CONSTITUIÇÃO DO ROMANCE MODERNO - A ESCRITURA DA PERSONAGEM EM MARCEL PROUST

May 24, 2017 | Autor: Thiago Blumenthal | Categoria: Marcel Proust
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Le carnet de 1908, ed. Ph. Kolb, 1976, p. 61.


UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
PÓS-GRADUAÇÃO " STRICTO SENSU " LETRAS




THIAGO BLUMENTHAL
71456481





TRABALHO DE APROVEITAMENTO DA DISCIPLINA
"CONSTITUIÇÃO DO ROMANCE MODERNO"


A ESCRITURA DA PERSONAGEM EM MARCEL PROUST







São Paulo
Setembro – 2014

A literatura não fala de outra coisa a não ser da própria literatura. Ou a literatura, no limite, de nada trata. Afirmações e teorizações a respeito do engenho literário, tanto como em seu polo actante (no fazer, no escrever) como em seu polo manifesto (o livro já escrito e concluído), colocaram em xeque no século XX o modelo mais tradicional de narrativa, calcado nos clássicos, chegando até o realismo. Estaria falido o projeto de uma narrativa que pretenda, mimeticamente, dar conta do real sem comprometer sua escritura e sua verossimilhança? É preciso antes atenuar o que esse tipo de reflexão buscava, e talvez ainda busque, em um panorama contemporâneo, a partir de narrativas que de fato se distanciaram demais do elemento concreto e mais chão do real, em especial na virada do século XIX para o XX.
O projeto modernista, que muitos concebem como primeiro representante o autor francês Charles Baudelaire (1821-67), com a publicação de seu Les fleurs du mal (1857), apresenta um novo código de representação ficcional, tal qual o romantismo quebrara alguns paradigmas um século antes, em suas mais variadas tendências e em resposta a um novo mundo. Uma espécie de crise da mímesis como espelho de uma realidade deflagra-se e o autor, diante deste novo cenário social com novas possibilidades de escritura, busca na própria escrita os recursos que possibilitem um tratamento inédito ao mundo que o rodeia e, em especial, à sua linguagem.
Há naquele momento uma profusão de obras que irão demarcar um território que será explorado, ora na capacidade ficcional ou crítica, em todos os seus extremos. O autor francês Marcel Proust (1871-1922), que será objeto de estudo deste trabalho, concebe o projeto de seu À la recherche du temps perdu, com a publicação do primeiro volume, Du côté de chez Swann, na França, em 1913. Sua obra é acolhida com desconfiança na época, o que é um caso comum na história da recepção crítica – grandes obras que não conquistaram o crítico quando de sua publicação. Escritos em mais de dez anos, à exaustão, de 1909 até a morte do autor, e publicados separadamente, os sete volumes fazem um recorte tão inovador para o seu tempo, propõem um novo tipo de leitura e um distinto tipo de olhar, que geraram natural suspeição ou mesmo hesitação.
Proust certamente não foi o único cuja obra foi recebida com apreensão. James Joyce (1882-1941) tem parte da primeira edição de Ulysses (1922) banida em alguns lugares do mundo, até mesmo na cosmopolita e moderna Nova York. A obra, que traça em um dia a epopeia do personagem Leopold Bloom pelas ruas de Dublin, capital da Irlanda, e faz um paralelo com a viagem clássica de Ulisses na Odisseia de Homero, também provoca reações das mais variadas e exige, para que seja devidamente compreendida e desfrutada, um olhar diferente, uma nova maneira de ler e, portanto, de enxergar o mundo. O tcheco Franz Kafka (1883-1924) é outro que atravessa funesta jornada até atingir sua Ítaca. Seus primeiros contos, publicados ainda em vida, e a novela A metamorfose, demandam um juízo mais fresco do elemento fantástico. O fantástico em Kafka promove uma nova lógica equação narrativa, distinta do modelo mais tradicional que uma geração antes era trabalhado por Guy de Maupassant (1850-93), por exemplo. O sobrenatural deixa sua esfera celestial e invade o cotidiano mais mesquinho a ponto de o aceitarmos quase como natural e como condições de nossa época – ou, no caso específico de Kafka, como punição, como veredicto.
Não por acaso, esses três autores europeus costumam surgir em apreciações correntes do cânone como os grandes responsáveis por essa nova maneira de representar a realidade na ficção. Importante frisar, como apontado em suas datas de nascimento e morte, que todos viveram sob a mesma atmosfera, a mesma influência, os novos ares. O espírito dos tempos.

*
"Suis-je romancier?" indaga-se Marcel Proust no outono de 1908. Seu desejo de ser romancista ganha ares emergenciais, conforme podemos avaliar das entradas em seu diário no fim da década de 1900. Mais do que um esquadrinhamento de seu status como escritor, o autor aqui parece adiantar um dos grandes temas da Recherche: o escrever, a dificuldade de escrever. No mesmo trecho de seus diários, prossegue a reflexão, que será muito pertinente no que concerne o seu projeto narrativo: "Faut-il en faire un roman, une étude philosophique, suis-je romancier?". É precisamente sob esta dúvida do autor que repousam alguns pilares da escrita proustiana.
Crítico e ensaísta, Proust foi um diletante cujas aspirações a escritor foram muitas vezes vistas por seus amigos mais íntimos como esnobes. Colaborou com diversas revistas literárias, como a La revue blanche, e chegou a criar uma revista de crítica chamada Le banquet. O autor se especializara na crítica e o seu contato com a forma da ficção, até o rascunho do romance Jean Santeuil (publicado postumamente em 1952) e da própria Recherche, se devia à sua obsessão por John Ruskin (1819-1900), de quem dizia saber todas as obras de cor, devotando boa parte de seu tempo na tradução dos grandes livros do autor inglês.
Nascido ainda sob os ecos sociais da supressão da Comuna de Paris, com o declínio da aristocracia e a insurgência da classe média durante a Terceira República, Proust construiu sua biografia em torno deste contexto em particular. Com livre acesso aos salões da alta burguesia, o autor era um fino observador da psicologia humana em pleno fin de siècle. Pouco trabalhou devido aos problemas de saúde, em especial a asma, e passou os últimos anos de sua vida finalizando o seu grande projeto de romance, como tanto se perguntara em suas anotações, em seu quarto, dormindo durante os dias e escrevendo à noite.
À la recherche du temps perdu consiste de sete volumes, a saber: Du côté de chez Swann; À l'ombre des jeunes filles en fleur; Le côté de Guermantes; Sodome et Gomorrhe; La prisonnière; Albertine disparue e Le temps retrouvé. Dentre os inúmeros motivos trabalhados na obra, temos um romance que lança um olhar sobre a ficção em nossas vidas: o seu papel e o quanto todos nós, leitores, estamos a ela condicionados. Não é apenas sobre a passagem do tempo, sobre a velhice, sobre o fazer literário, sobre as memórias (em especial, as involuntárias): mais do que tudo isso, é um livro sobre a ficção. É um romance sobre o romance.
Na célebre abertura do volume inicial, temos uma boa síntese do tema tratado por seu narrador. Desde Jean Santeuil, Contre Sainte-Beuve e outros pouquíssimos escritos, Proust já rascunhava esse interesse do papel da ficção – e como ela alterou todo um estado de sentimento humano. Para isso, Proust valeu-se da matéria mais profunda do espírito, do corpo e da mente: as intermitências do coração e o mecanismo desdobrado da memória diante da engrenagem social a qual todos estamos expostos. Buscar escrever um longuíssimo ensaio sobre o poder do romancista em transmitir ao leitor o que, no cotidiano, nos é impenetrável, só possível tomando como fio condutor a escorregadia matéria do tempo.

Longtemps, je me suis couché de bonne heure. Parfois, à peine ma bougie éteinte, mes yeux se fermaient si vite que je n'avais pas le temps de me dire: «Je m'endors.» Et, une demi-heure après, la pensée qu'il était temps de chercher le sommeil m'éveillait; je voulais poser le volume que je croyais avoir encore dans les mains et souffler ma lumière; je n'avais pas cessé en dormant de faire des réflexions sur ce que je venais de lire, mais ces réflexions avaient pris un tour un peu particulier; il me semblait que j'étais moi-même ce dont parlait l'ouvrage: une église, un quatuor, la rivalité de François Ier et de Charles Quint. Cette croyance survivait pendant quelques secondes à mon réveil; elle ne choquait pas ma raison mais pesait comme des écailles sur mes yeux et les empêchait de se rendre compte que le bougeoir n'était plus allumé. Puis elle commençait à me devenir inintelligible, comme après la métempsycose les pensées d'une existence antérieure; le sujet du livre se détachait de moi, j'étais libre de m'y appliquer ou non; aussitôt je recouvrais la vue et j'étais bien étonné de trouver autour de moi une obscurité, douce et reposante pour mes yeux, mais peut-être plus encore pour mon esprit, à qui elle apparaissait comme une chose sans cause, incompréhensible, comme une chose vraiment obscure. Je me demandais quelle heure il pouvait être; j'entendais le sifflement des trains qui, plus ou moins éloigné, comme le chant d'un oiseau dans une forêt, relevant les distances, me décrivait l'étendue de la campagne déserte où le voyageur se hâte vers la station prochaine; et le petit chemin qu'il suit va être gravé dans son souvenir par l'excitation qu'il doit à des lieux nouveaux, à des actes inaccoutumés, à la causerie récente et aux adieux sous la lampe étrangère qui le suivent encore dans le silence de la nuit, à la douceur prochaine du retour.

No começo do livro já temos esquematizado, via um narrador em primeira pessoa, a estreita relação entre o que se lê e o que se vive. O volume que tinha em mãos, na sensação das primeiras horas de sono, e a história que contava se misturavam com o que era vivido "na realidade", ou nessa abstrata camada de realidade que faz protagonizar a ficção e que é matéria de todo o romance. A razão não se choca com o estranho pensamento, com a invasão da história da rivalidade entre Francisco I e Carlos V: o sono.
A primeira pessoa, a voz de um narrador que se coloca como figura central naquilo que vai contar, se evidencia nas primeiras frases, não somente pelo uso óbvio do pronome pessoal "je". Por muito tempo, costumava dormir cedo: o tempo verbal desta declaração inicial passa a ideia de um imperfeito que, no entanto, no francês se registra pela marca do perfeito "je me suis couché". Este "eu dormi" do francês, pela memória que se põe em funcionamento desde já, tem um tom de hábito, de uma ação que se repetia. Por muito tempo dormi cedo, apesar do registro no perfeito, denota o imperfeito, tanto em português como em francês. Não por acaso todos os outros verbos deste parágrafo inicial, e de toda a costura do romance inteiro, são conjugados sob a marca do imperfeito; são os olhos que se fechavam de sono, o reflexo das imagens do que acabara de ler e que permanecia em sua mente, o ruído dos trens que passavam à distância.
O que à primeira vista poderia até soar como um início de uma narrativa tradicional, de um personagem, que não necessariamente precisa ser o narrador daquela determinada aventura, se rompe quando o narrador proustiano apresenta um conflito interno, muito próximo de uma investigação de uma identidade a ser desvendada, quase à moda psicanalítica. É quando o narrador relata suas primeiras impressões sobre a experiência do lembrar, do narrar e do ler, em três vértices da estratégia que constrói (ou tenta, às escuras, construir) para si. Ora, relata este narrador, parecia ele mesmo na obra que estava a ler na cama de noite ("il me semblait que j'étais moi-même ce dont parlait l'ouvrage"); mais: o assunto do livro dele se destacava ("le sujet du livre se détachait de moi"). Essa sutil mediação entre os vértices do triângulo da narração (lembrar, narrar e ler) se torna imediatamente objeto de reflexão daquele que elabora seu projeto de contar uma história e a enuncia no papel.
Não se trata, no entanto, de um xeque, de uma instância narrativa sob risco, o que seria um tema ou um motivo moderno o suficiente para enquadrar este tipo de tratamento ficcional à modernidade. O que se tem aqui, que é o que se pretende perscrutar ao longo de todo o romance, é um questionamento da escritura ou do sujeito que se inscreve, pela memória, pela narrativa e por suas leituras, em uma matéria ficcional não mais preocupada com a verossimilhança do personagem, por exemplo, ou mesmo da intriga. Distante de uma tradição por assim dizer balzaquiana, do texto que se pretende exato, verossímil, real ou realista, Proust forja um sistema que busca esse olhar para si mesmo (no narrador e no personagem) a fim de apreender a sua inserção num universo recriado pela memória. Como se um Balzac (1799-1850) ou um Stendhal (1783-1842), para ficar nos franceses, expusessem seus personagens a um exame que se aproxima da metalinguagem. Ou seja, como se acompanhássemos a feitura da Comédia Humana em seu próprio ato de escritura, que é o que temos na Recherche.
Um pouco mais adiante, o condensamento entre passado e presente tem vez, ainda sob a marca do imperfeito:
Je me rendormais, et parfois je n'avais plus que de courts réveils d'un instant, le temps d'entendre les craquements organiques des boiseries, d'ouvrir les yeux pour fixer le kaléidoscope de l'obscurité, de goûter grâce à une lueur momentanée de conscience le sommeil où étaient plongés les meubles, la chambre, le tout dont je n'étais qu'une petite partie et à l'insensibilité duquel je retournais vite m'unir. Ou bien en dormant j'avais rejoint sans effort un âge à jamais révolu de ma vie primitive, retrouvé telle de mes terreurs enfantines comme celle que mon grand-oncle me tirât par mes boucles et qu'avait dissipée le jour,—date pour moi d'une ère nouvelle,—où on les avait coupées. J'avais oublié cet événement pendant mon sommeil, j'en retrouvais le souvenir aussitôt que j'avais réussi à m'éveiller pour échapper aux mains de mon grand-oncle, mais par mesure de précaution j'entourais complètement ma tête de mon oreiller avant de retourner dans le monde des rêves.

O uso do termo "vie primitive" reforça um passado que é ainda mais distante do que o costumamos conceber. Trata-se de um nível mais elevado, talvez possibilitado pelo sonho e talvez privilegiado pelo poder da fabulosa recriação proustiana, em camadas do que se lembra e do que se pode recordar já dentro da lembrança, da máquina da memória. O período "havia esquecido esse acontecimento durante o meu sono", para relembrá-lo instantes depois no despertar, realiza uma série de possibilidades que não cabem ao realismo mais duro de Balzac, Stendhal, nem mesmo de Flaubert (1821-1880), apesar, no caso deste último, dos prenúncios de uma era que seria guiada pela mão do inconsciente, como o que vemos aqui.
O personagem, em Proust, aqui no caso do narrador ele-mesmo, se constrói ou é construído por um manejo psicológico que se descola da apresentação de um César Birotteau ou de um Charles Bovary. As dez primeiras páginas se desenrolam e um retrato é desenhado ali do protagonista da história sem um detalhamento físico ou uma descrição espacial detalhada, sem o comentário social presente em Balzac, e sem a mão do ilusionista flaubertiano que tudo esconde, mas sob o signo das impressões e do inconsciente: o que temos ali não é um personagem, mas a impressão de um personagem, que se desdobra em todos os outros elementos da narração: o tempo, o espaço, o cenário social, entre outros.
Interessante, por exemplo, e ainda nessa "introdução" do livro, é a maneira como um dos outros personagens-chave é trazido ao conhecimento do leitor.
Le monde se bornait habituellement à M. Swann, qui, en dehors de quelques étrangers de passage, était à peu près la seule personne qui vînt chez nous à Combray, quelquefois pour dîner en voisin (plus rarement depuis qu'il avait fait ce mauvais mariage, parce que mes parents ne voulaient pas recevoir sa femme), quelquefois après le dîner, à l'improviste.

Charles Swann vai se revelar adiante como uma figura central na narrativa da Recherche, pois é o outsider (aliás, um judeu, em uma época de ebulição na questão judaica francesa por conta do caso Dreyfus) que assume ao longo do enredo uma função paterna. Ele é apresentado no fluxo da memória do começo do livro, na textura da memória que se seguia, daquele mundo que o narrador começa a recordar em uma determinada noite. O social está ali, na família do narrador que praticamente funciona em um sistema de castas hindu, e que reprova a cortesã Odette com quem se casara, mas também desdobrada no subtexto do tempo, da memória e do inconsciente: não sabemos quem são esses pais, sequer sabemos o nome da esposa de Swann; mesmo de Swann não temos uma apresentação formal.
Até a página 20, todos os fatos são recontados de um tempo familiar, habitual e eternamente reproduzido. A quebra vem com um "Pourtant", quando as visitas repetidas de Swann se cristalizam quase imperceptivelmente em uma única noite, com a mudança do tempo verbal (do imperfeito para o perfeito). E o personagem apresenta nova faceta, sob novos olhares, e, em especial, sob um olhar dentro do olhar do narrador e da narrativa.
Pourtant un jour que ma grand'mère était allée demander un service à une dame qu'elle avait connue au Sacré-Cœur (et avec laquelle, à cause de notre conception des castes elle n'avait pas voulu rester en relations malgré une sympathie réciproque), la marquise de Villeparisis, de la célèbre famille de Bouillon, celle-ci lui avait dit: «Je crois que vous connaissez beaucoup M. Swann qui est un grand ami de mes neveux des Laumes».

O termo "pourtant" (entretanto) ativa repentinamente uma troca de perspectiva temporal da "introdução" do livro. Até o momento, tudo era recontado a partir de um tempo habitual, reproduzindo o tempo da família do narrador, porém, com a chegada de Swann, suas repetidas visitas se cristalizam em uma noite específica, de simbólica memória para todo o desenvolvimento da Recherche. Ao transportar o leitor a um dia individual, a narrativa nos transporta também a um outro universo social, onde os acontecimentos não são previsíveis ou duplicados, mas singulares e contingentes. Os marcadores temporais do parágrafo citado e de trechos imediatamente posteriores, como "un jour" (um dia) interrompem o ciclo do tempo familiar que se autorreproduz para apresentar um novo ciclo de nova ordem social, via Swann.
Experimentos com a linguagem deste tipo e com os cruzamentos entre os diversos círculos sociais da sociedade francesa daquele período certamente não fariam sentido ou não se encaixariam em uma narrativa que tinha em si mesma outras preocupações e outras abordagens de linguagem, ao gosto dos tempos e de sua respectiva audiência.
Quando nós, leitores com um distanciamento histórico de pelo menos um século, lemos um jovem Proust debruçado sobre a obra de Balzac, em Contre Sainte-Beuve, e afirmando que a grandeza do autor da Comédia Humana residia em lermos suas histórias e exclamarmos: "mais c'est vrai", já sentimos uma profunda percepção de seu momento no mundo. Em Balzac, a identificação das finas verdades universais, não só de seu tempo, está nas histórias ali contadas. A vida cotidiana, mundana, em Balzac se revela nas descrições de seus personagens, no acúmulo de informações e impressões que vamos ganhando de cada um deles. E no percurso de aproximadamente pouco mais de meio século, o mundo demandava uma nova apreciação, não necessariamente melhor ou mais elaborada, mas simplesmente distinta, inédita e que respondesse a novas ânsias de um novo mundo e de um novo fazer literário, como bem reflete o crítico francês Antoine Compagnon, ele mesmo um estudioso da obra de Proust, em seu livro Le démon de la théorie.
Proust compara a Recherche a uma grande catedral e a uma sinfonia, no sentido de precisarmos nos distanciar em relação à igreja para admirá-la e precisarmos acompanhar todo o desenvolvimento da sinfonia, até o fim, para iguais fins contemplativos. É o espaço e o tempo agindo sobre tudo e, em especial, na criação literária, que aproxima leitor de uma realidade que, fora do livro, é impalpável e sem magia. O espaço e o tempo agindo na literatura, como observação do mundo, de seu mundo naquele contexto em que foi escrito e na própria escritura.

Referências bibliográficas

BALZAC, Honoré de. César Birotteau. Paris, Folio, 2005.
COMPAGNON, Antoine. Le démon de la théorie. Paris, Seuil, 2001.
FLAUBERT, Gustave. Madame Bovary. Paris, Folio, 2010.
PROUST, Marcel. À la recherche du temps perdu. Paris, Folio, 2005.
_____________ Contre Sainte-Beuve. Paris, Folio, 2013.
______________ Le carnet de 1908 (ed. Ph. Kolb), Paris, Gallimard, 1976.
STENDHAL. Le rouge et le noir. Paris, Folio, 2012.


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