Redefinindo a Diplomacia num Mundo em Transformação 5º Encontro Nacional da ABRI Área Temática: Instituições e Regimes Internacionais CONSTRUINDO IDEIAS E DISSEMINANDO VALORES: A DIPLOMACIA CULTURAL COMO INSTRUMENTO DE POLÍTICA EXTERNA DA UNIÃO EUROPEIA Aline Burni (UFMG) Jéssica Fernandes (UFMG) Belo Horizonte Julho de 2015 1
Construindo ideias e disseminando valores: A diplomacia cultural como instrumento de política externa da União Europeia Aline Burni1 Jéssica Fernandes2 “There is more to the influence of a country than the strength of its economy, its strategic and military power and its place in the world institutions of governance. One must also consider how seductive are its ideas, its knowledge and its culture, and their relationship with the other factors of power” (Xavier Darcos – prefácio do livro French Scientific and Cultural Diplomacy, de Philippe Lane, 2013)
Resumo : A União Europeia é um projeto ambicioso de integração regional que apresenta, como um de seus objetivos, a gestão conjunta de interesses comuns dos Estadosmembros dentro da ordem internacional globalizada. Tal instituição apresenta, simultaneamente, normas de caráter eminentemente interestatal, assim como de natureza supranacional, esta última principalmente no que se refere à política econômica do bloco. Entretanto, a edificação de instituições, a adaptação de modelos de gestão e a normatização dos procedimentos decisórios podem não ser suficientes para a completa articulação dos paísesmembros na arena internacional como um ator único e alinhado. Nesse sentido, podese dizer que embora na União Europeia exista uma interligação entre seus Estadosmembros e o compartilhamento de identidades e interesses, as ações e estratégias voltadas à integração cultural a serviço da política externa são restritas. Diante dessa avaliação, o Parlamento Europeu vêm discutindo ações para favorecer a diplomacia cultural na União Europeia, tendo em vista a necessidade de promover a Europa em um mundo globalmente conectado também no que se refere aos valores e às orientações culturais. Nesse ambiente interligado mundialmente ao qual nos referimos, o poder cultural, científico e tecnológico se tornam importantes vias para ampliação e projeção do poder brando para outros Estados. Desse modo propomos como objetivo deste artigo estudar de que maneira a identidade supranacional pode contribuir para a política externa da União Europeia, sobretudo a partir da via cultural. Palavraschave : União Europeia, diplomacia cultural, política externa, integração regional
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Doutoranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Contato:
[email protected] 2 Mestre em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Contato:
[email protected]
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1. Reflexões sobre o conceito de Diplomacia em um mundo globalizado Os avanços tecnológicos têm promovido de maneira cada vez mais intensa a aproximação entre os países por meio da informação. As facilidades propiciadas pelo uso dos meios de comunicação têm reduzido barreiras entre povos e culturas no cenário internacional. Esses avanços trazem consigo a díade de que, por um lado fomentam a ampliação do acesso à comunicação de diversas origens, e de outro, temse o paradoxo acerca da sustentação da diversidade cultural e da equalização de culturas distintas em um mesmo espaço, e ao mesmo tempo a utilização da cultura enquanto um poder suave utilizado por grandes Estados, o que teria como objetivo emular a projeção de comportamentos e valores culturais com outras nações. Ao fazer referência à projeção de poder e à dificuldade em sustentar a diversidade cultural, identificase na União Europeia um estudo de caso profícuo a ser investigado. A União Europeia, enquanto bloco regional, não deve ser entendida unicamente como um bloco econômico ou comercial. O patrimônio imaterial europeu, baseado no conhecimento e na diversidade existente entre os países merece destaque no projeto de integração social e cultural da comunidade de países, visto que o setor cultural se mostra um agente motivador para atividades econômicas e turísticas (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 2007). Nesse sentido, definimos que a Cultura pode ser entendida como: o depósito acumulado de conhecimentos, experiências , crenças, valores, atitudes, significados, hierarquias, religião, noções de tempo, papéis, relações espaciais , conceitos dos objetos e pertences, universo e materiais adquiridos por um grupo de pessoas no decorrer de gerações através de esforços individuais e coletivos3 (OSOJNIK, 2008, p. 2).
Esse conjunto de experiências, crenças e valores incrustados ao conceito de Cultura seriam paradoxalmente caracterizados no caso da União Européia, por um lado, como instrumento para manutenção da diversidade e, por outro seria o elemento para garantir a consolidação da unidade interna ao bloco. De tal feita no Bloco Europeu a diversidade assumiria a função de enriquecer o patrimônio cultural4 e também de promover a integração entre os povos do continente. A discussão que se tem, por conseguinte, está situada no
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Tradução nossa: Culture refers to the cumulative deposit of Knowledge, experience, beliefs, values attitudes, meanings, hierarchies, religion, notions of time, roles spatial relations, concepts of the universe and material objects and possessions acquired by a group of people in the course of generations through individual and collective efforts(OSOJNIK, 2008, p. 2). 4 O termo Patrimônio Cultural foi cunhado pela UNESCO para definir todas o conjunto de valores e crenças de um Estado que adquirem valor universal.
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âmbito das relações culturais internacionais, tendo em vista o grande papel exercido pela Cultura na Política Internacional, cujo alicerce se baseia na projeção de valores no meio internacional. Isto é, para além de sua inerente importância no sentido de promover uma melhor compreensão entre os povos, as relações culturais seriam capazes de viabilizar objetivos estatais em outros domínios, como por exemplo, na política, na economia e no comércio (TELLES RIBEIRO, 2011). Considerando que as relações internacionais contemporâneas passam por mutações constantes devido à elevada circulação de ideias e conhecimentos, refletir sobre a redefinição do conceito de Diplomacia em um mundo globalizado e mundialmente conectado se justifica. Considerando que a Diplomacia tradicional poderia, de maneira simplificada, ser definida como “a prática de conduzir as relações internacionais, como em alianças de negociação, tratados e acordos e a habilidade em lidar com pessoas5” (OSOJNIK, 2008, p. 2), o conceito com grande amplitude esteve atrelado à resolução de dilemas militares e econômicos, sobretudo. Diante de um cenário interconectado pela veiculação de informação, e a inserção da vertente cultural às relações internacionais, enquanto domínio a ser debatido e negociado entre os Estados, o conceito de Diplomacia Cultural, parece ser mais bem aplicado ao caso que se refere. Faz se a ressalva de que embora a Cultura seja um conceito antigo inerente à Política Internacional, com o intercâmbio de informação, cada vez mais intenso essa se torna uma preocupação e um interesse a ser defendido pelos Estados por meio da Diplomacia. O termo Diplomacia Cultural tem sido utilizado por vários autores, mas existem proposições diversas acerca de uma definição conceitual. Tratase de um conceito relativamente novo e apenas nos últimos anos tem adquirido relevância no estudo das relações internacionais, da política externa e da diplomacia, particularmente através da crescente centralidade da temática da diplomacia pública nos referidos campos de estudo. Entretanto, sua prática existe há longo tempo (OSOJNIK, 2008). A título de exemplo, a diplomacia cultural francesa possui raízes ainda no Ancien Régime, quando a ligação entre literatura e diplomacia era extremamente forte, sendo os homens encarregados pela missão de representar e defender os interesses do país no exterior verdadeiros homens das letras, extremamente cultivados (LANE, 2013), cuja cultura atuava a serviço da conquista de seus objetivos de política externa e diplomacia. Em função do caráter novo do tema, ainda há poucos estudos sistemáticos no campo da diplomacia cultural e atualmente não há consenso geral a respeito da definição do conceito, sua relação com a prática diplomática, objetivos, agentes praticantes, atividades, Tradução nossa:The art or practice of conducting international relations, as in negotiating alliances, treaties, and agreements; tact and skill in dealing with people (OSOJNIK, 2008, p.2). 5
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time frame , nem mesmo se é uma prática recíproca ou não (MARK, 2008). Alguns autores vêem a diplomacia cultural como toda prática relacionada à cultura, envolvendo atores governamentais e não governamentais. Outros compreendem a diplomacia cultural como a mera assinatura de acordos bilaterais ou multilaterais no campo da cultura. O que sugere consenso na literatura, é que a Diplomacia Cultural que os Estados realizam, se baseia em estratégias políticas que combinam o uso da Diplomacia Pública, isto é, um tipo de diplomacia que tem como propósito influenciar a opinião pública internacional, (LEONARD, 2002) somada à utilização do Soft Power, isto é um poder brando em que a Cultura poderia ser inserida como uma estratégia de poder. Cabe ressaltar que o conceito Diplomacia Pública pode, resumidamente, ser entendido de duas maneiras distintas. A primeira estaria relacionada à ação de tornar pública à audiência nacional questões negociadas em âmbito internacional (LEONARD, 2002). A segunda se relaciona ao fato de atingir uma audiência externa buscando influenciar a opinião pública internacional que seja apreciada internacionalmente ( ibidem ). Esta última se mostra mais pertinente ao caso investigado. Sob essa perspectiva, a definição que nos parece mais adequada, que permite uma delimitação mais clara da prática da diplomacia cultural é a de Simon Mark (2008), conforme apresentada a seguir: ( ... ) Diplomacia cultural é a implantação da cultura de um estado para apoiar os seus objetivos de política externa ou diplomacia, a prática inclui a negociação e a promulgação de acordos culturais. A diplomacia cultural é uma prática diplomática dos governos principalmente os governos individuais, mas também grupos de governos, como a União Europeia e os governos subnacionais, como o governo da província canadense de Québec. (...) Por causa de sua ligação com a política ou diplomacia externa , a diplomacia cultural geralmente envolve direta ou indiretamente Ministério das Relações Exteriores do governo. (MARK, 2008, p.43 ). 6
O conceito de Diplomacia Cultural ao qual aqui nos referimos, não significa a
promoção de políticas culturais pura e simplesmente, mas a instrumentalização da cultura ou a implementação de estratégias de políticas voltadas para o setor cultural com o objetivo de facilitar ou promover os fins de política externa ou de diplomacia de um país, grupo de países ou região. Tal prática, apesar de envolver atores distintos, que frequentemente possuem caráter independente, como artistas, músicos, produtores de filme, entre outros, é
Tradução nossa: (...) cultural diplomacy is the deployment of a state’s culture in support of its foreign policy goals or diplomacy, and the practice includes the negotiation and promulgation of cultural agreements. Cultural diplomacy is a diplomatic practice of governments – mostly single governments, but also groups of governments such as the European Union and sub national governments, such as the government of the Canadian province of Québec. (…) Because of its connection to foreign policy or diplomacy, cultural diplomacy usually involves directly or indirectly the government’s foreign ministry. (MARK, 2008, p.43) 6
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conduzida por governos e possui uma qualidade oficial de promoção de uma imagem ou de uma ideia, de valores comuns, que constituem a essência de um país ou instituição. Segundo Isar (2014), a diplomacia cultural é praticada por oficiais que atuam em nome de interesses claramente definidos. Os governos praticam Diplomacia Cultural, ao passo que entidades independentes praticam relações culturais internacionais. A assinatura de tratados internacionais no campo cultural pode fazer parte da diplomacia cultural, mas este conceito não se resume apenas ao estabelecimento de acordos, mas engloba práticas e atuações no campo da diplomacia e da política externa de forma mais abrangente, com o intuito de promover entendimento e atingir objetivos frequentemente de longo prazo. A diplomacia cultural pode atuar no alcance, na informação e no engajamento de pessoas de outros países com o intuito de auxiliar um governo a conquistar seus objetivos políticos, não necessariamente àqueles relacionados ao setor da cultura. A União Europeia procura, através das ações direcionadas ao setor da cultura, desenvolver as condições para o desenvolvimento econômico e a sustentabilidade de sua comunidade, por exemplo. Desse modo, esse tipo de diplomacia traz contribuições no sentido de que a integração europeia passa, necessariamente, pela criação de uma percepção de união não apenas no plano econômico, mas também cultural. Habermans (2002 apud Osojnik, 2008, p.1) argumentou que os europeus não seriam capazes de preservar o processo de integração baseado apenas em termos econômicos, contudo, a completa unificação cultural seria também impossível. De acordo com o autor, as nações europeias são ávidas pela conservação de sua própria cultura e identidade, sendo que toda forma de “melting pot7 ” seria extremamente improvável. Nesse sentido, as atuais noções ou marcas promovidas pela União Europeia, tais como a “união em torno da diferença” e a “celebração da diversidade cultural europeia”, cuja mensagem se volta para a valorização da diversidade cultural do continente, para sua preservação e valorização por parte da UE, constituem importante estratégia para legitimar a integração do bloco diante de seus estados nacionais e populações, pois promove a noção de que existe uma cultura, uma identidade, história e valores europeus comuns, capazes de reunir seus cidadãos e governo em torno de objetivos compartilhados, entretanto sem anular ou se impor sobre as particularidades nacionais a ponto de ameaçar sua salvaguarda. Deste modo: A diplomacia cultural pode desempenhar um papel significativo em si, pode, além de simplesmente servir como uma ferramenta para tornar a integração 7
Melting pot Expressão de origem norteamericana que se refere à tendência de atenuação de diferenças étnicas entre indivíduos que vivem em um mesmo território através da fusão entre os membros que compõem a população, o que formaria uma nova sociedade. Nesse sentido, a diversidade existente criaria um novo padrão de comportamento.
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mais legítima, trazer concisão pública para reconhecer que uma união política sólida não é igual à " desidentificação cultural ' de um determinado EstadoMembro (OSOJNIK, 2008, p. 1)8 .
É possível identificar, então, a importância da noção de identidades nacionais diferentes reunidas no guardachuva de uma só entidade governamental de caráter supranacional, que visa promover as diversidades e não diminuílas. Isso torna as chances de intercâmbio e promoção de interesses comuns muito mais favoráveis do que em situações de conflito, em que as pessoas e seus governos se vêem como competitivos, ou possuem imagens estereotipadas e negativas uns a respeito dos outros. As trocas mútuas, particularmente no setor da cultura, promovem a informação, a aproximação e o engajamento com o outro, o que potencializa a existência de confiança, segurança e legitimidade. Ademais, a existência de mútuo entendimento e de percepções positivas a respeito do outro gera o aprofundamento e a consolidação de laços econômicos, além ampliar a legitimidade das instituições da União Europeia diante dos olhos de seus cidadãos, particularmente em um cenário de crescentes exaltações de nacionalismos. 2. A cultura como um instrumento de Política Externa nas negociações diplomáticas Conforme mencionado na seção anterior, a Cultura se tornou na contemporaneidade (leiase também pós1945) uma importante via para projeção de poder estatal. Desde o final da Segunda Guerra Mundial já se observava a reconfiguração da ordem internacional e a utilização de novas formas de poder utilizadas pelos Estados para alcançar os objetivos políticos traçados. De acordo com Ikenberry (2001) os cenários pósguerras teriam levado ao reordenamento internacional que seria favorável ao surgimento de instituições internacionais. Nesse ínterim, para além da reestruturação da ordem internacional, seria observada, de acordo com Nye (2004), a reconfiguração das naturezas de poder. Assim, os Estados tenderiam a utilizar o poder brando, Soft Power , definido por Nye (2004) como a habilidade de atrair e persuadir outras pessoas a adotar seus objetivos pretendidos9 (NYE, 2004, p. 12 ). Em outras palavras, o soft power estaria relacionado à cooptar países e atores a seguirem um modelo emulado por um ator ou Estado.
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Tradução nossa: Cultural diplomacy can play itself a significant role here by simply serving as a tool for making integration more legitimate, bringing public conciseness towards acknowledging that a politically more connected Union does not equal ‘cultural disidentification’ of a given member state (OSOJNIK, 2008, p. 1) . 9 Tradução nossa: “The ability to get what you want by attracting and persuading others to adopt your goals (NYE, 2004, p.12) .
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De acordo com Nye (2004), a capacidade de atrair a admiração de outros povos poderia ser notada a partir de três dimensões distintas: a primeira delas seria a cultura, a segunda seriam os valores políticos, e a terceira a política externa. Em outros termos, podese dizer que um país com considerável poderio brando a ser emulado para outros povos, é capaz de fomentar a partir da cultura valores e instituições, a admiração e o apreço de povos distintos para alcançar ganhos políticos esperados pela política externa. Nesse contexto, as ideias e o conhecimento seriam reconhecidos também como forças motrizes para balizar as negociações diplomáticas entre os Estados internacionais. 3. A importância da Cultura na União Europeia A União Europeia, composta atualmente por 28 Estadosmembros passou a existir a partir de 1992, com a ratificação do Tratado de Maastrich10 em substituição à extinta Comunidade Econômica Europeia (CEE), instituída pelo Tratado de Roma 11 em 1957. A transição de uma Comunidade Europeia para uma União Europeia concretizaria uma aspiração ambiciosa em termos de integração regional, o que significa que para além de um bloco regional políticoeconomicamente integrado, notase a existência de um mosaico cultural atribuído ao fato de que os povos partilham dos mesmos direitos e deveres, mesmo a despeito da heterogeneidade lingüística, de crenças e de valores cultivados. De acordo com a Comissão Europeia (2006), a União Europeia surgiu com o propósito de obstar que os conflitos incessantes de meados do século XX perpetuassem no cenário internacional. Com esse objetivo, a UE atuaria também como uma “zona de paz fundada na liberdade, no Estado de Direito e na justiça social” (EUROPEAN COMISSION, 2006, p. 5 apud MONTEIRO et al 2014, p. 2). O grande desafio nesse tocante é harmonizar realidades dissonantes em um mesmo espaço de modo a garantir que a liberdade de expressão e de cultura não seja oprimida ou rejeitada entre seus Estadosmembros. Da percepção histórica, a Europa se apresenta “ O Tratado da União Europeia (TUE) constituiu uma nova etapa na integração europeia, dado ter permitido o lançamento da integração política. Este Tratado criou uma União Europeia assente em três pilares: as Comunidades Europeias, a Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e a cooperação policial e judiciária em matéria penal (JAI). Instituiu igualmente a cidadania europeia, reforçou os poderes do Parlamento Europeu e criou a União Económica e Monetária (UEM). Além disso, a CEE passou a constituir a Comunidade Europeia (CE)” . Fonte: 10
http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_maastricht_pt.htm Acesso 22/06/2015 11 “O Tratado CEE, assinado em 1957 em Roma, congrega a França, a Alemanha, a Itália e os países do Benelux numa Comunidade que tem por objectivo a integração através das trocas comerciais, tendo em vista a expansão económica. Após o Tratado de Maastricht, a CEE passa a constituir a Comunidade Europeia, exprimindo a vontade dos EstadosMembros de alargar as competências comunitárias a domínios não económicos. Fonte: http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_eec_pt.htm Acesso: 22/06/2015
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como um agrupado de heranças que foram sobrepostas ao longo de anos e deram origem à diversidade cultura existente naquela localidade. Embora se trate de uma civilização muito antiga e que influenciou povos e culturas de origens distintas no plano internacional, notase a carência de políticas voltadas para a promoção de um ambiente mais harmônico e tolerante que assegure a participação e a cooperação, cada vez mais efetiva intra bloco (MATIAS, 2009). Nesse sentido, percebese a Cultura como um elo crucial que pode robustecer programas e ações regionais e que podem ser projetados internacionalmente, auxiliando não apenas na integração dos paísesmembros entre si, mas também do bloco europeu em sua unidade com a comunidade internacional. Como demonstrado na seção anterior, a projeção de poder por vias brandas ou intangíveis, como, por exemplo, por meio de manifestações artísticas ou pelo incentivo ao turismo, para além de ampliar a coesão intrabloco podem emular características a serem seguidas por diversos povos do mundo. Desse modo, é possível afirmar que, para a manutenção de uma sociedade amplamente integrada, como no caso do bloco Europeu, pressupõese a existência de um “espaço cultural comum Europeu” (MONTEIRO et al 2014, p. 3). Isto é, esse espaço cultural referido
anteriormente, seria algo em contínuo processo, em outras palavras, “ a identidade cultural europeia estaria diretamente associada ao insistente confrontamento entre o novo, o diferente e o estrangeiro” ( ibidem ). Sob essa perspectiva, a liberdade de expressão e a liberdade de professar as próprias crenças, credos e valores assumiriam um papel central na problemática contemporânea da União Europeia. Como exemplos disso, podemos citar a chamada “crise dos cartoons” que veiculava publicações caricatas do profeta Maomé, desde 2006 na Dinamarca, e na França, em 2015, que levaram aos ataques terroristas à sede do jornal satírico Charlie Hebdo. Essas questões podem demonstrar dificuldades existentes na harmonização da convivência entre cidadãos de origem de tradição muçulmana e os europeus, por exemplo. Além disso, em diversos países europeus há partidos classificados como de extremadireita, como a Frente Nacional na França e a Liga Norte na Itália, que crescem em popularidade e resultados eleitorais, em grande parte justificado pela manipulação que exercem no medo do eleitorado quanto ao “muçulmano” ou ao “imigrante” (MONTEIRO et al 2014, p.25) como “incompatível” aos valores europeus, revelando comportamentos de cunho racista e discriminatório. Todas essas questões aparecem como problemática de relevância para a UE por perturbarem uma ordem democrática e pacífica vislumbrada para o bloco, sobretudo no que se refere à consolidação dos valores e princípios matriciais do projeto de integração: a democracia, os direitos humanos e o 9
chamado “rule of Law” (COUNCIL OF EUROPE, 2005) . Desse modo, pensar em políticas voltadas para uma diplomacia cultural na agenda dos líderes europeus tem se tornado algo recorrente nos últimos anos (MATIAS, 2009) e, o mais importante, uma linha de ação articulada em favor da implementação das estratégias centrais do projeto de integração europeia. 4. A Diplomacia Cultural na União Europeia Antes de dar início à discussão acerca da Diplomacia Cultural na União Europeia, realizase um breve histórico acerca do surgimento da instituição. Em 1957 foi assinado em Roma o chamado Tratado de Roma o qual institucionalizaria a chamada Comunidade Econômica Europeia (CEE). Embora os países signatários objetivassem a estreita união entre os povos europeus, não se observava nesse tratado cláusulas que incluíssem a questão cultural como preocupação a ser regulamentada entre os países integrantes desse mercado comum. Notavase que ao final da década de 1950, a inquietação que se mostrava predominante na CEE estava relacionada a garantir a estabilidade e expansão econômica, lealdade na concorrência e promoção do desenvolvimento de modo a assegurar desigualdades. Embora se tenha mencionado que, a CEE estaria relacionada a construir estratégias voltadas à “defesa da paz e da liberdade (…)" (TRATADO DE ROMA, 1957 12), os objetivos do tratado sugeriam uma aproximação entre os povos, sobretudo econômica. Em 1992, no entanto, com o Tratado de Maastricht, temse uma reconfiguração da proposta da CEE favorecendo uma integração mais ampla, não só em termos econômicomonetários, como também em termos políticos. A partir desse período de instituição da União Europeia, objetivos voltados à coesão social, ainda que muito incipientes, são publicados no documento regulamentar de 1992, dentre eles aparece explicitamente: “desenvolver a vertente social da Comunidade” (TRATADO DE MAASTRICHT, 1992)13, o que estaria relacionado à políticas voltadas para o indivíduo, no que tange à integração social, por meio de emprego, condições de vida adequadas e promoção do diálogo social. Como se pode observar, a questão cultural não era evocada de maneira direta, mas indícios de esforços voltados às políticas culturais por meio do termo “diálogo social” já se mostravam evidentes em 1992.
Disponível em: http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_eec_pt.htm (Acesso: 21/06/15) 13 Disponível em: http://europa.eu/legislation_summaries/institutional_affairs/treaties/treaties_maastricht_pt.htm (Acesso: 21/06/15) 12
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As políticas voltadas à criação de mecanismos culturais na União Europeia se mostraram cada vez mais freqüentes a partir da década de 1990. No ano de 1999, o Parlamento Europeu decidiu por meio da Decisão 1419/1999/CE14 a criação de ações com finalidade de apoiar as manifestações artísticas e culturais intitulado; Capital Europeia da Cultura para ser aplicado entre os anos de 2005 a 2019. Dentre outros objetivos, o projeto foi elaborado visando a promoção do “diálogo entre as culturas da Europa e as outras culturas” (Decisão 1419/1999/CE) e buscando, desse modo “valorizar a abertura e a compreensão dos outros aos valores culturais fundamentais” ( ibidem) . A decisão demonstrava um importante passo da União Europeia no sentido de equilibrar a diversidade. Por meio dessa decisão os países se tornam candidatos a se tornarem Capitais Europeias da Cultura em um determinado ano, o que promove ações culturais, artísticas, estimula o turismo e a economia. Todas essas ações contribuíram para o alargamento da instituição e têm cada vez mais estimulando os Estados a se tornarem membros da União Europeia, podendo se dizer que seria uma forma de soft power que tem sido utilizado pelo bloco regional para atrair novos Estados. Em termos numéricos, até 1995, 15 Estados eram signatários do Tratado de Maastricht, atualmente o bloco já conta com 28 Estados (EUROPEAN POLICY AND ENLARGEMENT NEGOTIATIONS, 201515).
Nos anos 2000 a União Europeia criou o programa político Cultura 2000, voltado a
subvencionar projetos de cooperação cultural em domínios distintos nos anos de 2000 a 2004. Novamente, as políticas pareciam incentivar a criação de um Espaço Comum de Cultura Europeia, por meio da qual todos os cidadãos teriam acesso à cultura e à história dos povos europeus, o que por sua vez só reforçava os fatores de integração social e desenvolvimento econômico (PROGRAMA CULTURA 200016 ).
Desde seu início, portanto, a diplomacia cultural foi utilizada por embaixadores e
diplomatas da UE na construção e moldes de percepções de seus estados membros a respeito da necessidade de aprofundar a compreensão mútua entre os mesmos. Embora os documentos anteriores antecipassem a preocupação institucional com a diversidade cultural no bloco a atuação mais concreta e articulada da UE no campo da diplomacia cultural é vista a partir de 2007, como será mencionado a partir da próxima seção.
DECISÃO 1419/1999/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO http://eurlex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/?uri=CELEX:31999D1419 Acesso: 22/06/15 14
CONSELHO
EUROPEAN POLICY AND ENLARGEMENT NEGOTIATIONS, 2015 http://ec.europa.eu/enlargement/policy/from6to28members/index_en.htm Acesso: 22/06/15 16 Programa Cultura 2000 http://ec.europa.eu/agriculture/rur/leader2/ruralpt/euro/p50.htm Acesso: 22/06/15 15
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5. O uso da Diplomacia Cultural a favor da União Europeia: projetos e ações voltados à projeção do soft power A diplomacia cultural está presente de forma significativa no trabalho da União Europeia, tanto no discurso quanto na prática (ISAR, 2014). A primeira vez em que a preocupação da União Europeia com o tema foi tratada de forma articulada ocorreu através do a Comunicação da Comissão Europeia de 2007 Communication on an European agenda for culture in a globalizing world . Este documento empoderou a Comissão Europeia a se tornar cada vez mais proativa no que se refere a assuntos culturais e sua conexão com a política externa, sem retirar a capacidade de gerir as questões relacionadas com a política audiovisual e cultural das mãos dos Estadosmembros, mas visando complementar as ações implementadas a nível nacional, acrescentando a elas uma nova dimensão europeia (COUNCIL OF EUROPE, 2005). Em 2007 a Comissão propôs uma agenda cultural aos Estadosmembros, intitulada Culture Action Europe , cujos três objetivos centrais eram: promover a diversidade cultural e o diálogo intercultural; promover a cultura como catalisador da criatividade no quadro da Estratégia de Lisboa; e promover a cultura como elemento vital nas relações internacionais da União Europeia (ISAR, 2014). Na prática,tais propósitos se desdobraram em linhas de ações como a promoção de diálogo cultural e intercâmbios culturais; acesso ao mercado de bens culturais e serviços de países em desenvolvimento; proteção e promoção de diversidade cultural através de financiamento e apoio técnico; promoção da cultura local e expansão do acesso das pessoas à cultura e aos canais e expressão cultural; e o envolvimento ativo da UE no trabalho de organizações internacionais preocupadas com a cultura (ISAR, 2014). Outro objetivo da agenda cultural lançada pela Comissão Europeia foi, também, apresentar e promover a UE como um conjunto, em seu todo, como algo muito maior do que a simples soma de suas partes. Dentro do Conselho Europeu, a Agência Executiva “Educação, Audiovisual e Cultura” (EACEA) está encarregada de gerenciar parcela importante dos programas de financiamento no campo da educação, cultural, audiovisual, esporte, cidadania e voluntariado, sob a supervisão de quatro DireçõesGerais da Comissão Europeia: Educação e Cultura; Redes de Comunicação, Conteúdos e Tecnologia; Imigração e Assuntos Internos; e Ajuda Humanitária e Proteção Civil. A partir de 2014 houve uma reestruturação dos programas gerenciados pela AECEA, dentre os quais o Creative Europe e o Erasmus + estão intimamente ligados à questão da promoção da integração cultural entre os povos europeus e também da construção de uma identidade comum europeia no exterior.
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Claramente identificase uma articulação entre a construção de uma identidade europeia e a questão da formação escolar, sendo que o intercâmbio acadêmico é visto como promotor do espírito de abertura e trocas entre diferentes culturas. O Erasmus + promove bolsas e financiamento de ampla gama de ações e atividades nos campos da educação, treinamento, juventude e esportes. Ademais, o Erasmus+ apoia a aquisição de competências através do ensino e da formação, bem como do desenvolvimento de conhecimentos e de parcerias através das chamadas «alianças do conhecimento» e «alianças de competências setoriais»; Por sua vez, o programa Creative Europe visa reforçar o patrimônio cultural comum europeu mediante o apoio a projetos culturais transfronteiriços, tais como ações, plataformas e redes de cooperação, e projetos de tradução literária. Este programa complementa igualmente os financiamentos a nível nacional para promover o cinema europeu e a distribuição de novos filmes e reforçar a competitividade do setor audiovisual. Existem muitas outras iniciativas da UE voltadas para a diplomacia cultural, tanto para facilitar a integração entre seus Estadosmembros, como o caso da iniciativa das Capitais Europeias da Cultura, ou também para promover a UE no exterior e engajar a comunidades internacionais em suas causas, como a cooperação internacional no âmbito do ensino superior na Ásia (JONES, 2010). Entretanto, em função do limite do escopo deste trabalho, tais iniciativas não serão tratadas de forma mais aprofundada. Importante evidenciar que a cultura ocupa uma posição fundamental no processo de integração europeia e que as instituições de tal organização tem se preocupado em articular cada vez mais ações voltadas para este ramo, sobretudo a partir de uma visão de longo prazo, em que os projetos de promoção cultural estão intimamente ligados à juventude, à educação, ao esporte e às artes. 6. Conclusão Conforme discutido neste trabalho, pensar o poder no mundo globalizado contemporâneo não se restringe às problemáticas econômicas e militares pura e simplesmente. Com a evolução da diplomacia e das relações internacionais em direção a um cenário mais plural e horizontal, em que os fluxos de informação e o uso das tecnologias é cada vez mais intenso e instantâneo, as influências nos chamados setores intangíveis são relevantes para o estabelecimento de relações e promoção de cooperação internacional, sobretudo no que se refere ao envolvimento e à inclusão dos cidadãos nos mais diversos ramos de atuação dos governos. Nesse sentido, a União Europeia tem se preocupado cada vez mais em promover ações voltadas para a cultura, a educação, o esporte, as artes com o
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objetivo de aprofundar os laços entre os Estadosmembros, assim como projetar uma imagem unificada do bloco para o exterior. De maneira simplificada, podese dizer que tal estratégia baseiase sobretudo na promoção da diversidade cultural europeia, de forma a valorizar, apoiar e incentivar inclusive financeiramente! as iniciativas locais e nacionais no ramo cultural, ao mesmo tempo em que visa promover intercâmbios e produções transnacionais de maneira a reforçar os valores comuns da UE através da cultura: a democracia, os direitos humanos e a justiça social. 7. Referências Bibliográficas COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu, ao Conselho, ao Comité Económico e Social Europeu e ao Comité das Regiões. Comunicação sobre uma agenda europeia para a cultura num mundo globalizado. Bruxelas, 2007. COUNCIL OF EUROPE Framework convention on the Value of Cultural Heritage for Society, 2005. Disponível em: http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.asp?CL=ENG&CM=8&NT=199 Último acesso: 22/06/2015 ISAR, Y. R. 2014. Organization for Security and Cooperation in Europe. Disponível em: http://www.osce.org/secretariat/103748?download=true DECISÃO 1419/1999/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO. 25 de maio de 1999. Acces to European Union Law Disponível em: http://eurlex.europa.eu/legalcontent/PT/TXT/?uri=CELEX:31999D1419 Último acesso: 22/06/2015 EUROPEAN POLICY AND ENLARGEMENT NEGOTIATIONS. From 6 to 28 members Disponível em: http://ec.europa.eu/enlargement/policy/from6to28members/index_en.htm Útlimo acesso: 22/06/2015 FEIGENBAUM, Harvey B. Globalization and Cultural Diplomacy. The George Washington University. Center for Arts and Culture, 2002. IKENBERRY, G. John A fter Victory Institutions, Strategic restraint and the rebuilding of order after major wars. Chapters 1, 3,5,6,7 Princeton University Press. 2001 JONES, William J. European Union Soft Power: Cultural Diplomacy & Higher Education in Southeast Asia. Silpakorn University International Journal, Vol.910, 20092010. LEONARD, Mark Public Diplomacy The Foreign Policy Centre, London 2002 PENDERGAST, Willian R. UNESCO and French Cultural Relations 19451970. International Organization, vol. 30, nº 3 (Summer, 1976) pp, 453483.University of Winsconsin Press Journal Divisions, 1976. 14
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