aos eleitores dos atos tomados pelos representantes/governantes e a defesa de uma democracia como promotora das liberdades sociais, direitos naturais, garantias individuais e dos valores constitucionalistas. Logo, por mais paradoxo que pareça, o periódico, a partir de seus articulistas, entoou loas e apontou a “Revolução de outubro” como

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necessária para quebra de uma ordem viciada, conduzida ela pelo PRP. Por outro lado, como apontado acima, o jornal e a comissão de propaganda do PC se preocupavam muito mais em atacar o PRP a manifestar suas intenções, debater projetos para a cidade ou uma ideologia política.

2.3.3 As eleições municipais de 1936

Em 1936, o periódico Folha de Monte Alto atuou, como fora antes citado, como panfletário do Partido Constitucionalista na campanha para as eleições municipais. Nas edições que antecedem ao pleito há mais ataques ao PRP a manifestações e proposições acerca de um projeto político por parte do partido. Em todo caso, a plataforma política gravitava pelas virtudes da liberal democracia, pela idoneidade e ética de seus integrantes sem vínculos com o PRP. Quanto a este último partido, associavam-no a uma época de iniqüidades e desmandos políticos. Além, é possível constatar o teor da campanha “constitucionalista”, a sua leitura dos adversários e a militância em torno do Partido. Em 05 de março de 1936, há uma matéria intitulada “Escândalo”, que trata sobre o suposto aliciamento organizado por políticos “perrepistas” a Plínio Salgado40 (quando de sua visita a Monte Alto) para estabelecer uma coalizão integralistas-PRP para eleições locais. Em tom de indignação, a manchete relata uma proposta absurda rejeitada subitamente pelo líder integralista. Por outro lado, de forma geral, na campanha do PC, há uma comparação de épocas; um anseio de promoção política a partir da associação do adversário com uma época de extrema negatividade, opressão, “cabresto” e corrupção política: Há poucos dias teve a cidade de Monte Alto o prazer de hospedar o chefe nacional integralista, Sr. Plínio Salgado. Todo Monte Alto compareceu à reunião onde ouviu com atenção a oração do chefe nacional. Foi um belo movimento de civismo do nosso povo, que ali comparecendo, mostrou os seus grandes sentimentos de democracia, quaes sejam os de dar aos inimigos do próprio regimen a mais ampla liberdade de propaganda (...) No tempo perrepista, em que o voto secreto era postergado para o plano inferior das idéias mortas e inviáveis, verdadeiro flagelo social, só pregado pelos inimigos do regimen “delles”, quem se abalançaria a ser da oposição e muito menos a ser contra o regimen? (Folha de Monte Alto, 1936, 42, p.1).

Findado o período de campanha e pleito, o PC venceu as eleições estaduais para Câmara dos deputados e governador naquela conjuntura; da mesma forma, na cidade de

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Plínio Salgado fez uma visita de um dia a Monte Alto em meados de 1935 e finais de fevereiro de 1936.

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Monte Alto não foi diferente: também foi constatada a supremacia41 “peceista” nas urnas! Por uma vitória apertada o PC vencia nas eleições o PRP. Paulo de Campos Gatti foi eleito prefeito, apesar de ter conseguido menos votos que Dr. Raul da Rocha Medeiros (Logo, isso se deu em virtude dos votos totais em que os “constitucionalistas” obtiveram quase 400 votos de diferença em relação aos adversários “carcomidos”). Entretanto, as eleições não foram isentas de polêmicas. Destacam-se aqui as denúncias (publicadas no Correio Paulistano) pelo lado do PRP de compra de votos e intimidações do eleitorado por parte dos “peceistas”; por outro lado, no jornal Folha de Monte Alto, as eleições transcorreram na mais perfeita harmonia. Dois vereadores do PC sofreram investigações. Por fim, as candidaturas foram aprovadas, os dois foram diplomados e tomaram posse. Finalmente, digno de nota atentar que, apesar de ter sua imagem denegrida à época por muitos, e de não auferir postos no executivo em âmbito estadual e neste município, o PRP ainda gozava de relativa importância no cenário político paulista e municipal. Em Monte Alto obteve votação expressiva. Quanto aos integralistas, importante lembrar que não participaram do pleito. Assim, por meio de dados42 relatados anteriormente, pode-se vislumbrar um pacto nas eleições entre integralismo e PRP. Porém, são especulações a partir de dados esparsos. Mas, que poderia responder a expressiva votação “perrepista”. 2.3.4 A reconstitucionalização do estado nas páginas de a Folha de Monte Alto

A reconstitucionalização do estado e a volta do município a uma condição de legalidade constitucional foi ao que parece um fato de extrema importância e relevância no meio social. Após seis anos, o estado de São Paulo voltaria a ter sua própria constituição e o município, sua câmara de vereadores. Assim, decorrido esse tempo, o país de forma integral poderia, segundo os princípios que norteavam aquela sociedade, ostentar algo que lhe proporcionaria um grau civilizacional, sua carta de leis em todas as instâncias. Em 6 de setembro de 1936 o jornal estampa a data do acontecimento de posse dos vereadores e prefeito Gatti para o dia 17 daquele mês e ano. Ademais, a matéria chama a atenção para o que eles entendem como momento singular de volta a uma plena ordem de

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No que diz respeito a números, naquela eleição de março de 1936, segundo o jornal, 2353 eleitores votaram no pleito de Monte Alto. 42 Um fato digno de nota é que em 14/03/36 a Folha de Monte Alto publica que o jornal “clandestino” (ou seja, que não circula mais como antigamente, de forma legal e transparente) A Semana, associado, segundo o periódico, ao PRP, veiculou notícias denegrindo a imagem de integrantes do PC local. A notícia interessa, entretanto, apenas no que toca A Semana, pois não há no arquivo edições deste jornal no ano de 1936. Outro ponto destacável é que o proprietário até as últimas edições abria muito espaço do seu jornal para os integralistas .

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constitucionalidade e a conseqüente instalação do Poder Legislativo Municipal, fruto ela da luta de São Paulo e de seus cidadãos, no ano de 1932, pela causa constitucionalista: Fundiu-se, dentro da experiência da memorável campanha constitucionalista o amálgama de um espírito novo; a mocidade de agora quer para o Brasil redimido dos erros dos seus homens, uma pátria iluminada pelos ideais da moderna mentalidade. A geração moça da terra reponta marcando uma nova Era para a história do Brasil. Purificada no calor das cinzas daquelles que tombaram no campo da lucta porque se offereceram em holocausto para o bem de São Paulo, porque o fizeram para o bem do Brasil. (Folha de Monte Alto, 1936, 72, p.1)

Em 13 de setembro de 1936, a matéria veicula a volta do município à situação de ordem legal, a reconstitucionalização como oportunidade de redenção dos erros da primeira república e a exaltação aos vereadores eleitos pelo PC como aqueles que defenderão os interesses da Comarca a partir de seus “honoráveis” ideais. 2.3.5 Opiniões dos “constitucionalistas” acerca dos integralistas e o Núcleo Integralista nas páginas de A Folha de Monte Alto

A Folha de Monte Alto, em nenhum momento, negou o crescimento das fileiras integralistas na cidade e a aceitação popular do fenômeno. Logo, apesar de constatar o crescimento considerável, agia para com o grupo com certa indiferença, ironia e criticava a natureza da ideologia/práxis integralista como um todo. Vez por outra, os colunistas do jornal debochavam da postura e simbologia integralista. Por outro lado, em outros momentos, chamavam a atenção da sociedade para a natureza extremista do movimento. Em 1 de novembro de 1936 há uma matéria reproduzida de veículo de comunicação constitucionalista interessante sobre um discurso do governador Armando de Salles Oliveira em defesa da liberal democracia e pregando contra ideologias extremistas (como comunismo e integralismo) que “levam as pessoas para o extremismo”; no discurso do representante há uma ênfase na importância e defesa da participação popular na política democrática. Segundo ele, somente o regime liberal democrático pode aperfeiçoar a representação. Em 15 do mesmo mês outra matéria (Bandeira) atentou para o fato de que as liberais democracias periclitam no mundo em decorrência de ideologias extremistas e totalitárias. Quanto ao Núcleo integralista local, este despontava, excepcionalmente, na Folha de Monte Alto. Pelo que aparenta, o pequeno espaço era fruto de compra. Dessa forma, poucas

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notícias eram reproduzidas43. Mas, percebia-se por elas que o núcleo crescia e continuava ativo. Logo, durante todo ano de 1935-36 se notam palestras, festividades e atividades envolvendo o núcleo integralista (sua natureza é próxima daquelas que antes já comentamos). Entretanto, pelas páginas do periódico não se percebe textos com o perfil catequista (que o outro jornal sempre veiculava) contendo ideologia e elementos de defesa do grupo.

2.3.6 Sobre as tentativas de censura ao integralismo em Monte Alto Um assunto que não pode se omitir é a censura e perseguição sofrida pelos integralistas a partir de 1936 pelos órgãos de segurança pública. Dentre alguns incidentes, em Monte Alto, em 22 de novembro de 1936, o jornal trouxe a medida do delegado de polícia local sobre a proibição44 do uso das “camisas verdes” e a apreensão e repreensão de algumas pessoas que portavam o uniforme que caracterizava a AIB e “camisas verdes”: Tendo o chefe municipal do núcleo integralista desta cidade, pedido ao Dr. Delegado de polícia uma certidão sobre si é permitido o uso da camisa verde pelos componentes da “Ação Integralista Brasileira”, proferiu s. s. no requerimento apresentado em seu final o seguinte: “Indefiro o presente requerimento, determinando que fica prohibido o uso de camisas symbolicas da AIB sob pena de apprehensão devendo o Sr. Escrivão fazer ao interessado a intimação do presente despacho” (Folha de Monte Alto, 1936, 83, p.1).

Fica caracterizado assim censura à liberdade individual e de expressão. Porém, na edição seguinte, o jornal veiculou uma nota que informava que Alfredo Buzaid, juiz de direito de Jaboticabal (integralista), havia impetrado um habeas corpus em favor dos integralistas.

2.3.7 O ano de 1937 e a campanha do periódico Folha de Monte Alto para as eleições presidenciais

De forma geral, por todas as edições do ano de 1937, o jornal continua propagando os valores liberais e chamava a atenção para a virada autoritária no mundo, seja pela esquerda ou pela direita. Enfim, para eles o mundo caminhava para “a morte das liberdades”. Além disso, percebe-se que a Comissão de propaganda do PC volta a atuar e literalmente a atacar; e dessa 43

Em uma dessas escassas notícias, em 30/05/37, saiu uma nota interessante sobre o plebiscito integralista a respeito da escolha do candidato às eleições presidenciais brasileiras em janeiro de 1938; a vitória esmagadora foi de Plínio Salgado com 268 votos de 279 válidos. Disso, deduz-se que o número de votos totais seria o número de adeptos do núcleo local: aproximadamente 300 . 44 A proibição era balizada na Lei nº 38, de 4 de Abril de 1935, que define crimes contra a ordem política e social (Lei de Segurança Nacional).

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vez foi pra insuflar o nome de Armando Salles Oliveira (1887-1945) para presidente da República. Logo, pelo jornal, constata-se a trajetória política e a atuação daquele que foi um interventor dentro do período de exceção; virtudes e idoneidade são estampadas para que os leitores não tenham dúvidas a respeito do “democrata” Salles de Oliveira. Ademais, como era costume dentro daquele regimento eleitoral, o jornal convocava os eleitores para alistamento nos comitês do PC. Com isso, pequenos boxes com axiomas democratas e liberais eram estampados para atrair os eleitores para o comitê do partido de cunho liberal. Como citado anteriormente, os debates políticos existiam excepcionalmente, em um ou outro momento. O que mais se constata são os ataques ao caráter dos adversários e aos postulados defendidos por aqueles. Em 24 de janeiro de 1937 uma coluna estabelecia mais que uma relação entre os métodos políticos do PRP e do Integralismo, uma associação entre eles: Há uma perfeita identidade de métodos políticos em Monte Alto entre o PRP e o integralismo (...) Filho acolitado do PRP, inspiração perrepista para enfraquecer as hostes aguerridas do Partido Constitucionalista, não poderia o Integralismo deixar de levar as manhas paternas para campo de suas atividades políticas (...) PRP de voto a descoberto: PRP de eleição a bico de pena; de defuntos que ressuscitam nas épocas eleitorais; PRP que não permitia recursos eleitorais de que agora usam e abusam (...) é o mesmo Integralismo sem eleição, sem liberdade, sem idealismo, que ambos pretendem transformar o Estado numa fazenda, e o povo numa massa amorpha e inconsciente, em que imperará a vontade incontestada de um homem, já elevado em vida à categoria de Deus. Não será preciso que o povo paulista e montealtense venha a constatar a veracidade de pretender o integralismo nos escravizar ao seu dogma e à sua vontade, só na vigência do seu regime, que apenas utopicamente supomos (Folha de Monte Alto, 1937, 92, p.1).

Foi a primeira vez que o PC criticou veementemente os postulados da AIB: considerava o integralismo e os integralistas um retrocesso cultural, autoritários e arbitrários, avessos a toda forma de liberdade e antidemocráticos. Em 16 de agosto de 1937, outra coluna obviamente enaltecia o PC e acusava o governo central de Vargas de dar abertura política a grupos que agiam contra a democracia e a colocavam em risco; claramente, ele se referia aqui aos integralistas. Ademais, em 29 de outubro do mesmo ano, “política com “p” minúsculo”, a Folha de Monte Alto estampou uma coluna que trazia críticas à abertura dada pelo governo federal a Plínio Salgado. Por final, notam-se zombarias e acusações, tal como uma que coloca Salgado como potencial perturbador da ordem pública e regime democrático. Em 26 de setembro, o jornal associou Salgado a um postulante de monarca absoluto e Oliveira ao verdadeiro “democrata”.

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2.3.8 A sucessão presidencial e os efeitos do golpe de Estado

Gradativamente, ao longo do ano da campanha presidencial de 1937, percebe-se que os ânimos se exaltaram conforme a aproximação das eleições presidenciais de janeiro de 1938. Além disso, conforme as edições de novembro, o clima de indefinição aumentava; fruto do exacerbar das polarizações ideológicas na esquerda e na direita. Em coluna que dialoga com o momento político de sucessão presidencial e integralismo, em 11 de julho de 1937, o colunista apontou que dentre os três candidatos apenas o “constitucionalista” emergia como democraticamente escolhido por seus correligionários; os outros dois, eram frutos ou de decreto (no caso do sucessor de Vargas) ou de um plebiscito fantoche (no caso de Salgado). Assim, segundo os articulistas de A Folha de Monte Alto, até mesmo na escolha dos candidatos para eleições democráticas, constataram-se traços de arbitrariedade e autoritarismo, frutos de uma época de excessos e polarização ideológica autoritária. Em 07 de novembro do mesmo ano, o jornal veiculou artigo sobre o estado de sítio decretado em função da existência de um suposto plano comunista para a tomada do poder no Brasil (Plano Cohen). Ainda, as matérias estamparam um clima de alto teor de indefinição sobre se ocorreriam ou não as eleições presidenciais de janeiro; além, sobre o próprio futuro da democracia liberal. Finalmente, constata-se naquela edição, pelas suas manchetes e artigos, que o Brasil estava literalmente em estado de turbulência e desorientação.

2.3.9 As implicações do golpe no jornal

Dentro do caderno de 1937 do arquivo de periódicos, a edição que sucedeu a de 07 de novembro foi a de 19 de dezembro, caracterizando assim 42 dias de intervalo. Nela, constatam-se os primeiros sinais da censura a que o periódico foi submetido, pois o mesmo toma uma postura completamente distinta de até então: de detrator do regime, o jornal passa a contemplar a figura de Vargas e estampa seu perfil na primeira página. Além, veiculou a luta árdua e necessária do governo federal contra o comunismo. Por outro lado, nota-se uma campanha massiva de inverdades sobre acontecimentos (por exemplo, os da Espanha envolvendo a guerra civil). A conclusão a que se chega é que o foco foi modificado. O combate ao comunismo foi pretexto para imolar a democracia e as liberdades clássicas.

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Quanto às matérias, elas vêm do Serviço de Divulgação da Chefia de Polícia do Distrito Federal; algo obviamente ditado. Noutras dessas colunas ditadas, em 25 de dezembro do mesmo ano, atenta-se para o fato de que a mocidade não pode ser objeto de experimentação política exótica. Além disso, há também uma menção sobre o gesto simbólico de atear fogo às bandeiras estaduais.

3 Conclusão

Tendo em mente a curta duração dos grupos que aqui foram objetos de análise {menos de quatro anos no caso “constitucionalista” (1933-37) e três no integralista (1935-37)} em decorrência do golpe de Estado de Vargas, em 10 de novembro de 1937, a principal conclusão segura a que se chegou foi de que estava posta, na conjuntura turbulenta em que ambos existiram, na política local, uma situação ambivalente de uma política real, praticada no jogo político democrático a partir de partidos, representação, debate, pleito etc. e uma ideal, onde um grupo era catequizado e plasmado no afã de concretizar um projeto político de futuro com fortes teores teleológicos. Assim,

o

Partido

Constitucionalista

emergiu

nessa

conjuntura

de

reconstitucionalização como a principal força política dentro do jogo democrático. Fundado na capital paulista, a partir da dissidência de vários partidos, com destaque ao Partido Democrático, ele reuniu políticos jovens, oriundos do comércio, indústria, lavoura e profissões liberais em Monte Alto. Possuía um discurso renovado e purificador, que aliava democracia, modernidade, moral e ética. Ademais, a sigla pregava a ruptura da forma de atuação política viciosa típica da República Velha “perrepista” e a emergência de uma nova prática, balizada na liberal democracia e no constitucionalismo; logo, que viesse, dessa forma, a proteger os direitos clássicos, elementares e atender as novas demandas da sociedade. Dessa forma, a partir de tal plataforma política, os “constitucionalistas” conseguiram eleger o prefeito municipal, a maioria da Câmara Municipal e assumir as rédeas da política montealtense (sem contar o governador na esfera estadual e a maioria da assembléia legislativa estadual). Obviamente, em função golpe e a ruptura da ordem democrática, impossível tirar conclusões sobre a atuação do partido como um todo, ou seja, se, na prática, ele se diferenciou do principal adversário na condução dos negócios da coisa pública. A tentativa de “regenerar” a ordem democrática legal durou apenas três anos. O Núcleo Integralista Montealtense, por sua vez, conseguiu reunir em torno de si bom número de pessoas que se identificaram com a ideologia desenvolvida por Plínio Salgado e

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seus correligionários. Os contatos das cidades vizinhas e de estudantes montealtenses em São Paulo colaboraram para a difusão das idéias e o sucesso do núcleo. De forma genérica, podese afirmar, a partir da análise dos dois periódicos, que as pessoas revelaram/manifestaram uma empatia com o caráter salvacionista, conservador, ordeiro e regenerador integralista. Porém, o grupo se fechava em torno de si e, seguindo as prescrições da AIB, não participou do pleito municipal que compôs a Câmara e Prefeitura Municipal de Monte Alto em 1936. Portanto, por mais popularidade e aceitação que os integralistas vieram a possuir, tal fato era vazio dentro de um processo eleitoral e representativo. Aliás, como pregava a cartilha, o fim passava pela própria negação da república liberal democrática e a efetivação de um utópico Estado integral. Finalmente, a efetivação do próprio golpe, e toda censura que vem na sua esteira, foi uma negação a cada grupo em particular: seja ao livre jogo democrático e à pluralidade inerente, seja como à continuidade de um processo de formação de uma nova mentalidade que tem como fim a unidade de ação e pensamento! Algo controverso esta última, pois ela, por sua vez, também nega com que diferenças existam no interior da sociedade.

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