CONSTRUÇÕES E DELIMITAÇÕES VISUAIS: IMAGENS E IMAGINÁRIOS PARA/SOBRE A CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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Anais da

Semana de Pedagogia da UEM ISSN Online: 2316-9435

XXII Semana de Pedagogia X Encontro de Pesquisa em Educação 05 a 08 de Julho de 2016

CONSTRUÇÕES E DELIMITAÇÕES VISUAIS: IMAGENS E IMAGINÁRIOS PARA/SOBRE A CRIANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL BENATTI, Lucas Men [email protected] BALISCEI, João Paulo [email protected] Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Formação de professores e intervenção pedagógica

Introdução

O presente estudo é resultado de investigações e análises críticas potencializadas durante nossa inserção em campo ao decorrer da disciplina de Estágio Supervisionado em Artes Visuais I, realizada no terceiro ano do curso de Artes Visuais, da Universidade Estadual de Maringá – UEM. As observações, momento em que os estagiários e estagiárias se atentam aos espaços, intervenções e falas dos alunos, alunas e profissionais da educação (UEM, 2010)- foram realizadas nos espaços de um Centro Municipal de Educação Infantil– CMEI, na cidade de Maringá, mais especificamente com crianças na faixa etária de cinco anos de idade. Durante o percurso de desenvolvimento de reflexões acerca do Estágio Curricular, tecemos teorizações que enfocam as relações sobre/dos sujeitos infantis e questões que permeiam seus modos de aprendizagem, significação e identificação por meio de construções visuais. Em nossas vivências, nossos olhares não se voltaram diretamente às ações da professora ou ao espaço físico do CMEI, mas sim, em como essas ações e o espaço simbólico são visualmente recebidos e lidos pelas crianças. Procuramos fazer análises críticas sobre os olhares que as próprias crianças lançaram sobre os espaços, os objetos, as imagens que as cercavam no ambiente escolar e imagens que elas trouxeram, de suas casas, para dentro da escola. A partir das observações feitas nesse CMEI, sistematizamos três eixos de estudo que orientam e se desdobram como objetivos específicos nesta pesquisa. Tais eixos foram Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016.

pensados com base em regularidades visuais que, de um modo mais explícito, chamavam-nos a atenção. À medida que nos aprofundávamos em nossas pesquisas e debates no espaço acadêmico, conforme orienta a Resolução 061/2010-CI (UEM, 2010), retornávamos ao CMEI com olhares mais aguçados, atentos às imagens para além das aparências, trilhando um caminho que progredia para a compreensão das visualidades em suas abstrações simbólicas significando os/para sujeitos. Nosso primeiro eixo é fruto das reflexões feitas a partir de nossa primeira visita ao CMEI e problematiza, justamente, as imagens presentes nos cartazes, contidas nos objetos de decoração e pintadas nas paredes; aquilo que é visível no espaço, que constitui a(s) visualidade(s) da escola. Nesse aspecto, buscamos em nosso primeiro eixo abordar as imagens significando o espaço e o infantil no CMEI. Em nossa segunda observação, já dentro da sala de aula junto às crianças entre quatro e cinco anos, nosso desenvolvimento teórico e crítico se deu a partir dos relatos dos alunos e alunas, eufóricos/as, vinham até nós - “novidades” em suas rotinas escolares - querendo contar um pouco sobre suas vidas. Nesse exercício de contar histórias nos chamou a atenção os modos como tomavam referências midiáticas para se autossignificarem - referências estas que reproduziam estereótipos e que não eram problematizadas ou debatidas dentro da sala de aula. Nosso segundo eixo estruturante procura, dessa forma, estudar as visualidades deslocadas pelas crianças de sua realidade para o contexto escolar, questionando e não naturalizando posições e papéis assumidos por meninos e meninas desde a infância. Por fim, em uma análise mais aprofundada, o terceiro eixo vem ao encontro dos anteriores à medida que busca refletir sobre as construções de gênero na infância e suas delimitações nas relações entre os/as alunos/as, levando em conta os sentidos e significados de visualidades produtoras de imaginários, construídas por meio de ideários sociais e também reproduzidas no CMEI. Por meio desses três eixos, versamos sobre o nosso problema de pesquisa: como as visualidades constroem e delimitam imaginários sobre a criança na Educação Infantil? Na busca de elucidar tal questão, nos apoiamos teórica e metodologicamente nos Estudos da Cultura Visual, perspectiva que nos possibilita observar, estudar e compreender as imagens como materialidades significantes, produtoras de modos de ver e significar específicos e que agem diretamente sobre as relações e construções sociais.

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O que falam as paredes?

Como já apontado, abordaremos nesse tópico as questões sobre as imagens encontradas nos espaços da instituição, mais especificamente, nas paredes dos corredores e das salas de aula - locais ocupados diariamente pelas crianças. Torna-se relevante dar destaque à essa questão, tendo em vista que somos acadêmicos de Artes Visuais e que trabalhar com as imagens faz parte das especificidades do nosso curso e das pesquisas desenvolvidas na área. Cientes de que imagens “[...] são estímulos poderosos para a mente humana” (REIS, 2016, p.5) e que apresentam uma carga ideológica na construção das significações dos sujeitos, problematizar a presença de imagens específicas, principalmente em um ambiente escolar, implica buscar contribuir para a formação mais plena dos alunos e alunas enquanto cidadãos/ãs ativos/as e curiosos/as. Talvez não tenhamos nos surpreendido com as imagens que encontramos nas paredes da instituição que visitamos, como poderíamos prever, visto que estas formas de representação criam (e refletem) uma tradição dentro dos CMEI: reproduções desajustadas de personagens infantis da grande mídia. Logo na entrada do CMEI, um corredor que dá acesso às salas administrativas da instituição e mais para frente ao pátio, visualizamos uma série de pinturas que reproduzem personagens do popular gibi da Turma da Mônica. São pinturas que comunicam uma forma estética e cuja escolha merece ser questionar ou, ao menos, investigada. Qual papel essas imagens exercem no processo educacional? Adentrando as salas de aula, deparamos-nos com semelhantes representações estereotipadas e envelhecidas nas paredes. A temática “infantil” permanece, mas as representações se alteram, com cenas dos contos de fadas da Disney, por exemplo. “As imagens estão por toda a parte, mas não aparecem simplesmente, são produzidas em diferentes contextos históricos, institucionais e discursivos” (HERNÁNDEZ, 2010, p.48 apud REIS, 2016, p. 5-6). Cada imagem apresenta uma carga de significação que implica uma historicidade, um contexto de produção e de formações ideológicas, que constroem e alteram nosso modo de significar a nós e ao mundo. Como afirma Tavin (2011, p.156) “[...] qualidades visuais, como se pode perceber, exercem sua força sobre experiências pessoais e sociais na vida cotidiana. Qualidades formais e significados simbólicos exercem influência sobre o que e como pensamos”. Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016.

Que tipo de sujeitos, cidadãos, estamos formando, bombardeando crianças com representações da Turma da Mônica e Princesas Disney? Quais discursos são significados por essas imagens? Estas são questões complexas e que necessitariam de um aprofundamento teórico e analítico elaborado que, provavelmente não poderia ser "capturado" nessas poucas páginas,. O que aqui problematizamos é a necessidade da não naturalização das imagens dadas às crianças, seja diretamente, através de atividades pedagógicas ou por meio da "decoração" e/ou "ambientação" dos espaços escolares.

[...] a imagem tem uma primazia absoluta em matéria de aprendizagem, pois tem o poder da ativação da atenção e das emoções do observador, sendo usada como meio de incorporação de conceitos (COSTA, 2006, p. 157-158 apud REIS, 2016, p. 6).

Outro importante fato que podemos constatar a partir dessas reflexões é a (ainda presente) idealização das crianças pela nossa sociedade. Predomina entre os/as adultos/as uma visão romântica, idílica e simplista de infância, que se desdobra em “[...] algo muito característico na cultura ocidental: a necessidade de manter as crianças à margem da vida real, tentando preservá-las dos problemas sociais, das imagens violentas ou de cariz sexual” (REIS, 2016, p. 12). Reis (2016) afirma que essa concepção romântica da infância, fundada por Rousseau e Locke no século XVII, fundamenta, até hoje, muitos professores e professoras que ainda apresentam resistências em tratar temas “[...] habitualmente associados à cultura visual, como as questões de género e raça, os estereótipos sociais, o prazer ou a representação do corpo, por exemplo” (REIS, 2016, p.12).

O que dizem as crianças?

Em nosso segundo eixo, tecemos nosso desenvolvimento teórico e crítico a partir dos relatos das crianças que, agitadas, disputavam quem ganharia nossa atenção, procurando demonstrar suas habilidades únicas, seus conhecimentos e, principalmente, contar-nos sobre o que gostam de fazer, do que brincam e como o fazem. Queriam dar corpo às suas vivências por meio da fala; queriam chamar a nossa atenção às suas qualidades, suas características particulares. Para além da “ingenuidade” deste momento, onde cada uma das crianças disputavam seu espaço, exaltando o que seria para elas modelos e padrões de “bom comportamento” e Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016.

exemplos de como ser e agir em sociedade, nos incomodou o fato de elas se referirem a esses modelos por meio de personagens da mídia. Tomando para si os sentidos produzidos pelos discursos de super-heróis e princesas, meninos e meninas (respectivamente e estritamente), a interpretavam seus/suas ídolos, assumindo suas identidades vinculadas a avatares dos meios de comunicação. Na fala dos meninos era constante a referência aos personagens Capitão América e Homem-Aranha - figuras populares que têm sua origem nas histórias em quadrinhos, mas que em nosso atual contexto, transfiguram-se para diversos outros meios de comunicação. As imagens desses personagens bombardeiam as mídias sociais, a indústria cinematográfica e dos games, os jornais e canais de tevê, a moda e o comércio de brinquedos. São imagens vivas, imagens de massa, repetidas incansavelmente e com as quais os indivíduos infantis têm contato e apreço intensos. Se, no discurso dos meninos a presença do super-herói é uma regularidade marcante, nos dizeres das meninas, por sua vez, quem ganha espaço são personagens princesas, como Elsa e Anna do blockbuster Frozen. Assim como as imagens de personagens como Capitão América e Homem-Aranha, a indústria de massa abusa e explora todas as possibilidades de capitalização da imagem das princesas, inserindo-as em diversos meios de comunicação e produtos. Percebemos o quanto as imagens da cultura de massa subvencionam o imaginário infantil. Meninos desejam ser como o Capitão América, enquanto meninas penteiam-se, vestem-se e agem como a princesa Anna, reproduzindo aquilo que seus personagens disseminam. Como futuros docentes e/ou pesquisadores de Arte, cabe-nos problematizar essas visualidades que são trazidas e significadas pelos alunos e alunas em seu cotidiano. O que significa querer ser o Capitão América ou a princesa Anna? Quais dizeres essas personagens propagam? Como essas imagens significam essas crianças? Como meninos e meninas estão sendo formados tendo como referência tais personagens da cultura popular? De acordo com Cunha (2012, p. 102), as imagens para além da interferência no imaginário infantil, se “[...] colam às crianças como se fossem suas ‘verdadeiras’ peles. Meninas brancas, loiras e de olhos azuis são princesas, meninos ágeis, fortes e que não usam óculos são super-heróis”. Quais padrões ou estereótipos que são vendidos pelas personagens acima citados? Como eles interferem na forma com a qual as crianças se enxergam e enxergam os/as outros/as?

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Segundo a autora, meninos e meninas baseiam-se em padrões de beleza da cultura popular para se identificarem e se agruparem, por exemplo. O/a colega que estiver fora desses padrões, que não se enquadre nesses modelos pré-estabelecidos, são excluídos, considerados como os/as “outros/as” e, em suas práticas cotidianas, seria aquele/a que a não ser convidado/a para as brincadeiras. “Ambos os grupos incorporam comportamentos e modos de ser de seus ídolos. Binarismos, diferenças, exclusões de todas as ordens, enquadramentos estão implicadas na criação dos avatares que as crianças se tornam” (CUNHA, 2012, p. 102). As escolas, como sublinha Cunha (2012), ainda não se detiveram para considerar as imagens como forças educativas que influem na constituição dos sujeitos infantis, e também em pensar como as visualidades sugerem modos de nos relacionarmos com elas. Um modo de problematizarmos essas visualidades se dá por meio dos Estudos da Cultura Visual. A partir desse campo de investigação somos alertados sobre “[...] como nos posicionamos e somos posicionados pelas imagens [...]” (CUNHA, 2012, p.102). Essa abordagem amplia e dá visualidade, como ressalta a autora, a temas e assuntos que geralmente não entram em foco na educação. Questões que permeiam a erotização infantil, o consumo, as relações de gênero, raça, sexualidade entre outras pautas que não são enfocadas nas disciplinas escolares ou que quando são feitas, não são contextualizadas com as vivências dos/as alunos/as, são recebidas e destacadas pelo Estudo da Cultura Visual como estratégia de debater sobre e a partir do imaginário visual popular. Em uma sociedade onde as culturas infantis e juvenis, como sublinha Cunha (2012), produzem e são produzidas primordialmente em meio a uma cultura imagética, devemos nos questionar por que ainda é comum ignorar os discursos e significados produzidos por meio das imagens/visualidades nas escolas. Em nossa observação, durante o momento em que as crianças em sala de aula estiveram “livres” para brincar, percebemos separações entre as “atividades de meninos” e “atividades de meninas”. Enquanto os meninos brincavam representando uma luta entre dois super-heróis (notem o estereótipo masculino de vigorosidade, brutalidade) e vinham nos contar sobre os jogos que jogavam em seus tablets e vídeo-games (detalhe para a naturalidade com que lidam com aparelhos tecnológicos e jogos extremamente violentos tendo cinco anos de idade), as meninas representavam em suas brincadeiras ações dóceis e delicadas, como passar maquiagem uma na outra e pentear os cabelos, falavam orgulhosas de sua vaidade, a quantidade de batons que possuíam em suas casas.

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Cunha (2012, p. 102-103), nos chama atenção para o conjunto de culturas imagéticas infanto-juvenis que,

[...] (re)cria significados, não só participando das construções identitárias e do sentido de pertencimento, mas principalmente organizando e regulando um conjunto de práticas sociais, mutantes, evanescentes, porém produtoras de efeitos concretos sobre nós. Entre as práticas contemporâneas, se apresentam as práticas de consumo, pautadas no binômio SER-TER, as de embelezamento erotizando as meninas, as do bullying que não poupam diferenças, as de modelagem física, entre tantas outras. Como futuros docentes precisamos estar atentos às visualidades trazidas para a sala de aula pelos alunos e alunas. Modos de viver que são produzidos e naturalizados socialmente precisam ser (re)pensados, vistos como propriedades significantes e simbólicas que nos afetam diretamente. Com isso, talvez, seja possível alcançar e desenvolver estratégias críticas para compreender (e transformar) o mundo contemporâneo.

Imagem e imaginário

Como já ressaltamos, durante o percurso de construções analíticas-críticas a respeito das observações desenvolvidas durante o Estágio, nosso foco tem sido a relação dos meninos e meninas com as visualidades e seus desdobramentos de sentidos e significados. A princípio procuramos tratar a respeito de como as imagens já presentes no CMEI comunicam sobre e para as crianças para, em seguida, destacarmos as visualidades trazidas pelos/as próprios/as alunos/as para o espaço escolar. Com isso, refletimos a respeito de como essas visualidades constroem identidades entre as crianças, significando-as enquanto meninos e meninas, separadamente. Nesse último tópico procuramos abordar delimitações de gênero dadas pelo imaginário visual da escola. De acordo com Aumont (2016, p. 119) “uma das ideias fundamentais que sustentam a abordagem psicanalítica do espectador da imagem consiste em destacar a relação estreita entre inconsciente e imagem”. Nessa linha de raciocínio, segundo o autor, a imagem conteria o inconsciente, o primário que se pode analisar, enquanto que inversamente, o inconsciente “conteria” a imagem, as representações. Como Aumont (2016) ressalta, uma vez que o inconsciente é inapreensível - sendo que sua investigação apenas se dá de modo indireto, por meio de produções sintomáticas - é Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016.

impossível especificar de que modo essa imagística se faz presente nele. Aproximando essa concepção imagística inconsciente com outras formas de imagística interna ou mental o autor nos delega que, A noção de imaginário manifesta claramente esse encontro entre duas concepções da imagística mental. No sentido corrente da palavra, o imaginário é o domínio da imaginação, compreendida como faculdade criativa, produtora de imagens interiores eventualmente exteriorizáveis. Praticamente é sinônimo “fictício”, de “inventado”, oposto ao real (até mesmo às vezes ao realista). Nesse sentido banal, a imagem representativa mostra um mundo imaginário, uma diegese (AUMONT, 2016, p. 120).

Nos apropriando destas teorizações, buscamos compor uma definição conceitual de imaginário que abarque, para além da imagem, as relações entre a visualidade e sua abstração simbólica agindo sobre (e com) os sujeitos. Assim, o imaginário estaria atrelado às imagens do nosso mundo (fotografia, vídeo, propagandas, pinturas, por exemplo), imagens que interpretam e que trazem uma visão específica do mundo. Mas sua relação estaria mais para a ordem dos sentidos e significados atribuídos a essas imagens pelo “ver”: como interpreto, dou sentido e significo as coisas. Essa passagem da imagem (material) para o imaginário (simbólico) pode ser verificada, mesmo que indiretamente, por meio do que Cunha (2009, p. 28) denomina de pedagogias visuais, ou seja, a partir dos

[...] processos educativos efetuados pelas imagens e que passam a compor um currículo paralelo, dentro e fora das escolas, funcionando como uma espécie de currículo visual. As pedagogias visuais instituem experiências visuais, modelam a percepção e a apreciação sobre o mundo. Ela é (in)visível, “inocente”, participativa e eficiente em seus propósitos de simular uma realidade encenada, editada.

Como salienta Cunha (2009), esse olhar ensinado pelas pedagogias visuais é um olhar que “naturaliza”, que não se fixa em detalhes, é um olhar veloz e navegante e ao mesmo tempo acaba sendo um olhar acomodado pelo que vê.

Este olhar acaba tornando-se o OLHAR sobre o mundo, não existindo mais fronteiras entre o mundo concreto - aquilo que não é re-apresentado, como a nossa casa, a árvore do parque, o gato, o pôr do sol - e aquilo que as imagens nos contam sobre o mundo. Ou seja, os textos visuais instauram conhecimentos sobre o mundo: as “verdades”, os valores éticos, estéticos, as formas de agir e de ser, os modos das relações com os outros. As imagens produzidas pelos diversos meios de comunicação editam um modo de olharmos o mundo e nos “dizem” que aquelas imagens podem ser substitutas pelo mundo concreto (CUNHA, 2009, p.28-29, destaque da autora). Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016.

Imagens que constroem representações, cânones, padrões estéticos, sociais e culturais que são incorporado ao nosso imaginário e que recebem significados ao nos inserir em determinadas historicidades e que fazem, por exemplo, meninos e meninas olharem, interpretarem e significarem uma mesma imagem/objeto de formas distintas e intransitáveis. Em nossa última observação, constatamos que, apesar de estarem fazendo uso de um mesmo brinquedo (peças de montar), meninos e meninas as significavam de formas distintas. Nesse dia, as peças foram distribuídas sobre as mesas das crianças (em cada mesa sentam-se quatro crianças, sendo todas elas compostas por meninos e meninas), e não lhes foi dado nenhum direcionamento sobre como deveriam brincar ou utilizar as peças. A professora não interferiu em nenhum momento na brincadeira das crianças. O primeiro detalhe que notamos foi que rapidamente a configuração mista das mesas foi se desfazendo. Os meninos e as meninas se agrupavam cada qual em grupos distintos. Depois de observar esse rearranjo da sala de aula, aproximamos-nos de dois grupos de meninos e um grupo maior de meninas. O que nos chamou a atenção foi como cada grupo atribuía uma função àquelas peças. Enquanto os meninos construíam aviões e destruíam pontes (que haviam previamente construído) com as peças, as meninas simulavam serem essas mesmas peças produtos de maquiagem (feminilidade, vaidade) e posteriormente aparelhos médicos, enquanto uma das alunas representava a filha doente, a outra dava vida a uma mãe que cuida carinhosamente de seu filho (maternidade “naturalizada”). Com isso, mais uma vez, percebemos traços e estereótipos construídos pelas imagens cotidianas interpelando crianças para ocupar seus futuros papéis sociais de acordo com seu gênero. Naturaliza-se o fato de meninos gostarem de brincar com meninos, e meninas, de brincar com meninas, por uma questão de afinidade, sem considerarem que a afinidade é um processo que advém do imaginário, dos sentidos que os sujeitos atribuem às coisas e às pessoas. A afinidade entre meninos/as em nossa sociedade não é biológica. Só reforça a segregação de gênero em pares de oposição em nossa cultura. O próprio espaço escolar é segregado a partir desta oposição. Para além dos banheiros “masculinos” e “femininos”, identificamos essa segregação nas fichas de chamadas que separam meninos e meninas, por exemplo e, mais comumente, nas associações imaginárias que atribuem, grosseiramente, à menina a cor rosa, a docilidade, a imagem de princesa, delicadeza e, ao menino, a cor azul, a atividade, o super-herói, a força. Quando olhamos para as fileiras de bolsas das crianças no chão, por exemplo - com exceção daquelas que são distribuídas pela própria prefeitura que, por isso, seguem um padrão - facilmente identificamos pelo nosso olhar já acostumado, se o Universidade Estadual de Maringá, 05 a 08 de julho de 2016.

dono é um menino ou uma menina. É possível que essa estigmatização, por sua insistência, acabe por reservar às crianças, de forma pré-definida, papéis, profissões, relacionamentos e sexualidades específicas, como se não pudessem viver, experimentar e se orgulhar de outras combinações.

Considerações finais

O percurso trilhado neste estudo nos permite evidenciar a característica teórica e prática do Estágio Curricular, concebido como uma possibilidade de pesquisa. É por meio do Estágio, como afirma Oliveira (2005), que o/a estudante terá a possibilidade de articular, em posse de instrumentos teórico-metodológicos, os saberes disciplinares conquistados durante a graduação, com os conhecimentos provenientes da vivência docente, do contato com as políticas educacionais e os sistemas técnicos e burocráticos das instituições de ensino e das relações heterogêneas, que caracterizam as salas de aula e cada sujeito em suas especificidades. Por meio deste contato com a docência, desenvolvemos esse artigo, que mais do que propor respostas direcionadas, busca dar abertura a novos estudos e pesquisas a respeito das visualidades, da infância e da educação. Olhar para essas questões com o olhar da Cultura Visual nos possibilita desestabilizar normativas que estagnam o sujeito, o ensino e a aprendizagem. Assumirmos que as visualidades ensinam, que oferecem discursividades e que constroem modos de significação é o primeiro passo para se pensar uma educação emancipadora nos tempos atuais. As visualidades não podem ser ignoradas dentro do espaço escolar, seja na educação infantil ou nos anos seguintes da educação básica, pois, como podemos perceber, desde muito pequenas, as crianças já são interpeladas por essas visualidades que delimitam quem elas são, como devem agir e interagir com o mundo.

REFERÊNCIAS AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus Editora. 2016. CUNHA, Susana Rangel Vieira da. Questionamentos de uma professora de arte sobre o ensino de arte na contemporaneidade. In: Culturas da Imagem: Desafios para a arte e a educação. Org. Raimundo Martins e Irene Tourinho. Santa Maria: Editora UFSM. 2012. pág. 99 -123.

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______. As imagens na Educação Infantil: Uma abordagem a partir da Cultura Visual. Zero-a-seis. Florianópolis, v.11, n.19, 2009. Disponível em: . Acesso em: 19 mai. 2016. OLIVEIRA, M. O. A formação do professor e o ensino das Artes Visuais: o estágio curricular como campo de conhecimento. In: OLIVEIRA, Marilda Oliveira; HÉNÁNDEZ, Fernando (Orgs.) A formação do professor e o ensino de Artes Visuais. Santa Maria: Ed. UFSM, 2005, p.57-72. REIS, Ricardo. O que nos dizem as imagens que vêm os nossos alunos: Uma reflexão sobre as imagens que os professores de arte mostram aos seus alunos. Revista Digital do LAV. Santa Maria, v.9, n.1, 2016. Disponível em: < http://periodicos.ufsm.br/revislav/article/view/21765/pdf_1 >. Acesso em: 19 mai. 2016. TAVIN, Kevin. Fundamentos de cultura visual e pedagogia pública na/como arte/educação. In: MARTINS, Raimundo; TOURINHO, Irene (orgs.). Educação da Cultura Visual: conceitos e contextos. Santa Maria, Ed. UFSM, 2011. UEM. Regulamento do componente estágio curricular supervisionado do curso de artes visuais I – licenciatura, modalidade presencial. (Res. 061/2010 – CI/CCH). 2010.

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