CONSUMO JUVENIL X PUBLICIDADE, UM OLHAR DESMISTIFICADOR SOBRE ESSA RELAÇÃO

May 23, 2017 | Autor: Velda Torres | Categoria: Publicidade, Comunicação, Cultura, Consumo
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CONSUMO JUVENIL X PUBLICIDADE, UM OLHAR DESMISTIFICADOR SOBRE ESSA RELAÇÃO Velda Torres1 Resumo: Este artigo discute a cultura de consumo entre os jovens, dialogando com autores com visão diferenciada daquelas que analisam essa cultura apenas como produto da comunicação publicitária e parecem esquecer os outros agentes sociais atuantes no processo das escolhas sociais. Afastamo-nos desta visão (quase) dominante e maniqueísta e nos aproximamos de estudos que compreendem que a publicidade sozinha não tem o “poder” de motivar ao consumo, e sim numa ação conjunta com outros agentes que permeiam a vida social, desencadeando um processo comunicativo que atua no imaginário dos sujeitos e dialoga com suas experiências anteriores criando a base subjetiva que orienta as práticas sociais. A comunicação é analisada como intervenção social e o consumo como aspecto cultural mediador das relações sociais. Palavras-chave: Comunicação, Consumo, Cultura, Publicidade.

Discutir a cultura do consumo juvenil implica em estabelecer a relação desta prática cultural com os processos comunicativos que permeiam o cotidiano, analisando o papel da comunicação nas escolhas sociais dos sujeitos, compreendendo o consumo como uma dessas escolhas. Implica também em conceber a comunicação como um processo de intervenção social, o que envolve pensar o meio social, os valores, o cotidiano, a cultura midiática, enfim, pensar o simbólico. Consequentemente, exige pensar a linguagem e como as relações são mediadas através dela, numa constante troca simbólica. Consideramos importante ressaltar que quando nos referimos a comunicação estamos pensando em todo e qualquer processo comunicativo, ressaltando-o como mediador das relações que o sujeito estabelece na sociedade: seja essa comunicação

1

Mestranda do Programa Cultura e Sociedade da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. Especialista em Gestão da Comunicação (ECA/USP-SP) e em Marketing Estratégico (Faculdade Ruy Barbosa-Ba). [email protected].

interpessoal ou midiática. Compreendemos que a comunicação se dá no encontro com o outro e se efetiva naquilo que esse outro entende no processo dessa relação, isto é, na construção de sentido dessa comunicação. Uma comunicação envolve, portanto o ato de partilhar (WILLIAMS, 2007) e como tal um ato de troca, de uma troca simbólica. Assim, orientando-nos por essa concepção sobre comunicação, a discussão trazida neste artigo espera contribuir para desmistificar a visão (quase) dominante e maniqueísta que considera a publicidade2 como única motivadora da cultura de consumo entre os jovens, parecendo desprezar o papel da comunicação interpessoal no processo das escolhas sociais dos sujeitos. É importante que se tenha em mente que o processo das escolhas sociais se dá na relação estabelecida entre aquilo que é abstraído em uma comunicação e as experiências anteriores do sujeito. Experiências que se encontram armazenadas no seu imaginário servindo de base subjetiva para orientar seu modo de pensar e agir em sociedade. Tratase do processo de construção do conhecimento que responde pelo comportamento social do sujeito: a cultura. Revelamos aqui a concepção de cultura trazida neste artigo: um conhecimento construído nas relações, o qual é tanto prático quanto teórico, incluindo ciência, crenças, mitos, superstições, hábitos e costumes (LYONS, 1982). Ao considerarmos cultura como tudo aquilo que o sujeito pensa e faz, compreendemos esse fazer sua ação sobre o mundo e a linguagem o modo como essa ação ocorre. Esse pensar e agir liga-se a relação entre pensamento e linguagem e como tal ao processo de desenvolvimento do sujeito, no qual acumula experiências, discernindo-as e fixando as que lhes sejam mais favoráveis sob forma de idéias, imagens e lembranças (SCHAFF, 1974). Trata-se aqui da importância da cultura para a sociedade, ao mostra-se intrínseca a relação do sujeito com seu universo social, isto é, como tudo aquilo que produz nas suas socializações. Conforme Williams (2007), não se pode pensar o homem sem pensar cultura, sendo ela presente em tudo aquilo que o sujeito produz do ponto de vista dos objetos, do uso e do sentido, o que revela a cultura como produção dos meios para a vida em sociedade e como tal o modo como o sujeito transforma sua vida. Sobre essa transformação social do sujeito, Sahlins (2003, p. 129) analisa que “o homem é transformado em si mesmo e em sua relação com outros [...] no processo de satisfação

de

suas

necessidades”,

quando

produz

novas

necessidades

e

consequentemente novas concepções que “provêm da consciência do seu ser objetivadas 2

Os termos Propaganda e Publicidade neste artigo são utilizados como sinônimos.

nas alterações produzidas, assim como das relações mantidas com os outros nessa produção”. Trata-se de uma concepção de cultura que pode ser resumida na visão metafórica de Weber (WEBER apud GEERTZ, 1989, p. 15) de cultura como uma teia de significados tecida pelo próprio homem e na qual se encontra amarrado. Essa metáfora permite refletir o hábito do consumo como entrelaçado a outros fios culturais e inserir a cultura de consumo como costurada na teia simbólica da cultura, isto é, na teia simbólica dos processos de desenvolvimento do sujeito no interior das interações. Inclui-se aqui a publicidade como um desses espaços de interação e como tal cultural por costurar-se a essa teia. No universo dos jovens, esses fios culturais atuam no interior da esfera simbólica que norteia suas ações, como uma espécie de vetores sociais direcionando suas escolhas de consumo, revelando estas escolhas como motivadas pelos fios culturais tecidos nas trocas simbólicas ocorridas nas relações sociais. Esse conteúdo semiótico que impacta no imaginário dos jovens direcionando suas ações. Tal reflexão dialoga com a afirmação de Canclini (2000, p.63) de que “no consumo se constrói parte da racionalidade integrativa e comunicativa de uma sociedade”. Sendo essa a concepção de consumo neste artigo: uma prática social e não como resultado da “manipulação” dos sujeitos como é discutido em alguns estudos. Trata-se de uma concepção sobre o consumo que se mostra alinhada com a reflexão de Baccega (2008) de que a linguagem do consumo é uma das formas mais poderosas de comunicação social e com a ideia de Canclini (2008, p.62) de que “consumir é participar de um cenário de disputas por aquilo que a sociedade produz e pelos modos de usá-lo”. Nesse sentido, a lógica do consumo é a da disputa social: os objetos assumem funções na comunicação com o outro e a posse destes objetos é um recurso para “se pensar o próprio corpo, a instável ordem social e as interações incertas com os demais”. A apropriação dos bens mostra-se como objeto de distinção, cuja lógica de consumo não é a satisfação de necessidades, mas a da falta desses bens e da impossibilidade que outros sujeitos os possuam (CANCLINI, 2008, p.62). Trata-se das relações de classe e políticas, e da concepção do sujeito sobre si que Sahlins (2003) atribui como produto da busca pela felicidade material. Para Baccega (2008, p.8), Consumir é muito mais do que mero exercício de gostos, caprichos ou compras irrefletidas; revela, isso sim, um conjunto de processos e fenômenos socioculturais complexos, que têm seu processo de constituição nas mediações através das quais se operam a apropriação, a incorporação e diferentes usos de produtos, serviços. Aí reside o espaço

em que se articulam os processos comunicacionais envolvidos no consumo e por ele articulados.

Reconhecemos a linguagem publicitária como apenas uma dessas mediações para o consumo, competindo com outros espaços de interação social. Longe de compreendê-la como uma linguagem “manipuladora” a concebemos como agenciadora de subjetividades, no sentido que “veicula e induz idéias, atitudes e padrões de comportamentos, os quais podem servir de modelo para a construção de identidades em nossos dias, e para a constituição das mediações através das quais opera o consumo” (BACCEGA, 2008, p.9). Consideramos importante ressaltar que aqui não estamos desconsiderando o caráter persuasivo da publicidade, mas evidenciado que os demais conteúdos simbólicos que permeiam o cotidiano concorrem como a publicidade para motivar o consumo. A publicidade mantém com a sociedade uma relação semiótica similar a que os sujeitos estabelecem entre si nas interações, quando um sujeito submete ao outro sua visão de mundo, um poder simbólico que sob forma de produto cultural orienta hábitos e práticas de consumo. É no conteúdo semiótico dessas relações que a publicidade estrutura seu discurso, retroalimentando símbolos sociais e devolvendo-os a sociedade com novos significados, após incorporá-los a um objeto. Palácios (2004, p.10) analisa que a publicidade se revela “como uma prática que reforça e instaura matrizes de sentidos e percepções sociais na atualidade”, isto é, como reprodutora do pensamento da sociedade. Conforme a autora, tal cumplicidade simbólica com a sociedade se encontra, implícita ou explicita, em quase todos os estudos acadêmicos. Compreendemos a publicidade como espaço de interações, residindo nesse caráter comunicativo sua relação com o consumo. Revelamos aqui uma concepção de mídia associada ao seu envolvimento social, “seja enquanto prática concreta, seja como mecanismo simbólico, seja como sistema-mundo capaz de oferecer lógicas mediadas de percepção e ação cultural” (ROCHA, 2008, p.121). Para Ianni (2002, p.9), essa singularidade da mídia está na transformação de “mercadoria em ideologia, do mercado em democracia, do consumismo em cidadania”, combinando a produção e a reprodução cultural com a produção e a reprodução do capital. Canclini (2008, p.14) analisa que essa relação entre consumo e cidadania se afirma na medida em que [...] a noção de cidadania se expande ao incluir direitos de habitação, saúde, educação e a apropriação de outros bens em processos de

consumo. [...] [Nesse sentido o consumo deve ser visto como mais que] simples cenário de gastos inúteis e impulsos irracionais, mas como espaço que serve para pensar, e no qual se organiza grande parte da racionalidade econômica, sociopolítica e psicológica nas sociedades.

Entretanto, é relevante acrescentar que no momento em que o sujeito passa a consumir o supérfluo exagerando na dose desse consumo deixa de ser consumidor e passa à consumista, uma postura atribuída ao modo capitalista de produção e acumulação de bens. Para Martins (2007), o homem é o único ser vivo cuja necessidade de consumo vai além das necessidades fisiológicas, visto que tem necessidades simbólicas de caráter cultural. São esses aspectos culturais que a publicidade expressa em seu discurso para aproximar-se simbolicamente da sociedade. Conforme Palácios (2004, p.10), “a publicidade contemporânea traz, em sua superfície linguística e em sua dimensão simbólica, as marcas do espírito da época em que vivemos e ativamente contribui para a sua configuração e legitimação”. São nessas marcas que a publicidade estabelece a cumplicidade simbólica com a sociedade visando alcançar uma mudança de comportamento junto aos sujeitos para os quais se dirige. Dito isso, consideramos um paradoxo pensar que a publicidade responde sozinha pela cultura do consumo juvenil, como revelam alguns estudos, como se os jovens fossem sujeitos passivos a essa comunicação. Sobre essas afirmações Buckingham (2007, p.60) analisa que [...] as crianças, em particular, são vistas implicitamente como passivas e indefesas diante da manipulação das mídias. O público não é visto aqui como socialmente diferenciado, ou como capaz de responder criticamente ao que assiste. A televisão [...] é vista como se passasse inteiramente ao largo da cognição [...] [como se não exigisse] investimentos intelectuais, emocionais ou imaginativos: simplesmente vai se imprimindo na consciência infantil. [...] não se apresenta qualquer base empírica para essas afirmações: elas parecem ser tão autoevidentes que é como se não fosse necessário comprová-las. [...] tais idéias são diretamente refutadas pela maior parte das pesquisas contemporâneas sobre a relação das crianças com a televisão.

Apesar dos muitos estudos elucidando a capacidade reflexiva do sujeito e a relação com a mídia como processo de construção de conhecimento, algumas discussões sobre o consumo infantil atribuem o tempo de exposição à TV como responsável por colocar os jovens reféns da publicidade, como faz Schor (2004, p.32) ao acusar o “monstruo del marketing” de manipular os jovens estadunidenses ao consumo durante essa exposição3. Em suas discussões essa autora aponta a existência de uma série de 3

Entre los 8 y los 13 años, los niños ven una media de tres o tres horas y media de televisión al dia. Se calcula que, en um anño, el niño estadounidense medio ve unos 40.000 anuncios y realiza unas 3.000

fatores que impactam nessa cultura, entretanto não reconhece que a consciência individual desses sujeitos não é um conhecimento dado, mas construído socialmente, surgindo da compreensão que se tem de um signo, a qual se dá num processo contínuo das trocas simbólicas que permeiam as interações, quando um signo se liga ao outro para construção dessa consciência (BAKHTIN, 1992). Nesse processo simbólico torna-se quase impossível determinar os fatores sociais de maior poder simbólico para motivar ao consumo. Isso porque se trata de uma atuação conjunta com a multiplicidade de signos que dialogam entre si numa cadeia ideológica, produzindo “representações coletivas, emoções codificadas, sentimentos obrigatórios, sistemas de pensamento”, numa “ordem cultural que inventa, permite e sustenta” o consumo, lhe atribuindo como base a “significação pública” (ROCHA E BARROS, 2008, p.189). Insere-se aqui a análise de Sahlins (2003, p. 129) de que “o homem faz a si mesmo e à sua consciência através de sua atividade prática com o mundo, atividade que até no seu momento mais solitário anuncia literalmente (visto que utiliza a linguagem) a presença de outros”. Para Lipovetsky (2007), o centro das experiências de consumo tem sido, com frequência, a realização psicológica do sujeito: o estar bem, a felicidade, o prazer, etc. É a busca incessante desse estado de espírito que orienta as práticas de consumo, fazendo destas práticas intrínsecas as relações que os sujeitos intencionam estabelecer. Bauman (2008) analisa essas relações a partir do conceito de fetichismo da subjetividade, uma reformulação da idéia de fetichismo de Marx atribuída ao modo como o sujeito expressa a si e as suas identidades através das suas experiências de consumo. Nesse sentido ressalta a necessidade dos sujeitos se promoverem como produtos atraentes e desejáveis, exibindo seus atributos para o reconhecimento e aprovação social que lhes garanta permanecer no jogo da socialização. A idéia de consumo como expressão de identidade dialoga com a concepção de Hall (2006) de que as identidades tradicionais (nacionalidade, gênero, etnia, sexualidade, religião) dividem espaço com identidades constituídas de referências que têm no consumo o seu modo de expressão, ditado pelo estilo de vida do sujeito

peticiones de productos y servicios. [...] Esta comercialización de la infancia se produce por una serie de factores, y se adscribe en unas tendencias sociales más generales. Pero por debajo de todas ellas aparece el montruo del marketing, que se caracteriza por su alcance la mentalidad, su efectividad y su audacia. Una pista para conocer la mentalidad del marketing es analizar el lenguaje publicitario. (SCHOR, 2004, p.32)

(GIDDENS, 2002). O modo de expressar a si é analisado por Goffman (2004) como a representação do eu num determinado espaço social, quando o sujeito desempenha um papel sob a influência desse espaço sobre ele. O que faz da representação de si o modo de mostrar-se ao outro. A influência do espaço social sobre as representações do eu é analisada por Moscovici (2003, p.173) ao afirmar as representações como à referência que se tem sobre algo e esta como um conjunto de conceitos e valores que serve à integração entre os sujeitos. Para esse autor, “o que as sociedades pensam sobre seus modos de vida, os sentidos que conferem as suas instituições e as imagens que partilham, constituem uma parte essencial de sua realidade e não simplesmente um reflexo seu”. Essas representações respondem ao conjunto dos estereótipos com os quais o sujeito se depara nas interações, sendo a adesão a estes estereótipos atrelada às suas vivências. Quando presentes numa comunicação publicitária tais estereótipos se submetem ao reconhecimento dos arquétipos do mundo imaginal do sujeito, enraizado no imaginário de sua existência coletiva (MAFFESOLI, 1999). Eis aqui mais uma base na qual se sustenta o fato da publicidade não imputar ao sujeito um padrão de comportamento se este não estiver enraizado nas suas vivências. Entretanto, apontar a publicidade como responsável pela cultura do consumo é frequente entre muitos dos teóricos que estudam o consumo infantil4 e instituições voltadas à conscientização sobre suas conseqüências. Alguns chegam a defender a necessidade de proibir o acesso dos jovens a publicidade, considerando essa proibição uma estratégia para evitar o consumismo infantil. Questionamos se os desejos de consumo dos jovens seriam apenas motivados pela comunicação midiática, quando é sabido que uma comunicação apenas alcança o efeito pretendido se contar com outras forças simbólicas para impactá-la. Dito isso, fazemos nossas as palavras de Canclini (2000, p.59) de que Hoje vemos os processos de consumo como algo mais complexo do que uma relação entre meios manipuladores e dóceis de audiências. Um bom número de estudos [...] tem mostrado que a hegemonia cultural não se realiza mediante ações verticais, nas quais os dominadores capturariam os receptores: entre uns e outros se reconhecem mediadores, como a família, o bairro e o grupo de trabalho. [...] deixouse também de conceber os vínculos entre aqueles que emitem as 4

Em seus estudos tais teóricos atribuem o termo “infantil” ao público consumidor na faixa etária de 8 a 13 anos, público que consideramos mais apropriado denominar como “jovens” uma vez que se encontram numa faixa etária entre a infância e pré-adolecência. Desse modo, neste artigo o termo “consumo infantil” será utilizado como sinônimo ao termo “consumo juvenil”, nas referências que trazemos desses teóricos. O mesmo ocorre com a denominação de “crianças” trazida por esses autores, isto é, também deve ser compreendida neste artigo como sinônimo ao termo “jovem”.

mensagens e aqueles que as recebem como relações unicamente, de dominação. A comunicação não é eficaz se não inclui também interações de colaboração e transação entre uns e outros.

A visão maniqueísta sobre o consumo também se revela nas reflexões de Linn (2006, p.21) ao analisar que as crianças estão crescendo num “turbilhão de marketing” e que os esforços dos pais para orientar o comportamento dos filhos são “minados” pela comunicação mercadológica. Para essa autora “cada aspecto da vida de uma criança – saúde física e mental, educação, criatividade e valores - é afetado negativamente por seu status involuntário como consumidor no mercado”. Mas para Buckingham (2007, p.227) o impacto da mídia para o consumo não é único e absoluto, pois o fato dos brinquedos anunciados na TV venderem mais não implica que “as crianças não estejam atentas ao que está acontecendo ou que elas tenham de algum modo sido persuadidas a desejar coisas que não desejariam em outra situação”. Isso porque as crianças reconhecem essas “intenções persuasivas das propagandas de televisão desde bem cedo e rapidamente tornam-se bastante cínicas quanto a isso”. Concordamos com Linn (2006) que vivemos numa época em que a comunicação mercadológica invade nossas vidas em todos os espaços do cotidiano: na rua, no ônibus, nas escolas, etc., mas essa é uma realidade da qual não temos como fugir ou retroceder. Dito isso, nos parece impossível pensar em políticas de proibição da publicidade dirigida a qualquer que seja o público. Seria como pensar em regredir no tempo com relação à evolução comunicação e ao respeito aos direitos do sujeito. Como analisa Buckingham (2007, p.2009), é atribuído às mídias “um superpoder capaz de governar comportamentos, moldar atitudes, construir e definir identidades das crianças. [...] [Essas] preocupações têm levado a exigências de maior proteção à criança, na forma de mais rigidez na censura e na regulamentação das mídias” e parecem ir de encontro aos direitos das crianças como consumidoras, excluindo seus direitos à informação e orientação. Trata-se de um preâmbulo sobre o consumo infantil abordado com excelência por Buckingham (2007) na esfera do direito a informação e não no universo da censura, proposta que se aplica também para o consumo juvenil. Visão que compartilhamos, mais especificamente sobre sua concepção de que na criação dessas políticas é preciso ter em mente o direito de cidadania das crianças, refletindo infância como processo de construção social constante e abandonando a idéia de criança como categoria universal,

determinada por processos biológicos e um padrão homogêneo de desenvolvimento intelectual. É preciso aceitar a idéia de que vivemos na era da mídia e das tecnologias e que as os jovens têm direito de participar e não serem excluídos sob alegação de proteção. Protegê-los é educá-los para que o crescimento moral, intelectual e emocional seja subsidiado por informações que contribuam para suas interações nessa realidade. De que adianta censurar a publicidade dirigida aos jovens se os produtos soltam aos olhos nos supermercados, nas relações com outros sujeitos e em outros espaços de socialização e não podemos “protegê-los” da interação simbólica com os objetos nesses espaços? Não seriam políticas de educação mais adequadas para os jovens não “sofrerem” o “impacto maléfico” do consumo e as que os pais precisam para reforçar seus “esforços” na orientação do comportamento de consumo dos filhos? Eis algumas das questões que devemos problematizar no âmbito das propostas cerceativas em torno do consumo juvenil. Reiteramos nossa discordância com a linha maniqueísta de alguns dos estudos do consumo juvenil por reconhecermos a cumplicidade simbólica entre a publicidade e a sociedade e concebermos o homem como um ser cognitivo - que reflete uma comunicação com base no conhecimento construído em suas vivências, o qual não é algo dado, mas construído pelo sujeito, e tem na linguagem seu ponto de partida e fundamento, sendo influenciado pelo conjunto de visões e valores historicamente construídos nas interações (BUCKINGHAM, 2007; LYONS, 1982; SCHAFF, 1974). Entretanto, não renegamos os estudos realizados sobre essa temática e sim partimos deles para propor outro olhar sobre essa realidade cultural (LAHIRE, 2006), num caminho epistemológico que não compreende os jovens como massa homogênea, mas como socialmente diferenciados, reflexivos, capazes de responder criticamente a uma comunicação. Concepção alinhada a de Buckingham (2007) de que as posições sociais das crianças não são dadas, mas estabelecidas e negociadas nas interações. Propomos que o consumo juvenil seja compreendido a partir de um estudo de recepção e não de um estudo de meios ou emissores como parece ser o caminho teórico seguido por alguns autores. Compreendemos que essa temática deve ser estudada a partir do conceito de mediações de Martin-Barbero (1997, p.10), afastando-se do modelo teórico emissor-mensagem-receptor. Entendemos que é preciso investigar os lugares das interações entre produtores e receptores e conceber a comunicação como

“questão de mediações mais do que de meios, questão de cultura e não só de conhecimentos, mas também de reconhecimentos”. Acrescentamos que a recepção deve ser compreendida para além da apreensão de mensagens, isto é, como prática de construção social e negociação de sentidos, considerando, portanto o contexto sociocultural no qual os jovens estudados se encontram inseridos e concebendo o consumo como prática social e não como resultado da manipulação dos sujeitos como vem sendo analisado por alguns teóricos. Por fim, concluímos esse artigo expressando nossa compreensão de que pensar a publicidade como vilã da cultura do consumo é desconsiderar que uma comunicação, qualquer que seja ela, só impacta um comportamento se determinadas forças externas já estiverem estabelecidas. Isso porque a comunicação - qualquer que seja ela, até mesmo a publicitária, é apenas uma base para mudança social, pois para que esta mudança efetivamente ocorra é preciso que tal comunicação esteja interligada com outras forças simbólicas para construir sentidos. Caso contrário, sozinha, não alcança os resultados pretendidos.

REFERÊNCIAS

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