Constituição defende a \'ética do privilégio\'

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Constituição defende a 'ética do privilégio' Para cientista político Gláucio Soares, as leis brasileira beneficiam os funcionários públicos e criam 'categorias hierarquizadas de cidadania' Curtir

 

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08 Setembro 2006 Crédito: MMA/Divulgação da PrimaPagina  Os funcionários públicos brasileiros são privilegiados pela Constituição, que tem regras que desfavorecem aqueles que não pertencem ao setor. Isso permitiu a criação de “categorias hierarquizadas de cidadania”, na opinião do cientista político e sociólogo Gláucio Soares. “O Estado no Brasil privilegia os que trabalham para ele. É histórico, é antigo, começou na Colônia. Os programas beneficiaram, primeiro, os militares, depois, os servidores civis; alguns deles levaram muitas décadas até atingir os grupos ocupacionais mais (intencionalmente?) esquecidos, como trabalhadores rurais e empregadas domésticas”, afirma Soares em entrevista à PrimaPagina.  Professor e pesquisador do IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e doutor em Sociologia pela Washington University em Saint Louis, ele participa da nova rodada do Fórum de Debates Interativo sobre a Reforma Política do  site do PNUD, de 8 a 14 de setembro. Ele conversará com os internautas sobre a necessidade ou não de alterações na Constituição brasileira, em especial no que se refere ao equilíbrio entre direitos e deveres.  A Constituição, aponta o cientista político, estabelece mais do que regras diferentes para o funcionalismo estatal. “Não são simplesmente diferentes: são regras que favorecem o setor público”, diz. “E, portanto, desfavorecem os demais, criando categorias hierarquizadas de cidadania. Os que não estão no setor público estão na mais baixa. Essas regras são parte da ética do privilégio”, completa.  Leia abaixo os principais trechos da entrevista, concedida por e­mail.  Por que, em menos de 20 anos, a Constituição brasileira já foi reformada diversas vezes? Ela foi mal feita, ou as reformas foram desnecessárias?  Gláucio Soares – A probabilidade de emendas aumenta com a extensão da Constituição. Nossa Constituição é das maiores — há mais o que modificar. De acordo com alguns, ela inclui muitos temas que deveriam ser tratados por leis menores. Nesse sentido, ela foi mal feita.  O sr. menciona em seu artigo a importância do equilíbrio entre "direitos" e "deveres" e diz que a Constituição brasileira não tem esse balanceamento. Podemos apontar esse como o maior defeito da Constituição?  Soares – Este é um grande defeito da estrutura política brasileira, não apenas da Constituição.  Por quê?  Soares – O Estado no Brasil, como também na América Latina, é um Estado que privilegia os que trabalham para ele. É histórico, é antigo, começou na Colônia. Os programas beneficiaram, primeiro, os militares, depois, os servidores civis; alguns deles levaram muitas décadas até atingir os grupos ocupacionais mais (intencionalmente?) esquecidos, como trabalhadores rurais e empregadas domésticas.  Em que pontos o sr. acha que a Constituição é "paternalista, protecionista e assistencialista"?  Soares – Na ausência de deveres.  O sr. acha que políticas públicas (cobrança e repasse de tributos, definições de orçamentos mínimos para algumas áreas sociais etc.) deveriam ficar de fora da Constituição? Por quê?  Soares – As políticas públicas variam com o que é considerado social e politicamente relevante. As prioridades e as necessidades mudam rapidamente, criando descompassos com o que está engessado na Constituição. 

25/11/14  Regiões Metropolitanas brasileiras têm Alto Índice de Desenvolvimento Humano Municipal, mostra Atlas Brasil 25/11/14  Regiões metropolitanas avançam no desenvolvimento humano e reduzem disparidades VER TODAS NOTÍCIAS

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Se todos os pontos da Constituição foram aprovados pela maioria do Congresso ou da Assembléia Constituinte, como identificar alguns itens específicos a pressões corporativistas? Como avaliar, por exemplo, se a definição de regras diferentes para a aposentadoria do funcionalismo público reflete a pressão dessa categoria ou uma avaliação da sociedade de que essas regras resultariam em um funcionalismo mais eficiente?  Soares – A pergunta supõe clarividência e legitimidade automáticas do Congresso ou da Assembléia Constituinte e, portanto, do que for aprovado por eles. É uma tese difícil de sustentar. Não conheço uma só avaliação feita diretamente pela sociedade na qual ela tenha expressado o desejo de ter pensões e aposentadorias menores do que as do setor público.  Por que o sr. acha que a definição de regras diferentes para o funcionalismo público contribui para que o "povo" não se veja na Constituição?  Soares – Não são simplesmente diferentes: são regras que favorecem o setor público e, portanto, desfavorecem os demais, criando categorias hierarquizadas de cidadania. Os que não estão no setor público estão na mais baixa. Essas regras são parte da ética do privilégio.  Para passar uma emenda constitucional, exige­se uma aprovação de 60% dos parlamentares em cada Casa do Congresso Nacional (o que, de acordo com o sr., representava em 2002 o voto dos quatro maiores partidos na Câmara dos Deputados). Isso deve ser mantido ou prejudica a modernização da Constituição?  Soares – A observação feita apresenta a hipótese de que a legislação partidária e a legislação referente às emendas foram feitas de maneira estanque, não relacionadas, favorecendo contradições. Quanto mais incluir a Constituição, maior a probabilidade de descompasso entre ela e as transformações de um país que não pára de mudar.  Por que o sr. acha que essa proporção incentiva a migração partidária?  Soares – Há condições para a migração partidária: talvez a mais óbvia seja a de que a cadeira "pertence" ao eleito e não ao partido. Os governos, devido à distribuição das cadeiras entre os partidos, não contavam com maioria, iniciando um duplo movimento, de governos tentando atrair partidos, grupos e deputados individuais para formar maiorias estáveis e de deputados e senadores sem identificação com seus partidos buscando poder e benefícios associados com ser governo.  Isso em alguma medida estimula a corrupção?  Soares – Alguns incentivos seguem formas variadas de corrupção, umas mais sutis do que outras.  O sr. diz que "um ponto importante de uma reforma constitucional seria aumentar o controle dos eleitores sobre os eleitos". Quais pontos deveriam ser reformulados ou acrescentados para garantir isso?  Soares – Impedir a migração partidária, reduzir o número dos deputados federais e estaduais e eliminar a necessidade de autorização para processar ocupantes de cargos executivos e legislativos por crimes comuns, exceto para o presidente da República. Há outras possibilidades que precisam ser estudadas.

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