Constituição Histórica da Língua de Sinais Brasileira nos séculos XVI até XX

September 21, 2017 | Autor: Ana Regina Campello | Categoria: Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS)
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Revista Mundo & Letras

A CONSTITUIÇÃO HISTÓRICA DA LÍNGUA DE SINAIS BRASILEIRA: SÉCULO XVIII A XXI

CAMPELLO, Ana Regina e Souza 1

RESUMO: A pesquisa apresentada neste artigo tem como tema a constituição da Língua de Sinais Brasileira - LSB2 do século XVIII ao século XXI. Esse tema é bastante amplo, mas, por ser o primeiro trabalho desenvolvido no Brasil a respeito, trago-o no sentido de começar a fornecer elementos históricos novos sobre a língua de sinais brasileira. Estudar a origem dessa língua é um desafio, pois é uma língua na modalidade visual-espacial e suas formas de registro são precárias. Assim, destaco inicialmente as justificativas para a pesquisa realizada conforme segue: a) não há registro a respeito do desenvolvimento histórico da língua de sinais brasileira nos livros brasileiros; b) os surdos brasileiros têm muito interesse em saber mais sobre a origem desta língua; c) a língua de sinais passou a ser reconhecida como língua de instrução dos surdos brasileiros por meio da Lei 10.436 de 2002, regulamentada pelo Decreto 5.626 de 2005; d) a língua de sinais passa a ser objeto de ensino. Também se apresentam os resultados da “Revisão Documental”, com a análise documental da constituição histórica, do funcionamento e da criação do instituto de Surdos e da pré-existência da língua de sinais brasileira dos surdos que já existiam nesses círculos e eram fluentes na sua língua, a LSB – Língua de Sinais Brasileira com a sua estrutura própria. Servirão como base teórica o estudo de Battison (1978), de Karnopp (1994) e de Ted Supalla (2006). E, finalmente, apresenta-se a análise dos sinais registrados e suas mudanças a nível fonético-fonológico da Língua de Sinais Francesa para a Língua de Sinais Brasileira realizada até o momento.

Situando a pesquisa realizada O objetivo da minha pesquisa foi aprofundar e organizar as informações sobre as mudanças dos sinais, em nível fonético-fonológico, constantes no primeiro dicionário de Flausino da Gama, com especial atenção às comparações das mudanças fonéticofonológicas com os dicionários atuais, visando à descrição e à análise fonéticofonológica com base na teoria de Battison (1978), Karnopp (1994) e Ted Supalla (2006). A finalidade é avaliar as mudanças fonético-fonológicas e integrá-las ao programa de pesquisa linguística para servir de subsídio para pesquisa aos futuros pesquisadores da graduação de Letras – Libras e de pós-graduação da área linguística e sociolinguística. No que diz respeito à língua de sinais brasileira, a constituição, mudanças e suas características fonético-fonológicas ainda não foram estudadas. O objetivo maior é o estudo dos traços fonético-fonológicos que caracterizam a mudança dos sinais da língua de sinais brasileira até o presente momento. Além disso, interesso-me igualmente pelo estudo fonético/fonológico dos sinais da língua de sinais francesa registrados no dicionário de 1875 de maneira geral, mas também das influências de uma língua sobre a 1

Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professora e pesquisadora de Ensino de Línguas. [email protected]. 2 LSB por uma questão das regras internacionais para denominar a língua de sinais dos Surdos

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Revista Mundo & Letras outra, ou seja, da língua materna ou de empréstimo ou de instrução francesa ou pela perspectiva dos empréstimos linguísticos da língua de sinais francesa sobre a língua de sinais brasileira. Nesse trabalho fiz uma análise documental, pois “a língua de sinais foi a língua de instrução na sala de aula”, seja quais forem as disciplinas oferecidas, na fundação da primeira escola de surdos do país, o Instituto Nacional de Educação de Surdos - INES. Baseada nessa idéia, utilizei os dados dos dicionários de 1875, 1974 e de 2002 para tornar possível as comparações fonético-fonológicas e o restante das análises – escrever uma observação de acordo com a teoria de Battison (1978), Karnopp (1994) e Ted Supalla (2006) e aprofundá-la. Os objetivos específicos também foram os de observar o seguinte: 1. o registro em língua de sinais brasileira como material de referências e de apoio às aulas nas disciplinas de linguística e de sociolinguística, da fonética e fonologia, bem como o estudo comparativo das produções de sinais regionais, respeitando o processo de mudança e de construção dos sinais; 2. a possível inserção de localização e movimento através do espaço de maneira similar e seu processo de justaposição (SUPALLA, 2006) na produção de conhecimento lingüístico relativo à língua de sinais brasileira. A pesquisa apresentada neste artigo percorreu o seguinte caminho metodológico: a) investigação bibliográfico-documentária e de campo: Fontes dos sinais existentes nos livros, periódicos, resenhas, dicionários, de instrução pedagógica e coleta de informações através destas fontes, centralizadas na biblioteca do Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES, do Rio de Janeiro. O documento de sinais é um instrumento legítimo para a investigação e de comparação da mudança fonéticofonológica de sinais. Dificilmente a análise de mudança é compreendida, porque, diferentemente da língua oral, cujos registros são da escrita, os registros de sinais são ágrafos. O Surdo desenvolveu o seu sistema de comunicação por milhares de anos, sempre buscando a comunicação com seus semelhantes por meio da cultura ágrafa e comunicativa dos Surdos, como os sinais, a formação de linguagem diversificada e cultural, os gestos, expressão não manual, facial e corporal e linguagem semiótica por meio dos “olhares” nas artes e esculturas, até que surgiu a grafia na forma de escrita propriamente dita. b) categorização de documentos que registram práticas pedagógicas relacionadas à interface pedagogia visual e educação de surdos: Catalogação e categorização dos sinais como documentos e sua análise. Esta fase toda é equivalente ao processo de arquivo fotográfico e de imagem. Na verdade, aplicar a categorização é analisar e comparar a mudança a partir dos conceitos dos sinais que permitem determinar a identidade e sua justificativa da mudança dos conceitos (categorias). c) análise de conteúdo e estudos teóricos: A pesquisa não faz distinção nos dicionários e livros de instrução e nem quanto aos registros de língua de sinais brasileira e seus embasamentos explicativos e históricos da produção de conhecimento, pois resultarão nos mesmos documentos. Os sinais documentados e sua história pesquisada constam no título ou no nome do autor do documento. Pode-se também pesquisar por sinais-chave ou qualquer outro sinal que apareça na descrição do documento. Devido a ausência do primeiro dicionário de Pelissier, de 1857, aqui no Brasil e existente na França, para fazer uma análise comparativa, o critério aqui apresentado seria, primeiramente, os cinco dados da análise-comparativo dos anos de 1857, 1875, 1969 e 2002 aqui presentes para entender o processo da mudança fonético-fonológica e, durante o desenvolvimento da pesquisa, apresentarei os dados, cujos sinais que serão

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Revista Mundo & Letras comparados são aqueles que constam em pelo menos dois dos dicionários listados de 1875, 1969 e de 2002. A pesquisa está centralizada no Instituto Nacional de Educação de Surdos, no Rio de Janeiro, para delimitar (i) o foco da pesquisa, (ii) a construção de um espaço especificado, (iii) a revalidação da constituição da língua de sinais, e (iv) a confirmação também da cultura e identidade surda, o que permite aos surdos melhor representação da sua posição enquanto cidadão ou “sujeito surdo”, como aprendizado e valorização desta língua. A pesquisa delineada foi analisada e colocada sob o embasamento teórico da mudança fonético-fonológica da língua de sinais. A constituição histórica da Língua de Sinais Brasileira Nessa análise documental, que incluiu a Constituição Histórica da Língua de Sinais Brasileira, registro aqui “a viagem” da LSF até o Brasil. Essa viagem tem a sua cronologia histórica iniciada, quando, em 1855, o Ministro de Instrução Pública, Drouyn de Louys, e o embaixador da França, Monsieur Saint George, junto com a corte do Rio de Janeiro, apresentou o Conde e Professor surdo, D. E. Huet3, ex-diretor do Instituto de Bourges, ao ex-Imperador Dom Pedro II. O mesmo concedeu-lhe todas as honrarias, inclusive com o salário e hospedagem, e incentivou a criação de um educandário4 destinado ao ensino de surdos mudos5, que seria mais uma política pública com uma tendência mundial à criação de escolas de ensino e também de residenciais para abrigar “deficientes"6. Há a hipótese de que a princesa Isabel, filha do D. Pedro II, teria um filho surdo7 e também que o marido dela, o Conde d´Eu, era "portador de deficiência auditiva"8. Mesmo com ou sem comprovação histórica, é difícil transpor a história da criação e do interesse de Dom Pedro II em abrir a escola de surdos. Antes da visita do Professor surdo Huet para ministrar aula na instituição de Surdos, o Brasil “não era desconhecido dos marinheiros franceses, especialmente dos normandos,.em 1503” e os franceses contribuíram com as suas formações nas literaturas, nas artes e na produção de conhecimento no território brasileiro durante as suas aventuras, conquistas e visitas no Brasil ao período de 1503 a 1822, fomentando assim a conquista da independência artística que correspondeu à independência política 3

Há muita controvérsia em torno do seu nome. Inicialmente, foi registrado, na “Revista Espaço” do INES, como E. Huet. Mas, nos outros documentos pesquisados por mim, assinava como D. E. Huet sem complementar ou acrescentar o nome próprio completo. Recentemente, através da pesquisa pelo dirigente da FENEIS e da publicação da Revista FENEIS, confirmou o nome completo de E.Huet como Edward Huet. Há pouco tempo, o Grupo de Sinais Mexicano anexou a cópia do email da bisneta que confirmou o nome dele como D. Edward Huet M. 4 Esse processo já havia acontecido de forma similar com a educação dos cegos. O cego Patrício Álvares de Azevedo, brasileiro, educado em Paris e que, ao regressar ao Rio de Janeiro em 1851, pensou em fundar um instituto de ensino para cegos. A realidade se concretizou em 1854 na fundação de Instituto Benjamin Constant para cegos. 5 Relatório do E. d. Huet aos membros da Comissão Diretora, em abril de 1856, no Instituto de Surdos Mudos. 6 Deficientes são as denominações daqueles que mentalmente e fisicamente são incapazes para fazer qualquer atividade. 7 Reis (1992) relata que o professor Geraldo Cavalcanti de Albuquerque, discípulo do professor João Brasil Silvado (diretor do INSM – Instituto Nacional de Educação de Surdos-Mudos em 1907), informoulhe em entrevista que o interesse do imperador D. Pedro II em educação de surdos viria do fato de ser a princesa Isabel mãe de um filho surdo e casada com o Conde D’Eu, parcialmente surdo. 8 Nos documentos escritos pelo Francisco de Souza Brasil e Medeiros e Albuquerque (1932), atestava-se a surdez do Conde D´Eu: “O Conde D´Eu tinha ainda o inconveniente de ser surdo. A surdez, alheando os indivíduos do meio em que estão, lhes dá, às vezes, a imputação de orgulhosos, porque não lhes permite tomar parte na conversa com a cordialidade, que todos desejariam.” (grifo meu)

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Revista Mundo & Letras adquirida em 1822 (CARELLI, 1994, p. 33). Igualmente, a França desempenhou um papel determinante na transmissão do saber tecnológico e científico no Brasil. Isso se deve à influência dos franceses e é um dos motivos para o interesse do Imperador em fundar uma escola para surdos. O interesse maior dos pesquisadores que vão pesquisar a história dos surdos é que tem um documento registrado, um documental anterior, que dá um status ao registro da existência das pessoas surdas e não necessariamente um registro histórico. Um registro documental válido e verdadeiro para propiciar um saldo na pesquisa de hoje e do futuro (CARELLI, 1994). Analisando a carta do surdo, o pesquisador da História dos Surdos do Brasil e autônomo, Otaviano de Menezes Bastos, reitera sobre a escassez de informação e sobre a indisponibilidade dos papéis públicos, ou seja, de os documentos estarem entre “os pacotes nos arquivos e depósitos de diversas repartições dos três ministérios do Império, da Justiça e da fazenda. Hoje eles ainda estão guardados nos mesmos ministérios, mas, no tempo imperial, os documentos eram gerados e arquivados no Rio de Janeiro, sede do Império. Somente em 1960, deu-se transferência para a capital, em Brasília. Não sabemos se foram transferidos ou permaneceram nos locais onde estão. Além do mais, há a probabilidade de encontrar os documentos em lugares diferentes, no Rio de Janeiro, ou em Brasília, o que torna penoso fazer pesquisa, mas uma investigação que deve ser feita aos poucos. Os primeiros surdos foram destinados primeiramente a um Colégio Vassinon, sito à Rua Municipal número 8. Um menino de 10 e uma menina de 12 anos e, mais tarde, com o empenho e esforço do Marquês de Abrantes e do Dr. Pacheco da Silva, reitor do Imperial Colégio de Pedro II, o “número de alunos aumentou para seis, dois pensionários e quatro bolsistas, dos quais dois mantidos pelos recursos particulares de Sua Majestade (Dom Pedro II) e os dois outros sustentados pelos Mosteiros de São Bento e do Carmo” (relatório do E. d. Huet aos membros da Comissão Diretora, em abril de 1856, no Instituto de Surdos Mudos). É interessante notar que inicialmente apenas um menino e uma menina ingressaram pela primeira vez no Colégio Vassinon, cuja hipótese é que eles teriam sido acolhidos pela classe média. Em seguida, esse número aumentou para seis, sendo dois pensionários, que podem ser da família de poucos recursos ou não terem família, e os bolsistas, igualmente pobres e mantidos pelos recursos particulares e outros pelas igrejas mantenedoras. É fácil notar, no tempo imperial, a existência de pessoas surdas no Rio de Janeiro e não “por acaso”. Eles existiam e foram acolhidos para serem educados na escola de surdos. O Professor e Diretor Surdo, E. d. Huet, parece que usava a língua de sinais como coloca Moura (2000): se deu através de Língua de Sinais, pode-se deduzir que ele utilizava os Sinais e a escrita, sendo considerado inclusive o introdutor de Língua de Sinais Francesa no Brasil, onde ela acabou por mesclar-se com a Língua de Sinais utilizada pelos Surdos em nosso país. O curriculum por ele apresentado, em 1856, colocava disciplinas como português, aritmética, história, geografia e incluía “linguagem articulada” e “leitura sobre os lábios” para os que tivessem aptidão para tanto (MOURA, 2000, p.81-82).

No texto de Bacellar (1926, p.83), publicado em 1926, a data da constituição da Língua de Sinais Brasileira se fixou em primeiro de janeiro de 1856, com o programa de ensino aos alunos surdos, ambos de 10 e 12 anos, no Colégio Wassimon. O Marquês de Abrantes foi incumbido de acompanhar o trabalho do Professor Huet e escreveu uma carta para Dom Pedro II, aos seis de abril, relatando os êxitos dos resultados e cumprimento dos deveres. Ele mesmo se empenhou na tarefa de formar uma Comissão

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Revista Mundo & Letras de pessoas importantes para promover a fundação de um Instituto de Educação de Surdos Mudos. Portanto, pode-se afirmar que a base da língua de sinais brasileira foi a Língua de Sinais Francesa, antes disso não se pode afirmar a pré-existência da LSB nos territórios brasileiros devido a ausência de registro dessa língua que é viso-espacial. A influência da LSF – Língua de Sinais Francesa no território brasileiro é confirmada por meio das obras didáticas para surdos, publicadas aqui no Brasil, segundo a pesquisa do Dr. Arnaldo de Oliveira Bacellar, em seu livro “A Surdo Mudez no Brasil”, de 1926: - Methode pour enseigner aux sourds muets la langue française, por J.J.Valade Gabel, tradução e adaptação para o português pelo Dr. Tobias Leite ( edição esgotada); - Methode d´enseigner aux sourds muets, pelos frades de S. Gabriel, tradução e adaptação para português do Dr. Menezes Vieira (edição esgotada); - A palavra e a linguagem, pelo Dr. Menezes Vieira (edição esgotada); - Metrologia, pelo Dr. Leite Sobrinho; - Iconographia dos signaes dos surdos mudos, pelo surdo Flausino José da Gama (edição esgotada); - Lições de geographia do Brasil, pelo Dr. Tobias Leite, 1873 (edição esgotada) e - Surdos mudos capazes de articular, etc. pelo Prof.º Moura e Silva – 1896. As obras didáticas para surdos publicadas na França foram traduzidas da Língua Francesa para a Língua Portuguesa na gestão de Tobias Leite, dezenove anos depois no INES. Na mesma gestão de Tobias Leite, a tradução dos livros didáticos possibilitou o entendimento dos ensinos aos surdos. As metodologias e gramáticas publicadas reforçam um modelo ou padrão da língua da LSF – Língua de Sinais Francesa, de 1857, que determinam a mudança das regras dos variantes que eles já dominavam anteriormente, provavelmente uma protolíngua, ou os elementos linguísticos, como: gesto, pidgin, iconicidade, para se comunicarem, indícios da existência da LSB – Língua de Sinais Brasileira. É o reflexo da mudança da organização social, cuja ferramenta da língua, que, por força da ideologia, sobrepõe-se sobre a execução da normalização dessa língua. Comparado com o original “Icnographie des signes”, de P. Pelissier, membro ativo de “la Société Centrale d´Education et d´Assistance dês Sourds-Muets” e professor de surdos mudos do Instituto Imperial de Paris, em 1856, a obra “Iconographia dos signaes dos surdos mudos”, escrita pelo surdo Flausino José da Gama, em 1875, é uma cópia na íntegra do material com a tradução do francês para o português, ou seja, os sinais foram copiados um a um, traduzindo-se apenas as palavras do francês que identificavam os sinais. Constatei, portanto, que a base da LSB foi da LSF. Observa-se que os sinais foram todos reproduzidos e copiados, só trocando os vocábulos da língua francesa para a língua portuguesa. É interessante notar em que medida começa a historicizar a Língua de Sinais Francesa – LSF aqui no Brasil e sua influência, como uma “língua do colonizador, instrumentalizada, possuidora de uma tradição escrita ocidental latina – a divisão saber / conhecer, conhecer / legitimar...” (MORELO, 2001). A língua de sinais, como uma das modalidades gesto-visual, conta com os empréstimos de sinais brasileiros, regionais (não documentados) e linguísticos em diferentes níveis, tais como: léxico, variações regionais e sinais convencionais. E, com isso, envolve também a cultura e a identidade surda, assim como a sociedade ou comunidade surda que, historicamente, foi construída e estabelecida em um grupo ou um “povo surdo”. É possível notar a existência de outros surdos aqui no Brasil, antes do ingresso escolar. A criação do Instituto e outros instrumentos determinam a forma e a

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Revista Mundo & Letras necessidade da comunidade surda, já que, para definir a língua de sinais brasileira com a influência da Língua de Sinais Francesa, dão um sentido de estabelecimento e de existência de uma nação ou “povo surdo” e discriminar e dar representatividade ao lugar do sujeito surdo no espaço gesto-visual. Funcionamento A criação de um Instituto visa educar os surdos “selvagens” na concepção positivista, como no relatório do E. d. Huet aos membros da Comissão Diretoria do Instituto de Surdos Mudos “surdos mudos são considerados privados dos meios de comunicação com seus semelhantes se vê na obrigação de construir sua linguagem ao acaso, palavras por palavras, assim como o sentido e significado da idéia relativa a cada palavra; “trabalho imenso, que para ter um final feliz, exige um ensinamento de todos os instantes.” e do prefácio do Tobias Leite, na Iconographia dos signaes dos surdos mudos: “Os pais, os professores primários, e todos os eu se interessarem por esses infelizes, ficarão habilitados para os entender e se fazerem entender. Mostrar o quanto deve ser apreciado um surdo mudo educado”. Isso mostra a concordância do pensamento de Morello (2001) de que: A fixação dessas fronteiras assume fronteiras históricas diferenciadas e dá origem a distintos processos de significação dos sujeitos conforme a predominância ideológica que, eventualmente, um dos domínios exercerá sobre os outros” e “No empreendimento colonizador e iluminista se circunscreveu, fortemente, a civilidade e a selvageria combinando sentidos do bom e do bem (MORELLO, 2001, p.157 ).

O objetivo do Instituto era recolher e reconduzir a maioria dos surdos pertencentes de famílias pobres e sem condição de pagar. Mantido com uma subvenção do governo imperial, de acordo com o pedido da carta do E.d. Huet ao Imperador, em 22 de junho de 1855, eram impostas certas condições de admissão, tais como: o regulamento, o emprego do tempo e as matérias de estudo. Igualmente foi solicitada a instalação de um prédio apropriado para a sede do estabelecimento, antes do projetado casamento de Huet, ou, se isso demorasse, encontrar uma senhora que tomasse a si a guarda das alunas surdas. Em conformidade com as deliberações do Corpo Legislativo e a Assembléia Provincial do Rio de Janeiro, o auxílio pecuniário e um arrendamento de um prédio da Ladeira do Livramento, e do casamento de Huet, o Instituto foi definitivamente instalado, com o regimento interno vigorado. Em dezembro de 1857, Huet apresentou um exame público, a que assistiu o ex-Imperador, apresentando os resultados dos seus trabalhos, com os quais ficaram entusiasmados todos os assistentes. Com o casamento desfeito e muitos problemas emocionais, Huet reconheceu que não podia continuar na direção do Instituto e propôs ao governo Imperial uma quantia de indenização do material e uma pensão, visto ter sido o fundador da primeira escola para o ensino de Surdos no Brasil. Em 1861, Huet retirou-se, deixando o Instituto com 17 alunos, sob a guarda de frei Monte do Carmo, designado pelo Marquês para ficar como responsável do estabelecimento até a contratação do novo diretor. Essa interinidade prolongou-se até o ano de 1872, em que o Dr. Tobias Leite foi nomeado diretor efetivo do Instituto. Pré-existência da Língua de Sinais Brasileira Como ficou dito, o ingresso escolar inicialmente de um menino e uma menina, acrescido de 6 alunos mais tarde, e no final do mandato do Eduardo Huet, aumentou para 17 alunos, revela uma questão: de onde vieram estes 17 alunos surdos durante cinco anos desde a criação de uma escola de surdos, no Colégio Vassinon? A hipótese é de que os surdos já existiam nesses círculos e eram fluentes na sua língua, a LSB –

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Revista Mundo & Letras Língua de Sinais Brasileira, com a sua estrutura própria. Só que a estrutura foi miscigenada com a estrutura da LSF – Língua de Sinais Francesa, com a chegada do Professor e Diretor Eduardo Huet. Nos registros históricos das fundações das Associações de Surdos, os surdos se reuniram sempre “em grupo e o ponto de encontro para o ”bate-papo”, como descrevem alguns depoimentos abaixo de diversas Associações de Surdos: - No Centro dos Surdos da Bahia – “na década de 40, os surdos se reuniram sempre em grupo em ponto de encontro para o bate papo”; - Na Associação dos Surdos de São Paulo - “... os surdos paulistas freqüentavam pontos de encontro previamente estabelecidos, mas não conheciam nenhum tipo de associação. As diversas turmas estavam presentes em vários lugares, de acordo com a faixa de idade. Existiam vários tipos de diversão como bares, atividades esportivas, pontos de paquera e encontros no Jóquei Club para fazer apostas nos cavalos, na década de 50”; - Na Associação dos Surdos de Minas Gerais – “...um grupo de surdo se encontrava sempre na Praça Sete de setembro, no centro de Belo Horizonte do Estado de Minas Gerais. Corria o ano de 1955, e eles não possuíam uma Associação organizada e se encontravam naturalmente com a finalidade apenas de se comunicarem”; - Na Associação Alvorada; Congregadora dos Surdos, do Rio de Janeiro – “...um grupo de surdos do Rio de Janeiro, liderados pela Professora Ivete Vasconcelos, os quais fundaram a Associação Alvorada em 16 de maio de 1953, inicialmente sem sede própria, a Associação foi instalada numa sala emprestada em frente ao Colégio Santo Inácio”; - Na Associação dos Surdos de João Pessoa – “...tudo começou com um grupo de surdos que, informalmente, encontrava-se com freqüência na Praça João Pessoa a fim de “bater papo”, pelos idos de 1986”; - Associação dos Surdos de Londrina – “...iniciou-se a partir de encontros de surdos realizados na Praça Gabriel Martins, no centro de Londrina, no ano de 1969”; - na tese de dissertação de mestrado da Surda Gisele M. M. Rangel: “História do povo surdo em Porto Alegre: imagens e sinais de uma trajetória cultural” (apud Gladis, 1997, p.51): “...o ponto de encontro na Rua da Praia transformou-se um lugar de encontro dos surdos da capital, e vinham até lá os ex alunos da escola da Prof.ª Louise, da escola Rua Duque de Caxias (...) Igualmente se reuniam os surdos que de uma forma ou outra estiveram no INES – Instituto Nacional de Educação dos Surdos (Rio de Janeiro), bem como oriundos países vizinhos que também freqüentaram este ponto.”; - na tese de dissertação de mestrado de Emeli Marques Leite (2004, p.26): “O papel do intérprete de LIBRAS em uma sala de aula inclusiva.”: “...do meu encontro com surdos idosos em vários estados brasileiros, quando, espontaneamente, relatam sobre como os surdos de suas cidades não se comunicavam com a LSB até a sua chegada aquela localidade. Dessa forma os surdos brasileiros vêm adquirindo a sua língua através da interação entre os pares, e transmitindo-a de geração em geração de estudantes, através desse convívio com adultos surdos vinculados à instituição escolar”. Também houve o recenseamento dos surdos existentes no Brasil, em 1872, 1890, 1900 e 1920, que, segundo a tese de doutorado do Arnaldo de Oliveira Bacellar “A Surdo Mudez no Brasil”: ...resultado conhecido em meados de 1924. Neste trabalho, verificou-se que existiam no Brasil 26.214 surdos mudos, em uma população total de 30.635.605 habitantes, o coefficiente de 8,56 para 10.000, ou seja, approximadamente, 1 surdo mudo para 1.168 habitantes. Destes 26.214 surdos mudos, 14.525 são do sexo masculino, e 11.689 do feminino, dando uma relação approximada de 100 surdos mudos do sexo masculino para 80 do sexo feminino...” (BACELLAR, 1925, p.11 )

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Revista Mundo & Letras Nos sessenta e nove anos atrás, após chegada do E. Huet aqui no Brasil e da criação da primeira escola de surdos; o recenseamento e forneceu um resultado em 1924 que mostrou que tinha um surdo para cada mil habitantes. Antes da criação da escola de surdos eles já eram conhecidos. Mesmo sem rosto, sem nome, sem sinal conhecido de batismo 9, sempre existiram ali e usavam a sua própria língua para se comunicarem antes da influência da LSF. Antes da criação das diversas associações de surdos, sempre existiram os surdos, em diversos lugares, como nos pontos de encontros, os “points”, o encontro para “bate papo” e estes encontros” funcionavam também como divulgadoras da língua de sinais, e como identificadoras da capacidade do surdo como cidadão.” (SENTIL DELATTORE, 1999, p.27). No jornal de Estado de São Paulo, página C6 – Cidades/Metrópole, datado de 27 de agosto de 2005, mostra que “um grupo de mais de cem jovens de São Paulo e municípios vizinhos dá-se no miolo da praça de alimentação do Shopping Santa Cruz, na zona sul. Mas, raramente, eles pedem comida ou bebida. Não estão ali para beber, e sim para conversar. Cheios de vontade, falam ao mesmo tempo...”. Independentemente da criação da escola ou do seu ingresso na vida educacional ou do ingresso nas associações de surdos, os sinais eram sempre rudimentares e pouco desenvolvidos, porque a maioria eram filhos de pais ouvintes, o que prejudicava ou adiava a sua aquisição de uma língua adquirida tardiamente. Quando os surdos se encontravam, os sinais rudimentares, “domesticados”10, iam se aperfeiçoando. Os surdos, na sua visualização, começavam a perceber e aproveitavam para utilizar o “prestígio” da língua de sinais e estes se transformam em “uma estrutura lingüística rica e complexa, assim como quaisquer línguas humanas” (QUADROS, 1997). O Estudo de Battison (1978), Karnopp (1994) e Supalla (2006) A pesquisa a respeito da língua de sinais evoluiu nos últimos 30 anos, iniciando a partir dos anos de 60, quando o linguista escocês, William Stokoe, iniciou a pesquisa e descrição da ASL – Língua de Sinais Americana, quando era professor da University Gallaudet. Foi o início de uma revolução social e linguística, proporcionando vários estudos linguísticos (análise-comparativa), educacionais (educação bilíngüe e inclusiva) e sociais (interação social e comunicativa), culminado nos Estudos Culturais e Estudos Linguísticos até a presente data em todos os países do mundo. Surgiram seguidores norte-americanos, como Battison (1974, 1978), Friedman (1977), Siple (1975 e 1978), Klima e Bellugi (1979) e Baker (1983), brasileiros, como Ferreira Brito e Langevin (1995), Karnopp (1994) e Quadros e Karnopp (2004), sem falar dos dicionários que foram os sustentáculos para a pesquisa de língua de sinais brasileira, como Oates (1969) e Capovilla et al.(2002). Essas pesquisas de análise comparativa e teórica comprovam que a língua de sinais como língua natural (no caso dos pais surdos ou do povo surdo) ou adquirida (no caso de contato com os surdos adultos e dos sinais das associações de surdos) é considerada pela linguística como um sistema linguístico legítimo, e não como uma deficiência da linguagem ou patologia da linguagem dos Surdos, como acredita nas concepções clínicas-terapêuticas e da pedagogia-corretiva. A Língua de Sinais Brasileira – LSB sempre foi utilizada pelos surdos brasileiros nas grandes e pequenas cidades, onde são localizadas as associações de 9

Sinal convencionado para denominar os nomes das pessoas. Os nomes próprios na língua falada são emitidos sonoramente e escrita, enquanto a LSB, os sinais são convencionados de acordo com as características das pessoas. 10 Sinais convencionados e criados pelos surdos sem contato com os nativos da LSB e também são criados pela comunidade Surda de acordo com o ambiente linguistico.

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Revista Mundo & Letras surdos, escolas de surdos, salas especiais de surdos nas escolas inclusivas e outros pontos de encontros de surdos, como bar, shopping, e outros. Os surdos usam a modalidade visual-espacial (ou espaço-visual ou gestual-visual), cujos olhos e mãos são as referências principais dos elementos perceptivos e comunicativos para captar, responder ou transmitir os sinais (as informações). Os sinais são construídos e elaborados de acordo com a capacidade visual e de compreensão utilizando todos os elementos na estrutura linguística como qualquer outra língua natural. O mesmo acontece com o aparelho fonador da modalidade oral-auditiva. A teoria stokiana e pesquisa comprovam de que a língua, segundo Chomsky, (apud KARNOPP, 1994, p.25) “é um conjunto (finito ou infinito) de sentenças, cada uma finita em comprimento e construídas a partir de um conjunto finito de elementos.” Portanto os linguistas de língua de sinais passaram a identificar a estrutura, organizar os constituintes fonológicos, apresentar descrições e explicar os aspectos da fonética e da fonologia da língua de sinais. No começo, Stokoe apresentou as três unidades do parâmetro da ASL, como: Configuração de Mãos (CM), Locação de Mão (L) e Movimento (M) (QUADROS; KARNOPP, 2004). Mais tarde, outros pesquisadores passaram a complementar outras unidades do parâmetro da ASL e em posterior a outra língua, como LSB, como: Expressão Não Manual (ENM)11 e Orientação da Mão (Or). A língua de sinais, como toda língua oral-auditiva, também tem o nível fonológico como uma dessas partes do sistema linguístico, que é empregado com valor linguístico contrastivo. Na composição dos sinais da língua de sinais, os parâmetros são combinados para dar um significado. Assim como a língua oral, o som, fonologicamente, por si só, não expressa nenhum significado, assim também acontece com os sinais da língua de sinais. Os parâmetros da língua de sinais, como a Configuração de Mãos – CM, se completa ou combina com a Locação de Mão - L e também com o Movimento – M. Veja as figuras abaixo, cujos parâmetros variam de acordo com o contraste, por exemplo: a) Sinais que diferem somente ao Movimento

ALFACE

SALADA 11

idem (2004)

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Revista Mundo & Letras Podemos perceber que, nas figuras acima, um dos parâmetros CM e L são semelhantes e, no movimento da mão, diferem um do outro, e que este parâmetro muda o significado dos sinais. Este é um valor constrativo da língua de sinais. b) sinais que diferem somente a Configuração de Mão

BOLA

LUGAR Podemos notar que a L e M são semelhantes e as CMs diferem de uma da outra. c) sinais que diferem somente a Locação

ÁGUA

ONTEM Nota-se que a CM e M são semelhantes e a posição da L diferem uma da outra.

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Revista Mundo & Letras Um parâmetro dentro de um sinal tem um valor no sistema linguístico e é capaz de diferenciar o significado. Se trocarmos esse parâmetro por outro, dentro de um mesmo contexto ou não (dependendo da situação comunicativa e de expressão), também haverá mudança de significado. Este valor linguístico também é denominado de fonema12. Os sinais da língua de sinal também podem ser agrupados em pares mínimos e Quadros e Karnopp (2004, p.53 ) atestam que a “estrutura dual: unidades com significado (morfema) e unidade sem significado (fonema), mas o conjunto de articuladores serem completamente diferentes, por exemplo: mão versus língua, mostra a abstração e a universalidade da estrutura fonológica nas línguas humanas”. A Configuração de Mãos, por ser uma unidade mínima, junta-se com a outra unidade mínima, constituindo um sinal. Para situar as CMs, como traços distintos, Klima & Bellugi (1979) elencaram 46 tipos de CMs. Aqui no Brasil, estas 46 CMs também são utilizadas pelos Ferreira Brito e Langevin (1995) (figura 1), ou de 61 CMs (Figura 2), devido à coleta da variação regional e linguística (Pimenta, 2002)13 (Dicionário do INES14, 2004). Figura 1

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Os linguistas do mundo passaram a adotar a palavra “fonema” nos estudos dos elementos básicos da língua de sinais, já que a mesma se apresenta como língua natural e compartilha os mesmos princípios linguísticos da língua oral. Só que a modalidade difere um ao outro: fala e sinal (Karnopp, 2007, hipertexto do AVEA – Ambiente Virtual do Ensino à Distância da Letras – LIBRAS da UFSC, apud Klima e Bellugi, 1979; Wilbur, 1987; Hulst, 1993) 13 Surdo pesquisador e autor das coleções “Fundamentais de Língua de Sinais” e atualmente trabalha junto com Ronice Muller de Quadros no livro “Básico de Língua de Sinais”. 14 www.ines.org.br/dicionário

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Revista Mundo & Letras Figura 2

Para se entender os traços distintivos da Configuração de Mão, o sinal deve ser entendido quando os “elementos básicos simultâneos” (Karnopp, 1994) – os parâmetros como CM, M e L - entram na formação de sinais lexicais e passam a diferenciá-los. Klima & Bellugi (1979, apud Karnopp, 1994, p.40) afirmam que “as CMs se diferenciam pela extensão (lugar e número de dedos estendidos), contração (mãos fechadas ou compactas) e contato e/ou divergência dos dedos”. Na descrição analítica de Ferreira Brito (apud KARNOPP, 1994, p.81), considera-se que “é necessário 12 traços para a análise de CMs: [compacta], [aberta], [ulnar], [cheia], [côncava], [dual], [indicadora], [radial], [toque], [separada], [cruzada], [dobrada]”, como segue abaixo os traços e suas características de Ferreira Brito (apud KARNOPP, 1994, p.81): A - Características básicas distintivas das CMs: [+compacta] = contração  nenhum dedo estendido, palma não visível; [+aberta] = extensão  maioria dos dedos estendidos; [-compacta] e [-aberta]  contração e extensão intermediárias. B - Características distintivas de acordo com o número e lugar de extensão dos dedos: [+ulnar]  pelo menos o dedo mínimo estendido; [+cheia]  os quatro dedos estendidos; [+côncava]  dedos curvos, nem estendidos, nem fechados (dobradura nas duas juntas superiores); [+dual]  apenas dois dedos estendidos: o indicador e o médio;

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Revista Mundo & Letras [+indicadora]  apenas o indicador estendido; [+radial]  pelo menos o polegar estendido C - Características distintivas de acordo com o contato ou divergência dos dedos: [+toque]  pelo menos a ponta de um dedo em contato com o polegar; [+separada]  dois ou mais dedos separados; [+cruzada]  dois dedos superpostos; [+dobrada]  dobramento, sem fechamento, da palma toda da mão ou, pelo menos, de um dedo (dobramento apenas da junta inferior). Não somente esses traços distintivos estão presentes na articulação de um sinal. A CM pode ser alterada ou modificada, principalmente as palmas da mão, ou os movimentos da mão ou dos dedos da mão, de acordo com as categorias propostas por Friedman (1977), Supalla e Newport (1978) e Klima e Bellugi (1979), que descrevem os tipos, pela direcionalidade, maneira e frequência do movimento (KARNOPP, 1994). A linguista Ferreira Brito (1990) classificam as características dos movimentos que são: velocidade, reduplicação, simetrias e repetições. TIPO Contorno ou forma geométrica: retilíneo, helicoidal, circular, semi-circular, sinuoso, angular, pontual; Interação: alternado, de aproximação, de separação, de inserção, cruzado; Contato: de ligação, de agarrar, de deslizamento, de toque, de esfregar, de riscar, de escovar ou de pincelar; Torcedura do pulso: rotação, com refreamento; Dobramento do pulso: para cima, para baixo; Interno das mãos: abertura, fechamento, curvamento e dobramento (simultâneo/ gradativo). DIRECIONALIDADE Direcional - Unidirecional: para cima, para baixo, para direita, para esquerda, para dentro, para fora, para o centro, para lateral inferior esquerda, para lateral inferior direita, para lateral superior esquerda, para lateral superior direita, para específico ponto referencial; - Bidirecional: para cima e baixo, para esquerda e direita, para dentro e fora, para laterais opostas – superior direita e inferior esquerda; Não-direcional MANEIRA Qualidade, tensão e velocidade - contínuo; - de retenção; - refreado. FREQUÊNCIA Repetição - simples; - repetido. Centralizo aqui a pesquisa na descrição e análise da produção de Configuração de Mão – CM durante a mudança fonético-fonológica de língua de sinais. Nesta pesquisa, pode-se encontrar um número provável de mudanças e de diferentes tipos de CM da Língua de Sinais Brasileira. Objetivo mostrar o uso diferenciado e simultâneo de CM até o ponto de mudar foneticamente os sinais durante a mudança fonético-

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Revista Mundo & Letras fonológica de língua de sinais brasileira por meio da influência da Língua de Sinais Francesa. No decorrer da pesquisa, haverá demonstrações e explanações para cada CM e sua respectiva análise de mudança. É previsível ocorrer também a mudança para um novo sinal, devido aos processos de apagamento, de assimilação, de substituição e de traços contrastivos e alofones (KARNOPP, 1994). Utilizarei o sistema numérico da CM de Pimenta (2002) para os sinais da língua de sinais brasileira a analisarei todas as mudanças fonético-fonológicas e seus processos. Tal procedimento é adotado na descrição e análise de línguas orais como referência padrão para a análise e descrição lingüística. A metodologia bidimensional proposta por Hernandorena (apud KARNOPP, 1994) desenvolve-se em duas etapas: 1a etapa: análise contrastiva que vai fornecer o inventário das mudanças fonéticofonológicas. Fonologicamente, será importante porque determinará os fones usados com valor contrastivo, para comparar com o alvo da mudança fonético-fonológica; 2a etapa: análise dos traços distintivos que ocorreram no processo da mudança fonéticofonológica diferente do atual, por meio de processos de substituição e de apagamento. Isto implicará uma diferença entre os sinais entre 1857 e 2002. Seguindo o modelo de traços distintivos descrito por Ferreira Brito (apud KARNOPP, 1994) para a língua de sinais brasileira, consideram-se necessários 12 traços para a análise das CMs: [compacta], [aberta], [ulnar], [cheia], [côncava], [dual], [indicadora], [radial], [toque], [separada], [cruzada], [dobrada] para se fazer comparações contrastivas de sinais nos desenhos apresentados de 1857, 1875, 1969 e 2002. Após análise da mudança fonético-fonológica de CMs, serão fornecidos dados para verificação e registro da função fonológica e do processo de mudança dos sinais que influenciaram a realização fonética de CMs. Segundo Karnopp (1994), essas alterações podem ser dos seguintes tipos: - simples omissões de CMs, quando o sinal é articulado com as duas mãos; - substituição de uma CM por outra, ampliando o uso de uma determinada CM; - variação livre entre CMs contrastivas, dando-lhes o tratamento de alofones; - atribuição de valor contrastivo a alofones do sistema padrão15. Como os desenhos e fotografias são impressos numa folha de papel, o uso da CMs pode ser difícil de analisar, devido à ausência de movimento, que é um dos parâmetros importantes da língua de sinais brasileira. E as CMs, descritas no dicionário de Pelissier, de 1857, em uma só página, pode dificultar a análise-comparativa de todos os sinais do dicionário de 1875. Análise preliminar dos dados Segundo Battison (apud Karnopp, 1994), são encontrados vários processos fonológicos e sua variabilidade na produção de CMs16 – Configuração de Mãos na mudança fonético-fonológica de sinais. Estes dados identificarão a função fonológica que os sinais mostram possíveis modificações ou alterações. Estas alterações podem ser dos seguintes tipos: - processo de apagamento - simples omissões de CMs, quando o sinal é articulado com as duas mãos;

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Faz parte de um dos parâmetros da Língua de Sinais Brasileira, composta de Ponto de Articulação ou de Locação, Movimento, Orientação de Mãos e de Expressão Não Manual ou Expressão Facial. 16 Em analogia com o que Hernandorena (1990, p.51) coloca para as línguas orais (KARNOPP, 1994).

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- processo de incorporação - substituição de uma CM por outra, ampliando o uso de uma determinada CM; - processo de assimilação – assimilação de uma CM por outra CM, ampliando e apagando ao mesmo tempo o uso de uma determinada CM. Mas o nível fonético-fonológico na língua de sinais brasileira é basicamente produzido pelas mãos, sem deixar de separar o desempenho das funções: movimentos dos corpos e da face. Os parâmetros fonológicos são: locação (o lugar onde os sinais são localizados), movimento (onde os sinais fazem movimento ou não no espaço) e configuração de mão (que é uma unidade fonética e fonológica que pode ser comparada aos fones/fonemas das línguas orais, ou seja, é através dela que os sinais são produzidos e passam a fazer sentido, juntamente com a orientação, expressão não manual, locação etc.). Seguem os cincos dados da mudança fonético-fonológica da Língua de Sinais Brasileira ocorridos em 1857, 1875, 1969 e 2002: 1) LSF - 1857

LSB - 1875

LSB - 1969

LSB – 2002

De algum modo, o sinal BURRO da LSB teve total influência da LSF, cuja CM configuração de mão permaneceu na mesma locação, com os dedos para cima, só que houve mudança na posição da mão e um processo fonológico de apagamento. O movimento da frequência foi repetido. 2) LSF - 1857

LSB - 1875

LSB - 1969

LSB – 2002

O sinal VACA foi modificado apenas na locação. A duas CMs – configurações de mãos, no processo de apagamento, passaram para uma CM. O contorno (semicircular) da CM foi alterado e o movimento passou a ter um dobramento do pulso unidirecional (de baixo para cima). Processo de assimilação. 3) LSF - 1857

LSB - 1875

LSB - 1969

LSB – 2002

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O sinal PORCO teve total influência da LSF, cuja CM - configuração de mão permaneceu em todos os anos sem modificar nenhum traço fonético-fonológico. Os sinais de 1857 e de 1875 apresentam ausência de movimentos por meio de setas, ao contrário dos sinais de 1969 e de 2002. Há hipótese de haver processo de incorporação de movimento. 4) LSF - 1857

LSB - 1875

LSB - 1969

LSB – 2002

O sinal LEBRE (analogia do sinal COELHO) teve total influência da LSF cuja CM – configuração de mão permaneceu na mesma locação e um processo fonológico de incorporação – duplo movimento. 5) LSF - 1857

LSB - 1875

LSB - 1969

LSB – 2002

O sinal RATO foi modificado em nível fonético-fonólogico, tanto nas configurações de mãos, como na locação. O que era articulado no nariz mudou para a locação da bochecha. A hipótese é que o sinal de 1969 tem os traços da ASL (Língua de Sinais Americana), que pode ter entrado no território brasileiro. Os dados dos sinais de 1969 foram publicados em um livro denominado de “Linguagem das Mãos”, de Eugênio Oates, padre norte-americano, pertencente à Congregação Redentorista, que veio ao Brasil em 1946 como missionário para prestar auxílio aos mais necessitados. Com o intuito de padronizar a língua de sinais brasileira, viajou em vários estados do Brasil e fez exaustivas pesquisas, colecionando, coletando e publicando, através das consultas dos surdos e dos professores utentes da língua de sinais brasileira, os sinais mais parecidos nos lugares onde os surdos viveram. Na apresentação do livro, o Monsenhor Vicente de Paulo Penido Burnier, primeiro surdo consagrado como padre e falecido monsenhor, escreveu esta mensagem: “Alguns gestos não existentes no Brasil e presentes neste livro, visaram completar e dar exata expressão do pensamento”. (BURNIER, Paulo Penido. 1969, p.7) Ted Supalla (2006, p.22), no seu artigo “Arqueologia da Língua de Sinais: Integrando Linguística Histórica com Pesquisa de Campo em Línguas de Sinais Jovens”, explora a interface entre a linguística histórica e a pesquisa de campo para mostrar a possibilidade de uma nova abordagem para a arqueologia da língua de sinais, por meio de um conjunto alternativo de ferramentas e de uma explicação alternativa para as formas atuais17. O pesquisador e Surdo Supalla reconhece que deve existir as 17

Introdução do Livro: “Questões Teóricas das Pesquisas em Língua de Sinais” (2006, p.10).

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Revista Mundo & Letras formas pré-determinadas muito comuns na história das línguas de sinais que surgiram devido aos processos linguísticos de mudança, mais comumente e em hipótese na natureza das próprias línguas de sinais, das quais ele cita: apontação intensiva e espaciais, direção de movimento do verbo como um marcador de concordância e o uso de configurações de mão classificadoras (QUADROS e KARNOPP, 2004). Como resultado de pesquisa interlinguística, que envolveu quinze línguas de sinais que surgiram naturalmente em diferentes partes do mundo, Supalla mostrou que todas as línguas utilizam localização e movimento através do espaço de maneira similar para marcar concordância gramatical com o sujeito e o objeto e, com base nesses resultados, sugere que, devido a essas semelhanças entre línguas de sinais não relacionadas18, falantes de línguas de sinais mutuamente ininteligíveis são capazes de desenvolver um “pidgin” sinalizado (denominado sinal internacional) que conserva tais estruturas morfológicas. Finalmente, observamos que, na pesquisa histórica e comparativa, é possível observar tanto processos de divergência quanto de convergência entre a língua de sinais francesa e a língua de sinais brasileira, tanto como nos processos comuns a todas as línguas e nos processos específicos como na constituição do seu dicionário e da criação do instituto, como ponto fundamental da preservação da língua de sinais brasileira na sua garantia e de direitos da língua de sinais dos surdos brasileiros. Contribuições A pesquisa apresentada tem como tema a constituição da Língua de Sinais Brasileira - LSB do século XVIII ao século XXI e, com isso, trago-a no sentido de começar a fornecer elementos históricos novos sobre a língua de sinais brasileira. Por ser uma língua de modalidade viso-espacial, sua origem exige um desafio. Justifico a necessidade da pesquisa por não haver registro a respeito do desenvolvimento histórico da língua de sinais brasileira nos livros brasileiros; os surdos brasileiros têm muito interesse em saber mais sobre a origem desta língua; a língua de sinais passou a ser reconhecida como língua de instrução dos surdos brasileiros por meio da Lei 10.436 de 2002 regulamentada pelo Decreto 5.626 de 2005 e a língua de sinais passa a ser objeto de ensino. Apresento também as propostas que relacionam com os elementos linguísticos e variações sociolinguísticas (influências e mudanças linguísticas dos sinais da comunidade surda) como parte constituinte no ensino, pesquisa e de aprendizagem da Língua de Sinais Brasileira. As disciplinas apresentadas como currículo de Língua de Sinais Brasileira pressupõem um prévio conhecimento na área de Estudos Surdos e de Estudos Linguísticos de Língua de Sinais. Vale lembrar que os currículos devem ser desenvolvidos a longo prazo por meio de pesquisa e, aos poucos, irão contribuir mais com os trabalhos e desempenhos linguísticos dos futuros professores e de formação de Intérpretes e Tradutores de Língua de Sinais Brasileira. Estes currículos têm o objetivo de desenvolver compreensões, percepções e apreciações visuais das regras gramaticais da língua de sinais brasileira como um todo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ACERVO DO INES. Revista do serviço público. O Instituto Nacional de Surdos Mudos. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1942. Ano V, Vol.IV, nº 2, Nov. Separata BACELLAR, A. de O. A surdo mudez no Brasil. 1925. Tese (Doutorado) - Faculdade de Medicina de São Paulo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1925. 18

No caso de uma proto-língua ou os elementos linguísticos

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