CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO-LEITOR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: um olhar das práticas educativas criativas

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CONSTITUIÇÃO DO SUJEITO-LEITOR NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: um
olhar das práticas educativas criativas






Ana Paula Silva da Conceição[1]
Rosemary Lapa de Oliveira[2]
Jocenildes Zacarias Santos [3]




Paulo Freire ressalta a importância do outro na formação do sujeito
leitor, que interage com pessoas e contextos. A leitura na sala de aula da
EJA, modo geral, não provoca a autonomia pregada por Freire e essencial
para a formação do sujeito leitor autônomo, intercrítico e situacionado,
conforme defendemos aqui. A leitura, nesse documento, é tratada, conforme
nos ensinou Freire, transcendendo a mera decodificação, de cuja existência
se pode duvidar: a leitura, aqui, é considerada em sua forma de apreensão
do mundo. A análise foi guiada por categorias, presentes nas práticas
educativas criativas das aulas de línguas, derivadas de pressupostos da
Análise de Discurso: silenciamento, o qual gerou o não-silenciamento e o
assujeitamento, o qual gerou o reassujeitamento, privilegiando a discussão
que gira em torno da constituição do sujeito-leitor na perspectiva do
enleituramento.
Paulo Freire, ao postular sobre a pedagogia da autonomia, a qual prevê
uma prática docente de educadores críticos e progressistas, vaticina que
"Não há docência sem discência" (FREIRE, 2010, p. 21). Assim, ele entrelaça
de forma contundente duas ações muito próprias do espaço escolar: o ensino
e a aprendizagem, transformando-as em uma só ação interativa - "Quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender" diz Freire (2010, p.
23).
Na Pedagogia da Autonomia, à qual ele dá o sugestivo subtítulo de
"saberes necessários à prática docente", Freire discorre sobre questões que
logo no início ele chama atenção de que não são exclusivas da prática
educativa progressista, a qual ele defende em seus textos:
Devo deixar claro que, embora seja meu interesse central
considerar neste texto saberes que me parecem
indispensáveis à prática docente de educadoras ou
educadores críticos, progressistas, alguns deles são
igualmente necessários a educadores conservadores. São
saberes demandados pela prática educativa em si mesma,
qualquer que seja a opção política do educador ou
educadora. (FREIRE, 2010, p. 21)


Portanto, práticas que devem ser observadas por docentes em qualquer
situação de ensino-aprendizagem, objetivando uma aprendizagem consciente,
produtiva, significativa para a formação do cidadão autônomo e crítico.
A obra é dividida em três capítulos, em cada um dos quais ele
regulamenta a prática educativa, apontando exigências para um saber fazer
que se revelam em um saber ser pedagógico, ou seja, ele aponta para o
caminho da destecnicização do fazer pedagógico do professor, o que Giroux
(1987), sempre atento à obra de Paulo Freire, defende como a
desproletarização do ato pedagógico. Isso quer dizer, na fala desses
autores, que o ato de ensinar é uma atividade intelectual engajada e
crítica, que a docência necessita de uma constante investigação da própria
prática e de uma constante construção e reconstrução do conhecimento
hegemonicamente escolhido para o currículo escolar e apresentado
socialmente como único e validado, ao mesmo tempo trazendo para discussão
os conhecimentos de fronteiras de que trata Hommi Bhabha (2010, p. 20),
quando fala dos entre-lugares, provocando o pensamento crítico nos
educandos, nas educandas, como processo mesmo de aprendizagem significativa
e indexada às realidades locais e globais.
No primeiro capítulo da obra de Freire supracitada, são discutidas as
interrelações em sala de aula que propiciam um contexto auspicioso à
relação ensino-aprendizagem. Para esse autor, entendendo que "Não há
docência sem discência", ensinar exige, no sentido de uma situação sine qua
non para a formação de cidadãos e cidadãs críticas, reflexivas e
autônomos, rigorosidade metódica – é preciso que se tenha consciência do
que se está fazendo e que essa escolha seja autônoma para quem ensina, no
sentido de se perceber integrante da ação de produção do conhecimento -; o
que leva à exigência de pesquisa – a produção do conhecimento acadêmico
formal e da própria ação de ensinar deve estar sendo constantemente
submetido à pesquisa, o que leva à reflexão e retomada de ações -;
obviamente a estética e a ética são trazidas por esse autor, como
exigências para o ensino, pois são exigências para o pesquisador que se
preocupa em "pensar certo", o que, na visão freireana quer dizer "Uma
crítica permanente aos desvios fáceis com que somos tentados[...] Se se
respeita a natureza do ser humano, o ensino dos conteúdos não pode dar-se
alheio à formação moral do educando" (FREIRE, 2010, p. 33). Nessa esteira,
a da ética, o autor vaticina que ensinar exige a corporeificação das
palavras pelo exemplo. Ora, o ser ético é o que vive na ética. A ética
freireana não é restrita à supervisão, a ética do mercado que se curva
obediente aos interesses do lucro, o que resulta em ética flutuável, a que
fica entre o que interessa ao indivíduo e o que atinge os acordos sociais.
Para esse autor, a ética é inseparável da prática educativa, pois está no
campo da ética universal ao ser humano, aquela que toma como cediço o
respeito às individualidades, às diferenças e todas as condutas sociais
amplamente conhecidas e disseminadas.
Considerando essas ideias, docentes, seja em qual segmento da educação
esteja, não podem tratar seus/suas discentes como seres sem conhecimento e
que precisam da preciosa intervenção da educação para poder tornarem-se
humanos, posto que já o são.
Seres humanos são sujeitos contextualizados que usam a sua
inteligência para superar desafios, percebem o mundo, estão nele e o mundo
os impacta e é impactado por eles, desde a mais tenra idade. Portanto os
etnométodos, os modos como os atores sociais, em suas ações cotidianas,
realizam a ordem social (MACEDO, 2006, p. 69), dos sujeitos da educação,
notadamente discentes, não podem ser desprezados ou desqualificados ou
desconsiderados, pois, como visto no texto epígrafe desse capítulo, mesmo a
criança que, cultural e historicamente, tem sido tratada como incapaz,
"inocente", no sentido de não saber, das situações ocorridas socialmente,
sendo tratada como tabula rasa, papel em branco, conforme idealizado desde
o século XVIII, quando as crianças ocidentais, de um modo geral, foram
tiradas do convívio social e internadas em escolas, não são bancos de
depósitos de saberes, como diz Paulo Freire. São do mundo, participam do
mundo, interagem no mundo, influenciando-o e sendo por ele influenciada.
Nessa linha de raciocínio, não se pode pensar em sujeito-leitor se não
há uma consideração desse sujeito enquanto ser de interação. Sujeito que
não seja um idiota cultural, conforme nos ensina Garfinkel (apud MACEDO,
2006, p. 68). É preciso considerar a sua inteligência em elaborar
etnométodos, apresentado-nos pela criança da epígrafe, por exemplo, que
sabe estar diante de um embuste.
O sujeito-leitor é, também, sujeito produtor de conhecimento e de
ideias sobre leituras. Precisa ser considerado em seu contexto e de ser
pensado em suas condições de produção.


O QUE FAZ DE UM LEITOR, UM LEITOR?


A autonomia do leitor talvez seja o dado mais importante
documentado por Cervantes: Alfonso Quejana, depois de
metamorfoseado em Dom Quixote, é incontrolável.
Primeiramente a sobrinha da criada, depois o cura e o
barbeiro, por fim o bacharel Sansão Carrasco – todos
tentam submetê-lo e recuperá-lo, trazendo-o de novo à
rotina e à sanidade, mas fracassam. O retorno acontece,
quando o protagonista formula esse desejo; ele então
regressa às suas terras, acomoda-se e reassume a
identidade original. Para conseguir esse intento, contudo,
abre mão dos livros; o resultado, por sua vez, é nefasto:
a personagem afunda na melancolia e fenece. (ZILBERMAN,
2001, p. 27)


A leitura que nos é trazida por Zilberman resume de forma bastante
prática o que vem a ser, nessa pesquisa, a ideia de sujeito-leitor em seu
processo de enleituramento. A leitora nos apresenta a sua leitura do texto,
sua imersão no contexto dos acontecimentos da trama e interage com as
personagens de forma tão intensa que percebe nuances de personalidade e
desejos não formulados. Usa, para isso, o seu conhecimento de mundo das
pessoas, seus próprios contatos com a leitura e seu conhecimento histórico
da época em que os fatos se desenrolam. Tudo a um só tempo e de forma tão
complexa que é bem possível que nem ela tenha se dado conta de tudo que
teve que acionar para executar tal ação interativa com o texto. Ao teorizar
sobre a leitura ela traz a sua leitura do sujeito-leitor representado pelo
personagem de Cervantes e nos apresenta esse momento de enleituramento que,
envolvido no lúdico, faz com que o texto faça sentido para si. O lúdico,
conceito amplo, será tratado aqui na perspectiva posta por Luckesi (1994,
p. 51):
O lúdico é o modo de ser do homem no transcurso da vida, o
mágico, o sagrado, o artístico, o científico, o
filosófico, o jurídico são expressões da experiência
lúdica constitutiva da vida. O lúdico significa a
experiência de 'ir e voltar', 'entrar e sair', 'expandir e
contrair', 'contratar e romper contratos', o lúdico
significa a construção criativa da vida enquanto ela é
vivida. O lúdico é um fazer o caminho enquanto se caminha,
nem se espera que ele esteja pronto, nem se considera que
ele ficou pronto, este caminho criativo foi feito e está
sendo feito com a vida no seu 'ir e vir', no seu avançar e
recuar. Mais: não há como pisar as pegadas feitas, pois
que cada caminhante faz e fará novas pegadas. O lúdico é a
vida se construindo no seu movimento.


Um leitor é um sujeito do mundo, no mundo, produzindo sentidos e sendo
produzido por eles. Na concepção aqui privilegiada, o leitor não necessita
de escola para se constituir leitor. É na situação de estar no mundo
(sentido mais freireano que heideggeriano embora ambos dialoguem entre si)
que ele se configura e que exerce, a despeito de todas as limitações
possíveis, o seu instinto leitor. E é, paradoxalmente, essas limitações ou
ampliações, a depender da perspectiva de que sejam tomadas, que fazem de um
leitor, um sujeito-leitor.
Mas o status de leitor, de leitora não é dado a priori, embora ele
esteja lá. É um título construído e constituído socialmente, eivado de
jogos de poder e implicaturas. Há diferenças visíveis temporalmente, ou
seja, o leitor da idade média, como explicitado anteriormente, pode não ser
considerado leitor na atualidade; e diferenças culturais: o leitor em uma
dada comunidade pode não ser considerado leitor em outra; até mesmo
socioeconomicamente: o leitor de uma classe social pode não ser o mesmo
leitor em outra dada classe. São, portanto, necessários preenchimentos de
muitas nuances sociais, culturais, religiosas, econômicas, para dar a um
sujeito a condição de leitor. E, se assim não for considerado, se considera-
se leitor aquele que lê determinados títulos ou determinadas quantidades de
determinadas leituras num espaço-tempo determinado, corremos o risco, com
essa ação democrática, de ferir à equidade, provocando injustiças e
produzindo preconceitos.
Na proposta freireana da compreensão crítica do ato de ler, o
movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo está sempre presente nas
interações leitoras. Nesse trabalho, esse movimento é o ponto fulcral, o
definidor do que faz de um sujeito, um sujeito-leitor, pois com um
conhecimento de mundo limitado e sem a transformação desse conhecimento de
mundo em diálogos com os textos, provocando intertextualidades, a definição
de leitor não se completa. Mas, também, não basta. É preciso o leitor
interagir, é preciso estar lá, implicado na leitura, concordar, discordar,
contradizer, dizer o texto e dizê-lo autonomamente, intercriticamente,
situacionando-se e situacionando o texto, construindo outros textos com os
textos lidos ou apesar deles.
A compreensão crítica para Freire (2009, p. 11) do ato de ler, ou
seja, o processo mesmo de enleituramento – a ação de tornar-se leitor
através do lúdico, nesse caso, leitor crítico – não se esgota na
decodificação pura da linguagem escrita, se antecipa a ela e se alonga na
inteligência do mundo, essa da qual fazemos parte, na qual tecemos nosso
ethos. Para que essa situação se configure, considerando como Orlandi
(2003, p 08) que a leitura é produzida, é necessário o estudo das condições
de produção dessa, caracterizando teoricamente as histórias particulares de
sujeitos leitores e sua noção mesma. Aí, nesse caso, o papel da escola é
primordial. É na escola que esse estudo precisa ter lugar de destaque, é
ali que o sujeito aprendente se torna – ou deveria se tornar – sujeito-
leitor crítico e consciente de seu processo de enleituramento.
O neologismo – enleituramento – aqui criado vem suprir uma dificuldade
em definir a situação de processo contínuo e cumulativo por que passamos
nos constituindo sujeitos leitores. Contínuo porque o sujeito-leitor é
sujeito em processo de constituição de si no mundo, de si no mundo com o
outro e de si no mundo mediado pela leitura e cumulativo, porque cada
leitura provoca um processo de paráfrase e polissemia, como nos ensina
Orlandi (2003, p. 116) ao falar sobre o funcionamento do discurso, processo
de sinonímia (paráfrase) e ambiguidade (polissemia), ensina-nos a autora.
Nesse processo, o conhecimento de mundo vai se ampliando com as polissemias
paulatinamente transformando-se em paráfrases. É algo que Alberto Manguel
descreve assim, em seu texto Uma história da leitura[i]:
Então, um dia, da janela de um carro (o destino daquela
viagem está agora esquecido), vi um cartaz na beira da
estrada. A visão não pode ter durado muito; talvez o carro
tenha parado por um instante, talvez tenha apenas
diminuído a marcha, o suficiente para que eu lesse,
grandes, gigantescas, certas formas semelhantes às do meu
livro, mas formas que eu nunca vira antes. E, contudo, de
repente eu sabia o que eram elas; escutei-as em minha
cabeça, elas se metamorfosearam, passando de linhas pretas
e espaços brancos a uma realidade sólida, sonora,
significante. Eu tinha feito tudo aquilo sozinho. Ninguém
realizara a mágica para mim. Eu e as formas estávamos
sozinhos juntos, revelando-nos em um diálogo
silenciosamente respeitoso. Como conseguia transformar
meras linhas em realidade viva, eu era todo-poderoso. Eu
podia ler.


Nesse depoimento, o autor revela o momento em que foi capaz de
decifrar o código, mas foi mais que isso, havia significado no que lia, era
realidade viva, pois ele já tinha conhecimentos de mundo que o auxiliaram
no processo de atribuição de sentidos à leitura, essa que, para ele, se
constituía em objeto de desejo, conforme dialoga em artigo Muniz (2007)
sobre a "emergência do sujeito do desejo de ler", conforme se vê no
depoimento. Nesse sentido, no âmbito do desejo, o enleituramento é condição
que vai além do letramento, esse, segundo Magda Soares (2010, p. 15), é o
estado ou condição que assume aquele que aprende a ler e escrever, aquele
que tem o domínio autônomo e social da leitura e escrita. Embora para se
tornar sujeito-leitor seja necessário o letramento, o enleituramento é
processo paralelo que se amplia nas "necessidades e demandas, como forma de
sustentar ou contribuir para essa emergência do sujeito do desejo da
leitura", como Muniz (2007), buscando auxílio na psicanálise e Freire,
através da "palavramundo" continuamente sendo reelaborada, uma ação pontual
de ler, lendo o mundo, a partir das demandas e necessidades de leitura que
desembocam no desejo de ler. Esse desejo que na epígrafe se faz presente e
que move o sujeito-leitor ou o demove da ideia de abandono da leitura,
mesmo que seja instado a, como nos fez pensar Zilberman.
Consideramos, nesse estudo, que o letramento é da ordem da necessidade
e o enleituramento, da ordem do desejo, do envolvimento, da constituição
mesmo do sujeito leitor em seu processo de ser no mundo e com o mundo. E é
importante que seja feita essa distinção, embora tênue, para que a leitura
importantíssima de placas, bulas, receitas, artigos, notícias, por exemplo,
não esteja na mesma ordem de produção de leitura de importantíssima
(também, na mesma medida) leitura de poesias, canções, romances, contos,
crônicas e textos mais dessa ordem que, enfim, podem nem estar no âmbito da
arte, mas que envolvam o leitor na categoria do desejo e do lúdico.
Por fim, o que faz de um leitor, um leitor, em primeiro lugar são as
ideologias sobre as quais ele constrói a sua autoimagem, a importância
social que a sua comunidade atribui à ação leitora, inclusive a família. Em
segundo lugar, mas não em ordem de hierarquia, apenas em ordem pedagógica
de escrita, a importância que a escola atribui à leitura e seu papel na
mediação do processo de enleituramento.
É verdade que muitos outros fatores podem influenciar o processo de
formação de leitor, inclusive nada, como na música de Flávio José, "A
natureza das coisas", pois, nenhum desses fatores acima descritos, embora
provoquem assujeitamentos, são determinantes para a constituição do sujeito-
leitor, tal a tese defendida nesse texto[ii]. Pessoas são surpreendentes.
Mas é possível provocar enleituramentos através dos dois fatores descritos
acima e a escola tem papel primordial em todos os dois.
Ler é um ato político, como tudo o mais que se transforma em ação
humana, portanto assim deve ser tratado. Não se pode separar o leitor de
sua constituição enquanto sujeito de sentidos, sujeito social que está
sendo sempre interpelado pelas ideologias que compõem as formações
discursivas que o assujeitam, provocando condições de produção de si no
mundo e de si enquanto leitor. Essas narrativas de si são fomentadas por
identidades culturais nacionais de que fala Hall (2005), de sujeito-leitor
que cada comunidade constrói, pois, segundo esse autor:
A formação de uma cultura nacional contribuiu para criar
padrões de alfabetização universais, generalizou uma única
língua vernacular como meio dominante de comunicação em
toda a nação, criou uma cultura homogênea e manteve
instituições culturais nacionais, como, por exemplo, um
sistema educacional nacional. (HALL, 2005, p. 49-50).


Sendo assim, a nação não é apenas uma entidade política, mas algo que
produz sentidos, diz Hall (2005, p. 49) e é nessa construção de sentidos
sobre leitura e leitor que a escola, por um acordo social tácito, promove –
ela também, mas não exclusivamente – a formação de leitor o qual se engaja,
ou não – há sempre essa possibilidade – num dado conceito de leitor.
Para que essa constituição de leitor não seja acrítica nem
neutralizante, a leitura precisa ser sempre a leitura da "palavramundo"
(FREIRE, 2009, p. 15), ou seja, é necessária a promoção da produção de
leitura, da proposição às curiosidades relativas à constituição do texto em
sua materialidade linguística, de gênero, de formatação, de meio e de
suporte e que tudo isso faça sentido no aqui-agora do leitor e no espaço
tempo das condições de produção, que o léxico não seja apenas um caso de
dicionário, mas que seja produção de sentidos, sempre múltiplos, para que a
verdade nunca seja apenas uma e que não seja a busca do santo graal como
única relíquia capaz de responder a todas as perguntas com uma só resposta.
A sala de aula, embora não tenha status de único, é um lugar privilegiado
para essa leitura que, nesse trabalho denomina-se leitura-estar-no-mundo.


A PRÁTICA EDUCATIVA CRIATIVA DA LEITURA MEDIADA NO AMBIENTE VIRTUAL DE
APRENDIZAGEM- AVA-MOODLE


As tecnologias estão cada vez mais presentes dentro da sociedade,
instaurando novas formas de interação entre os sujeitos com o social e
possibilitando a construção de diferentes aprendizagens. Os conhecimentos
produzidos nas comunidades da web, seja nas redes sociais ou nos espaços
interativos de aprendizagem, os AVA, pressupõem-se a existência de um
espaço comunicacional responsável pelo rompimento entre fronteiras e
distâncias temporais e educacionais.
Neste contexto, compreender os novos processos de aprendizagem da
leitura e como os discentes da EJA interagem com a web, estabelecendo uma
relação de produção, autoria e co-autoria, é de suma importância para a
significação acerca das práticas educativas criativas que se estabelecem no
processo ensino-aprendizagem. O ciberespaço é, certamente, um dos ambientes
que podem proporcionar a aprendizagem numa lógica organizacional mais
próxima do pensamento desses atores sociais.
Tendo em vista que o processo de desenvolvimento da leitura é
constituído através de etapas que podem ser ressignificadas de acordo o
desenvolvimento cognitivo, social, político, crítico, autônomo e autoral,
de cada discente, e a depender de como os suportes textuais são dispostos,
podemos compreender acerca da importância dessa interação no AVA Mooodle,
possibilitando o enleituramento[4]. Assim, torna-se possível aumentar a
possibilidade de favorecer, no lugar de um discente que espera passivamente
a influência externa de uma resposta produzida para um processo de
alfabetização fragmentado em letras e números, um trabalho que procura
ativamente compreender a natureza da linguagem falada à sua volta e que,
tratando de compreendê-la, formula hipóteses, busca regularidades, coloca à
prova suas antecipações e cria sua própria linguagem, que não é simples
cópia deformada de modelos, mas uma criação original.
Estando em constante contato com o mundo ou agindo sobre ele, o
discente constrói conhecimentos a partir dos significados e sentidos sobre
a realidade que o cerca e que não se inicia a partir do seu ingresso em
sala de aula, com uma professora à sua frente, mas anteriormente, com o
social; e o ambiente online é um espaço de potencialidades para o
desenvolvimento deste processo, porque, ao interagir na rede, o discente
elabora conceitos e utiliza a linguagem de códigos para uma conexão entre o
mundo e ele mesmo. Este imbricamento entre a web e a estruturação dos
significados e sentidos elaborados por si próprio o faz constituísse autor
e co-autor das produções textuais ali apresentadas. Por conseguinte, a
leitura passa de mera repetição de palavras e exposições ininterruptas de
informações para uma prática social, que como tal, torna-se viva, dinâmica,
mutável e transformadora. Essa na verdade é o que denomino de a condição de
ser do ator social que se encontra nesse processo de enleituramento.
Na prática educativa da EJA, quando o educador utiliza atividades de
leitura torna-se necessário que ele tenha anteriormente construído a
compreensão acerca do que é ser leitor e o significado: da leitura, do
texto, da interpretação, da construção de sentido e da significação, bem
como, a implicação teórico-prática desses conceitos em sala de aula. É
descabido pensar em leitura sem construção do leitor, sem inferências e sem
intertextualidade. Nessa perspectiva, podemos começar com o conceito de
texto apresentado por Eco (1994, p. 9), cuja definição é dada como "uma
máquina preguiçosa que pede ao leitor para fazer parte do seu trabalho". Em
verdade, esse trabalho consiste no fato de o leitor interagir com o texto
apresentado, dialogando com o autor, refletindo sobre o que está posto e o
seu contexto, de forma natural. Dessa forma, o texto não precisa apresentar
toda a sua compreensão, basta que a interação leitor-texto venha a
possibilitar interpretar os achados implícitos e explícitos da produção.
Para Kleiman (2004, p. 45) o "texto é considerado por alguns
especialistas como uma unidade semântica onde (sic) os vários elementos de
significação são materializados através de categorias lexicais sintáticas,
semânticas, estruturais". Porém, essas categorias formam um todo coerente
e preciso, mas cheio de lacunas e brechas para que o leitor as preencha,
construa o sentido e, consequentemente, compreenda e atenha o que estiver
afeito aos seus objetivos de leitura.
São esses espaços em branco, presentes em um texto, que permite ao
leitor fazer interpelações, criar hipóteses e desenvolver novas ideias com
base no conhecimento apresentado pelo próprio texto. É por isso que sem
essa atitude do leitor, desenvolvida no discente da EJA, a leitura não
chega ao êxito: a compreensão sobre seu papel e uso.
Torna-se importante pensar que quanto mais o discente da EJA se
aproxima da natureza da leitura, menos dogmática a leitura se torna dentro
do seu processo escolar. Sendo assim, ela não pode ser um ato mecânico a
ser ensinado, mas, um caminho de possibilidades no qual o docente e
discente conjuntamente transitam construindo seus saberes e sues
conhecimentos. Torná-la possível no sentido de apresentar para os
discentes, os caminhos que conduzam a compreensão do ser leitor, das
vantagens de desvelar o mundo do conhecimento. Essa prática educativa
permite a leitura assumir uma função histórica, porque retrata a condição
do momento do sujeito na sociedade e se estrutura para além da mera
transmissão de informações e conteúdos.
Sendo assim, a prática educativa criativa desenvolvida no
Moodle, redesenha o espaço escolar desenvolvendo no discente a sua
autonomia para que, enquanto leitor-autor possa buscar por si mesmo os
suportes necessários para o seu avanço. Partindo desses pressupostos, o
discente poderá compreender que existem diferentes produções textuais e
poderá desenvolver suas habilidades criando formas diferentes de se inter-
relacionar com o texto. Pois, o que a escola geralmente apresenta é uma
preocupação maior com os recursos que possibilitarão o desenvolvimento da
leitura das letras em palavras e frases, do que como a o sujeito que
interage nesse processo pode, por si próprio, criar os caminhos e os
recursos para desenvolver as suas habilidades.


RÁPIDAS REFLEXÕES A TÍTULO DE CONCLUSÃO


A pesquisa que embasa as ideias aqui trazidas foi pautada em
dispositivos da etnopesquisa e usou como base de análise das informações
produzidas através da Análise do Discurso de linha francesa. Os cenários
privilegiados foram três escolas estaduais da capital baiana e os sujeitos
de pesquisa foram os atores sociais que interagem nesse cenário: docentes e
discentes. A pesquisa bibliográfica sobre a leitura e o levantamento da
produção de informação no cenário da pesquisa teve como objetivo a
tentativa de aprofundar o nível de compreensão da constituição do sujeito-
leitor na situação sala de aula de língua, dando voz aos atores que dela
fazem parte, numa tentativa de descrição da cultura do fazer pedagógico
ligado à leitura. A grande contribuição para a educação da pesquisa de
cunho etnográfico é que o pesquisador vai procurar entender um dado
universo cultural, usando para isso uma metodologia que envolve registro de
campo, entrevistas, análises de documentos, fotografias, gravações. Esses
dados, estudados numa dada situação a ela não se restringe e cria uma
inteligibilidade da cena desenhada que pode ser ampliada, nesse caso, para
todos os segmentos da educação infantil, fundamental, ensino médio,
graduação e pós-graduação, pois em todos esses momentos a instituição
escola mantém o importante dever de promover o não-silenciamento e o
reassujeitamento dos atores sociais que nela atuam, promovendo a leitura-
estar-no-mundo como um ato político, próprio de todo o fazer pedagógico, de
todo ato humano. Daí porque essa pesquisa traga resultados genéricos,
extirpando da palavra a sua configuração pejorativa de "ser qualquer coisa"
ou de relevância menor para alçá-la à categoria de amplidão no sentido de
buscar um sentido que una com um objetivo maior todos os segmentos da
educação, dessegmentando-a visto ser uma ação que traz em seu bojo um
quadro de procedimentos que lhe dá identidade.
Os dados, em uma pesquisa, são considerados sempre inacabados, mas,
esse aspecto nas pesquisas, ao invés de ser uma angústia para o
pesquisador, deveria ser um alento, pois a busca deve centrar-se na
descrição de uma situação dinâmica e não na busca de uma verdade infinita e
imutável, permitindo a reconstrução dos processos e das relações que
configuram a experiência humana. Nesse aspecto, não há aqui um desejo de
indicar caminhos, de julgar gestos, de apontar erros e acertos, mas
descrever uma situação de relevância nesse cenário escolar no intuito de
colaborar para a inteligibilidade do mesmo, pensando no quanto de história
que poderíamos ter e no quanto teríamos aprendido se, conforme orientação
de epistemologia voltada para a formação de professores/ professoras a sala
de aula tivesse sido um local não só de inculcação, como conclui Orlandi
(2003), mas também de pesquisa e construção indexada do conhecimento. Que
avanço tecnológico, educacional, didático, metodológico e humano teríamos
agora? Mas, ainda hoje, tal pensamento é muito incipiente nos meios
acadêmicos, como se pesquisa e sala de aula fossem aspectos tão antagônicos
que não podem ser indexados, ou como se o que se faz em sala de aula não se
constituísse em ciência.
Na verdade, estudando, lendo, analisando as poucas pesquisas que se
tem hoje, um leigo é capaz de pensar mesmo que não há pesquisa na sala de
aula, pois lá deve haver apenas aprendizado, ou, melhor dizendo,
inculcação. Pensa-se igualmente que o professor do ensino fundamental e
médio não pode ser visto como um pesquisador, tal é o pensamento dicotômico
entre pesquisa e prática, nesse caso particular, prática de ensino e
aprendizagem.

REFERÊNCIAS

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MUNIZ, Dinéa, Maria Sobral. O desejo de ler no contexto socioeducacional
brasileiro. 2007. Capturado em
http://www.portalseer.ufba.br/index.php/entreideias/article/view/2937/2101
> 10 jun 2013.
ORLANDI, Eni Puccinelli. A Linguagem e seu Funcionamento: As Formas do
Discurso. 4. Ed. Campinas, SP: Pontes, 2003.
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no novimento dos sentidos.
6ª. Campinas : UNICAMP, 2007.
SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. 4. Belo Horizonte:
Autêntica Editora, 2010.
ZILBERMAN, Regina. Fim do livro, fim dos leitores? São Paulo: Editora
SENAC, 2001.
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[1] Doutora em Educação. Mestre em Educação, Professora do Departamento de
Educação e do MPEJA/ UNEB.
Email: [email protected]
[2] Doutora em Educação, Mestre em Linguística, Professora do Departamento
de Educação e do MPEJA/ UNEB. Email: [email protected]
[3] Doutora em Educação, Mestre em Educação, professora do Departamento de
Educação e do MPEJA/ UNEB.
E-mail: [email protected]


[4] Termo emprestado do texto da Profa. Rosy Lapa, co-autora dessa
produção textual.

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[i] Capturado em 10 jun 2013 <
http://copyfight.tk/Acervo/livros/MANGUEL,%20Alberto%20-
%20Uma%20histo%CC%81ria%20da%20leitura.pdf>
[ii] Nesse sentido, a teoria sempre exposta por Dinéa Maria Sobral Muniz,
enquanto coordenadora de grupo de pesquisa sobre leitura e orientadora
dessa pesquisa se torna presente nessa ideia, quando diz sempre
informalmente que: "estudante aprende com o professor, sem o professor e
apesar dele".
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