Construindo ideias e disseminando valores: a diplomacia cultural como instrumento de política externa da União Europeia

June 4, 2017 | Autor: Aline Burni | Categoria: Relações Internacionais, Diplomacia, União Europeia, Diplomacia Cultural
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Redefinindo a Diplomacia num Mundo em Transformação  5º Encontro Nacional da ABRI  Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais                      CONSTRUINDO IDEIAS E DISSEMINANDO VALORES: A DIPLOMACIA CULTURAL  COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA EXTERNA DA UNIÃO EUROPEIA                  Aline Burni (UFMG)  Jéssica Fernandes (UFMG)                    Belo Horizonte   Julho de 2015  1 

Construindo ideias e disseminando valores: A diplomacia cultural como instrumento  de política externa da União Europeia    Aline Burni1  Jéssica Fernandes2      “There  is  more  to  the  influence  of  a  country  than  the  strength   of   its   economy,   its   strategic  and  military  power  and  its  place  in  the  world  institutions of governance. One  must  also  consider how seductive are its ideas, its knowledge and its culture, and their   relationship  with  the  other  factors  of  power”  (Xavier  Darcos  –  prefácio do livro French   Scientific and Cultural Diplomacy, de Philippe Lane, 2013)  

  Resumo​ :     A  União  Europeia  é  um  projeto  ambicioso  de  integração  regional  que  apresenta,  como  um  de  seus  objetivos,  a  gestão conjunta de interesses comuns dos Estados­membros dentro da  ordem   internacional  globalizada.  Tal  instituição  apresenta,  simultaneamente,  normas  de   caráter  eminentemente  interestatal,  assim  como   de  natureza  supranacional,  esta  última  principalmente  no  que  se   refere  à  política  econômica  do  bloco.  Entretanto,  a  edificação  de  instituições,  a  adaptação  de  modelos  de  gestão  e  a  normatização  dos  procedimentos  decisórios  podem  não  ser  suficientes  para  a  completa  articulação  dos  países­membros  na  arena  internacional  como  um  ator  único  e  alinhado.  Nesse  sentido,  pode­se  dizer  que  embora  na  União  Europeia  exista  uma  interligação  entre  seus  Estados­membros  e  o  compartilhamento  de  identidades  e  interesses,  as  ações  e  estratégias voltadas à integração  cultural  a  serviço  da  política  externa  são  restritas.  Diante  dessa  avaliação,  o  Parlamento  Europeu  vêm  discutindo  ações  para   favorecer  a  diplomacia  cultural  na  União  Europeia,  tendo  em  vista  a  necessidade  de  promover  a Europa em um mundo globalmente conectado  também  no  que  se  refere  aos  valores e às orientações culturais. Nesse ambiente interligado  mundialmente  ao  qual  nos  referimos,  o  poder  cultural,  científico  e  tecnológico  se  tornam  importantes  vias  para  ampliação  e  projeção  do  poder  brando  para  outros  Estados.  Desse  modo  propomos  como  objetivo  deste  artigo  estudar  de  que  maneira  a  identidade  supranacional  pode  contribuir  para  a  política  externa  da  União   Europeia,  sobretudo  a  partir  da via cultural.     Palavras­chave​ : União Europeia, diplomacia cultural, política externa, integração regional 

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 Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Contato:  [email protected]  2  Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Contato:  [email protected] 



  1.  Reflexões sobre o conceito de Diplomacia em um mundo globalizado    Os  avanços  tecnológicos  têm  promovido  de  maneira  cada  vez  mais  intensa  a  aproximação  entre  os  países  por  meio  da  informação.  As  facilidades  propiciadas  pelo  uso  dos  meios  de  comunicação  têm  reduzido  barreiras  entre  povos  e   culturas  no  cenário  internacional.  Esses  avanços  trazem  consigo  a  díade  de  que,  por  um  lado  fomentam  a  ampliação  do  acesso   à  comunicação  de  diversas  origens,  e  de   outro,  tem­se  o  paradoxo  acerca  da  sustentação  da  diversidade  cultural  e  da  equalização  de culturas distintas em um  mesmo  espaço,  e   ao  mesmo  tempo  a  utilização  da  cultura  enquanto  um  poder  suave  utilizado  por  grandes  Estados,  o  que   teria  como  objetivo  emular  a  projeção  de  comportamentos e valores culturais com outras nações.   Ao  fazer   referência  à  projeção  de  poder  e  à  dificuldade  em  sustentar  a  diversidade  cultural,  identifica­se   na  União  Europeia  um  estudo  de  caso  profícuo  a   ser  investigado.  A  União  Europeia,  enquanto  bloco  regional,  não  deve  ser  entendida  unicamente  como  um  bloco  econômico  ou  comercial.  O  patrimônio  imaterial europeu, baseado no conhecimento e  na  diversidade  existente  entre  os  países  merece  destaque  no  projeto de integração social e  cultural  da   comunidade  de  países,  visto  que   o  setor cultural  se mostra um agente motivador  para  atividades  econômicas   e  turísticas  (COMISSÃO  DAS  COMUNIDADES  EUROPEIAS,  2007). Nesse sentido, definimos que a Cultura pode ser entendida como:    o  depósito  acumulado  de  conhecimentos,  experiências  ,  crenças,  valores,  atitudes,  significados, hierarquias,  religião, noções de  tempo, papéis, relações  espaciais  , conceitos dos objetos  e pertences,  universo e materiais adquiridos  por  um  grupo  de   pessoas  no  decorrer  de  gerações  através  de  esforços  individuais e coletivos3 (OSOJNIK, 2008, p. 2). 

  Esse  conjunto  de  experiências,  crenças  e  valores incrustados ao conceito de  Cultura  seriam  paradoxalmente  caracterizados  no  caso  da  União  Européia,  por  um   lado,  como  instrumento  para  manutenção  da  diversidade  e,  por  outro  seria  o  elemento  para  garantir  a  consolidação  da  unidade  interna  ao  bloco.  De  tal  feita  no  Bloco  Europeu   a  diversidade  assumiria  a  função  de  enriquecer  o  patrimônio  cultural4 e também de promover  a integração  entre  os  povos  do  continente.  A  discussão  que  se  tem,  por  conseguinte,  está  situada  no 

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  Tradução  nossa:  Culture  refers  to  the  cumulative  deposit  of  Knowledge,  experience,  beliefs,   values  attitudes, meanings, hierarchies, religion, notions of time, roles  spatial relations, concepts of the universe  and material objects and possessions acquired by a group of people in the course  of generations through  individual and collective efforts(OSOJNIK, 2008, p. 2).  4  O termo Patrimônio Cultural foi cunhado pela UNESCO para definir todas o conjunto de valores e  crenças de um Estado que adquirem valor universal.  



âmbito  das  relações  culturais  internacionais,  tendo  em  vista  o  grande  papel  exercido  pela  Cultura  na   Política  Internacional,  cujo  alicerce  se  baseia  na  projeção  de  valores  no  meio  internacional.   Isto  é,  para  além  de  sua  inerente  importância  no  sentido  de  promover  uma  melhor  compreensão  entre  os  povos,  as  relações  culturais  seriam  capazes  de  viabilizar  objetivos  estatais   em  outros  domínios,  como  por  exemplo,  na  política,  na  economia  e  no  comércio  (TELLES  RIBEIRO,  2011).  Considerando  que  as   relações  internacionais  contemporâneas  passam  por   mutações  constantes  devido  à  elevada  circulação  de  ideias  e  conhecimentos,  refletir  sobre  a   redefinição  do   conceito  de  Diplomacia  em  um  mundo  globalizado  e  mundialmente  conectado  se  justifica. Considerando que a Diplomacia tradicional poderia, de   maneira  simplificada,  ser  definida  como  “a  prática  de  conduzir  as  relações  internacionais,  como  em  alianças  de  negociação,  tratados  e acordos e a habilidade em lidar com pessoas5”  (OSOJNIK,  2008,  p.  2),  o  conceito  com  grande  amplitude  esteve  atrelado  à  resolução  de  dilemas militares e econômicos, sobretudo.   Diante  de  um  cenário  interconectado  pela  veiculação  de  informação, e a inserção da  vertente  cultural  às  relações  internacionais,  enquanto  domínio  a  ser  debatido  e  negociado  entre  os  Estados,  o  conceito  de  Diplomacia  Cultural,  parece  ser mais bem aplicado ao  caso   que  se  refere. Faz se a ressalva de que embora a  Cultura seja um conceito antigo  inerente  à  Política  Internacional,  com  o  intercâmbio  de  informação,   cada  vez  mais  intenso  essa  se  torna  uma  preocupação  e  um  interesse  a  ser  defendido   pelos  Estados   por  meio  da  Diplomacia.  O  termo  Diplomacia  Cultural  tem  sido  utilizado   por  vários  autores,  mas existem  proposições  diversas  acerca  de  uma  definição  conceitual.  Trata­se  de  um  conceito  relativamente  novo  e  apenas  nos  últimos  anos  tem  adquirido  relevância  no  estudo  das  relações  internacionais,  da  política  externa   e  da  diplomacia,  particularmente  através  da  crescente   centralidade  da  temática  da  diplomacia  pública  nos   referidos   campos  de  estudo.  Entretanto,  sua  prática  existe  há  longo  tempo   (OSOJNIK,  2008).  A  título  de  exemplo,  a  diplomacia  cultural  francesa   possui  raízes  ainda  no  ​ Ancien  Régime,​   quando  a  ligação entre  literatura  e  diplomacia  era  extremamente  forte, sendo os homens encarregados pela missão  de  representar  e  defender  os  interesses   do  país   no  exterior  verdadeiros  homens das letras,  extremamente  cultivados  (LANE,  2013),  cuja   cultura   atuava   a  serviço  da  conquista  de  seus  objetivos de política externa e diplomacia.   Em função do caráter novo do tema, ainda  há poucos estudos sistemáticos no campo  da  diplomacia  cultural  e  atualmente  não  há  consenso  geral  a   respeito  da  definição  do  conceito,  sua  relação  com  a  prática  diplomática,  objetivos,  agentes  praticantes,  atividades,   ​ Tradução nossa:The art or practice of conducting international relations,  as in  negotiating alliances, treaties, and  agreements; tact and skill in dealing with people (OSOJNIK, 2008, p.2).  5



time  frame​ ,  nem  mesmo  se  é  uma  prática  recíproca  ou  não  (MARK,  2008).  Alguns  autores  vêem  a  diplomacia  cultural  como  toda  prática  relacionada  à  cultura,  envolvendo  atores  governamentais  e  não  governamentais.  Outros  compreendem  a  diplomacia  cultural  como  a  mera  assinatura  de  acordos  bilaterais  ou  multilaterais  no  campo  da  cultura.  O  que  sugere  consenso  na  literatura,  é  que  a  Diplomacia  Cultural  que  os  Estados  realizam,  se baseia em  estratégias  políticas  que  combinam   o  uso  da  Diplomacia  Pública,  isto  é,  um  tipo  de  diplomacia  que   tem  como  propósito  influenciar  a  opinião  pública  internacional,  (LEONARD,  2002)  somada  à  utilização  do  ​ Soft  Power,  ​ isto  é  um poder brando em que a Cultura  poderia  ser  inserida  como   uma  estratégia  de  poder.  Cabe  ressaltar  que  o  conceito  Diplomacia  Pública  pode,  resumidamente,  ser  entendido  de  duas  maneiras  distintas.  A   primeira  estaria  relacionada  à  ação  de  tornar  pública  à  audiência  nacional  questões  negociadas  em  âmbito  internacional  (LEONARD,  2002).  A  segunda  se  relaciona  ao  fato  de  atingir  uma  audiência  externa  buscando  influenciar  a  opinião  pública  internacional  que  seja  apreciada  internacionalmente (​ ibidem​ ). Esta última se mostra mais pertinente ao caso investigado.   Sob  essa  perspectiva,  a  definição  que  nos  parece  mais  adequada,  que  permite uma  delimitação  mais  clara da prática da diplomacia cultural é a de Simon Mark (2008), conforme  apresentada a seguir:    (  ...  )  Diplomacia cultural é a implantação da cultura de um estado para apoiar  os  seus  objetivos  de  política  externa   ou  diplomacia,  a  prática  inclui   a  negociação e a promulgação de  acordos culturais. A  diplomacia cultural  é uma  prática  diplomática  dos  governos  ­   principalmente  os  governos  individuais,  mas   também   grupos  de  governos,  como   a  União  Europeia  e  os  governos  sub­nacionais,  como  o  governo da  província  canadense de  Québec.  (...) Por  causa  de  sua  ligação  com  a  política  ou  diplomacia  externa  ,  a  diplomacia  cultural  geralmente  envolve  direta  ou  indiretamente   Ministério  das  Relações  Exteriores do governo. (MARK, 2008, p.43 ). 6  

   

O  conceito  de  Diplomacia  Cultural  ao  qual  aqui  nos  referimos,  não  significa  a 

promoção  de  políticas  culturais  pura  e  simplesmente,  mas  a  instrumentalização  da  cultura  ou  a  implementação  de  estratégias  de  políticas  voltadas para o setor cultural com o objetivo  de  facilitar  ou  promover  os  fins  de   política  externa  ou  de  diplomacia  de  um  país,  grupo  de  países  ou  região.  Tal  prática,  apesar   de  envolver  atores  distintos,  que  frequentemente  possuem  caráter  independente,  como  artistas,  músicos,  produtores  de  filme,  entre outros, é 

 ​ Tradução  nossa:  (...)  cultural  diplomacy  is  the  deployment  of  a  state’s  culture  in  support  of  its  foreign  policy  goals  or  diplomacy,  and  the  practice  includes  the  negotiation  and  promulgation  of  cultural  agreements. Cultural  diplomacy  is a  diplomatic  practice  of  governments  –  mostly  single  governments, but also groups  of  governments  such  as  the  European  Union and sub national  governments, such  as the government of the Canadian province of  Québec.  (…)  Because  of  its  connection  to foreign policy or diplomacy,  cultural diplomacy usually  involves directly  or indirectly the government’s foreign ministry. (MARK, 2008, p.43)  6

 



conduzida  por  governos  e  possui  uma  qualidade  oficial  de promoção de uma imagem ou de  uma   ideia,   de  valores  comuns,  que  constituem  a  essência  de  um  país  ou  instituição.  Segundo  Isar  (2014),   a  diplomacia  cultural  é  praticada  por  oficiais  que  atuam  em  nome  de  interesses  claramente  definidos.  Os  governos  praticam  Diplomacia  Cultural,  ao  passo  que  entidades  independentes praticam relações culturais internacionais. A assinatura de tratados  internacionais  no  campo  cultural  pode  fazer  parte  da  diplomacia  cultural,  mas  este conceito  não  se  resume  apenas  ao estabelecimento de acordos, mas engloba práticas e atuações no   campo  da  diplomacia  e   da  política  externa  de  forma  mais  abrangente,  com  o  intuito  de  promover entendimento e atingir objetivos frequentemente de longo prazo.   A  diplomacia  cultural  pode  atuar  no  alcance,  na  informação  e  no  engajamento  de  pessoas  de  outros  países  com  o  intuito  de  auxiliar  um  governo  a  conquistar  seus   objetivos  políticos,  não  necessariamente  àqueles  relacionados  ao  setor  da   cultura.  A  União  Europeia  procura,  através  das  ações  direcionadas  ao setor da cultura, desenvolver as condições para  o  desenvolvimento  econômico e a sustentabilidade de  sua comunidade, por exemplo. Desse  modo,  esse  tipo  de  diplomacia  traz  contribuições  no  sentido  de  que  a  integração  europeia  passa,  necessariamente,  pela  criação  de  uma  percepção  de  união  não  apenas  no  plano  econômico,  mas  também  cultural.  Habermans  (2002  ​ apud  Osojnik,  2008,  p.1)  argumentou  que  os  europeus  não   seriam  capazes  de  preservar  o  processo  de  integração  baseado  apenas  em  termos  econômicos,   contudo,  a  completa  unificação  cultural  seria  também  impossível.  De  acordo  com   o  autor,  as  nações  europeias  são  ávidas  pela  conservação  de  sua  própria  cultura  e  identidade, sendo que toda forma de ​ “melting pot7​ ” seria extremamente  improvável.   Nesse   sentido,  as  atuais  noções  ou  marcas  promovidas  pela   União  Europeia,  tais  como  a  “união  em torno da diferença” e a “celebração da diversidade cultural europeia”, cuja  mensagem   se  volta  para  a  valorização  da  diversidade  cultural  do  continente,  para  sua  preservação e valorização por parte  da UE, constituem importante estratégia para legitimar a  integração  do  bloco  diante  de  seus  estados  nacionais  e  populações,  pois  promove  a noção  de  que  existe  uma   cultura,  uma  identidade, história e valores europeus comuns, capazes de  reunir  seus  cidadãos e governo em torno de objetivos compartilhados, entretanto sem anular  ou  se  impor sobre as particularidades nacionais a ponto de ameaçar sua salvaguarda. Deste  modo:    A  diplomacia  cultural  pode  desempenhar  um  papel  significativo  em  si,  pode,  além  de  simplesmente  servir   como  uma ferramenta  para  tornar  a integração  7

  Melting  pot­  Expressão  de  origem  norte­americana   que  se  refere  à  tendência   de  atenuação  de  diferenças  étnicas  entre  indivíduos  que  vivem  em  um  mesmo  território  através  da  fusão  entre  os  membros  que compõem a população, o que formaria uma nova sociedade. Nesse  sentido, a diversidade  existente criaria um novo padrão de comportamento.  



mais  legítima,  trazer concisão  pública para reconhecer que uma união política  sólida  não  é  igual  à   "  des­identificação  cultural  '  de   um  determinado  Estado­Membro (OSOJNIK, 2008, p. 1)8 . 

  É  possível   identificar,  então,  a  importância  da  noção  de   identidades   nacionais  diferentes  reunidas  no  guarda­chuva   de  uma  só  entidade  governamental  de  caráter  supranacional,  que  visa  promover  as  diversidades  e  não  diminuí­las.  Isso  torna  as  chances  de  intercâmbio  e  promoção  de  interesses  comuns  muito  mais  favoráveis  do  que  em  situações  de  conflito,  em  que   as  pessoas  e  seus  governos  se  vêem  como  competitivos,  ou  possuem  imagens  estereotipadas  e  negativas  uns   a  respeito  dos  outros.  As  trocas  mútuas,  particularmente  no  setor  da  cultura,  promovem  a  informação,  a  aproximação  e  o  engajamento  com  o  outro,  o  que  potencializa  a  existência  de  confiança,   segurança  e  legitimidade.  Ademais,  a   existência  de  mútuo  entendimento  e  de  percepções  positivas  a  respeito  do  outro  gera  o  aprofundamento  e  a  consolidação  de  laços  econômicos,  além  ampliar  a  legitimidade  das  instituições   da  União  Europeia  diante  dos  olhos  de  seus  cidadãos, particularmente em um cenário de crescentes exaltações de nacionalismos.      2. A cultura como um instrumento de Política Externa nas negociações diplomáticas     Conforme  mencionado  na  seção  anterior,  a  Cultura se tornou na contemporaneidade  (leia­se  também  pós­1945)  uma  importante via para projeção de poder estatal. Desde o final  da  Segunda  Guerra  Mundial  já  se  observava  a  reconfiguração   da  ordem  internacional  e  a  utilização  de  novas   formas  de  poder  utilizadas  pelos  Estados  para   alcançar  os  objetivos  políticos  traçados.  De  acordo  com  Ikenberry  (2001)  os  cenários  pós­guerras  teriam   levado  ao  re­ordenamento  internacional  que  seria  favorável  ao  surgimento  de  instituições  internacionais.   Nesse  ínterim,  para  além  da  reestruturação  da  ordem  internacional,  seria  observada,   de  acordo  com  Nye  (2004),  a  reconfiguração das naturezas de poder. Assim, os  Estados  tenderiam  a  utilizar  o  poder  brando,  ​ Soft  Power​ ,  definido  por  Nye  (2004)  como  a  habilidade  de  atrair   e  persuadir  outras  pessoas  a  adotar  seus  objetivos  pretendidos9  (NYE,  2004,  p.  12 ). Em outras palavras, o ​ soft power estaria relacionado à cooptar países e atores  a seguirem um modelo emulado por um ator ou Estado.  

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  Tradução  nossa:  Cultural  diplomacy  can  play  itself  a  significant role  here  by simply serving as  a tool  for  making  integration  more  legitimate,  bringing  public  conciseness  towards  acknowledging  that  a politically more connected  Union does not equal ‘cultural dis­identification’ of a given member state (OSOJNIK, 2008, p. 1)​ .  9  Tradução nossa: “The ability to get what you want by attracting and persuading  others to adopt your goals (NYE,  2004, p.12)​ . 

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De  acordo   com  Nye  (2004),  a  capacidade  de  atrair   a  admiração  de  outros  povos  poderia  ser  notada  a  partir  de  três  dimensões  distintas:  a  primeira  delas  seria  a  cultura,  a  segunda  seriam  os  valores  políticos,  e  a  terceira  a  política   externa.  Em  outros  termos,  pode­se  dizer  que  um   país  com  considerável  poderio  brando  a  ser  emulado  para  outros   povos,  é  capaz  de fomentar a partir da cultura valores e instituições, a  admiração e o apreço  de  povos  distintos  para   alcançar  ganhos  políticos  esperados  pela  política  externa.  Nesse  contexto,  as  ideias  e  o   conhecimento  seriam  reconhecidos  também  como  forças  motrizes  para balizar as negociações diplomáticas entre os Estados internacionais.     3. A importância da Cultura na União Europeia    A  União  Europeia,  composta  atualmente  por  28  Estados­membros  passou  a existir a  partir  de  1992,  com  a  ratificação  do  Tratado  de  Maastrich10  em  substituição  à  extinta  Comunidade  Econômica  Europeia  (CEE),  instituída  pelo  Tratado  de  Roma 11  em  1957.  A  transição  de  uma  Comunidade  Europeia  para  uma  União  Europeia  concretizaria  uma  aspiração   ambiciosa   em  termos  de integração regional, o que significa que para além de um  bloco  regional  político­economicamente  integrado,  nota­se  a  existência   de  um  mosaico  cultural  atribuído  ao  fato  de  que  os  povos  partilham dos mesmos direitos e deveres, mesmo  a  despeito  da  heterogeneidade  lingüística,  de  crenças  e  de  valores  cultivados.  De  acordo  com  a  Comissão  Europeia  (2006),  a  União   Europeia  surgiu  com  o  propósito  de  obstar  que  os  conflitos  incessantes  de  meados  do  século  XX  perpetuassem  no  cenário   internacional.  Com  esse  objetivo,  a  UE  atuaria  também  como  uma  “zona  de paz fundada na liberdade, no  Estado  de  Direito  e  na  justiça  social”  (EUROPEAN  COMISSION,  2006,  p.  5  ​ apud  MONTEIRO ​ et al​  2014, p. 2).  O  grande  desafio  nesse  tocante  é harmonizar realidades dissonantes em um  mesmo  espaço  de  modo  a  garantir  que   a  liberdade  de  expressão  e  de  cultura não seja oprimida ou  rejeitada  entre  seus  Estados­membros.  Da  percepção  histórica,  a   Europa  se  apresenta   “​ O Tratado  da  União  Europeia  (TUE)  constituiu  uma  nova  etapa  na  integração  europeia, dado ter permitido o  lançamento  da  integração  política.  Este  Tratado  criou  uma   União  Europeia  assente  em   três   pilares:  as  Comunidades  Europeias,  a  Política  Externa  e  de  Segurança  Comum (PESC)  e a cooperação  policial e judiciária  em matéria penal  (JAI).  Instituiu  igualmente a cidadania europeia, reforçou os  poderes do Parlamento  Europeu e  criou  a  União  Económica  e  Monetária  (UEM).  Além  disso,  a  CEE  passou  a  constituir  a  Comunidade  Europeia   (CE)”​ .  Fonte:  10

http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_maastricht_pt.htm   Acesso  22/06/2015  11   “O ​  Tratado  CEE,  assinado  em  1957  em  Roma,  congrega  a  França,  a   Alemanha,  a   Itália  e   os  países  do  Benelux  numa  Comunidade  que  tem  por  objectivo  a  integração  através  das  trocas  comerciais, tendo em  vista a  expansão  económica.  Após  o  Tratado  de  Maastricht,  a  CEE  passa  a  constituir  a   Comunidade   Europeia,  exprimindo  a  vontade  dos  Estados­Membros  de  alargar  as  competências  comunitárias  a  domínios   não   económicos.  Fonte:  http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_eec_pt.htm   ​ Acesso: 22/06/2015 



como  um  agrupado  de  heranças que foram sobrepostas ao longo de anos e deram origem à  diversidade  cultura  existente  naquela  localidade.  Embora  se  trate  de  uma  civilização  muito  antiga  e  que   influenciou  povos e culturas de origens distintas no plano internacional, nota­se  a  carência   de  políticas  voltadas  para   a  promoção  de  um   ambiente  mais  harmônico  e  tolerante  que  assegure  a  participação  e  a  cooperação,  cada  vez   mais  efetiva  intra  bloco  (MATIAS, 2009).   Nesse   sentido,  percebe­se  a  Cultura  como  um  elo  crucial  que  pode  robustecer  programas  e  ações  regionais  e  que  podem  ser  projetados  internacionalmente,  auxiliando  não  apenas   na  integração  dos  países­membros  entre  si, mas também do bloco europeu em  sua  unidade  com  a  comunidade  internacional.  Como  demonstrado  na  seção  anterior,  a  projeção  de   poder  por  vias  brandas  ou   intangíveis,  como,  por  exemplo,  por  meio  de  manifestações  artísticas  ou  pelo  incentivo  ao  turismo,  para  além   de  ampliar  a  coesão  intra­bloco  podem  emular  características   a  serem  seguidas  por  diversos  povos  do  mundo.  Desse   modo,  é  possível  afirmar  que,  para  a  manutenção  de  uma  sociedade  amplamente  integrada,  como  no  caso  do  bloco  Europeu,  pressupõe­se  a  existência  de   um  “espaço  cultural  comum  Europeu”  (MONTEIRO  ​ et  al  2014,  p. 3). Isto é, esse espaço cultural referido 

anteriormente,  seria  algo  em  contínuo  processo,  em  outras  palavras,  ​ “​ a  identidade  cultural  europeia  estaria  diretamente  associada  ao  insistente  confrontamento  entre  o  novo,  o  diferente e o estrangeiro” (​ ibidem​ ).  Sob  essa  perspectiva,  a  liberdade   de  expressão  e  a  liberdade  de  professar  as  próprias  crenças,  credos  e  valores  assumiriam  um  papel  central  na  problemática  contemporânea  da  União  Europeia.  Como  exemplos  disso,  podemos  citar a chamada “crise   dos  cartoons”  que  veiculava  publicações  caricatas  do  profeta  Maomé,  desde  2006  na  Dinamarca,  e  na  França,  em  2015,  que  levaram  aos  ataques  terroristas  à  sede  do  jornal  satírico  Charlie  Hebdo.  Essas  questões  podem  demonstrar  dificuldades  existentes  na  harmonização  da  convivência  entre  cidadãos  de  origem  de  tradição  muçulmana  e  os  europeus,  por  exemplo.  Além  disso,   em  diversos  países  europeus  há  partidos  classificados  como  de  extrema­direita,  como  a  Frente  Nacional  na  França  e  a   Liga  Norte  na  Itália,  que  crescem  em  popularidade  e  resultados  eleitorais,  em  grande  parte  justificado  pela  manipulação  que  exercem  no  medo  do  eleitorado  quanto  ao   “muçulmano” ou ao “imigrante”  (MONTEIRO  ​ et  al  ​ 2014,  p.25)  como  “incompatível”  aos  valores  europeus,   revelando  comportamentos  de  cunho  racista  e  discriminatório.  Todas  essas  questões  aparecem como  problemática  de  relevância  para  a   UE  por  perturbarem  uma  ordem  democrática  e  pacífica  vislumbrada  para  o  bloco,  sobretudo  no  que   se  refere  à  consolidação  dos  valores  e  princípios  matriciais  do  projeto  de  integração:   a  democracia,   os  direitos  humanos   e  o  9 

chamado  “rule  of  Law”  (COUNCIL  OF  EUROPE,  2005)  .  Desse  modo,  pensar  em  políticas   voltadas  para  uma  diplomacia  cultural  na  agenda  dos  líderes  europeus  tem  se tornado algo  recorrente  nos  últimos  anos  (MATIAS,  2009)  e,  o  mais  importante,  uma  linha  de  ação  articulada   em  favor  da  implementação  das  estratégias   centrais  do  projeto  de  integração  europeia.     4. A Diplomacia Cultural na União Europeia    Antes  de  dar  início  à  discussão   acerca  da  Diplomacia  Cultural  na  União  Europeia,  realiza­se   um  breve  histórico  acerca  do  surgimento  da  instituição.  Em 1957 foi  assinado em  Roma  o  chamado   Tratado  de  Roma  o  qual  institucionalizaria  a  chamada  Comunidade  Econômica   Europeia  (CEE).  Embora  os  países  signatários  objetivassem   a  estreita  união  entre  os  povos  europeus,  não  se  observava  nesse  tratado  cláusulas  que  incluíssem  a  questão  cultural  como  preocupação  a  ser  regulamentada  entre  os  países  integrantes desse  mercado  comum.  Notava­se  que ao final da década de 1950, a inquietação que  se mostrava  predominante  na  CEE  estava  relacionada  a  garantir  a  estabilidade  e  expansão  econômica,  lealdade  na  concorrência  e  promoção  do  desenvolvimento  de   modo  a  assegurar   desigualdades.  Embora  se  tenha  mencionado  que,  a  CEE  estaria  relacionada   a  construir  estratégias voltadas à “defesa da paz e da liberdade (…)" (TRATADO  DE ROMA, 1957 12), os  objetivos do tratado sugeriam uma aproximação entre os povos, sobretudo econômica.  Em  1992,  no  entanto,  com  o  Tratado  de  Maastricht,  tem­se  uma  reconfiguração  da  proposta  da  CEE  favorecendo  uma  integração  mais  ampla,  não  só  em  termos  econômico­monetários,  como  também  em  termos  políticos.  A  partir  desse  período  de  instituição  da  União  Europeia,   objetivos  voltados  à  coesão  social,  ainda  que  muito  incipientes,  são  publicados  no  documento  regulamentar  de   1992,  dentre  eles  aparece  explicitamente:  “desenvolver  a  vertente  social  da   Comunidade”   (TRATADO  DE  MAASTRICHT,  1992)13,  o  que  estaria  relacionado  à  políticas  voltadas  para  o  indivíduo,  no  que  tange  à  integração  social,  por  meio  de   emprego,  condições  de  vida  adequadas  e  promoção  do  diálogo  social.  Como se pode observar, a questão cultural não era evocada de  maneira  direta,  mas  indícios  de  esforços  voltados  às  políticas  culturais  por  meio  do  termo  “diálogo social” já se mostravam evidentes em 1992.  

Disponível em:  ​ http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_eec_pt.htm  (Acesso: 21/06/15)  13  Disponível em:  http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_maastricht_pt.htm​  (Acesso:  21/06/15)  12

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As  políticas  voltadas  à  criação  de  mecanismos  culturais  na  União  Europeia  se  mostraram  cada  vez  mais  freqüentes  a  partir  da  década  de  1990.  No  ano  de  1999,  o  Parlamento  Europeu  decidiu  por  meio  da  Decisão  1419/1999/CE14  a  criação  de  ações   com  finalidade  de  apoiar  as  manifestações  artísticas  e  culturais  intitulado;  Capital  Europeia  da  Cultura  para  ser  aplicado   entre  os  anos  de  2005  a  2019.  Dentre  outros  objetivos,  o  projeto   foi  elaborado  visando  a  promoção   do  “diálogo  entre  as  culturas  da  Europa  e  as  outras  culturas”  (Decisão  1419/1999/CE)  e  buscando,  desse   modo  “valorizar  a  abertura  e  a  compreensão  dos  outros  aos  valores  culturais  fundamentais”  (​ ibidem)​ .   A  decisão  demonstrava  um  importante passo da União Europeia no sentido de equilibrar a diversidade.  Por  meio  dessa  decisão  os  países  se  tornam  candidatos  a  se  tornarem  Capitais  Europeias  da  Cultura   em  um  determinado  ano,  o  que  promove  ações  culturais,  artísticas,  estimula  o  turismo  e  a  economia.  Todas  essas  ações  contribuíram  para  o  alargamento   da instituição e  têm  cada  vez  mais  estimulando  os  Estados  a  se  tornarem  membros  da  União  Europeia,  podendo  se   dizer  que  seria   uma  forma  de  ​ soft  power  que  tem  sido  utilizado  pelo  bloco  regional  para  atrair  novos  Estados.  Em  termos  numéricos,  até  1995,   15  Estados  eram  signatários  do  Tratado  de  Maastricht,  atualmente  o  bloco  já  conta  com  28  Estados  (EUROPEAN POLICY AND ENLARGEMENT NEGOTIATIONS, 201515).   

Nos  anos  2000  a  União  Europeia  criou  o  programa  político  Cultura  2000,  voltado  a 

subvencionar  projetos  de  cooperação  cultural  em  domínios  distintos  nos  anos  de  2000  a   2004.  Novamente,  as  políticas  pareciam  incentivar  a  criação  de  um  Espaço  Comum  de  Cultura  Europeia,  por  meio  da  qual  todos  os  cidadãos  teriam  acesso  à  cultura  e  à   história  dos  povos  europeus,  o  que   por  sua  vez  só  reforçava  os  fatores  de  integração  social  e  desenvolvimento econômico (PROGRAMA CULTURA 200016 ).   

Desde  seu  início,  portanto,  a  diplomacia  cultural  foi  utilizada  por  embaixadores  e 

diplomatas  da  UE   na  construção   e  moldes  de  percepções  de  seus  estados  membros  a  respeito  da  necessidade  de  aprofundar  a compreensão mútua entre os  mesmos. Embora os  documentos  anteriores  antecipassem  a  preocupação  institucional com a diversidade cultural  no bloco a atuação mais concreta e articulada  da UE no campo da diplomacia cultural é vista  a partir de 2007, como será mencionado a partir da próxima seção.     

  DECISÃO  ​ 1419/1999/CE  DO  PARLAMENTO  EUROPEU  E  DO  http://eur­lex.europa.eu/legal­content/PT/TXT/?uri=CELEX:31999D1419​  Acesso: 22/06/15  14

CONSELHO­ 

    EUROPEAN  ​ POLICY  AND  ENLARGEMENT  NEGOTIATIONS,  2015  http://ec.europa.eu/enlargement/policy/from­6­to­28­members/index_en.htm​  Acesso: 22/06/15    16  ​ Programa Cultura 2000­​  ​ http://ec.europa.eu/agriculture/rur/leader2/rural­pt/euro/p5­0.htm​  Acesso: 22/06/15  15

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5.  O  uso  da  Diplomacia  Cultural a favor da União Europeia: projetos e ações voltados   à projeção do ​ soft power    A  diplomacia  cultural  está  presente  de  forma  significativa  no  trabalho  da  União  Europeia,  tanto  no  discurso  quanto  na  prática  (ISAR,  2014).  A  primeira  vez  em  que  a   preocupação  da  União  Europeia  com  o  tema  foi  tratada   de forma articulada ocorreu  através  do  a  Comunicação  da  Comissão   Europeia  de 2007 ​ Communication on an  European agenda  for  culture  in   a  globalizing  world​ .  Este  documento  empoderou  a  Comissão  Europeia  a  se  tornar  cada  vez  mais  proativa  no  que  se  refere  a  assuntos  culturais  e  sua  conexão  com  a  política  externa,  sem  retirar  a  capacidade  de  gerir  as  questões  relacionadas  com  a  política  audiovisual  e  cultural  das  mãos  dos  Estados­membros,  mas   visando  complementar  as  ações  implementadas  a  nível  nacional,  acrescentando  a  elas  uma  nova  dimensão  europeia  (COUNCIL  OF  EUROPE,  2005).  Em  2007  a  Comissão  propôs  uma  agenda  cultural  aos  Estados­membros,  intitulada  ​ Culture  Action  Europe​ ,  cujos  três  objetivos  centrais  eram:  promover  a  diversidade  cultural  e  o  diálogo  intercultural;  promover  a  cultura  como   catalisador  da  criatividade  no  quadro  da   Estratégia   de  Lisboa;  e  promover  a  cultura  como  elemento vital nas relações internacionais da União Europeia (ISAR, 2014).   Na  prática,tais  propósitos  se  desdobraram  em  linhas  de  ações  como a promoção de  diálogo  cultural  e  intercâmbios  culturais;  acesso  ao  mercado de bens culturais e serviços de  países  em   desenvolvimento;  proteção  e  promoção  de  diversidade  cultural  através   de  financiamento  e  apoio  técnico;  promoção  da  cultura  local  e   expansão  do  acesso  das  pessoas  à  cultura  e  aos   canais  e  expressão  cultural;  e  o  envolvimento  ativo  da  UE  no   trabalho  de  organizações  internacionais  preocupadas  com  a  cultura  (ISAR,  2014).  Outro  objetivo   da  agenda  cultural  lançada  pela  Comissão  Europeia  foi,  também,  apresentar  e  promover  a  UE  como  um  conjunto,  em  seu  todo,  como   algo  muito  maior  do  que  a  simples  soma de suas partes.  Dentro do Conselho Europeu, a Agência Executiva “Educação, Audiovisual e Cultura”  (EACEA)  está  encarregada  de  gerenciar  parcela  importante  dos  programas  de  financiamento  no   campo   da  educação,  cultural,  audiovisual,  esporte,  cidadania  e  voluntariado,  sob   a  supervisão  de quatro Direções­Gerais da Comissão Europeia:  Educação  e  Cultura;  Redes  de Comunicação, Conteúdos e Tecnologia; Imigração e Assuntos Internos;  e  Ajuda  Humanitária  e  Proteção  Civil.  A  partir  de  2014  houve  uma  reestruturação  dos  programas  gerenciados  pela  AECEA,  dentre  os  quais  o  Creative  Europe  e  o  Erasmus  +  estão  intimamente  ligados  à  questão  da  promoção  da  integração  cultural  entre  os  povos  europeus  e  também  da   construção  de   uma  identidade  comum  europeia  no  exterior. 

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Claramente  identifica­se  uma  articulação entre a construção de uma identidade europeia e a  questão  da  formação  escolar, sendo que o intercâmbio acadêmico é visto como promotor do  espírito  de  abertura  e  trocas  entre  diferentes  culturas.  O  Erasmus  +  promove  bolsas  e  financiamento  de   ampla gama de ações  e atividades nos campos da educação, treinamento,  juventude  e  esportes.  Ademais,  o  Erasmus+  apoia  a  aquisição  de  competências  através do  ensino  e  da  formação,  bem  como  do  desenvolvimento  de  conhecimentos  e  de  parcerias  através  das  chamadas  «alianças do  conhecimento» e «alianças de competências setoriais»;   Por  sua  vez,  o programa Creative Europe visa reforçar o patrimônio cultural comum europeu  mediante  o  apoio  a  projetos  culturais transfronteiriços,  tais como ações, plataformas e redes  de  cooperação,  e  projetos  de  tradução  literária.  Este  programa  complementa  igualmente os  financiamentos  a  nível  nacional  para  promover   o  cinema  europeu  e  a  distribuição  de  novos   filmes e reforçar a competitividade do setor audiovisual.   Existem  muitas  outras  iniciativas  da  UE  voltadas  para  a  diplomacia  cultural,  tanto  para  facilitar  a  integração  entre  seus  Estados­membros,  como   o  caso  da  iniciativa  das  Capitais  Europeias  da  Cultura,  ou  também  para  promover  a  UE  no  exterior  e  engajar  a  comunidades internacionais em suas causas, como a cooperação internacional no âmbito do  ensino  superior  na  Ásia  (JONES,  2010).  Entretanto,  em  função  do  limite  do  escopo  deste  trabalho, tais iniciativas não serão tratadas de forma mais aprofundada.   Importante  evidenciar  que  a  cultura  ocupa  uma  posição fundamental no processo de  integração  europeia  e  que  as instituições de tal organização tem se preocupado em articular   cada  vez  mais   ações  voltadas  para  este  ramo,  sobretudo  a  partir  de  uma  visão  de  longo  prazo,  em  que   os  projetos  de  promoção  cultural  estão  intimamente  ligados  à  juventude,  à  educação, ao esporte e às artes.     6.  Conclusão    Conforme  discutido  neste  trabalho,  pensar  o  poder   no  mundo  globalizado  contemporâneo  não  se  restringe  às  problemáticas   econômicas  e  militares  pura  e  simplesmente.  Com  a  evolução  da   diplomacia  e  das  relações  internacionais  em  direção  a  um  cenário  mais  plural e horizontal, em que os fluxos de informação e  o uso das tecnologias  é  cada  vez  mais  intenso  e instantâneo, as influências nos chamados setores intangíveis são  relevantes  para  o  estabelecimento  de  relações   e  promoção  de  cooperação  internacional,  sobretudo  no  que  se  refere  ao  envolvimento  e   à  inclusão  dos  cidadãos  nos  mais  diversos  ramos  de  atuação  dos  governos.  Nesse  sentido,  a União Europeia tem se preocupado cada  vez  mais  em  promover ações voltadas para a cultura, a educação, o esporte, as artes com o 

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objetivo   de  aprofundar  os  laços  entre  os  Estados­membros,  assim   como  projetar  uma  imagem  unificada  do  bloco  para  o  exterior.  De  maneira  simplificada,  pode­se  dizer  que  tal   estratégia  baseia­se  sobretudo  na  promoção  da  diversidade  cultural  europeia,  de  forma  a  valorizar,  apoiar  e  incentivar ­ inclusive financeiramente!  ­ as iniciativas locais e nacionais no  ramo  cultural,  ao  mesmo  tempo  em  que  visa  promover  intercâmbios  e  produções  transnacionais   de  maneira  a  reforçar  os  valores  comuns  da  UE  através  da  cultura:   a  democracia, os direitos humanos e a justiça social.     7.  Referências Bibliográficas    COMISSÃO  DAS COMUNIDADES EUROPEIAS  Comunicação da Comissão ao Parlamento  Europeu,  ao  Conselho,  ao  Comité   Económico  e  Social  Europeu  e  ao  Comité  das  Regiões.  Comunicação  sobre  uma  agenda  europeia  para a cultura num mundo  globalizado. Bruxelas,  2007.     COUNCIL  OF  EUROPE  Framework  convention  on  the  Value   of  Cultural  Heritage  for  Society,  2005.  Disponível  em:  http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.asp?CL=ENG&CM=8&NT=199  Último acesso: 22/06/2015    ISAR,  Y.  R.  2014.  Organization  for  Security  and  Co­operation  in  Europe.   Disponível  em:  http://www.osce.org/secretariat/103748?download=true    DECISÃO  1419/1999/CE  DO  PARLAMENTO  EUROPEU  E  DO CONSELHO. 25  de maio de  1999.  Acces  to  European  Union  Law  Disponível  em:  http://eur­lex.europa.eu/legal­content/PT/TXT/?uri=CELEX:31999D1419  Último  acesso:  22/06/2015    EUROPEAN  POLICY  AND  ENLARGEMENT   NEGOTIATIONS.  From   6  to  28  members  Disponível  em:  ​ http://ec.europa.eu/enlargement/policy/from­6­to­28­members/index_en.htm  Útlimo acesso: 22/06/2015    FEIGENBAUM,  Harvey  B.  Globalization  and  Cultural  Diplomacy.  The  George  Washington  University. Center for Arts and Culture, 2002.    IKENBERRY,  G.  John­  ​ A​ fter  Victory​ ­​ Institutions,  Strategic   restraint  and  the  rebuilding  of  order after major wars. Chapters 1, 3,5,6,7​  ​ Princeton University Press. 2001    JONES, William J. European Union Soft Power: Cultural Diplomacy & Higher Education in  Southeast Asia. Silpakorn University International Journal, Vol.9­10, 2009­2010.     LEONARD, Mark­ ​ Public Diplomacy ​ ­ The Foreign Policy Centre, London 2002    PENDERGAST,  Willian  R.  UNESCO  and  French  Cultural Relations 1945­1970. International  Organization,  vol.  30,  nº  3  (Summer,  1976)  pp,  453­483.University  of  Winsconsin   Press  Journal Divisions, 1976.     14 

PROGRAMA   CULTURA  2000.  Disponível  em:  http://europa.eu/legislation_summaries/culture/l29006_pt.htm​  Último acesso: 22/06/2015.    LANE, P. ​ French Scientific and Cultural Diplomacy. L ​iverpool University Press. 2013    MATIAS, Joana Maria Santos Identidade Cultural Europeia Idealismo, projecto ou realidade?  Dissertação de Mestrado.Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra 2009. Disponível  em:  https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/13357/1/Tese_mestrado_Joana%20Matias.pdf  Último acesso: 22/06/2015     MARK,  Simon.  A  comparative  Study  of the Cultural Diplomacy of Canada, New Zeland and  Australia. Tese de Doutorado, University of Auckland 2008.    MONTEIRO,  Henrique;  GANDELSMAN,  Marcos;  AMORIM,  Pedro,  FRÓZ,  Sarah  Diversidade  cultural  e  religiosa  na  União  Europeia:  desafios  para  um  cenário  de  maior  tolerância,  pluralismo  e  coesão  social  na  região.  Simulação  das  Nações  Unidas  para  Secundaristas.  Disponível  em:  http://sinus.org.br/2014/wp­content/uploads/2013/11/CMUE.pdf​  Último acesso: 22/06/2015      NYE,  Joseph  Jr­  ​ Soft  Power  The  means  to  success  in  world  politics­  p.  33­  72  Sources  of  American Soft Power­ Public Affairs, United States, 2004    OSOJNIK,  Marta.  Cultural  Diplomacy  and  the  European  Union:  Key  Characters   and  Historical  Development,  2008.  Institute  for  Cultural  Diplomacy.  Disponível  em:  http://www.culturaldiplomacy.org/pdf/case­studies/cd­eu.pdf     

TELLES  RIBEIRO,  Edgard.  Diplomacia  Cultural  e  seu  papel  na  política  externa   brasileira.  Fundação  Alexandre  Gusmão,  Brasília,  2011,128p.  Disponível  em:  http://funag.gov.br/loja/download/824­Diplomacia_Cultural_­_Seu_papel_na_PolItica_Extern a_Brasileira_2011.pdf​   Último acesso: 22/06/2015    TRATADO  DE  ROMA  Tratado  que  institui  a  Comunidade  Econômica  Europeia,  Tratado  CEE,  1957.  Disponível  em:  http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_eec_pt.htm  Último acesso: 22/06/2015.     TRATADO  DE  MAASTRICHT,  Tratado  de   Maastricht  sobre  a  União  Europeia,  1992.  Disponível  em:  http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_maastricht_pt.ht m​  Último acesso: 22/06/2015  1992 

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