CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO: UMA OBSERVAÇÃO DO DANO MORAL SOB A ÉGIDE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

June 7, 2017 | Autor: L. Z. Queiroz | Categoria: Direito Civil, Responsabilidade Civil, Constitucionalização do Direito Privado
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CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO PRIVADO: UMA OBSERVAÇÃO DO DANO MORAL SOB A ÉGIDE DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Caroline Anversa Antonello 1 Luiz Felipe Zilli Queiroz2 Tássia A. Gervasoni3

Resumo: Levando-se em conta a Constitucionalização do Direito Privado, vemos a persistente busca do atual Código Civil de 2002 no que tange o respeito aos princípios basilares de nossa Constituição Federal de 1988. Nesse sentido, há uma forte discussão em torno das questões referentes à Dignidade da Pessoa Humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, quanto às quantificações dos danos morais na reparação Civil, onde o Ordenamento Jurídico procura uma forma de assegurar que os direitos dos indivíduos sejam respeitados, de forma proporcional. Porém, quando a questão é avaliada profundamente, percebemos a grande dificuldade de elaborar esta quantificação do dano moral, uma vez que os valores postos em discussão superam as questões econômicas e as consequências afetam profundamente a vida dos envolvidos em tais questões, principalmente ao avaliarmos os danos quando existem mortes e lesões corporais irreversíveis. Por outro lado, percebemos o envolvimento do causador do dano, que também necessita ter sua dignidade mantida, devendo reparar de forma condizente e não irreal ao dano que causou, sendo imprescindível a invocação do Princípio da Proporcionalidade no momento de tal quantificação.

Palavras-Chave: Constitucionalização do Direito Privado; Dignidade da Pessoa Humana; Responsabilidade Civil; Dano Moral; Princípio da Proporcionalidade.

Abstract: Considering the Constitutionalization of the Private Law, we see the persistent seek of the present Civil Code of 2002 regarding respect for fundamental principles of our Federal Constitution of 1988. In this sense, there is a strong discussion on issues related to Human Dignity, the foundation of the Democratic State of Law, regarding of the 1

Acadêmica do 4º semestre do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA. Integrante do Núcleo Experimental de Webcidadania – NEW. Endereço eletrônico: [email protected] 2 Acadêmico do 4º semestre do Curso de Direito da Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA. Integrante do Núcleo Experimental de Webcidadania – NEW. Endereço eletrônico: [email protected] 3 Professora orientadora. Doutoranda em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Mestre e Graduada em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Professora na Faculdade de Direito de Santa Maria - FADISMA. Integrante dos Grupos de Pesquisa “Jurisdição Constitucional aberta”, e “Estado e Constituição”, vinculados ao CNPq. Advogada. Endereço eletrônico: [email protected]

quantification of the moral damages in civil compensation, where the Juridical Command seeks a way to ensure that the rights of individuals are respected in proportion. However, when the issue is valued deeply, we realized the great difficulty of preparing this quantification of moral damage, since the values put into discussion overcome the economic issues and the consequences profoundly affect the lives of those involved in such issues, especially to assess the damage when there are deaths and irreversible bodily harms. On the other hand, we realize the involvement of that did harm to, which also needs to have maintained its dignity, repair should of the suitable way and not the unreal to the damage it caused, been indispensable the called for protection of the Principle of Proportionality in the time of such quantification.

Keywords: Constitutionalization of Private Law, Human Dignity; Civil Responsibility; Moral Damage; Principle of Proportionality.

Introdução

Levando-se em conta a realidade em que vivemos em nosso país, percebemos a grande preocupação e aperfeiçoamento que a legislação vem buscando ao longo dos anos, como forma de priorizar a proteção do cidadão e dos direitos imprescindíveis para que ele aspire à qualidade de vida necessária, de acordo com os princípios previstos em nossa Carta Magna, a Constituição de 1988. Nesse sentido, a nossa Lei Maior prevê uma série de direitos que devem ser respeitados e garantidos para que o cidadão não possua apenas o direito a vida garantida e sim o direito a vida digna, que para ser concretizado possui uma série de exigências. Nessa visão, não faria sentido termos uma Constituição garantidora de direitos que protegem o indivíduo, se as leis infraconstitucionais tomam o caminho contrário, tendo uma visão em suas searas específicas que ignorem essa proteção, tornando o texto constitucional um mero apanhado de direitos teóricos que não possuem real efetividade na sociedade a que se destina. Além disso, existe a necessidade de se buscar uma real efetividade do texto constitucional e uma proteção realmente ativa, para dar a segurança jurídica necessária ao cidadão. Nesse sentido, percebemos a evolução das normas infraconstitucionais, que buscam acompanhar o texto de nossa Carta Magna e garantir a efetividade dos princípios constitucionais, principalmente no que diz respeito à proteção da dignidade da pessoa

humana, que deve pautar a vida do indivíduo. Na seara do direito privado, percebe-se o esforço trazido pelo atual Código Civil, que aponta que sua preocupação não se atém apenas a proteção da propriedade do indivíduo, mas também a proteção do cidadão e de seus direitos de forma ampla, à luz da Constituição Federal, no que a doutrina chama de Constitucionalização do Direito Privado. Uma dessas preocupações trazidas pelo Código supracitado é referente à questão da responsabilidade Civil, que busca muito mais do que apenas um ressarcimento financeiro, há uma clara forma de proteção de direitos da personalidade, para que se alcance o equilíbrio ou o mais próximo dele, que foi abalado pelo ato ilícito causador do dano. Porém, ao estudarmos este assunto são visíveis as dificuldades as dificuldades existentes no que diz respeito à quantificação para que seja feito o ressarcimento necessário ao ofendido, por parte do ofensor, principalmente ao que diz respeito ao chamado dano moral. A problemática gira em torno da falta de parâmetros para que se faça essa valoração, uma vez que o indivíduo teve afetado valores e direitos que perpassam os limites materiais, afetando fundamentos de sua vida, causando por isso um grande sofrimento a sua personalidade, mas que se torna muitas vezes difícil de ser percebido pelos demais. A legislação não apresenta formas de quantificação, ficando dessa forma a cargo das partes ou até mesmo do juiz. A dificuldade que há no momento de quantificar o dano e solicitar o ressarcimento de forma justa a ambas as partes, é que nem mesmo o ofendido consegue transformar em valores materiais o dano causado pelo ofensor à sua dignidade. A proporcionalidade da decisão deve ser muito bem estudada, uma vez que estão envolvidos muito mais do que simplesmente bens materiais em questão, há valores e princípios ínsitos dos próprios indivíduos sendo julgados e quantificados, por este motivo, a questão apresentada se torna tão importante e usual em nossa sociedade, uma vez que cada dia mais cresce a demanda em torno do dano moral. Para desenvolvermos de forma clara e objetiva esse desafiador assunto, iniciaremos tratando da chamada Constitucionalização do Direito Privado, onde será abordado esse processo de modernização do Código Civil através da irradiação dos valores e princípios constitucionais, levando em consideração sempre a dignidade da pessoa. Posteriormente, para que seja dado andamento ao assunto abordado, trataremos a respeito do dano moral, suas peculiaridades e complexidades, já que o assunto merece uma atenção especial, devido à riqueza de detalhes implícitos a ele. Para encerrarmos este trabalho de pesquisa, abordaremos um capítulo que relaciona os valores do indivíduo que são postos em questão no momento de se quantificar o dano moral, já que este é um assunto bastante delicado e atinge a própria

dignidade humana, fazendo com que o Código Civil seja empregado na preservação de valores que perpassam a propriedade e atinjam o ser como um todo.

1. Um novo olhar sob o Direito Civil dentro (fora) da Constituição Federal

O papel identificatório que se tem de uma sociedade hodiernamente é um constante paradoxo na visão do Direito, principalmente numa visão constitucionalista do mesmo, já que o Direito Constitucional delineia a sociedade numa perspectiva pública, atentando ao sentido coletivo dos direitos e garantias, mas também visando um caráter valorativo com o teor dos princípios (alguns com conteúdo supranacional). Logo, estar-se-á o Direito numa metamorfose axiológica, relativizando o que antes era privado, fechado e codificado. Nesse contexto, torna-se consciente as constantes transformações que sobrevêm à sociedade, sendo no perfil tecnológico, político e social, mas também nas relações existentes entre os particulares com essas mudanças. Nesse momento que entra o fulcro da questão: como relativizar as relações interpessoais, que possuem um caráter privado, com critérios sociais e que beiram a um bem comum sob o óbice do Código Civil? Por meio da Constituição. O douto Orlando Gomes colabora com essas ideias na seguinte passagem:

Essa condensação dos valores essenciais do direito privado passou a ser cristalizada no direito público. Ocorreu nos últimos tempos o fenômeno da emigração desses princípios para o Direito Constitucional. A propriedade, a família, o contrato, ingressaram nas Constituições. É nas Constituições que se encontram hoje definidas as proposições diretoras dos mais importantes institutos do direito privado (apud GLAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 93).

O Código Civil de 1916, que começou a ser discutido no ano de 1899 por Clóvis Beviláqua e depois contentado pelas ideias humanistas de Ruy Barbosa, era uma lei fechada (codificada) e patrimonialista que procurava privilegiar as relações privadas envolvendo a burguesia, ou seja, havia a supremacia dos economicamente mais fortes. Logo, não havia uma preocupação social (LÔBO, 1999, p. 101). Com a vigência da Constituição Federal de 1988, o antigo Código Civil não conseguiu se compatibilizar na excelência com a Carta Magna, já que sua personalidade não era condizente com a própria Lei Maior, mas também não com o perfil da sociedade. Diante

disso, exsurge4 a ideia de um novo Código Civil em terrae brasilis. De fato, a ideia tornou-se plausível e foram retomadas as discussões com mais prestígio, haja vista que esse Projeto de Lei de número 634/B estava parado na Câmara de Deputados desde 1984. Mas o colóquio retornou no Senado Federal sob a relatoria do competente Senador Josaphat Marinho, que não mediu esforços para aproximar o New Dream da realidade. No entanto, o texto do projeto do novo Código Civil estava sendo muito criticado pelo séquito da sociedade civil, já que a presente legislação foi concebida no início dos anos de 1970 e demonstrava atraso quanto a sua efetividade (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 94-95). Apesar das dificuldades, o projeto foi aprovado no Senado e foi para a Câmara dos Deputados sob a relatoria do Deputado Ricardo Fiuza. Nessa Casa, o projeto passou por uma sintonia de adequações constitucionais e legais 5 e foi revisado. Com isso, foi aprovado o prospecto e levado à sanção presidencial, que de fato, foi sancionado. Por fim, a partir de 2003, após período de vacância, estava vigente o Novo Código Civil, que se apresentou nos parâmetros constitucionais e, a priori, abriu-se da fechadura de um código (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 95-96). Nesse ensejo, o Novo Código Civil refez sua personalidade e tornou-se mais forte com o aparato constitucional integrado. Diante disso, alguns princípios penetraram direta e/ou indiretamente como são os casos da função social do contrato e o princípio da dignidade humana. Portanto, a comprovação da constitucionalização do Direito Civil é fidedigna no próprio texto civil ou constitucional e tem que ser observado sob a égide da Lex Fundamentalis. Como bem leciona Paulo Lôbo “deve o jurista interpretar o Código Civil segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como ocorria com frequência (e ainda ocorre)” (LÔBO, 1999, p. 100). Diante da constitucionalização do Direito Civil, passa-se a observar a presença, inexoravelmente, do princípio da dignidade da pessoa humana em todas as searas do Código Civil. Antes, o que era desagregado de uma visão patrimonial, nem importava ao setor privado como é o caso do dano moral. Hoje, numa visão reformulada da pessoa jurídica, é possível considerá-la como “ente personalizado” e digna de direitos, sendo considerados, por

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A ideia de um novo Código Civil começou a ser analisada em 1969 por uma comissão coordenada por Miguel Reale e composta por José Carlos Moreira Alves, Agostinho de Arruda Alvim, Sylvio Marcondes, Ebert Chamoun, Clóvis do Couto e Silva e Torquato Castro com o intento primário de revisar e emendar o antigo código, mas não foi contentada a menção e começou a ser analisado um novo código civil (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2012, p. 94). 5 Para mais informações quanto às mudanças do Projeto de Lei n. 634/B em relação às alterações do Regimento Comum do Congresso Nacional (CN), cabe a deleitosa pesquisa da Resolução do CN de número 1 (um), de janeiro de 2000.

exemplo, a imagem e a reputação como direitos personalíssimos e integrados no plano da dignidade humana. Na sequência, o princípio norteador da República brasileira fundamenta, também, princípios6, que perpetuam na nova ótica do Direito Civil, como o da liberdade privada, que guia a autonomia da vontade no Direito Contratual. A integridade psicofísica, assegurando a não violação de direitos personalíssimos e integrando formas de resguardá-los, como a compensação do dano moral e estético. A igualdade substancial, que atinge a equivalência material dos contratos e o da solidariedade social, que, a princípio, é um dos informadores da função social do contrato (TEPEDINO, 2004, p. 167). Nesse diapasão, têm-se outros fragmentos no texto do Código Civil que incidem nessa constitucionalização, como na área do Direito de Família com a incrementação da afetividade na nova realidade da família brasileira, preservando a liberdade de constituição, convivência e dissolução. Com a igualdade irrestrita de direitos, respeitando as diferenças naturais e de gênero, como a identificação e tratamento de irmãos adotivos, além da própria relação entre os companheiros, que será observada de acordo com a igualdade material (LÔBO, 1999, p.104-105). Já em relação à propriedade, o novo Código Civil inovou e instituiu uma caracterização mais social, com a função social do contrato incidindo na propriedade. Sendo assim, não se pode mais visualizar individualmente as circunstâncias da propriedade, sem relacioná-la com o interesse social, que atua, diante do caso concreto, na defesa das minorias e dos direitos difusos. Preocupada com essa situação, a Constituição previu hipóteses de desapropriação se a propriedade não atender sua função social. 7 Logo, “o exercício do direito individual da propriedade deve ser feito no sentido da utilidade não somente para si, mas para todos” (LÔBO, 1999, p. 106-107). Em continuidade desse processo de constitucionalização do Direito Civil, o presente escrito preocupa-se em demonstrar as mudanças que atingiram a autonomia da vontade em seus aspectos subjetivo, objetivo e formal. A subjetividade atinge as singularidades da pessoa que está no plano civil e visa protegê-la quando se encontra hipossuficiente nas relações. Já no aspecto objetivo, advoga-se a preponderância dos interesses existenciais em relação aos patrimoniais, com a consciência das novas tecnologias. E por fim, uma ótica que favorece 6

Esses princípios se encontram na Constituição Federal, respectivamente no artigo 3º, inciso I e III. Revigora-se aqui a visualização da extensão principiológica na Carta Magna, resguardando direitos que, ao longo do tempo, tiveram importância na personalização das pessoas, tanto físicas, quanto jurídicas e por isso constituem um “papel extra” na preservação da dignidade da pessoa humana, tudo isso, como uma forma de segurança jurídica. 7 Essas hipóteses são observadas nos artigos 182, § 2º e 186 da Constituição Federal.

interesses socialmente relevantes em relação à autonomia privada com o incremento de formalidades, como são os casos dos formulários-padrão e as cláusulas gerais (TEPEDINO, 2004, p. 171-172). Encerrando o tocante a constitucionalização, o dano moral, sendo de ordem constitucional na parcela do princípio da dignidade humana, também é resguardado de direitos fundamentais, conforme se vê no artigo 5°, tendo como oportuno expor uma das formas mais defensoras da irradiação constitucional nesse aparato privado que é a eficácia horizontal dos direitos fundamentais. Essa eficácia é importante no ponto que diversifica a ideia de eficácia vertical dos direitos fundamentais, que somente atingem o particular e o Poder Público. Hoje está pacificado a relação das partes buscando um direito fundamental, tornando, assim, mais forte o aparato constitucional da compensação do dano moral (LENZA, 2012, p. 965-966). Em relação a tudo o que foi exposto, procurou-se demonstrar o caminho para o ponto fulcral do artigo, haja vista que todos esses momentos foram dignos de sonhos e lutas para serem implementados no ordenamento jurídico. Sendo assim, o Direito Civil se faz constitucionalizado de duas formas. A uma na configuração do seu código com a carga axiológica da Carta Magna. A duas pela nova interpretação estabelecida entre a Constituição e seus princípios em relação à dogmática do Código Civil.

2. O processo de conhecimento do dano moral: da sua definição, aplicação e quantificação

O Direito Civil brasileiro, depois de instituída a sua nova forma com o Código Civil de 2002, apresentou-se com um perfil constitucionalizado na sua amplitude, como no supracitado capítulo, sendo que a ótica magnífica da Suprema Carta consta implicitamente em seu texto, tendo como princípio norteador o da dignidade da pessoa humana, mas também se perfaz descritivamente com os direitos da personalidade e, sendo o ponto crucial do escrito, a visualização do dano moral na dogmática do Novo Código. Como era bem visualizado por todos os juristas, o antigo Código Civil (1916) não previa expressamente a compensação do dano moral sob qualquer ato ilícito. Passados alguns anos, a interpretação dada às ilicitudes cometidas no âmbito civil sobrepôs as meras indenizações do dano material e atingiram a moradia do excerto interiorano do ser humano: a moral. Com o reforço hermenêutico e o acréscimo da jurisprudência nesse aspecto, a

Constituição Federal de 1988 chegou e transformou o terreno ainda pouco explorado do dano moral em um lugar de grande radiação.8 No vislumbramento desse dano, que hoje se tem em grande proporção em ações judiciais e que pertence a responsabilidade civil, é necessário identificá-lo profundamente para conseguir conciliá-lo na realidade presente e no cotidiano das relações intersubjetivas. Sendo assim, inicialmente, o dano moral é qualquer prejuízo que afronte o direito da personalidade de uma pessoa, sendo ela física ou jurídica, mas também adentra nos direitos difusos, com a lesão do patrimônio público. Com isso, pode ser visualizado como dano extrapatrimonial, em seu sentido lato ou amplo (LISBOA, 2012, p. 238). Nessa sequência, o dano moral pode ser considerado sob um conceito negativo, que exclui possibilidades para ser definido. Seria o dano que não atinge o patrimônio da vítima. Logo, não é de ordem material. Além disso, pode ser contrastado como conceito positivo, sendo a expressão da dor, do vexame, do sofrimento, do desconforto, da angústia, da humilhação e demais afrontas, públicas ou privadas, que atingem a personalidade da vítima (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 82). O sábio Orlando Gomes expõe bem a ordem negativa quanto ao dano moral, já que “a expressão „dano moral‟ deve ser reservada exclusivamente para designar o agravo que não produz qualquer efeito patrimonial. Se há consequências de ordem patrimonial, ainda que mediante repercussão, o dano deixa de ser extrapatrimonial” (apud GONÇALVES, 2007, p. 357). Há também autores que o designam como a ofensa ao ânimo psíquico, moral e físico da vítima, tudo isso abarcado com igualdade, mas na verdade, existem diferenciações correspondentes. O dano moral em sentido amplo, como dano extrapatrimonial, pode ser considerado como estrito do próprio, abrangendo todas as violações a dignidade e personalidade da vítima (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 82-83). Considera-se como dano físico em casos concernentes a danosidade estética da vítima e que abalam sua pessoa (LISBOA, 2012, p. 238). E por fim, o dano psíquico, que atinge a mentalidade e consciência da vítima, com inibições, depressões e bloqueios psicológicos (VENOSA, 2001, p. 515). No supracitado parágrafo foram instruídas algumas percepções quanto ao dano moral em relação à pessoa física, mas não há de se deixar de lado a observação quanto à pessoa jurídica. Ela também vem sendo debatida com muita cautela por parte da doutrina e

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É de extrema valia constar na Carta Magna da República a situação do dano moral, haja vista a força normativa e norteadora que a mesma remete no Direito. Sendo assim, encontram-se na Constituição, explicitamente na parte dos Direitos e Garantias Fundamentais do artigo 5º, dois incisos (V e X) que apresentam o dano moral.

jurisprudência, haja vista sua difícil visualização como pessoa que tem honra. De fato, a questão da moral remete a interiorização do ser humano em relação a sua vida, já que possui sentimentos e sustenta com exatidão esse abalo. No entanto, a pessoa jurídica tem o prestígio de sua honra quanto à sociedade, sendo que ela procura manter uma boa reputação. Outrossim, alguns direitos da personalidade a compõe e devem ser respeitados, como o bom nome, a imagem, a própria reputação, o sigilo de correspondência etc. Além disso, a própria tem amparo na Constituição Federal com as supracitadas observações, estando, respectivamente, no artigo 5° inciso X da Carta Magna. Logo, qualquer ofensa a esses bens, pode resultar sim, diante do caso concreto, a uma indenização moral (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 100-101). Partindo da premissa que o dano moral é individualizado entre pessoas, físicas ou jurídicas, tem-se hoje uma nova ótica aos sujeitos ativos e passivos em relação a essa responsabilidade civil: o ente coletivo. Pode-se dizer que está surgindo, com um pouco de timidez ainda, o dano moral coletivo, que está contemplado em algumas hipóteses como a Ação Civil Pública e no Código de Defesa do Consumidor.9 A jurisprudência também vem crescendo e segue com o apoio do Superior Tribunal de Justiça, principalmente em casos envolvendo improbidade. O Excelso Tribunal resguarda a legalidade, mas realça a importância de reprimir a imoralidade administrativa e demonstrar que a moral e a civilidade precisam ser demonstradas, mormente em situações envolvendo o patrimônio público (CIANCI, 2009, p. 317). Concernente à responsabilidade civil tem-se que qualquer dano advindo de um ato ilícito deve ser reparado. Diante disso, todos os bens que foram atingidos por essa ilicitude devem ser reparados na proporção que os retorne ao status quo ante. Tudo isso se dá pela indenização, que deverá ser trazida pelo sujeito passivo, haja vista que surgiu uma relação obrigacional de ordem patrimonial. No entanto, quando surge uma obrigação de reparação de ordem extrapatrimonial, como o dano moral, não é possível voltar ao estado passado e muito menos quantificar pecuniariamente o preço da dor sofrida pela vítima. Portanto, não se falará em indenização para o dano moral, mas sim em compensação. E essa concepção passou por calorosas fases.

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Encontram-se essas hipóteses na Lei n. 7.347/85 art. 1º e Lei n. 8.078/90, art. 6°, VI:

Art. 1º Regem-se pelas disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, as ações de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados; Art. 6º São direitos básicos do consumidor: VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.

Primeiramente, a ressarcibilidade do dano moral não era aceitável pelo fato de não ser estimável em valores pecuniários e, por sinal, considerado até imoral essa pretensa visão, já que a dor não tem preço.10 Na sequência, surgiu um novo pensamento que defendia a reparação do dano moral, mas não cumulativamente com qualquer dano material. Nesse sentido, é oportuno ressaltar que a lesão sofrida por determinado bem, deve ser averiguada quanto sua objetivação e não somente por um motivo que absorva o outro. Sendo assim, o dano moral não poderia ser autônomo 11, como bem ressalta a Suprema Corte, que não seguiu essa linha e acatou a acumulação (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 85-86). Enfim, a doutrina e a jurisprudência brasileira estão pacificadas quanto à acumulação de danos materiais e morais, sendo que o Superior Tribunal de Justiça emitiu a Súmula 37 para ressaltar esse posicionamento.12 Dessa forma, ocorrido um dano que prejudicou materialmente e moralmente a vítima no mesmo fato, será cabível a reparação por perdas e danos, compreendendo os danos emergentes e os lucros cessantes, além da compensação (LISBOA, 2012 p. 241). Nesse diapasão, entra a quantificação da compensação do dano moral. Como salutar em valores o abalo psíquico, moral e físico de uma pessoa e/ou ente coletivo? O Código Civil de 2002 não previu valores em seu texto, haja vista que seria impossível transcrever todas as ilicitudes, diante dos casos concretos, que acarretariam ao dano moral. Mas há países que adotaram essa forma, que é chamada de tarifação, ao estabelecer o quantum das compensações a serem pagas as vítimas. No entanto, o infrator, sabendo antecipadamente o valor a ser pago, poderia estimar as consequências advindas do ato ilícito e equilibrá-las com as vantagens sobrepostas, preferindo, assim, cometer o dano (GONÇALVES, 2007, p. 377). Sendo a natureza jurídica do dano moral sancionadora, não há de confundir-se com uma “pena civil”, mesmo que se anseia repreender o infrator e desestimulá-lo a cometer tal dano novamente, pelo fato de que o Direito Civil não está subestimado a questão física e pessoal do agente, deixando essa razão ao Direito Penal (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO,

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A doutrina antiga discutia muito essa teoria da irreparabilidade dos danos morais, sendo que a pretium doloris jamais poderia ser evidenciada. Sendo assim, Caio Mário da Silva Pereira defendeu que o problema para reparabilidade não seria nesses termos, mas na distinção do que seja o real prejuízo, já que qualquer dano, sendo material ou moral, tem um prejuízo e é necessário fazer algo que amenize essa situação (2002, p. 54). 11 Nesse sentido, pode-se adotar o exemplo de um acidente que acarrete na morte do chefe de uma família. Como não levar em conta o prejuízo patrimonial dessas vítimas (filhos e esposa) quanto ao amparo material (alimentação, habitação, o sustento) e também o sofrimento acarretado pelo falecimento do querido esposo e pai? Diante dessa observação que se abre essa teoria, chamada de teoria da não cumulação ou inacumulabilidade do dano moral e material (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 85-86). 12 Súmula 37 do Supremo Tribunal Federal: são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.

2012, p. 122-124). Nessa sequência, existe também a chamada punitive damage13, estabelecendo o pagamento de um acréscimo, além do montante designado pelo julgador, quanto à compensação do dano moral. Seria uma “multa” aplicada ao infrator para servir como penalização (GONÇALVES, 2007, p. 280-281). Outra forma para quantificar o dano moral é o arbitramento. Assim, o juiz pode arbitrar o quantum correspondente à extensão do dano, respeitando alguns critérios como a situação econômica do lesado, a intensidade do sofrimento, a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa, o grau de culpa e a situação econômica do ofensor. Diante da dificuldade de se analisar esses pressupostos, o juiz poderá indicar um perito para averiguar a real existência dessas características, que são de suma importância para a quantificação da reparação (GONÇALVES, 2007, p. 377-386). Algumas ressalvas a mais devem ser postas para melhor equilibrar o quantum compensatório, sem desfazer sua principal função. O magistrado tem que estar atento aos fatores de redução em relação ao padrão geral do dano moral já indexado. A observância do reduzido grau de culpa do devedor, a concorrência da culpa da vítima, a demora no ajuizamento da ação, a pouca sensibilidade da vítima, a atuação do devedor e o Estado do devedor concorrem para salvaguardar a proporcionalidade da reparação (COELHO, 2012, p. 858). O juiz terá em suas mãos o poder de arbitrar o quantum compensatório com base do artigo 946 do Código Civil e a lei processual. Tudo isso porque carece de critérios objetivos e serão resguardados os critérios subjetivos supracitados. Logo, será discricionário em sua escolha, tornando substancial e preponderante sua fundamentação se for bem apresentada, já que se dá de uma forma tão liberta de apreciar o mérito e o valor a ser quantificado. Por tudo isso, é precípuo salientar a importância do dano moral, desde sua definição e atuação, já que é um dos danos mais presentes nos tribunais e que devem ser observados com cautela por parte das partes e dos juízes, pois está em jogo muito mais do que uma forma e quantificação de compensar o abalo sofrido e que não retorna ao estado anterior, mas a dignidade da pessoa humana em sua amplitude, abrangendo tanto a vítima, quanto o infrator.

3. A Dignidade da Pessoa Humana em Relação ao Dano Moral: O Envolvimento das Partes no Sentido da Compensação. 13

A punitive damage se dá de forma muito usual nos Estados Unidos, sendo estipulada em valores milionários. Diante disso, surgiram muitas seguradoras com o intuito de cobrir qualquer ilicitude cometida por seus clientes. No entanto, aqui no Brasil não seria possível, já que tem que ser observado o princípio da legalidade e se, por acaso fosse aplicado pelos julgadores, seria um enriquecimento ilícito para a vítima.

O Direito Brasileiro vem se aperfeiçoando no que tange à busca de uma sociedade justa, livre e solidária, onde o cidadão possua não só o direito a vida assegurado, mas também o direito a uma vida digna, nos propósitos apresentados em nossa Carta Magna, a Constituição de 1988 (Constituição e o Supremo Tribunal Federal, 2011, p. 21-32). O texto constitucional traz normas e princípios inovadores, que buscam conduzir a sociedade brasileira para um futuro próspero, onde todos possuam seus direitos respeitados, efetivados e assegurados de forma a garantir a seriedade do que está proposto na Constituição Federal. Como bem se sabe a conquista dessa inovação em termos de direitos e garantias, é fruto de um longo período de transições, onde inúmeras lutas foram travadas para que tais mudanças acontecessem e trouxessem consigo como sua consequência, os tempos de justiça e igualdade tão esperados pelos brasileiros, que tanto reivindicaram a efetivação de seus direitos, através de uma Constituição que respeitasse a dignidade dos cidadãos (SILVA, 2002, p. 88-90). No mesmo sentido, percebemos que as leis infraconstitucionais, sob a luz e influências do Direito inovador trazido por nossa Carta Magna, como não poderia ser de forma diferente, buscam assegurar em suas searas que os direitos fundamentais sejam respeitados e atingidos pelos destinatários das normas, que devem interpretar estas leis à luz do texto constitucional, propondo assim uma forma de entendimento necessário para que o Estado Democrático de Direito seja respeitado e considerado por todos, independente da matéria a ser analisada, como um objetivo fulcral e imprescindível para que tal meta se cumpra (PEÑA DE MORAES, 2007, p. 115-119). Nesse sentido, percebemos que o Direito Privado, que rege as relações entre particulares, representado principalmente pelo atual Código Civil de 2002, tem suas normas fundamentadas nos conhecidos Direitos da Personalidade, trazendo mudanças e inovações importantes para o conteúdo e objeto proposto por ele. O que antes era pautado simplesmente em relações privadas que visavam proteger apenas a propriedade, passa a ganhar uma visão constitucionalizada de proteção à dignidade da pessoa humana, numa perspectiva atualizada e preocupada com a garantia do que está escrito na Lei Maior. Dessa forma, o atual Código Civil de 2002, visa muito além do que apenas regular as relações entre particulares e proteger o patrimônio, idealiza propriamente o que é justo e necessário para que as pessoas tenham sua vida e direitos respeitados, garantindo assim a dignidade da pessoa e não apenas seu patrimônio econômico, na busca de uma sociedade mais justa e preocupada com o cidadão (LENZA, 2012, p. 54-55).

Um dos exemplos que não podem ser esquecidos em relação a essa constitucionalização do Direito Privado e preocupação com a dignidade da pessoa é o caso previsto quanto à responsabilidade civil, onde um indivíduo acaba por causar um dano a outrem, prejudicando-o e afetando de alguma forma seus direitos. Por este motivo, fica determinada a obrigação de reparação, para que seja alcançado o estado anterior ao dano, como uma forma de manter sua integridade física, moral e patrimonial (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 2). Dessa forma, Sergio Cavalieri Filho conceitua: Em sentido etimológico, responsabilidade exprime a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Em sentido jurídico, o vocabulário não foge dessa ideia. Designa o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente da violação de um outro dever jurídico. Em apertada síntese, responsabilidade civil é um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico originário (2010, p.2).

Este é um exemplo trazido pelo Código Civil, como uma forma de obrigação contratual ou extracontratual, dependendo da situação a ser analisada, que obriga as partes em função de um acontecimento, onde de um lado há a vítima, que teve seu direito violado e sofreu as consequências desse ato e por outro lado o indivíduo ou indivíduos que causaram tal dano e afetaram o direito do outro (VENOSA, 2002, p. 11-14; 20-21). Quem sofreu o dano, pode ter tido como consequência a diminuição patrimonial, quando algum bem de valor econômico foi lesado,fazendo com que o outro tenha a obrigação de ressarcir de forma justa, como uma maneira de buscar a volta do patrimônio existente, ou o equivalente ao que havia anteriormente ao dano causado, respaldado pela proteção da propriedade e também dos direitos tutelados pelo Código Civil (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 81-84). É importante ressaltar que o causador do dano se obriga desde o momento do fato, o que faz com que tenha a obrigação de remunerar o outro, pois a responsabilidade civil aponta que este já está em mora, a partir da ocorrência do caso. Outro ponto que não deve ser esquecido, diz respeito aos indivíduos envolvidos, uma vez que estes podem ser tanto pessoas físicas, como jurídicas, pois seus direitos também são tutelados pela Legislação vigente, não podendo terem seus direitos esquecidos ou violados simplesmente, uma vez que o dano causado pode lhe trazer sérias consequências prejudiciais (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 130-131).

A responsabilidade civil busca fundamentalmente o equilíbrio das relações, a volta do estado anterior, onde os indivíduos não tinham seus direitos violados por outrem. Também existe a necessidade da proteção no sentido de manter a Ordem Pública, sendo a responsabilidade civil uma forma de educar e reprimir condutas que desapontem os objetivos legais e o respeito aos direitos alheios (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 1-2). A grande problemática em torno da questão diz respeito ao chamado Dano Moral, onde alguém tem seus direitos da personalidade violados e um claro sofrimento devido a esse fato, uma vez que possui a séria consequência de, por exemplo, uma lesão corporal, muitas vezes esta sendo irreversível e diminuindo permanentemente sua capacidade laborativa e a qualidade de vida. Além disso, existem casos em que a lesão perpassa os limites palpáveis, atingindo a própria dignidade da pessoa e a prejudicando profundamente, neste sentido, há a violação dos direitos da personalidade, de forma a afetar a dignidade do atingido de forma tão grave, a ponto de este ter sua vida totalmente transformada. Existe um claro desequilíbrio, que necessita ser recuperado para que o indivíduo tenha sua vida normalizada. Como bem lecionam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, em sua obra a respeito do tema: O dano moral consiste na lesão de direito cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro. Em outras palavras, podemos afirmar que o dano moral é aquele que lesiona a esfera personalíssima da pessoa (seus direitos da personalidade), violando, por exemplo, sua intimidade, a vida privada, honra e imagem, bens jurídicos tutelados constitucionalmente (2013, p.105).

Nestes casos, a dificuldade estabelecida diz respeito à quantificação deste dano, para que seja possível uma reparação, como forma de restabelecer ou pelo menos buscar diminuir a consequência do ato gravoso, causado pelo agente que acabou por transpor os limites e atingir o direito de outrem, sendo de forma culposa, na acepção da palavra trazida pelo Código Civil, isto é, abarcando os atos feitos intencionalmente e também aqueles provocados por imprudência, negligência e imperícia. Também existe a chamada responsabilidade civil objetiva, que é aquela autorizada por lei, independente da culpa do agente, obrigando o mesmo a ressarcir da mesma forma (GAGLIANO; PAMPLONA FILHO, 2013, p. 57-59). Ao analisarmos a questão proposta, percebemos a complexidade e a dificuldade de se estabelecer uma resposta plausível a questão, uma vez que a legislação vigente não determina propriamente a forma e a quantificação do ressarcimento, propondo desta maneira que fique a cargo das próprias partes envolvidas ou quando da ausência destas, através de seus familiares o estabelecimento dos acordos que dizem respeito ao ressarcimento. Sábia reflexão, elaborada

por Venosa diz que: “Nem sempre o valor fixado na sentença revelará a justa recompensa ou o justo lenitivo para a dor ou para a perda psíquica” (2002, p. 32). Também percebemos que na maioria dos casos, por falta de um acordo e justamente pela dificuldade apresentada, casos assim acabam se transformando em longas ações judiciais, ficando a responsabilidade da decisão nas mãos dos Magistrados, que também apresentam dificuldade similar para quantificar de forma a atender a necessidade da vítima e tornar possível o ressarcimento do fato que lhe causou tamanho sofrimento, sendo necessário o estabelecimento de valores que sejam plausíveis de pagamento por parte do causador do dano. Sílvio de Salvo Venosa discorre brilhantemente sobre o assunto e sua complexidade:

Os julgados devem buscar o justo equilíbrio no caso concreto. O dano moral, mormente o que traz reflexos psicológicos, pode ser maior do que a vítima supõe ou menor do que ela acredita. Se nem mesmo a própria vítima frequentemente, tem condições de avaliar seu dano, o que se dirá de terceiros que a julgarão (2002, p. 32).

Nota-se a complexidade do assunto e a necessidade da discussão em torno dele, uma vez que cada vez mais percebemos casos que envolvam dano moral acontecendo em nossa sociedade. A responsabilidade civil é tida também como uma forma de garantir a ordem e a segurança, devido a sua natureza jurídica sancionadora, por ser uma forma de repreensão a condutas ilícitas, devendo por isso exercer seu papel de forma exemplar (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 7-9). Nesse sentido há a necessidade da aplicação do princípio da proporcionalidade, no sentido de garantir a proteção do direito do indivíduo que teve seu direito violado pelo ato ilícito causado pelo outro, mas ao mesmo tempo, deve-se estabelecer uma forma de tornar possível essa reparação, não diminuindo a dignidade do causador do dano, retirando dele valores exorbitantes, que serão impagáveis devidos sua atual condição econômica. Porém, a indenização deve além de reparar o dano, sancionar o causador dele, para que ele não venha a repetir tal fato, por entender que a punição por ele não é gravosa o suficiente para impedi-lo. Venosa colabora nesse sentido: O sentido indenizatório será mais amplamente alcançado a medida que economicamente fizer algum sentido tanto para o causador do dano, como para a vítima. O montante da indenização não pode nem ser caracterizado como esmola ou donativo, nem como premiação. Ressalte-se que uma das objeções que se fazia no passado contra a reparação dos danos morais era justamente a dificuldade de sua

mensuração. O fato de ser complexo o arbitramento do dano, porém, em qualquer campo não é razão para repeti-lo (2002, p. 33).14

Neste momento, percebemos que o juiz deve agir com bom senso, proporcionalidade e atenção ao caso, de forma a atender a demanda e buscar principalmente a justiça para as partes envolvidas. A busca da dignidade deve ser o princípio norteador para o juiz. Nesse sentido, não entendemos a necessidade da elaboração de normas rígidas ou que se faça uma tabela quantificadora de danos, há, porém, a obrigação das partes e do juiz de avaliarem até que ponto o pedido é possível e justo. Uma possível solução para o excesso de demandas judiciais que dizem as reparações civis seria a chamada justiça restaurativa, onde as partes poderiam ter uma maior satisfação, por estabelecerem muitas vezes um acordo amigável, que fará com que ambas saiam beneficiadas na medida do possível.

Considerações finais

Primeiramente, é de se perceber que quando se fala em Direito Constitucional a consciência nos remete a um Direito Público e transitivo de valores, que são ressalvados por uma ordem axiológica forte e de imperativo sentido democrático, haja vista estarmos diante de um Estado Democrático de Direito. Também faz mister a presença de princípios, que norteiam o Direito como um todo com seu grande alcance deontológico, mas também se perfazem com um caráter universal, como o princípio da dignidade humana, introduzido no transcrito. Nesse sentido, a dignidade humana é “que nem a água, que se molda e chega a qualquer lugar”. Por isso é dantesco quem não perpetua com a ideia de que o Direito Constitucional não contorna os demais Direitos, principalmente o Privado, que se relaciona/relacionava-se com um sistema fechado e não aberto a interpretações extensivas a Constituição Federal e, sobretudo, ao “princípio-mãe” do nosso Estado brasileiro, o da dignidade da pessoa humana. Sendo assim, desde a promulgação da Carta Magna, o Direito brasileiro como um todo, devia estar de acordo a Constituição, sendo revogado qualquer dispositivo que a contrariasse. 14

Alguns autores trazem em suas obras à crítica ferrenha a chamada “Indústria das Indenizações”, por perceberem que em alguns casos, os magistrados concedem indenizações totalmente desproporcionais para alguns indivíduos, fazendo com que cresça ainda mais a procura por ações judiciais por parte de pessoas que visam o mero fim econômico, deixando de lado a reparação aos danos causados e a sua dignidade.

Diante desse processo, estabeleceu-se, inevitavelmente, a constitucionalização do Direito Privado (Civil) com a interpretação voltada a Suprema Carta. Reforçou mais ainda essa constitucionalização, o novo Código Civil de 2002, que tornou claro em seu texto o respeito aos direitos da personalidade, que são derivados do princípio da dignidade da pessoa humana. Com isso, tornou-se mais fácil as mudanças do sistema fechado que era antes (do Código Civil), transmitindo uma preocupação maior com a sociedade, não somente entre as partes. Partindo desse pressuposto, é nefasto não creditar na responsabilidade civil um teor valorativo com a dignidade das pessoas envolvidas. Seguindo a ordem do escrito, o dano moral necessita da potenciação da dignidade humana entre as partes, já que corresponde ao interior humano, ínsito e que sofre abalos imensuráveis que podem perdurar a vida toda. Por isso é necessário uma análise mais cautelosa, por parte dos magistrados, que estão lidando com sentimentos da vítima e do autor da lesão que procuram o amparo da justiça para acalmar suas personalidades que gritam pela agressão sofrida, mas que também regurgitam pelos males que causaram. Da vítima que pode sentir na compensação uma forma de mudar sua realidade - e que, infelizmente, não vai mudar - sob a pecúnia de outrem e do ofensor que não pode se sentir ameaçado por um quantum que, de uma forma ou de outra, está valendo como a alma d‟outro. Expondo as sábias palavras de Albert Einstein que “no meio da dificuldade encontrase a oportunidade” e essa pode ser compensada de uma forma, não, somente, pela pecúnia, mas pelo diálogo, reunindo vítima e ofensor para solucionar o próprio problema entre eles. Porque sempre há uma causa no agir do ofensor, que às vezes se exterioriza pelo seu temperamento ou caráter, mas não que sua personalidade seja afinca de violar os direitos de outrem. Por isso sugerimos que não, somente, a quantificação do dano moral serve como “penalização” para o ofensor, mas outras formas, como a justiça restaurativa. Ademais, uma alta compensação a vítima pode ferir a dignidade humana do vituperador, que às vezes não tem condições de arcar com os prejuízos feitos. E de certa forma, o ofendido pelo ilícito às vezes nem espera por uma compensação pomposa que possa preenchê-lo materialmente para suprimir seu abalo, mas espera, simplesmente, um pedido de desculpas. Nesse sentido que o terceiro, o juiz, deve estar preparado para julgar, não só de acordo com o Direito em si e também com as jurisprudências acatadas por certos fatos correspondentes, mas pelo sentimento das partes.

Por tudo isso foi exposto o presente artigo, com o intuito de demonstrar que não é tão simples solucionar problemas envolvendo a moral das partes e também a quantificação da compensação do dano, que deve ser seguida com muita proporcionalidade pelo juiz, para não abalar mais do que já está abalado: a dignidade da pessoa humana.

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