«Constituição Portuguesa de 1933» - Análise - Curso de História

June 6, 2017 | Autor: Filipe Nunes | Categoria: Historia constitucional
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«Constituição Portuguesa de 1933» - Análise -

Curso de História História Contemporânea de Portugal Prof. Doutor Ernesto Castro Leal

Trabalho Realizado Por: Filipe Nunes Nº46378 Jóia Dabó Nº50339 Soraia Carvalho Nº50360

Lisboa, 23 de Novembro de 2015. Ano Lectivo 2015/2016

Índice

1. Introdução………………………………………………………………………. 2 2. Conjuntura Histórica……………………………………………………………. 3 3. Constituição de 1933…………………………………………………………… 6 4. Direitos Fundamentais………………………………………………………….. 7 5. Poderes de Estado……………………………………………………………... 10 6. Conclusão……………………………………………………………………... 13 7. Bibliografia……………………………………………………………………. 14

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1. Introdução O trabalho em questão teve origem numa sugestão do professor Ernesto Castro Leal, onde era proposta a análise das Constituições Portuguesas de 1822 a 1976 pertencentes ao espaço temporal onde se encaixa a disciplina curricular, a contemporaneidade. Após uma breve discussão de grupo decidimos escolher a Constituição de 1933, base essencial do regime autoritário do Estado Novo. A partir deste momento faltava-nos organizar o trabalho tematicamente. Os temas já pré-estabelecidos foram então divididos pelos três discentes: Soraia Carvalho dará a sua atenção a uma parte crucial do trabalho, onde se fará uma introdução histórica do que levou à criação deste documento, uma análise económica, social, política e cultural, dentro dos principais traços definidores do que vinha a ser o Salazarismo; Filipe Nunes dedicará o seu tempo aos direitos fundamentais, analisados com base em obras obrigatórias para estas matérias, obras de direito constitucional, onde serão referidos autores como Jorge Miranda, Frédéric Le Play, entre outros, com o objectivo final de perceber qual o aspecto teórico e prático do texto; por fim, Jóia Dabó analisará a divisão dos poderes de Estado conforme prevista neste mesmo texto, identificando-os e definindo-os. O objectivo a cumprir será identificar, clarificar a origem, a mensagem e consequências do que foi a Constituição de 1933, o que significou para a nação portuguesa.

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2. Conjuntura Histórica A I República Portuguesa (1910-1926) revelara-se «um regime falhado1» na qual se verificara uma preponderância do Partido Republicano2. A década de 1920 era delineada por sucessivas alterações de governo que confluíam num crescente marasmo político. Para os apoiantes da República esta havia traído os seus desígnios. O autoritarismo ganhava terreno. Ansiava-se uma resposta que estatuísse o país a nível económico (a crise financeira com a entrada na Grande Guerra agravara-se) e político. Na sociedade portuguesa o descontentamento revelava-se atroz, e para piorar, os republicanos haviam demonstrado um laicismo profundo num território enraizado no catolicismo. Neste cenário de fracasso, o golpe de Estado de 28 de Maio de 1926 viria a pôr termo à primeira experiência republicana em Portugal. O golpe de Estado partira de Braga, vindo depois a descrição da «lenta marcha sobre Lisboa3»: o General Gomes da Costa entrava na capital comandando uma fracção significativa de tropas, sendo que, por essa altura havia estabelecido um triunvirato com dois oficiais da Marinha – José Mendes Cabeçadas e Armando Ochoa – homens com uma mentalidade mais democrática do que o primeiro «e muitos membros da elite republicana viam-nos como os seus salvadores4». O objectivo central da ditadura militar imposta era a construção de um Estado capaz de governar com um poder executivo forte, para que a Nação fosse capaz de se regenerar5. Acontece que, «a amálgama e a heterogeneidade que concorriam no golpe militar (…) depressa fizeram os seus efeitos6», isto é, o marasmo político que persistiu dentro das paredes da ditadura (19261933), entenda-se, graças à participação de todas as correntes políticas e ideológicas na

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MEDINA, João (direcção), História de Portugal dos tempos pré-históricos aos nossos dias, vol.X, Um regime falhado, Alfragide-Amadora, Ediclube, 1993, pp.143. 2 Fala-se num «exclusivismo político» do Partido Democrático – Vide, REIS, António (direcção), Portugal Contemporâneo, vol.2, Um regime parlamentarista de partido dominante por Fernando Farelo Lopes, Publicações Alfa, Lisboa, 1996, pp.85-100; «Durante toda a República o campo político esteve organizado ao redor do binómio partidos-parlamento, onde dominou o Partido Republicano Português, na forma que tomaria na opinião pública de Partido Democrático» - Vide, MEDINA, Ibidem, Partidos e grupos políticos na I República por Ernesto Castro Leal, pp.289. 3 MENESES, Filipe Ribeiro De, Salazar. Uma Biografia Política (título original: Salazar. A Political Biography, 2009), trad. Teresa Casal, Alfragide, D.Quixote, 2010, pp.52. 4 MENESES, Ibidem. 5 REIS, Ibidem; Verificando-se ainda os quadros de referência do século XIX. 6 REIS, António (direcção), História de Portugal, vol.2, Da ditadura militar à implantação do salazarismo por César Oliveira, Publicações Alfa, Lisboa, 1996, pp.397- 416.

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sublevação do Exército7. Os governos continuavam a suceder-se, Portugal continuava à espera de uma solução. Gomes da Costa e Mendes Cabeçadas poucos meses depois de triunfarem no golpe de 28 de Maio eram afastados. Os militares republicanos democráticos revoltavam-se, sendo vencidos devido «mais às hesitações e desconexão entre os militares republicanos e democratas do Porto e de Lisboa do que à solidez e apoio popular da ditadura militar8» - o que sublinha que uma vez mais o republicanismo não se autoconcretizava9 por não ter uma implantação sólida nem uniforme no país, e, para ferir ainda mais a conjuntura, demonstrou-se «incapaz de democratizar o sistema político10». Em 1928 com o General Óscar Carmona como Presidente da República a Constituição republicana de 1911 era afastada, embora só ficasse sem efeito após a promulgação de uma nova constituição. Passou-se a governar legislando através de decretos com força de lei até Abril de 1933 – período em que finda a Ditadura Militar. Após Carmona ser eleito, António de Oliveira Salazar, professor de Coimbra com uma educação de base clerical e que havia rejeitado o cargo para o qual o voltavam a convidar, era investido de excepcionais poderes ao tomar posse como ministro das Finanças: tudo o que respeitasse a dinheiros públicos, a despesas ou receitas, orçamentos dos ministérios, departamentos e organismos do Estado estavam dependentes de si11. Salazar representava uma secção de direita, integrando o Partido Católico, representando um conservadorismo reservado e não militante, provido de uma amplitude intelectual de que outras correntes careciam12 – ora, este vulto era o quadro de referência a que se aspirava, viabilizando a firmeza de um Estado. Porém, existia ainda quem continuasse a ponderar que aquele seria um regime de transição (a ditadura militar) para uma república reformulada e expurgada dos seus vícios 13. Todavia, o ministro das Finanças passaria também a ser ministro interino das Colónias, o que

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«(…) à excepção do PRP, do PCP, do Partido Socialista, do Grupo Seara Nova, da CGT e da Esquerda Democrática.» - A oposição ao regime ditatorial. – Idem, Ibidem, pp.399. 8 Idem, Ibidem. 9 «O mais grave erro da República foi o de não ter sabido realizar-se.» - João Chagas, «A Última Crise», pp.23 in MEDINA, João, Ibidem, pp.143. 10 SAMARA, Maria Alice, A Queda da I República, in Os Anos de Salazar – A ascensão de Salazar (1926-1932), vol.1, coordenação de António Simões do Paço, Planeta DeAgostini, 2008, pp.42. 11 REIS, Ibidem, pp.398; Sendo esta a condição de Salazar para aceitar a pasta das Finanças. 12 MENEZES, Ibidem, pp.51-68. 13 Falemos na instabilidade governativa e debilidade dos executivos – Vide, REIS, Ibidem.

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deixava bem «claro que seria um regime de ruptura14» com a I República. Autointitulando-se antiparlamentar, antidemocrático, anti-partidário e anti-liberal15, o Estado Novo surgia (1933-1974) sucedendo à ditadura militar imposta em 1926. Em 1931 criava-se o Conselho Político Nacional para formulação do plano constitucional que viria a ser apresentado a 28 de Maio de 1932 através da imprensa, encetando-se

um

debate

público16:

os

liberais

falam

numa

«Ditadura

Constitucionalizada» e de uma «Ditadura do Executivo» em que as liberdades eram então subjugadas por uma organização corporativista da sociedade. Em 1933, Vicente de Freitas (apoiante do 28 de Maio) oficializava a oposição liberal entregando um autêntico contraprojecto constitucional17 - críticas que pesariam na redacção final do novo texto constitucional. Neste contexto crítico a nível nacional em que a oposição ao novo regime era suprimida18 e internacional em que o legado deixado pela Grande Guerra era perigoso19, o Estado Novo português pretendia-se como uma alternativa ao capitalismo liberal ocidental e ao socialismo. Revogando o direito às suas colónias no Acto Colonial, conciliava «a opinião nacionalista portuguesa em torno de Salazar (…)20». «O Estado e a nação tinham pois de se reconciliar, de uma forma nunca antes conseguida desde (…) 182021» numa Constituição delineada face às necessidades de um regime que tinha diante de si uma Nação carenciada de um Estado, o qual havia sabido conquistar o apoio do Exército. «Sob uma crise social aguda, os homens optaram pelo caminho mais fácil: transigiram na liberdade em nome da ordem22».

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Idem, Ibidem, pp.399. BACELAR, Jorge Gouveia, Manual de Direito Constitucional, vol.I, 5ª Edição, Coimbra, Almedina, 2013, pp. 465. 16 Através da imprensa, sendo que o debate vai-se realizar «quanto ao essencial no interior da ditadura» – Vide, MATTOSO, José (direcção), História de Portugal – O Estado Novo (1926-1974), vol.7, colaboração de Fernando Rosas, Lisboa, Editorial Estampa, 1997, pp.203. 17 Pretendia-se a criação de uma estrutura em que a autoridade significa-se um equilíbrio dos poderes. 18 «A resistência à ditadura nascida do Golpe de Estado Militar de 28 de Maio de 1926 foi apodada de „Reviralho‟» estando o país à beira de uma guerra civil – Vide FARINHA, Luís, O «Reviralho»: A Resistência Republicana, in Os Anos de Salazar, Ibidem, pp. 62-75. 19 Crises económicas mundiais abalavam as finanças dos países (em 1929 com o crash bolsista tudo se agravara), a política acreditava-se inapropriada: a Europa radicalizava-se ao emergir da Grande Guerra. 20 MENESES, Ibidem, pp.123. 21 Idem, Ibidem, pp.92. 22 FARINHA, Luís, O «Reviralho»: A Resistência Republicana, in Os Anos de Salazar, Ibidem, pp.70. 15

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3. Constituição de 1933 «A história constitucional portuguesa, assim como a da maioria dos países latinos, é feita de rupturas23», sendo que a Constituição de 1933 não seria excepção: a sua origem remonta ao golpe de Estado de 28 de Maio de 1926, como vimos, sendo que vem a encontrar o seu fim noutro golpe de Estado, a revolução de 25 de Abril de 1974. O Corporativismo como forma de organização social, política e económica seria a essência desta Constituição, à «qual se ajustam elementos finalísticos por influência do integralismo lusitano, da doutrina da Igreja, do socialismo catedrático e ainda da Constituição de Weimar24». Claramente, a Constituição de 1933 receberia influências fascistas25 – todavia, o salazarismo seria um mundo à parte destes. Para uma melhor interpretação desta Constituição aprovada em plebiscito (sendo o voto obrigatório e contando as abstenções como votos concordantes26) a 19 Março de 1933, temos de recorrer aos fundamentos ideológicos do Estado Novo27. Um regime que rejeitava as tendências políticas dominantes no país desde 1820 e que fazia uma leitura do passado e do futuro de carácter nacionalista28, todavia «a mobilização constante da população como os Estados fascistas o faziam era uma aberração para Salazar29». Pretendia-se reflectir na nova Constituição os corpos sociais activos: a família, a paróquia, o município e a corporação económica30 – demonstrando como «a máquina política do século XIX não podia funcionar no século XX31».

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MIRANDA, Jorge, As Constituições Portuguesas de 1822 ao Texto da Actual Constituição, 3ª Edição, Lisboa, Livraria Petrony, 1992, pp.8. 24 Idem, Manual Constitucional, Tomo I, Coimbra, Editora Coimbra, 2014, pp.274. 25 Nomeadamente da Constituição de Weimar e da legislação italiana. 26 SÁ CARNEIRO, Francisco, As Revisões da Constituição Política de 1933, Porto, Brasília Editora, 1971, pp.17-18. 27 MENESES, Ibidem, pp.107 - «(…) eram uma destilação de doutrinas católicas e contrarevolucionárias, na sua maioria retiradas de encíclicas papais e de pensadores franceses como Gustave Le Bon e Charles Maurras (…)». 28 «O nacionalismo de Salazar era teórico e não fundado em qualquer crença sobre a superioridade inata ou, sequer, as qualidades específicas dos portugueses»; «A sociedade medieval foi escolhida como o ideal (…) era a ideia de que ao longo da Idade Média se desenvolvera uma sociedade bem organizada e hierárquica, na qual considerações espirituais eram tidas (…) como o cerne da existência humana.» Vide, MENESES, Ibidem, pp.108-109. 29 Idem, Ibidem, pp.108. 30 Idem, Ibidem, pp.92. 31 Idem, Ibidem, pp.93.

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3.1.

Direitos Fundamentais

O termo “direitos fundamentais” remete para algo inerente à própria noção de pessoa, pois são direitos básicos de cada pessoa. São direitos essenciais do cidadão, os quais dependem das circunstâncias de cada época e lugar. A expressão “direitos fundamentais” foi introduzida na Constituição de Weimar32. Na Constituição de 1933 podemos seguir, no art.º 8.º, uma lista de direitos que se referem essencialmente a direitos de liberdade e garantias, influenciados pelas anteriores Constituições33, mas também, e talvez com maior importância, pela já referida Constituição Republicana de Weimar. Com maior importância pois muitos dos artigos e mesmo a própria estrutura deste documento de alta qualidade, jurídica e política, são base essencial da Constituição em estudo34. Inclui-se nesta constituição o termo „liberdades‟, em acrescento aos „direitos e garantias‟ referidos em anteriores Constituições. A inclusão deste novo termo no art.º 8.º tem relação directa com a liberdade de crenças e práticas religiosas, de expressão de pensamento, de ensino e a de reunião e associação nele mencionada. Ao nível do regime, manteve-se também a cláusula de abertura dos direitos fundamentais35, iniciada pela Constituição de 1911. Segundo o professor, Marnoco e Sousa estes direitos remetem para direitos públicos individuais que se dividem em políticos e não-políticos. Os direitos básicos contidos no art.º 8.º, podem ser resumidos em direito à vida e à integridade pessoal, ao bom nome e reputação, à integridade moral, de liberdade de crenças e práticas religiosas, de expressão de pensamento, de ensino, de trabalho, de indústria, de comércio, de reunião e de associação. Algumas garantias do artigo 8.º são também adereçadas, das quais destacaremos o ponto nº 11, que se refere a garantias de direito penal, onde se estabelece a não existência de pena de morte, apenas “em caso de beligerância” com outro país. No ponto 8º está presente a “garantia de não ser privado nem preso, excepto no previsto pela Constituição. Outras garantias que se referem à segurança pessoal respeitam à

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Também conhecida como a Constituição do Reich Alemão, pela qual se regeu a República de Weimar que se declarava como uma República Parlamentar Democrática. 33 Art.º 145º da Carta e 3º da Constituição, de 1911. 34 Ver BOBBIO, Norberto; A era dos direitos; Campus, Rio de Janeiro, 1992. 35 Cf. O art.8º, § 1º, 1ª parte da C1933.

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inviolabilidade de domicílio e de correspondência (nº 5). Fora do art.º 8.º existem garantias respeitantes, à função judicial (art.º 117.º, art.º 121.º, art.º 124.º) e à propriedade (art.º 65.º e art.º 69.º). Estabeleceremos agora algum foco, de forma exemplificativa, em direitos específicos. Direitos como o direito de propriedade, de transmissão de bens em vida ou morte e ao não confisco dos mesmos bens36. Já nos direitos políticos, existe o direito de petição e de representação para defesa do interesse geral37. Será importante referir liberdades expressas para além do art.º 8.º, como o direito dos pais à educação dos filhos38. Em relação aos Direitos sociais, podemos encontrar o direito ao trabalho39, ou o direito ao salário familiar40. Dentro destes aspectos de ordem social podemos perceber que o Estado não previa o associativismo político pois careceu de legislação complementar41. Aqui verifica-se uma inspiração na doutrina novecentista de Frédéric Le Play. Combinava-se, portanto, o indivíduo como membro familiar e como trabalhador de modo a “atender à sua inserção territorial”. Viragem para uma concepção corporativa do Estado e da sociedade42. Na matéria de ordem económica institui-se a economia corporativa, uma cooperação económica e de solidariedade entre os factores que se relacionam com propriedade, capital e trabalho. A Lei Fundamental em causa originou uma nova fase de Constitucionalismo Português, precisamente, criando os Direitos Económicos, Sociais e Culturais. Na matéria do ensino, está presente o dever de frequentar e fazer frequentar o ensino básico43, onde “o ensino ministrado pelo Estado é independente de qualquer culto religioso, não o devendo porém hostilizar”. No plano das relações entre Estado e religião, restabeleceu-se a normalidade, segundo um regime de “separação cooperativa”, “separação em relação à Igreja Católica e a 36

Art.º 8.º nº 15 e 12. Art.º 8.º, nº 18. 38 Podemos dar como exemplo os art.º 13.º, nº 2 e art.º 44.º. 39 Nº 1-A, introduzido em 1951, mas já constante do Estatuto do Trabalho Nacional (art.º 21.º). 40 Art.º 13.º, nº 2 41 Ver § 2 art.8º da Constituição, com vista a desenvolver o comando constitucional do ponto 14º desse mesmo art.º 8.º. 42 Direitos enquadrados nesta nova dimensão como os identificáveis no art.º 14.º, nº1; art.º 31.º. nº 3; e art.º 43.º. 43 Art.º 42.º; art.43º. 37

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qualquer outra religião ou culto praticado dentro do território português”44. Gouveia Bacelar afirma que não existe uma sistematização de uma religião oficial45. Outro ponto que a Constituição trata são os deveres fundamentais, dos quais será necessário fazer uma distinção entre preceitos limitativos da autoridade jurídica dos cidadãos e preceitos que os subordinam a deveres. Em relação ao primeiro de destacar o art.º 5.º, § 2º, que proíbe qualquer privilégio e discriminação de nascimento, de raça, sexo, religião e condição social46. Já no segundo, de destacar o dever da imprensa de inserir, em assuntos de interesse nacional, as notas oficiosas enviadas pelo governo (art.º 21.º), e por fim, o art. 54º onde se estabelece a obrigação de serviço militar. Estavam já previstos pela Constituição limites destes direitos fundamentais47, mas o mais importante de referir é a Cláusula Constitucional e limitação legal das liberdades públicas Esta disposição estabelecia que ”Leis especiais regularão o exercício da liberdade de expressão, do pensamento, de ensino, de reunião e de associação, devendo, quanto à primeira, impedir preventiva ou repressivamente a perversão da opinião pública na sua função de força social [...] ”. Aqui percebemos que muito do que atrás foi estabelecido acaba por alterar o sentido do texto e o seu objectivo final. Neste sentido há que analisar o tom “democrático” dos direitos, garantias e liberdades dos cidadãos (art.º 8.º), os quais nunca foram formalmente proibidos mas, do mesmo modo, não se fizeram acompanhar das correspondentes e essenciais normas de regulamentação, acabando por ficar prejudicados a nível do efeito prático. Ora, este é um elemento que caracteriza o Estado Novo enquanto regime autoritário. Não proíbe. Condiciona. Algo que é oposto aos ideais de regimes totalitários, onde a proibição se justifica em função do objectivo final do Estado. Jorge Miranda, no respeitante ao Estado Novo, fala de um “ [...] carácter autoritário que não se converteu totalitário, em virtude da limitação da soberania pela moral e pelo direito”.

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Em relação às relações com a Igreja Católica e demais cultos que se encontram dispostas no título X, podemos dar relevância ao art.º 45.º. 45 Dizendo-se, posteriormente (após a sua última revisão de 1971) que a religião católica seria considerada a “religião tradicional da Nação Portuguesa”. 46 Ver também art.º 31.º e 55º. 47 Ver art.º 6º, nº2, onde se faz prevalecer uma justa harmonia de interesses, dentro da legítima subordinação dos particulares ao geral; e art.º 11º, onde se mostra que as limitações e restrições do exercício dos direitos fundamentais possuem carácter excepcional, o texto constitucional vê no respeito daqueles o primeiro dos “interesses gerais” in TELES, Miguel Galvão, Sumários, 1969-1970.

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3.2.

Poderes de Estado

Após a revolução de 28 de Maio de 1926 as forças armadas assumiram o governo, concentrando em si todos os poderes, incluindo os de Chefe de Estado e do Parlamento. O Congresso foi dissolvido e a constituição de 1911 deixou de vigorar. O governo passou a legislar sendo o Presidente eleito por sufrágio directo. A Constituição assenta no dogma de que a soberania reside na Nação (art.º 71.º), e tem como órgãos o Chefe de Estado, a Assembleia Nacional, o Governo e os Tribunais, ou seja, assistimos a uma concepção transpersonalista da Nação, onde os interesses e fins do colectivo condicionam os direitos e garantias individuais dos cidadãos. Assim surge a perspectiva da Nação como um desígnio histórico do colectivo. Deste modo, o regime político moldado pela constituição de 1933 é de inspiração ditatorial e de natureza autoritária.48 O Presidente da República é eleito pela nação e pode ter maior ou menor intervenção nos órgãos públicos, mas essa intervenção é por vezes exercida por intermédio do Presidente do Conselho, Chefe do Governo ou alguém da sua confiança para a orientação da política interna e externa. O acto de posse realiza-se no dia em que termina o mandato anterior. O Presidente eleito tomará posse dentro dos trinta dias seguintes ao da sua proclamação. O Presidente da República tem como competência nomear o Presidente do Conselho e demiti-lo (art.º81.º) por livre decisão da sua vontade e sem necessidade de referendo (art.º82.º) A ligação entre o Governo e o Chefe do estado estabelece-se através do Presidente do Conselho, o qual deve entregar-lhe todas as informações necessárias e dele receber as indicações convenientes. O Presidente da República pode sempre mandar reunir o Concelho de Ministros para recolher directamente as informações necessárias. Compete ainda ao Presidente da República indultar e comutar penas (art.º 81.º) o que permite de certo modo corrigir as sentenças proferidas em matéria criminal pelos tribunais. A comutação consiste em mudar uma pena mais grave para menos grave.49 Para assistir e aconselhar o chefe do estado no exercício das suas atribuições, criou-se o Conselho de Estado, este é constituído por cinco membros natos e dez conselheiros 48

Gaspar, Manuel Portugal Natário Botelho, O chefe de Estado na Constituição de 1933 CAETANO, Marcelo, A constituição de 1933,estudo de direito político, Coimbra editora,1957;pp.67,68, 69,70, 71e 72. 49

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vitalícios. Os membros natos são os Presidentes do Conselho da Assembleia Nacional, da Câmara Corporativa e do Tribunal de Justiça e o Procurador-Geral da República. Os conselheiros vitalícios são homens públicos de superior competência, nomeados pelo Chefe do Governo.50 A Assembleia Nacional é composta por noventa deputados, eleitos por sufrágio directo para um mandato de quatro anos. As competências da Assembleia Nacional assumiam-se bastante vastas, mais no foro legislativo do que da fiscalização política, embora com uma funcionalização limitada a sessões com duração anual de três meses inadiáveis. Compete à Assembleia Nacional fazer leis, interpretá-las, suspendêlas, revogá-las e ter conhecimento das contas de cada ano económico, as quais serão apresentadas como relatório no Tribunal de Contas. É da competência da Assembleia Nacional autorizar o Governo a cobrar as receitas e apagar as despesas públicas.51 Não fazendo parte do órgão de soberania, não configura uma situação bicameralista, a Câmara Corporativa apenas possui competências consultivas. É composto pelas autarquias locais que detêm funções sociais, administrativos, culturais e morais. As vagas na Câmara Corporativa são preenchidas pela forma como forem designados os subsídios (art.º102.º). Compete à Câmara Corporativa relatar e dar parecer por escrito sobre todas as propostas ou projectos de lei que forem presentes à Assembleia Nacional antes de ser, nesta, iniciada a discussão (art.º103º).52 O Governo é constituído pelo Presidente do Conselho e pelos Ministros, além do Subsecretário do Estado. Competia ao Governo elaborar os decretos, regulamentos e instruções para uma boa execução das leis, que só entravam em vigor através da autorização da Assembleia Nacional (art.º108.º). O Presidente do Conselho responde perante o Presidente da República pela política geral do Governo, coordena e dirige a actividade de todos os Ministros, que perante ele respondem politicamente pelos seus actos (art.º107.º).53 Os tribunais desempenhavam a função judicial, organizada por tribunais ordinários e por tribunais especiais.

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CAETANO, Marcelo, A constituição de 1933,estudo de direito político, Coimbra editora, 1957;pp.73 e 74. 51 CAETANO, Marcelo, A constituição de 1933,estudo de direito político, Coimbra editora, 1957;pp.56, 57 e 58. 52 SÁ CARNEIRO, Revisões da constituição política de 1933,Brasília Editora, Porto, 1971; pp. 29 e 30. 53 SÁ CARNEIRO, Francisco, As Revisões da Constituição Política de 1933, Brasília Editora, Porto, 1971, (art.º 106º, 107º, 111º)

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Os tribunais ordinários são: o Supremo Tribunal de Justiça, os tribunais de segunda instância nos distritos judiciais do continente, ilhas adjacentes e das colónias.54 O acto colonial vem proclamar para o país uma função histórica essencial de possuir, civilizar e colonizar territórios ultramarinos (art.º 2.º). Os outros estados não podem adquirir nenhuma porção dele, salvo para estabelecimento da representação consular. Este processo define assim o quadro jurídico-institucional de uma política para os territórios sob o domínio português. O acto colonial e a carta orgânica do império colonial português reforçaram os princípios legais estabelecidos em 1926, estes documentos foram pensados como sendo uma espécie de constituição para os territórios além-mar e tinham como característica principal o ultranacionalismo. Foi através desses diplomas que os territórios ultramarinos passaram a ser considerados integrantes dos “impérios coloniais”, cuja administração deveria estar centralizada pelo governo de Lisboa. De acordo com o acto colonial, a metrópole e as colónias formariam uma “comunidade e solidariedade natural” nas suas relações económicas. Apesar do artigo 26º do Acto Colonial, assegurar que as colónias possuíam descentralização administrativa e autonomia financeira, na prática a autonomia financeira foi extinta e o orçamento geral passou a depender da aprovação do Ministro das Colónias, segundo o princípio do equilíbrio de contas. O Estado garante a produção e defesa dos indígenas das colónias, conforme os princípios de humanidade e soberania. As autoridades coloniais impedirão e castigarão conforme a lei todos os abusos contra a pessoa e bens dos indígenas. Estas medidas tinham por intuito silenciar assim as reivindicações internacionais sobre os abusos do trabalho nativo.55 A constituição de 1933 veio, assim, a instaurar em Portugal uma Ditadura Militar que ficou conhecida como Estado Novo, ou seja, um regime político autoritário em que está assente a ideia de ordem baseada no tradicionalismo, no antiparlamentarismo, cuja base seriam os municípios regionais.

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Artigo 115 In https://dre.pt/application/dir/pdfgratis/1930/07/15600.pdf - Texto do Acto Colonial no Diário do Governo (artigos: 1, 2, 15), retirado a 17/11/15. 55

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4. Conclusão A Constituição de 1933 incorpora um pensamento autoritário que veio a emergir desde a imposição da Ditadura Militar de 1926 até à edificação do Estado Novo, que encontra os seus alicerces neste texto constitucional. O contexto histórico em que surge a Constituição é assinalado como um momento atribulado em que o Estado e a Nação precisavam urgentemente de encontrar um equilíbrio entre si – falemos então na descrença de grupos sociais face a um governo instável que havia deixado a I República comprometida. A via que assegurava a organização da esfera pública pareceria então ganhar terreno em prol da configuração de um Estado forte que tratasse de uma Nação fragilizada pelas causas que viemos a analisar. Mas mais importante ainda, a Constituição de 1933 inaugurava um novo mundo dentro da história portuguesa, e, no teatro da Constituição teríamos, então, o palco do poder. Esta Constituição continha uma complexidade equilibrada entre os seus artigos, o foco deverá apontar que, de facto, muita da velha ordem liberal sobrevivia neste texto, estando «apenso o Acto Colonial». Não podemos perder de vista que a versão final revela uma influência dos persistentes republicanos conservadores, que desejavam preservar «tanto quanto possível a velha ordem republicana e deter a direita radical». Estamos diante do instrumento da vontade de Salazar, que instaurava um poder autocrático do Presidente do Conselho de Ministros «e, apesar de haver muitas garantias de direitos civis e políticos, todas elas estavam sujeitas a uma série de restrições» exploradas pelo poder executivo56. A cada cedência que se permitia existia sempre uma condição que a subvertia57, e, portanto, seria um texto em constante mutação. A Constituição de 1933 seria um documento incontornável na perspectiva daquilo que viria a forjar a orgânica do Estado Novo, um regime que se ergue com o intuito de um Estado forte, acompanhando o cenário da época da emergência dos autoritarismos. Um regime que prevalece num período onde as soluções eram escassas, e que só é desmantelado não após a morte da principal figura, mas sim, quatro anos depois. O que por si só demonstra a quase exclusiva força política que um regime autoritário tinha. O Estado Novo foi uma solução que rapidamente passou a problema, um problema com quarenta anos de idade e que teve um fim que nada teve de inesperado. 56 57

MENESES, Ibidem, pp.131. Idem, Ibidem, pp.133.

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