Contaminação inevitável dos Direitos empresarial e societário pelo Direito do ambiente. A Responsabilidade ambiental enquanto princípio conformador do exercício da actividade empresarial ∗

July 21, 2017 | Autor: B. Martins da Cruz | Categoria: International Environmental Law
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Contaminação inevitável dos Direitos empresarial e societário pelo Direito do ambiente. A Responsabilidade ambiental enquanto princípio conformador do exercício da actividade empresarial ∗

Branca M artins da Cruz

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Abstract Environmental concerns are, nowadays, in the centre of a good corporate administration and Environmental Law, with its horizontal character, irreversibly invades Corporate Law. In this context, Environmental Liability becomes an important principle that shapes economic and corporate activity. To reach a sustainable development, jurists have to reformulate and adapt traditional concepts and the legislator, in particular, needs to review still existing legal regimes, incorporating those new concepts and innovative theories elaborated by doctrine. Concerning liability regime, the Brazilian integral risk theory, still less known in Europe, or the definitive acceptation of civil, administrative and, mostly, criminal corporate liability appears as unavoidable solutions, as they allow a progressive and necessary responsabilisation of those attempting against the environment. The alleged contamination of Corporate Law by Environmental Law is not only real but it is also inevitable, if we do want a more harmonious, cleaner and healthier Planet, simultaneously allowing economic development and increasing peoples’ quality of life.

Resum o As preocupações ambientais encontram-se hoje no centro de uma boa gestão empresarial e o Direito do Ambiente, com o seu carácter transversal, invade de forma irreversível os Direitos Societário e Empresarial. Neste contexto, a Responsabilidade Ambiental ganha foros de verdadeiro princípio conformador do exercício da actividade económica. O cumprimento dos desígnios de um desenvolvimento sustentado impõem ao jurista a reformulação e a adaptação dos conceitos tradicionais e do legislador, em particular, exige a revisão dos regimes jurídicos ainda vigentes, incorporando os novos conceitos e as teorias inovadoras que a doutrina vai aperfeiçoando. No domínio da responsabilidade, a teoria do risco integral, desenvolvida pela doutrina brasileira e ainda pouco conhecida na Europa, ou a aceitação definitiva da responsabilidade civil, administrativa, mas sobretudo criminal, das pessoas colectivas ou jurídicas apresentam-se cada vez mais como soluções inadiáveis, contribuindo para uma progressiva e imprescindível responsabilização daqueles que atentam contra o ambiente. A alegada contaminação dos Direitos Societário e Empresarial pelo Direito do Ambiente além de real, é também inevitável, se queremos mesmo construir um Planeta mais harmonioso, mais limpo e mais saudável, permitindo simultaneamente o desenvolvimento económico e o aumento da qualidade de vida dos povos.

K eyw ords: Corporation; Environmental Law; Corporate Law; Environmental Liability; Integral Risk Theory; Corporate Liability; Environmental Damage.

* Este artigo encontra-se publicado em Nos Vinte Anos do Código das Sociedade Comerciais – Homenagem aos Prof.s Doutores A. Ferrer Correia, Orlando de Carvalho e Vasco Lobo Xavier, Vol. II, pp. 438-491, Coimbra Editora, Fev. 2008, tendo sido escrito expressamente para esta Homenagem, em Set. 2006. ** Directora do ILDA - Instituto Lusíada para o Direito do Ambiente; Subdirectora da Faculdade de Direito da Universidade Lusíada do Porto; Professora das Universidades Lusíada; Licenciada e Mestre pela Faculdade de Direito de Lisboa e Doutorada pela Universidade de Nice-Sophia-Antipolis.

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2 Palavras-chave: Direito do Ambiente; Direito Empresarial; Direito Societário; Empresa; Responsabilidade Ambiental; Responsabilidade das Pessoas Colectivas; Teoria do Risco Integral; Dano Ecológico.

Sum ário Nota Prévia; I – Introdução; II – Empresa; dano ecológico; responsabilidade ambiental; II – 1. Empresa. Um conceito pré-jurídico; II – 2. Dano ecológico “puro”. Um conceito jurídico de difícil definição; II – 3. Responsabilidade Ambiental. Uma expressão oriunda do Direito comunitário; III – Da responsabilidade ambiental da empresa; III – 1. Imputação da responsabilidade à pessoa colectiva; III – 2. Delimitação da responsabilidade; 2.1. Aposição de limites quantitativos; 2.2. Aposição de limites qualitativos; 2.3. Causas de exclusão e responsabilidade pelo risco integral; III – 3. A teoria do risco integral e a pluralidade de causas e de poluidores; IV – Conclusão.

NOTA PRÉVIA Não representando os Direitos comercial, societário e empresarial, domínios de eleição no meu trabalho recente, tendo dedicado os últimos anos ao aprofundamento do Direito do ambiente, mormente ao estudo da responsabilidade pelo dano ecológico puro e respectiva reparação, o tema que aqui escolhi tratar insere-se, todavia, numa área que poderemos situar no encruzamento entre o Direito do ambiente e o Direito das sociedades, tais as implicações e consequências práticas que a problemática jurídica a ela associada tem para as empresas, balizando o exercício de inúmeras actividades económicas. Atendendo à importância que assume na boa gestão de uma sociedade, o ambiente e, em particular, a responsabilidade ambiental, são hoje passíveis de serem integrados no designado Direito empresarial, que tem vindo a conhecer uma importância crescente, apesar da escassez das abordagens doutrinárias que têm abraçado esta integração das preocupações ambientais e da sua expressão normativa nos Direitos empresarial e societário. É certo que se trata de um domínio onde emergem e se confrontam interesses antinómicos: os de um ambiente são e ecologicamente equilibrado e aqueles que são atinentes a um desenvolvimento económico do qual a empresa é o principal motor, que cabe sobretudo ao Direito harmonizar e conciliar e que DOUMBÉ-BILLÉ qualifica como “casamento entre a carpa e o coelho” 1, convidando para padrinhos desta união os empresários e para celebrante o Direito, que oficiará, sob o olhar atento das gerações presentes e futuras 2. 1

No original, “Du mariage de la carpe et du lapin”. Cfr. Stéphane DOUMBÉ-BILLÉ, Droit international et développement durable, in, Les hommes et l’environnement. Quels droits pour le vingt-et-unième siècle, Ed. Frison Roche, Paris, 1998, pp. 243-268. V. pp. 251. 2 Desenvolvimento Sustentável: “o desenvolvimento que satisfaz as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades”. Definição constante do Relatório Bruntland, “O nosso futuro comum”, (Our Common Futur) de 1987, relatório da Comissão Mundial para o Ambiente e o Desenvolvimento, presidida então pela Primeira-Ministra da Noruega, Gro Harlem Bruntland. Em 1992, após a Conferência do Rio, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente erigiu o Desenvolvimento Sustentável em Princípio basilar e a União Europeia adoptou-o então como objectivo privilegiado no V Programa Comunitário de Política e de Acção em matéria de Ambiente.

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3 Não é contudo apenas de desenvolvimento sustentável, sobre o qual correu e corre tanta tinta, que importa falar. Sem descurar a importância deste desígnio maior de toda a humanidade, o nosso propósito é todavia mais específico, embora também simultaneamente mais vasto e mais restrito. Mais restrito, desde logo, porque tencionamos abordar o tema tão só na perspectiva do papel da empresa e das sociedades na preservação do ambiente, através de algumas das obrigações normativas impostas pelo ordenamento jurídico, tendo em conta a necessária harmonização de tais deveres jurídicos com os imperativos da sustentabilidade económica das empresas; mais vasto (mas igualmente mais específico), porque tal abordagem sempre implicará trazer à colação o regime jurídico que rege as sociedades e as empresas, no exercício das respectivas actividades, visando a interpenetração, que se afigura necessária, entre o aludido regime jurídico e o Direito do ambiente, dando origem a um novo ramo que poderemos designar por Direito empresarial ambiental, no qual se integram e são prosseguidos os escopos mais globais de um desenvolvimento económico compatível com o almejado desenvolvimento sustentado e subordinado aos respectivos desígnios. I – INTRODUÇÃO É voz corrente que a Justiça e o Direito atravessam uma crise e a afirmação de que a mudança de paradigma 3 se torna um imperativo revela-se cada vez mais próxima do lugar-comum. Na verdade, o progresso do conhecimento científico e os avanços da tecnologia a que o século XX deu luz geraram no Homem e na sociedade humana sentimentos de dúvida e de incerteza que alimentam receios e retiram à ciência o monopólio sobre o conhecimento 4 que o positivismo lhe havia asseverado. Hoje, a verdade social difere da verdade científica e o conhecimento científico, permanecendo indispensável, deixou todavia de ser suficiente para a edificação da verdade social 5. Esta é plural 6, constrói-se cada vez mais a partir das relações de poder existentes na sociedade

São igualmente inúmeras as legislações nacionais, entre as quais a portuguesa (cfr., v.g., art. 66º, nº 2, a), da CRP, o art. 2º, nº 2, da LBA ou o art. 2º, g), do D.L. nº 69/2003, de 10 de Abril), que lhe fazem menção ou que o adoptam mesmo como Princípio, como é o caso da França, v.g.. 3 Cfr, por todos, e entre inúmeros autores, nacionais como estrangeiros, pertencentes às correntes da pósmodernidade, Boaventura SOUSA SANTOS, Pela Mão de Alice. O Social e o Político na Pós-modernidade, 8ª ed., Ed. Afrontamento, Porto, 2002; André-Jacques ARNAUD, Entre modernité et mondialisation. Cinq leçons d’histoire et de philosophie du droit et de l’État, Ed. L.G.D.J., Paris, 1998, em especial pp. 148, onde o autor escreve que “a abordagem pós-moderna erige-se em paradigma. Ela funciona com os seus conceitos e os seus modelos” (no original, em francês, “l’approche posmoderne s’érige en paradigme. Elle fonctionne avec ses concepts et ses modèles”) e ss.; Jacques CHEVALIER Vers un droit postmoderne?, in, Les transformations de la régulation juridique, direcção de Jean CLAM e Gilles MARTIN, Ed. Droit et Société, Paris, 1996, pp. 21-46. 4 Ulrich BECK, em La Société du Risque. Sur la voie d’une autre modernité, tradução francesa do original alemão, Ed. Flammarion, Paris, 2001, a pp. 343/344, fala do “desaparecimento do monopólio científico sobre o conhecimento” (na versão francesa traduzida do original alemão, “disparition du monopole scientifique sur la connaissance”). 5 Ibidem, op. et loc. cit.. 6 Neste sentido, falando de verdades plurais ou de pluralismo de verdades (pluralisme de vérités), cfr. Serge GUTWIRTH e Eric NAIM-GESBERT, Science et droit de l’environnement: réflexion pour le cadre conceptuel du pluralisme de vérités, in, Revue interdisciplinaire d’études juridiques, 1995.34, pp. 33-98, passim.

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e a afinidade estreita que mantém com o universo jurídico veio acentuar a crise da relação entre o Direito e a Ciência 8, contribuindo de igual modo para a alegada crise da Justiça e do Direito. No cerne desta reflexão, entre outras razões, está patente a ideia de risco e os riscos que hoje ameaçam o Homem e a sua sociedade são, não só, os mais variados, fazendo-se presentes em todos os domínios, naturais ou sociais, como, também, crescentes em gravidade e perigosidade 9. Ora, o risco conforma muitas das normas ambientais ditadas pela necessidade de prevenir a sua concretização ou de fazer face aos malefícios daqueles riscos que se vão materializando e as empresas, enquanto entes cujas actividades, de índole económica, envolvem frequentemente operações portadoras de risco, fabricando, manipulando ou rejeitando produtos ou resíduos perigosos e recorrendo, quantas vezes, a tecnologias cujos efeitos não se conhecem totalmente, constituem um alvo privilegiado dessas normas, quase sempre imperativas (injuntivas ou proibitivas) das quais muitas revelam natureza repressiva. Torna-se, dest’arte, clara a aludida contaminação necessária dos Direitos empresarial e societário pelo Direito do ambiente, na medida em que a actividade típica de muitas empresas, sobretudo nos sectores industrial e agro-pecuário, comporta riscos para o ambiente, não raro concretizados em danos efectivos neste bem jurídico comum e indivisível 10. Porém, na impossibilidade de um estudo exaustivo de toda a legislação ambiental limitadora e condicionadora das mais diversas actividades empresariais, que a extensão e os objectivos deste trabalho não consentem, optámos por verificar e tratar a afirmada contaminação dos Direitos empresarial e societário pelo Direito do ambiente unicamente na perspectiva da responsabilidade ambiental e apenas quando em causa estejam danos causados no ambiente, ou seja, danos ecológicos puros. Ficam assim excluídas, por um lado, as normas que impõem ou proíbem certos comportamentos, proíbem ou condicionam o exercício de certas actividades, bem como as sanções administrativas ou de contra-ordenação especificamente cominadas para a violação de tais normas e, por outro, afastam-se igualmente os danos directamente causados às pessoas, sejam eles estritamente pessoais (v.g. danos na saúde), patrimoniais (v.g. danos provocados num bem objecto do direito de propriedade) ou danos económicos (v.g. perdas sofridas pelos pescadores e outros profissionais numa zona contaminada por uma maré negra). Para o cumprimento dos objectivos enunciados, torna-se mister começar por aclarar alguns conceitos, ainda que através de referências necessariamente 7

Neste sentido, cfr. Serge GUTWIRTH, Sciences et droit de l’environnement: quel dialogue?, in, Quel avenir pour le droit de l’environnement, obra col., sob a direcção de François OST e de Serge GUTWIRTH, Publications des Facultés Universitaires Saint-Louis, Bruxelas, 1996, pp. 21-42. V. pp. 32/33. 8 Sobre as relações entre a Ciência e o Direito, cfr., entre outros, Eric NAIM-GESBERT, Les dimensions scientifiques du droit de l’environnement. Contribution à l’étude des rapports de la science et du droit, Ed. Bruylant, Bruxelas, 1999, passim e Michel VIVANT, Sciences et praxis juridique, in Droit et Société, nº 16, Abril de 1993, pp. 109-113. V. especialmente pp. 113. 9 Preocupação dominante em toda a obra de U. BECK. V.g.. cfr., op. cit.. 10 É claro que os riscos ambientais não provêm exclusivamente da actividade empresarial-industrial. Muitos dos problemas ambientais mais candentes têm igualmente fonte nos comportamentos individuais massificados de que todos nós, cidadãos anónimos, somos os autores. Porém, não cuidaremos de tais acções nocivas para o ambiente, consubstanciadas numa danosidade de origem difusa. Centraremos a nossa atenção apenas nas empresas, cuidando das actividades potencialmente causadoras de danos no ambiente e por tal sorte capazes de desencadearem a aplicação dos mecanismos próprios da responsabilidade ambiental.

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5 breves. Além da explicitação da ideia de responsabilidade ambiental, importará também buscar uma pré-compreensão de dano ecológico, tal como o próprio conceito jurídico de empresa nos deverá merecer alguma atenção. Esclarecidos estes conceitos (II) que serão afinal os principais instrumentos do nosso trabalho, convirá responder a algumas das interrogações inevitáveis quando se trata de estudar a responsabilidade (ambiental) das empresas (III) por danos provocados no ambiente (ecológicos puros). Nesta abordagem, necessariamente sucinta e na impossibilidade que dela decorre de procedermos a um tratamento exaustivo do tema, elegemos como objecto essencial da nossa reflexão dois problemas que se nos afiguram da maior importância na definição do enquadramento jurídico da responsabilidade empresarial por danos ecológicos, a saber: a responsabilidade penal da pessoa colectiva, opção que, não fora a indiscutível acuidade da questão, é igualmente justificada pela respectiva actualidade, em tempo de revisão do Direito penal; os limites admissíveis à responsabilidade das empresas por danos causados ao ambiente. Neste caso, move-nos sobretudo a parca atenção que o tema tem merecido à doutrina portuguesa, em contraste com a importância que o mesmo assume e com o desenvolvimento que esta problemática tem merecido noutros países, como o Brasil, por exemplo. Hoje enquadrada pela Directiva 2004/35/CE, de 21 de Abril de 2004, que o Governo português se encontra em vias de transpor para o Direito interno e sendo certo que tal transposição não é isenta de dificuldades, ditadas sobretudo pela necessidade de harmonização de um regime comunitário que se afirma de Direito público com o regime vigente em Portugal, baseado no instituto da responsabilidade civil, ao longo do trabalho avançaremos algumas reflexões sobre a desejada conciliação entre a referida directiva e a legislação portuguesa actual. II – EMPRESA; DANO ECOLÓGICO; RESPONSABILIDADE AMBIENTAL A empresa, o dano ecológico “puro”, bem como a responsabilidade ambiental surgem, no contexto do breve estudo a que nos propomos, como conceitos-chave a que é mister atribuir algum significado jurídico que possa guiarnos na busca do regime jurídico que, em nome da salvaguarda e da preservação de um ambiente equilibrado e saudável, interfira na conformação da actividade empresarial, condicionando-a em nome da prevenção de danos ao ambiente e responsabilizando-a sempre que tais danos não sejam evitados. Comecemos pelo conceito de empresa.

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1. Empresa. Um conceito pré-jurídico FARIA COSTA refere-se à empresa como sendo “um dos nódulos essenciais do modo de ser comunitário das actuais sociedades pós-industriais” 11 e COUTINHO DE ABREU lembra que “a empresa aparece ao direito (que dela tem de ocupar-se) como «produto da vida» (…)” 12. Se esta última afirmação destaca o carácter pré-jurídico do conceito, acentuando a sua natureza social e sociológica, a primeira coloca a empresa no centro da sociedade hodierna, concebendo-a como um dos elementos intrínsecos e identitários da pósmodernidade, realçando ainda a sua natureza colectiva (comunitária) necessária. Já ORLANDO DE CARVALHO, ao defini-la “como um centro autónomo de imputação de responsabilidade económica e jurídica (…)”, realiza uma aproximação ao conceito jurídico de empresa, assinalando-lhe uma subjectividade (personalidade jurídica?) que a citada natureza de centro autónomo de responsabilidade denuncia 13. Todavia, mesmo nesta asserção mais jurídica, o autor não perde de vista a génese económica do conceito, sublinhando a responsabilidade económica da empresa. Pela nossa parte e, tendo presente que a aclaração do conceito que buscamos tem ambições científicas muito limitadas, não pretendendo a uma elaboração jus-dogmática rigorosa 14, mas visando tão só uma delimitação operativa do conceito, dentro do tema que nos ocupa, vemos no conceito de empresa uma génese pré-jurídica que conforta, e se impõe a, qualquer pretensão de definição jurídica. Antes de adquirir identidade jurídica, a empresa existe enquanto ente social e como realidade económica, a que o Direito apenas empresta consistência normativa. Inversamente, a sociedade traduz uma realidade essencialmente normativa, consubstanciando uma criação do Direito que se destina a instituir juridicamente a titularidade, a organização e o funcionamento da empresa, quer no plano dos relacionamentos internos, quer no das relações externas 15. Assim, Direito societário e Direito empresarial não deverão confundir-se, embora sempre nos pareça que o primeiro pode ser absorvido pelo segundo, sendo possível olhá-lo enquanto sub-ramo deste, já que

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Cfr., do autor, A Responsabilidade Jurídico-Penal das Empresas e dos seus Órgãos (ou uma Reflexão sobre a Alteridade nas Pessoas Colectivas, à luz do Direito Penal), in, RPCC, nº 2, 1992, pp. 537-569. V. pp. 540. 12 Cfr. Jorge Manuel COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade. As Empresas no Direito, Almedina, Coimbra, 1999, pp. 11. 13 Cfr. ORLANDO DE CARVALHO, Direito das Empresas, ed. policopiada, Coimbra, 1977, pp. 5/6. 14 Para maiores desenvolvimentos em torno do conceito de empresa, cfr. Manuel COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade. As Empresas no Direito, op. cit., passim. 15 Em sentido próximo, veja-se Alfredo de Assis GONÇALVES NETO, em texto inédito, distribuído aos alunos do curso de Mestrado na UFPE, no Brasil, em 1998 e citado por Ivan LIRA DE CARVALHO, A Empresa e o Meio Ambiente, in, Revista de Direito Ambiental, n.º 13, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1999, pp. 29-43, cfr. pp. 29-30. Aquele autor define a empresa como sendo o “estabelecimento em movimento”, procedendo depois a interessantes distinções: “ao ser arquivado o ato constitutivo de uma sociedade, tem-se pessoa; os valores aportados para a formação do seu capital constituem património dessa pessoa; os bens adquiridos e predispostos ao exercício de sua atividade identificam o estabelecimento; a empresa é o estabelecimento em movimento: só nasce quando ele abre as portas e passa a operar”. Sublinhado nosso. Cfr. pp.

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7 o Direito empresarial é mais amplo 16, invadindo domínios como o Direito do trabalho, o Direito da concorrência ou até o próprio Direito do Ambiente. COUTINHO DE ABREU anota mesmo que “o direito da economia (…), na concepção de bastantes autores, é fundamentalmente um direito das empresas” 17 . Como quer que seja, neste trabalho tomaremos o termo empresa no seu sentido mais amplo e, grosso modo, podemos aceitar a definição proposta por COUTINHO DE ABREU: “unidade jurídica fundada em organização de meios que constitui um instrumento de exercício relativamente estável e autónomo de uma actividade de produção para troca” 18. Ao lado do conceito de empresa, mas com ele intimamente relacionados no que ao nosso tema concerne, convém igualmente ter em conta os conceitos, a que a Directiva 2004/35/CE recorre, de operador, definido, no nº 6, do seu art. 2º, como sendo “qualquer pessoa singular ou colectiva, pública ou privada, que execute ou controle a actividade profissional ou, quando a legislação nacional assim o preveja, a quem tenha sido delegado um poder económico decisivo sobre o funcionamento técnico dessa actividade, incluindo o detentor de uma licença ou autorização para o efeito ou a pessoa que registe ou notifique essa actividade” e de actividade ocupacional, esta concebida no mesmo art. 2º, nº 7, como “qualquer actividade desenvolvida no âmbito de uma actividade económica, de um negócio ou de uma empresa, independentemente do seu carácter privado ou público, lucrativo ou não”. Estas definições parecem ter sido determinadas por uma preocupação de maior amplitude possível, visando, designadamente, amparar eventuais divergências entre os diferentes ordenamentos jurídicos vigentes nos Estados-Membros. De anotar o alargamento aos operadores e actividades públicos e à dispensa do carácter lucrativo das ditas actividades públicas ou privadas. Neste conceito de operador, assim amplamente definido, deverão caber naturalmente as empresas, tendo todavia presente que o sentido aqui adoptado há-de ser necessariamente o subjectivo. Operador adquire então o significado de autor da actividade danosa, ou seja, o responsável pelo dano, podendo este ser a própria pessoa colectiva, como veremos. É contudo patente a ligação existente entre o operador e a empresa. Ele há-de ser aquele que tem o controle da actividade desta, agindo no seu interesse e prosseguindo os seus fins, devendo por isso ser responsabilizado. Supomos pretender-se associar necessariamente o responsável pelo dano à actividade empresarial desenvolvida e produtora do dano em questão, que se afiguram aliás incindíveis, quando a actividade poluidora é exercida através de uma empresa. Já no que se reporta à actividade ocupacional, a forma empresarial, embora sendo a que nos interessa particularmente neste trabalho, não foi a única atendida pelo legislador europeu que admitiu que a mesma pudesse ser exercida no âmbito de um negócio ou de uma actividade económica não empresarial.

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Interrogando-se sobre esta possível integração do Direito das sociedades no Direito das empresas, cfr. COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade…, op. cit., pp. 306 e ss.. Cfr., sobretudo, nota (801)., pp. 307. 17 Cfr. op. cit., nota (803), pp. 308. 18 Cfr. op. cit., pp. 304.

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8 2. Dano Ecológico “Puro”. Um conceito jurídico de difícil definição “Não se sabe e também não pode saber-se o que é o dano ecológico. (…) O dano ecológico não é (…) necessariamente o que é representado como tal pelo sábio no seu laboratório, mas aquilo que é definido como tal pela convenção social. (…) o dano ecológico, difícil de ler na realidade, pode construir-se na sociedade” 19. Esta tentativa de definição patenteia bem as dificuldades inerentes ao conceito de dano ecológico, independentemente da natureza da definição que se busque e mesmo quando a pesquisa queira cingir-se ao universo jurídico 20. Trata-se todavia de uma definição que tem o mérito de nos chamar a atenção para as várias dimensões do conceito, mormente a científica e a sociológica 21, as quais, interferindo com a definição visada, participam necessariamente na respectiva construção jurídica 22. Para nós, o dano ecológico apresenta-se ao Direito enquanto objecto jurídico. Um objecto jurídico novo, saído da sociedade que alguns gostam de apelidar de pós-moderna, como já referimos supra, e traz para o seio da dogmática jurídica problemas que se encontram no cerne deste novo paradigma societário 23, constituindo o risco o mais relevante dentre eles e também o que assume maior importância em sede de danos no ambiente. Atentos os enormes riscos que em cada momento ameaçam materializar-se em lesões ambientais, a problemática do dano ecológico agiganta-se e exige soluções. Numa primeira fase, que se deseja nunca seja ultrapassada, exige-nos medidas preventivas; quando, porém, a prevenção falha e o dano se concretiza, aparecendo com toda a sua virulência, é tempo de accionar os mecanismos da reparação/responsabilização. Se, na sua fase preventiva, é concebível uma 19

Citação tirada do relatório introdutivo, da autoria de Gilles MARTIN, à obra colectiva Le dommage écologique en Droit interne, communautaire et comparé, ed. Economica, Paris, 1992, pp. 9. No original, em francês: “On ne sait pas et on ne peut pas savoir ce qu’est le dommage écologique. (…) Le dommage écologique n’est (…) pas nécessairement ce qui est représenté comme tel par le savant dans son laboratoire, mais ce qui est défini comme tel para la convention sociale. (…) le dommage écologique, difficile à lire dans la réalité, peut se construire dans la société” 20 GOMES CANOTILHO, Actos Autorizativos Jurídico-Públicos e Responsabilidade por Danos Ambientais, in, Boletim da Faculdade de Direito , Vol. LXIX, 1993, Universidade de Coimbra, pp. 1-89, a pp. 13 corrobora esta ideia, ao afirmar que “não existe ainda uma ideia clara e um conceito rigoroso de danos ecológicos”. 21 Mas, também as dimensões económica e cultural não deverão ser esquecidas, como nos lembra Annelise Monteiro STEIGLEDER, As Dimensões do Dano Ambiental no Direito Brasileiro, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2003, ao afirmar que “a construção jurídica do dano ambiental deve ser percebida dentro do contexto social, político, cultural, económico e histórico do paradigma da modernidade ocidental”. Cfr. pp. 22. 22 Ou, nas palavras de Eric NAIM-GESBERT, Les dimensions scientifiques du droit de l’environnement. Contribution à l’étude des rapports de la science et du droit, op. cit., pp. 732, “se a ordem jurídico-ambiental (…) se alimenta de dados científicos de maneira consubstanciada, não se torna contudo intrinsecamente menos direito; uma técnica de gestão da ordem social, fictícia e actuante, capaz de orientar escolhas sociais e políticas e de regular os conflitos ambientais pelo recurso aos instrumentos que lhe são próprios”. No original, em língua francesa, “si l’ordre juridique environnementale (…) se nourrit de données scientifiques de manière consubstantielle, il n’en demeure pas moins intrinsèquement du droit; une technique de gestion de l’ordre sociale, fictive et performative, capable d’orienter des choix sociaux et politiques et de réguler des conflits environnementaux à l’aide de ses outils conceptuels propres”. 23 Cfr. Boaventura SOUSA SANTOS, A Crítica da Razão Indolente. Contra o Desperdício da Experiência, 2ª ed., Ed. Afrontamento, Porto, 2002. Do mesmo autor cfr. tb. Uma Cartografia Simbólica das Representações Sociais: Prolegómenos a uma concepção Pós-moderna do Direito, in, Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 24-1988, pp. 139-172. Sobre o tema, v. ainda Maria Eduarda GONÇALVES, Ciência e Direito: de um Paradigma a Outro, in, Rev. Crít. Ciênc. Soc., nº 31-1991, pp. 89-113.

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9 actuação preventiva autónoma, mesmo espontânea, voluntária, do operador, da empresa cuja actividade ameaça o ambiente, que escolherá livremente as medidas preventivas que decida adoptar, já na fase seguinte, quando tais medidas preventivas não foram simplesmente adoptadas ou, tendo-o sido, não se mostraram eficazes permitindo a ocorrência do dano, a reparação será sempre precedida por escolhas públicas, integradas por decisões políticas e determinações jurídicas. A eficácia destas dependerá agora da definição de preferências legislativas, da interpretação e da aplicação que destas se faça. Dest’arte, ao político incumbe fazer opções e, de acordo com estas, ao Direito caberá organizar a reparação dos danos. Ao operador, empresa poluidora, competirá tão só cumprir as determinações das autoridades judiciais ou administrativas competentes, nos termos legalmente fixados, adoptando os comportamentos aptos a garantir a restauração efectiva do bem ambiental lesado ou, na impossibilidade desta restauração, as medidas compensatórias que, em sua substituição, lhe sejam ordenadas pelas ditas autoridades. O dano ecológico surge-nos então como um objecto específico do Direito da responsabilidade, esteado num valor ético-social hoje indiscutível, que é o ambiente, por sua vez erigido em bem jurídico de contornos complexos, que parte da doutrina e da jurisprudência teimam ainda em ignorar. Como escreve GOMES CANOTILHO, “a partir do momento em que as preocupações ambientais começaram a encontrar eco no mundo do Direito e em que surgiram normas jurídicas a tutelar o novo bem jurídico (que constitui também um direito fundamental), teriam obviamente de surgir também disposições legais, a ocuparse da violação das normas destinadas à tutela do ambiente, fazendo assim surgir o ilícito ambiental” 24 ou, como releva José CUNHAL SENDIM, “trata-se (…) de uma realidade jurídica nova e indeterminada, em relação à qual não existe ainda uma ideia clara, juridicamente operativa que permita compreender a imputação de tais danos” 25. Nesta senda, poderemos considerar que, “Tratando-se de um projecto social inacabado, a construção de um conceito jurídico para o dano ambiental encontra-se sob a permanente interferência recebida dos quatro axiomas fundamentais da sociedade moderna (…) que (…) constituem a base estrutural da crise ecológica que assola a sociedade contemporânea. (…) tais axiomas são: 1) a hegemonia da racionalidade científica; 2) a propriedade privada independente do uso que faz dela o proprietário; 3) o Estado como legitimador da propriedade, proprietário, empreendedor e regulador das actividades e 4) a crença no progresso, entendido como desenvolvimento infinito, alimentado pelo crescimento económico, pela ampliação das relações e pelo desenvolvimento tecnológico” 26. Porém, se nos cingirmos a uma tentativa de asserção estritamente jurídica de dano ecológico (puro), tenderemos a defini-lo como sendo “o efeito ou efeitos nocivos, prejudiciais ou lesivos sobre o ambiente, provocados por um facto humano, em violação do direito a um ambiente sadio e ecologicamente

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Cfr, do autor, Introdução ao Direito do Ambiente, Universidade Aberta, Lisboa, 1998. V. pp. 29. Cfr., do autor, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação do Dano através da Restauração Natural, Coimbra, 1998. V. pp. 70/71. 26 Inspirando-se na Crítica da Razão Indolente, op. cit., de Boaventura SOUSA SANTOS, cfr. Dany MONTEIRO DA SILVA, Dano Ambiental e sua Reparação, Juruá Ed., Curitiba, 2006, pp. 85. 25

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10 equilibrado que o Direito reconhece e protege” 27, consubstanciando-se no “resultado da violação da proibição de atentar contra o direito ao ambiente, pertencente a toda a comunidade e a cada um dos seus membros” 28. Tal proibição traduz uma protecção legal efectiva do ambiente, apesar das críticas ao pretenso antropocentrismo que poderão ser dirigidas contra esta definição. Como ordem social, o Direito não pode deixar de ser antropocêntrico, pois dirige-se à sociedade humana, ditando e regulando comportamentos humanos. Esta natureza intrínseca do jurídico, não impede, contudo, a consideração do ambiente como bem (jurídico) autónomo, extrínseco ao Homem, enquanto consideração jurídica de uma realidade pré-jurídica, mas portador de uma natureza ética, enquanto valor ético-social da maior importância, existindo um interesse fundamental de toda a sociedade em o defender e preservar, que cabe ao Direito fazer respeitar 29 . A definição acolhida tem contudo apenas em conta o chamado dano ecológico patrimonial, material ou físico. Questão diversa e até hoje amplamente ignorada pela doutrina europeia consiste em saber se, ao lado e em concomitância com este dano patrimonial materializado num prejuízo efectivo e directamente sofrido pelos bens ambientais, não coexistirá um outro, este de conteúdo moral ou extrapatrimonial, sofrido pela comunidade vítima da degradação, se, com José Rubens MORATO LEITE, também considerarmos que “Não há como negar que a colectividade pode ser afectada em seus valores extrapatrimoniais e que esses devem ser reparados” 30, já que, também nas palavras do mesmo autor, “trata-se de valores imateriais da colectividade, ligados a um direito fundamental, intergeracional e intercomunitário” 31. Este dano em nada se confunde com eventuais danos morais individuais, sofridos pelos cidadãos em virtude da degradação ambiental. Nele evidencia-se a vertente extrapatrimonial do próprio dano ecológico puro e, tal como este último, ele viola o direito social difuso a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado que a todos pertence. No Direito brasileiro tal doutrina estriba-se na letra do art. 1º, da Lei da Acção Civil Pública, Lei nº 7.347/85, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 8.884/94 32, ao estabelecer a respectiva aplicabilidade às acções de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados (…) ao meio ambiente (nº 1). No Brasil o número de adeptos deste novo dano entre a doutrina tem vindo a crescer e a própria jurisprudência começa a ponderar a consideração deste dano moral colectivo, existindo já decisões que vão neste sentido 33. A verdade, 27

Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique « pur ». Étude à la lumière du Droit portugais, Tese de doutoramento, Universidade de Nice e Sophia-Antipolis, 2005, I Vol., pp. 243. 28 Ibidem, pp. 246. 29 Sobre a natureza jurídica do ambiente e incluindo a tomada de posição dentro da polémica ecocentrismo (deep ecology)/antropocentrismo, cfr. B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation (…), I Vol., op. cit, pp. 3670. 30 Cfr., deste autor, Dano Ambiental : do Individual ao Coletivo Extrapatrimonial, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2000, pp. 320. 31 Ibidem, op. et loc. cit.. 32 Cfr., tb. de J.R. MORATO LEITE, Dano Ambiental: Compensação Ecológica e Dano Moral ou Extrapatrimonial, in , I Jornadas Luso-Brasileiras de Direito do Ambiente, ILDA – Instituto Lusíada para o Direito do Ambiente, Universidade Lusíada, Ed. do IA -Instituto do Ambiente, Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território, Lisboa, 2002, pp. 49-91. V. pp. 61. 33 É o caso de uma sentença de 2002, proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Cfr. RIO DE JANEIRO, Segunda Câmara Cível, Apelação Cível nº 2001.001.14586, MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

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11 porém, é que se trata de um dano cujo enquadramento dogmático ainda escapa, em boa parte, à doutrina, exigindo, por isso, uma mais ampla elaboração e reflexão teóricas. Acresce a isto que na Europa este dano é pura e simplesmente ignorado, muito havendo ainda a fazer em sede de reparação do dano ecológico puro material-patrimonial, como salientámos, inclusivamente, no que se reporta à sua simples consideração enquanto dano autónomo dos danos individuais, como vimos ser ainda o caso da Alemanha, por exemplo. Quanto à sua qualificação, o dano ecológico “puro” não deverá ser reputado como dano público ou privado, mas antes como um dano social difuso. Na verdade, ele atinge um bem jurídico, o ambiente, que, também ele, não deverá ser considerado público ou privado. Ambos comungam de uma natureza social e difusa que não pode subsumir-se nos epítetos clássicos de público ou de privado. Como escrevemos noutro lugar, para nós, “um dano público é tão só aquele que é causado a um bem público, pertencente ao domínio público do Estado (…). Tratase, neste caso, de propriedade pública (…). Isto significa que tais bens são juridicamente distintos dos bens ambientais, cuja autonomia permite, entre outros, a construção do conceito jurídico de dano ecológico puro. Os bens ambientais encerrados nos bens objecto de um direito de propriedade, público ou privado, são coisas inapropriáveis 34, cujo valor ético autónomo justifica a respectiva autonomia jurídica. São res communis omnium, de que toda a comunidade pode fazer uso, mas que não pertencem a ninguém, ou trata-se mesmo de bens que não são objecto de qualquer tipo de uso” 35. Exemplificando, uma mesma acção danosa que lese um bem do domínio público pode (ou não) igualmente e em simultâneo lesar o ambiente, provocando um dano ecológico puro. Verificam-se, afinal, dois danos distintos: um dano público que agride o bem objecto da propriedade pública (bem pertencente ao domínio público do Estado, v. g.); um outro dano, distinto do primeiro, que atinge o ambiente enquanto bem jurídico autónomo e que viola o direito fundamental a um ambiente sadio e ecologicamente equilibrado que a lei reconhece a todos e a cada um de nós. De igual modo, esta titularidade individual do direito ao ambiente, não consente na qualificação do dano ecológico como dano privado, pois tal direito nada mais é do que a subjectivação individual de um direito social mais amplo, pertença de todos 36. Em suma, o direito subjectivo ao ambiente, nada mais sendo do que uma parcela do direito social ao ambiente, pertencente à comunidade, e o seu objecto apresentando-se inacessível à apropriação, o dano que contra ele seja perpetrado deverá necessariamente escapar a esta qualificação dicotómica e pobre que versus ARTUR DA ROCHA MENDES NETO, Desembargadora Maria Raimunda T. de Azevedo, Sentença de 06 de março de 2002. Na fundamentação desta decisão judicial, pode ler-se: “.A condenação imposta com o objetivo de restituir o meio ambiente ao estado anterior não impede o reconhecimento de reparação do dano moral ambiental. (...) Uma coisa é o dano material consistente na poda de árvore e na retirada de subbosque cuja reparação foi determinada com o plantio de 2800 árvores. Outra é o dano moral consistente na perda de valores pela coletividade”. Esta indemnização pelo dano moral colectivo considerado foi de 200 salários mínimos, que reverterão para um fundo de recuperação ambiental. Actualmente estão em curso nos tribunais brasileiros, incluindo tribunais superiores, diversas acções pedindo igualmente a indemnização por este tipo de dano . 34 Cesare SALVI, La responsabilità civile, GIUFFRÈ, Milano, 1998, refere-se igualmente a “ bens que simplesmente não são apropriáveis (e portanto não fazem parte de um ‘património’ público ou privado (…)”. No original, em italiano, « beni, que pure non sono appropriabili (e quindi non fano parte di un ‘patrimonio’ pubblico o privato (…) ». Cfr. pp. 81, in fine. Sublinhados nossos. 35 B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, op. cit., I Vol., pp. 235. 36 Ibidem, op. et loc. cit..

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12 divide o universo jurídico em público e privado, sendo hoje notória a existência de uma mancha crescente de interesses que reclamam enquadramento e tratamento diferenciados relativamente a esta dicotomia tradicional público/privado. 3. Responsabilidade Ambiental. Uma expressão oriunda do Direito comunitário A expressão “responsabilidade ambiental”, significando responsabilidade por danos causados no ambiente ou danos ecológicos “puros”, é de afirmação recente. Ela surge-nos no Livro Branco sobre a responsabilidade ambiental 37, da Comissão Europeia, em Fevereiro de 2000 e é decisivamente adoptada na Directiva 2004/35/CE, de 21 de Abril de 2004, relativa à responsabilidade ambiental em termos de prevenção e reparação de danos ambientais. A sua fonte encontra-se, pois, no Direito comunitário mas o significado e o alcance desta expressão carecem ser explicitados. Para além do eventual intuito pedagógico, querendo acentuar a ideia de que todos devem agir de forma responsável perante o ambiente, respeitando-o e defendendo-o contra as agressões de que possa ser alvo, o recurso à expressão responsabilidade ambiental quis sobretudo operar uma mudança no modelo jurídico comummente adoptado para a responsabilidade por danos. Pretendeu-se substituir a já tradicional responsabilidade civil, de Direito privado, a que vinham sendo sujeitos os danos ambientais e à qual ainda resistiam alguns EstadosMembros - como a Alemanha que, ao longo de trinta anos de Direito comunitário do ambiente e de debates sobre o tema 38, nunca reconheceu a autonomia do dano ecológico puro 39, enquanto objecto a se da obrigação de reparar ou a Itália que sempre insistiu num regime de legitimidade exclusiva do Estado na acção reparatória 40, apesar da forte oposição da doutrina, reclamando o alargamento dessa legitimidade às ONG’s e aos próprios cidadãos 41 -, por uma denominada responsabilidade ambiental com recurso a mecanismos do Direito público 42. O resultado, porém, não foi, como se esperaria da adopção de um regime público de responsabilidade, o abandono dos quadros dogmáticos próprios da responsabilidade civil, de Direito privado. Assistiu-se, isso sim, a uma apropriação 37

Doc. COM(2000) 66 final, Bruxelas, 9.02.2000. Basta apenas lembrar a Convenção do Conselho da Europa sobre a responsabilidade civil por danos resultantes de actividades perigosas para o ambiente, conhecida por Convenção de Lugano, adoptada em 8 de Março de 1993 e aberta à assinatura em 21 de Junho desse mesmo ano de 1993, que a União Europeia nunca chegou a ratificar, vinculando dessa sorte todos os Estados-Membros, conforme está nos seus poderes e tendo em 2000, aquando da publicação do Livro Branco, declarado não pretender fazê-lo, preferindo-lhe a aprovação de uma Directiva sobre a matéria, o que veio a acontecer em 2004, com a Directiva 2004/35/CE. 39 A lei alemã de 10 de Dezembro de 1990, Umwelthaftungsgesetz (UmweltHG), no seu § 16., apenas admite a reparação de danos causados no ambiente quando o bem ambiental estiver contido num bem objecto de um direito de propriedade. V., a propósito da lei alemã, o comentário de Günter HAGER, Das neue Umwelthaftungsgesetz, in, Neue Juristische Wochenschrift, 44.-1991-1., pp. 134-143,. Cfr., sobretudo pp. 141. 40 Cfr. art. 18., 3., da Lei nº 349 de 1986. 41 V., por todos, Amadeo POSTIGLIONE, L’azione civile in difesa dell’ambiente, Rivista Trimestrale di Diritto Pubblico, 1-1987 e Salvatore PALAZZOLO, Giurisdizione ecologica dei diritti e degli interessi, in, Giurisprudenza italiana, vol. CXLIII, 1991, Parte IV, pp. 273-285. 42 Expressão que é utilizada a pp, 28 do Livro Branco sobre responsabilidade ambiental, doc. COM(2002) 17 final, já citado. 38

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13 destes últimos pelo regime de Direito público abraçado pelo legislador comunitário, colocando à doutrina e à jurisprudência novos desafios na interpretação e aplicação do referido regime, sendo certo que, desde logo, também o legislador nacional a quem incumbe a transposição da dita Directiva não vê a sua tarefa facilitada. Tendo, por um lado, mantido, como dissemos, a estrutura dogmática essencial da responsabilidade civil, a Directiva comunitária veio, por outro lado, introduzir profundas alterações em sede de legitimidade e competência para a responsabilização dos poluidores. A iniciativa para a acção pertence à denominada “autoridade competente”, de natureza administrativa, a quem cabem todas as decisões tradicionalmente atribuídas à autoridade judicial, tais como verificar a existência, determinar e avaliar o dano, ordenar a adopção de medidas preventivas ou reparatórias e fixar os respectivos teor e conteúdo 43. Os cidadãos e as associações ambientalistas, a quem a legislação portuguesa em vigor reconhece expressamente legitimidade para exigir perante os tribunais judiciais, comuns a reparação do dano 44, vêem a sua intervenção reduzida, nos termos do art. 12º da Directiva, ao “direito de apresentar à autoridade competente quaisquer observações relativas a situações de danos ambientais (…) de que tenham conhecimento e têm o direito de pedir a intervenção da autoridade competente, nos termos da presente directiva”. Como escrevêramos antes, então ainda a propósito da Proposta de Directiva 45, “parcos direitos” 46 estes que restam ao cidadão e às ONGA’s, se razões alheias ao Direito fizerem prevalecer a doutrina da Directiva sobre a legislação portuguesa vigente, apesar dos arts. 13º, nº 2 e 16º da Directiva salvaguardarem respectivamente “as disposições do direito nacional que regulem o acesso à justiça” e as “disposições mais estritas em relação à prevenção e à reparação de danos ambientais”. A expressão responsabilidade ambiental sobre a qual nos debruçamos ficará para sempre marcada pela mudança de rumo que a Directiva comunitária parece ter querido imprimir ao regime da responsabilidade por danos causados ao ambiente, submetendo-a a um regime de Direito administrativo o qual, sem abdicar da sua natureza impositiva e de concentração da iniciativa no Estado, deita mão de um instituto jurídico-privado venerável, tentando acomodá-lo aos seus desígnios. Pela nossa parte, rejeitamos as razões que militam a favor de uma responsabilidade de Direito público, estribada num direito de acção exclusivo do Estado e por isso negado a qualquer outro entre, individual ou colectivo, de Direito 43

Após no seu nº 1 estabelecer que “Os Estados-Membros designam a ou as autoridades competentes para dar cumprimento às obrigações previstas na presente directiva”, o nº 2 deste mesmo art. 11º esclarece que “Cabe à autoridade competente a obrigação de determinar quem causou o dano (…), avaliar a importância do dano e precisar as medidas de reparação que devem ser tomadas (…)”. 44 Cfr. o art. 2º, nº 1, da Lei nº 83/95, de 31 de Agosto, que confere a todos “pessoalmente ou através de associações de defesa dos interesses em causa, o direito de acção popular 44, nos casos e termos previstos na lei, nomeadamente o direito de promover a prevenção, a cessação ou a perseguição judicial das infracções contra a saúde pública, a degradação do ambiente 44 e da qualidade de vida ou a degradação do património cultural, bem como de requerer para o lesado ou lesados a correspondente indemnização”. 45 Cfr. doc. COM(2002) 17 final, 2002/0021(COD), de 23.01.2002. 46 Cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, Que Perspectivas para a Responsabilidade Civil por Dano Ecológico: A Proposta de Directiva Comunitária Relativa à Responsabilidade Ambiental, in, Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, série de Direito, nºs 1 e 2 - 2001, Coimbra Editora, Dezembro 2002, pp. 359-374. V. pp. 368.

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14 privado e subtraindo mesmo ao poder judicial competências seculares. Ao arrepio de uma evolução de mais de 30 anos, que partindo da atribuição de um direito subjectivo fundamental ao ambiente, se orienta naturalmente para a consagração do princípio da participação activa dos cidadãos e da sociedade civil na protecção e defesa do novo bem jurídico, este retorno compulsivo ao Direito administrativo carreará seguramente o recuo do Direito do ambiente. À luz da nova Directiva a sociedade civil e os seus representantes mais não terão do que o direito de recorrer do acto administrativo praticado pela autoridade competente, enquanto que os poderes judiciais foram reduzidos ao mero controle do referido acto administrativo, da competência da jurisdição administrativa, necessariamente, não mais incumbindo ao magistrado judicial decidir sobre a própria obrigação de reparar, quem deve reparar, como deverá fazê-lo e qual o objecto da reparação. Enfim, a crítica às opções publicistas da Directiva foi oportunamente feita 47, para lá remetendo. Aqui, o objectivo prosseguido foi tão só o de esclarecer o sentido e situar historicamente a expressão “responsabilidade ambiental”, no intuito de aclarar conceitos que nos serão indispensáveis na abordagem da responsabilidade da empresa por danos causados no ambiente, no ponto que segue. Todavia, antes de passarmos ao ponto seguinte, é mister lembrar que, embora a Directiva pareça querer ocupar-se exclusivamente da responsabilidade administrativa, na verdade, a expressão responsabilidade ambiental deveria igualmente abarcar - além da responsabilidade civil a que nos referimos, a propósito da crítica dirigida à dita opção publicista da Directiva - a responsabilidade penal por danos causados no ambiente. Não o tendo feito, tal não deverá, porém, significar que a responsabilidade penal ambiental das empresas não deva existir e que os danos causados ao ambiente por forma criminosa não constituam objecto de punição, tanto mais que o Código Penal prevê e pune os crimes de Danos contra a natureza (cfr. art. 278º) e de Poluição (cfr. art. 279º), que a reforma do Direito Penal actualmente em curso se incumbiu de manter, com pequenas alterações. Dito isto, passemos de imediato à abordagem dos aspectos atinentes ao próprio regime da responsabilidade ambiental das empresas, que mereceram a nossa escolha, pelas razões explicitadas supra. III – DA RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA EMPRESA

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Além da obra citada na nota anterior, Cfr. tb. Branca MARTINS DA CRUZ, Dez Anos após a Eco-92, que Perspectivas para a Responsabilidade Civil por Dano Ecológico ? A Proposta de Directiva Comunitária relativa à Responsabilidade Ambiental, in, 10 anos da Eco-92: O Direito e o Desenvolvimento Sustentável, Anais do 6º Congresso Internacional de Direito Ambiental, em homenagem a Roger W. FINDLEY e sob a direcção de António HERMAN BENJAMIN, São Paulo, 3 a 6 de Junho de 2002; pp. 105-106. Avanços e Retrocessos do Direito do Ambiente na União Europeia : Análise Crítica da Proposta de Directiva sobre Responsabilidade Ambiental, in, Direito Ambiental Contemporâneo, obra colectiva organizada por José Rubens MORATO LEITE e Ney de Barros BELLO FILHO, Editora Manole, 2004. pp. 1-50 e Avanços e Retrocessos do Direito do Ambiente na Europa Comunitária: Análise Crítica da Directiva 2004/35/CE relativa à Responsabilidade Ambiental, in, Direito e Liberdade, revista da Escola da Magistratura do RN – Região Oeste, Mossoró, vol. 1, n.º 1, Julho / Dezembro de 2005, pp. 73-93.

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15 Aclarado que foi o sentido da expressão “responsabilidade ambiental”, no contexto da Directiva 2004/35/CE, de 21 de Abril e tendo igualmente dado nota do nosso entendimento acerca do conceito jurídico de dano ecológico “puro” e tomado posição sobre o sentido e o alcance do termo empresa, é agora mister focar alguns aspectos fundamentais e polémicos do regime relativo à responsabilidade da empresa por danos provocados por esta no ambiente, no exercício da sua actividade. Não cabendo, como foi oportunamente referido, nos limites nem nas pretensões deste trabalho uma abordagem exaustiva da problemática, extensa e complexa, que caracteriza a matéria da responsabilidade ambiental, constitui, todavia, nossa intenção aflorar algumas das questões mais delicadas e controversas que dominam o tema. Encontram-se neste rol, entre outras, a responsabilidade da pessoa colectiva (1.) - cuja relevância se afirma, essencialmente, em sede de responsabilidade penal -, bem como alguns mecanismos jurídicos relativos ao modo como deve ser agilizado o instituto em apreço, facilitando ou dificultando a responsabilização do poluidor e a inerente aplicação do regime em estudo. Neste contexto, referir-nos-emos à teoria do risco integral (2.), reportando-nos à problemática das causas de exclusão da responsabilidade, incluindo o chamado risco de desenvolvimento. Não deixaremos ainda de tomar posição sobre a adopção de uma responsabilidade solidária e da imputação alternativa dos danos, sempre que nos encontremos perante uma pluralidade de potenciais poluidores (3.). 1. Imputação da responsabilidade à pessoa colectiva Para que a responsabilidade ambiental possa ser assacada à empresa, independentemente da qualificação jurídica do dano, é mister que a dita empresa possa ser civil, administrativa e penalmente responsabilizada, ou seja, exige-se que o Direito consinta na imputação de danos às pessoas colectivas a cada um destes títulos, correspondentes às três modalidades de responsabilidade. Ora, se no Direito Civil 48 e Comercial 49 tal responsabilidade é hoje pacificamente aceite 50 , o mesmo acontecendo nos domínios administrativo e contra-ordenacional, perante o Direito Penal ainda em vigor, tal responsabilização não se afigura possível. Nos termos do art. 11º do Código Penal, “salvo disposição em contrário, 48

Cfr. arts. 165º e 998º, nº 1, do Código Civil. Cfr. art. 6º, nº 5, do Código das Sociedades Comerciais, recentemente alterado pelo Decreto-Lei nº 76A/2006, de 29 de Março, que estabelece que “a sociedade responde civilmente pelos actos ou omissões de quem legalmente as represente, nos termos em que os comitentes respondem pelos actos ou omissões dos comissários”, omitindo a referência feita no Código Civil (arts. 165º e 998º, nº1, aos “agentes ou mandatários” e parecendo, por isso, adoptar a separação nítida entre “representantes”, entendidos como os titulares dos órgãos da pessoa colectiva (contra, v., todavia, Marcello CAETANO, As Pessoas Colectivas no Novo Código Civil Português, in, O Direito, Ano 99 (1967), nº 2, pp. 65-110. V. pp, 104/105; OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil, Teoria Geral, Vol. I, 2ª ed., Coimbra Ed., 2000, pp. 275 e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo III, Almedina, 2004, pp. 604/605) e todos os demais, agentes ou mandatários. Retoma-se, de alguma forma, neste nº 5, do art. 6º, o nº 1, do art. 7º do ante-projecto de Código Civil, de 1957, da autoria do ilustre homenageado Professor FERRER CORREIA, que se ocupava no nº 2 dos referidos “agentes ou mandatários”. Cfr. BMJ nº 67, de Junho de 1957, pp. 247281. V. pp. 249. 50 Sobre a discussão doutrinária em torno da responsabilidade civil das pessoas colectivas e, em particular, sobre a interpretação dos arts. 165º e 998º do Código Civil, cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, De la réparation du dommage écologique …, op. cit., Vol. II, pp. 502 e ss., incluindo a bibliografia aí citada. 49

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16 só as pessoas singulares são susceptíveis de responsabilidade criminal”. Contudo e embora mantendo esta doutrina, no nº 1 do novo art. 11º, como regra geral, a Proposta de Lei nº 130/2006, de 27 de Março, que adoptou o ante-projecto de revisão do Código Penal elaborado pela Unidade de Missão nomeada para o efeito e coordenada por Rui PEREIRA, prevê, no nº 2 do mesmo art. 11º, que “as pessoas colectivas e entidades equiparadas, com excepção do Estado, de outras pessoas colectivas públicas e de organizações internacionais de direito público, são responsáveis pelos crimes previstos nos artigos 152.º-A e 152.º-B, nos artigos 159.º e 160.º, nos artigos 163.º a 166.º, sendo a vítima menor, e nos artigos 169.º, 171.º a 176.º, 221.º, 222.º, 240.º, 256.º, 258.º, 262.º a 283.º, 285.º, 299.º, 335.º, 348.º, 353.º, 363.º, 367.º, 368.º-A e 372.º a 374.º, quando cometidos: a) Em seu nome e no interesse colectivo por pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança; ou b) Por quem aja sob a autoridade das pessoas referidas na alínea anterior em virtude de uma violação dos deveres de vigilância ou controlo que lhes incumbem. considerando ainda que: “4 - Entende-se que ocupam uma posição de liderança os órgãos e representantes da pessoa colectiva e quem nela tiver autoridade para exercer o controlo da sua actividade. 5 - Para efeitos de responsabilidade criminal consideram-se entidades equiparadas a pessoas colectivas as sociedades civis e as associações de facto. 6 - A responsabilidade das pessoas colectivas e entidades equiparadas é excluída quando o agente tiver actuado contra ordens ou instruções expressas de quem de direito. 7 - A responsabilidade das pessoas colectivas ou entidades equiparadas não exclui a responsabilidade individual dos respectivos agentes”. Ora, escusando-nos de reproduzir aqui os inúmeros argumentos que militam em favor da consagração da responsabilidade penal das pessoas colectivas 51 e que merecem o nosso inteiro acordo, louvamo-nos no princípio agora adoptado pelos autores do projecto, apesar de também pensarmos que este ficou aquém daquilo que se nos afigura possível e era desejável. Referimo-nos, por exemplo, ao facto de tal princípio de responsabilidade penal das pessoas colectivas não ter sido adoptado como regra geral, mas tão só em relação a um certo catálogo de crimes, que a lei expressamente enumera 52, apesar de os crimes ambientais (arts, 278º e 279º) integrarem o catálogo e de isso, para nós, 51

Cfr., B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, op. cit., Vol. II, pp. 505 e ss., incluindo bibliografia citada. Lembramos, contudo, que os atentados mais graves contra o ambiente são cometidos por empresas e não por cidadãos não organizados. 52 Contra, solicitando para “repensar a solução maximalista que agora se propõe” e considerando questionável “o amplo conjunto de crimes que se pretendem incluir no catálogo que permite a responsabilidade penal das pessoas colectivas.”, pois, “se é doutrinalmente pacífica a admissibilidade da responsabilidade das pessoas colectivas em determinados tipos de crime onde são visualizáveis com alguma frequência a prática de delitos produzidos pelas próprias empresas ou pessoas colectivas, o conjunto de crimes referenciado e que consta no projecto vai muito para além deste princípio.”, cfr. Parecer sobre o Projecto de Revisão do Código Penal, de Setembro de 2006, emitido pelo Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais, da ASJP – Associação Sindical dos Juízes Portugueses.

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17 ser já um motivo de regozijo; apontamos igualmente a decisão, que nos parece menos boa, de ter optado por punir a pessoa colectiva apenas mediatamente, de forma indirecta, exigindo-se sempre a prática do facto punível por pessoas singulares (pessoas que nela ocupem uma posição de liderança). São, sem dúvida, avanços cautelosos e alterações moderadas, estas por que optaram os autores do projecto, não procurando inspiração em legislações mais ousadas, nas quais a valoração ético-social de que o bem jurídico ambiente se faz objecto impôs soluções mais arrojadas, e de que é exemplo a lei brasileira dos crimes ambientais, Lei nº 9605, de 12 de Fevereiro de 1998, que, no seu art. 3º, responsabiliza “administrativa, civil e penalmente” as “pessoas jurídicas” contentando-se com o facto de que a “infracção seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício de sua entidade” 53. Esta lei brasileira 54, não exige, como parece resultar do projecto português, que o crime seja efectivamente (leia-se: reunindo todos os pressupostos e requisitos do facto punível individual) cometido pela pessoa singular em nome e no interesse da pessoa colectiva, bastando que se prove a existência de uma decisão individual (de um seu representante) ou colegial (de um órgão com esta natureza) tomada no interesse ou em benefício da pessoa colectiva que será então tida como autora do crime, independentemente de se apurar quem foi o executor da referida decisão ou quem efectivamente ordenou o respectivo cumprimento. E, sem que isto impeça a coresponsabilização 55, sempre que fique demonstrada a prática do facto punível por pessoas singulares 56, nos termos do § único do mesmo art. 3º, solução que é, aliás, coincidente com a que se encontra prevista no nº 7, do art. 11º do projecto nacional. Nesta linha de moderação, optaram igualmente os autores do projecto por excluir a responsabilidade penal do Estado e demais pessoas colectivas ou organizações internacionais de Direito público. Entre outras razões, pensou-se, certamente, na inadequação das sanções previstas aos entes públicos. Mas, além de o leque de sanções poder ser substancialmente alargado 57, modificado e adaptado aos entes públicos, as inúmeras actividades nocivas para o ambiente que estes (Poder local, central e demais pessoas colectivas de Direito público) desenvolvem ou nas quais participam e cujas consequências ambientais se revelam quantas vezes desastrosas, preenchendo objectivamente os tipos de crime previstos no código Penal, convidam-nos à reflexão e colocam-nos inevitavelmente perante a dúvida sobre o bem fundado da decisão de excluir a responsabilidade penal do Estado e demais pessoas colectivas públicas.

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Sublinhados nossos. Sobre a responsabilidade das pessoas colectivas por crimes contra o ambiente, no Brasil, cft., por todos, Eládio LECEY, Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica – Efetividade na Realidade Brasileira, in, I Jornadas Luso-Brasileiras de Direito do Ambiente, op. cit. pp. 24-48. 55 “Co-delinquência” nas palavras de Eládio LECEY, op. cit., pp. 42. 56 Aplicando-se então as regras da participação e comparticipação criminais que couberem no caso, como sustenta Eládio LECEY, op. et loc. cit.. 57 Nesta sede, o direito brasileiro poderá, mais uma vez, servir-nos de fonte de inspiração, já que a Lei nº 9605 pode ser considerada um repositório de criatividade e imaginação em matéria de sanções alternativas para punir a pessoa colectiva responsável por crimes ambientais. Por todos, cfr. Eládio LECEY, Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica …, op. cit.. 54

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18 Em suma, tudo aponta no sentido de que Portugal adoptará, finalmente, um regime de responsabilização penal das pessoas colectivas privadas 58, pois os compromissos internacionalmente assumidos o forçam a tal. Fá-lo-á, contudo, de forma contida. No que aos crimes contra o ambiente respeita, tememos tão só que esta escassez da audácia de que a protecção do ambiente tanto carece possa continuar a impedir a imputação jurídico-penal dos atentados mais graves de que é vítima este bem jurídico. Se, às dificuldades inerentes à imputação deste tipo de crimes às pessoas singulares que actuam em nome e no interesse da pessoa colectiva 59, mesmo tratando-se de pessoas que nelas ocupem uma posição de liderança 60 – e que constitui pressuposto indispensável para a imputação do mesmo crime à própria pessoa colectiva - juntarmos a posição minimalista sustentada no seu parecer pelo Gabinete de Estudos e Observatório dos Tribunais, da ASJP–Associação Sindical dos Juízes Portugueses, denunciando já uma possível predisposição a posicionamentos mais conservadores na interpretação e aplicação do futuro novo art. 11º do Código Penal, o resultado poderá ser precisamente aquele a que se quer obstar: a inexistência de condenações nos crimes contra o ambiente previstos no Código Penal. Não sendo apologista de soluções maximalistas somos todavia de parecer que nesta matéria era possível e desejável ter acautelado melhor a protecção penal do ambiente, erigido em bem jurídico fundamental da comunidade 61, que deve ser concebido como um desses “interesses fundamentais que se apresentam ao Direito penal como valiosos” 62, no desempenho de “uma específica função de «protecção» dos valores fundamentais da comunidade” 63. Ademais, e para lá da teimosia conservadora de uma parte da doutrina que persiste na conjugação necessária de crime com culpa, não tolerando que esta última possa ser dissociada da consciência/intenção/vontade psicológica, necessariamente humana e individual, não permitindo, dest’arte, que o conceito de culpa se objective, aproximando-se do de ilicitude 64, não vislumbramos 58

E, organizações sem personalidade jurídica que poderão ser equiparadas às pessoas colectivas, tais como sociedades civis não personalizadas e associações de facto, nos termos do nº 5 do art. 11º. Tal alargamento a estas entidades equiparadas merece o nosso inteiro aplauso, já que o que importa não é a estrita qualidade de pessoa jurídica, mas o facto de actuarem como tal no mundo empresarial e associativo, aliada à real possibilidade de praticarem o mesmo tipo de actos, incluindo a prática de crimes. 59 Anabela RODRIGUES, Comentário Cunimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, arts. 202º a 307º, dirigido por Jorge FIGUEIREDO DIAS, Coimbra Ed., 1999, fala, a propósito da não aplicação real dos arts. 278º e 279º do Código Penal, devida à não responsabilização penal das pessoas colectivas, de “função meramente simbólica” do Direito Penal que, “ao não ser aplicado pelos operadores do Direito, não chega a ter vigência real”. Cfr. pp. 949. No mesmo sentido, salientando as dificuldades inerentes à eficácia do Direito penal do ambiente, na ausência da susceptibilidade de responsabilização penal das pessoas colectivas, cfr. FIGUEIREDO DIAS, Sobre o Papel do Direito Penal na Protecção do Ambiente, RDE, Ano IV, nº 1, Jan./Jun., 1978. V. pp. 12/13. 60 Paulo SOUSA MENDES, Vale a Pena o Direito Penal do Ambiente?. Ed. AAFDL, 2000, fala em “fragmentação e dispersão” da responsabilidade “que tem parte de geração espontânea e outra parte até de pré-ordenação à fuga às responsabilidades”. V. pp. 27. 61 Cfr., B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, op. cit., Vol. II, pp. 511 e ss 62 Cfr. cfr. FIGUEIREDO DIAS, Sobre o Papel do Direito Penal…, op. cit., pp.8.. 63 Ibidem, op. et loc. cit. 64 Como escreve Fábio BITTENCOURT DA ROSA, Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, in, Rev. Dir. Amb., Ano 8, nº 31, Jul./Set. 2003, pp. 37/57, “a ação consciente e voluntária para lesar a norma penal acarreta o juízo de censura contido na mesma. A culpa não está no espírito do autor do fato, mas dentro da regra, criada por ela”. V. pp. 45. Concepção próxima desta, parece ter a Cour de Cassation francesa, ao interpretar a expressão “intenção criminosa” (Intention criminelle), à luz do art. 121-3, 1 C do Código Penal francês “como sendo uma violação com conhecimento de causa de uma prescrição legal ou regulamentar”

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19 qualquer obstáculo à responsabilização penal directa da pessoa colectiva, cumulável ou não com a dos dirigentes eventualmente co-responsáveis. Da reconstrução/adaptação do conceito de culpa à realidade social das pessoas colectivas - falando-se então de “culpa social ou colectiva” 65 ou de “culpa de organização” 66, mas invocando igualmente a teoria da culpa normativa, a que frequentemente a doutrina brasileira recorre para estribar a existência de uma suposta culpa da empresa 67 - até à abolição pura e simples da exigência de culpa, admitindo sem complexos uma responsabilidade penal objectiva da empresa, vai um passo mais curto do que as aparências permitem mostrar. Embora pensemos que, em nome da intervenção mínima do Direito Penal 68 e para que este mantenha a sua natureza de ultima ratio, talvez se justifique a exigência do elemento subjectivo, reservando por enquanto a responsabilidade objectiva para os Direitos civil e administrativo, de gravidade social e ética menores, é todavia mister dizer que, mesmo de um ponto de vista estritamente dogmático, não cremos que o Direito penal se caracterize essencialmente como um Direito da culpa. Sem querermos meter a foice em seara alheia, a verdade é que o Direito penal surge-nos cada vez mais como um Direito repressivo que visa a protecção última dos bens jurídicos fundamentais e maiores da comunidade contra os atentados mais graves que os ameaçam. Neste contexto, a culpa mais não é do que um elemento do tipo subjectivo, ainda muito associado à ideia de expiação, que conduz a um juízo de censura mais ou menos severo e que, consoante o grau de intensidade, facilita a fixação da pena aplicável, numa gradação que vai do dolo directo até à negligência inconsciente. Contudo … a ausência desta possibilidade de censura dirigida agora contra uma acção objectivamente punível de uma pessoa colectiva deverá ser suficiente para expurgar o mal traduzido no resultado criminoso e a reprovação que pesa sobre este mesmo resultado desvalioso? A sua existência, à luz do Direito penal, e o nexo de causalidade que o associa à acção danosa, não bastarão para estribar a condenação penal da pessoa colectiva que comprovadamente atentou contra um bem jurídico fundamental, evidenciando uma vontade criminosa violadora de disposições legais que lhe proibiam o comportamento criminoso e não beneficiando, em concreto, de qualquer causa de exclusão da ilicitude? Por muito que ainda nos possa repugnar a existência de um Direito penal do facto que prescinda da culpa do agente, o caminho nessa direcção já foi aberto (comme étant une violation en connaissance de cause d’une prescription légale ou réglementaire). Cfr. JeanClaude PLANQUE, La détermination de la personne morale pénalement responsable, L’Harmattan, Paris, 2003, pp. 268. 65 Cfr. Manuel António LOPES DA ROCHA, A Responsabilidade Penal das Pessoas Colectivas – Novas Perspectivas, in, Direito Penal Económico e Europeu: Textos Doutrinários, Coimbra Editora, 1998, Vol. I, pp. 431-488. V. pp. 444. 66 Neste sentido e falando igualmente do dever de « organização correcta » que impende sobre a própria pessoa colectiva, cfr. Klaus TIEDEMANN, Responsabilidad Penal de Personas Jurídicas, otras Agrupaciones y Empresas en Derecho Comparado, in, La Reforma de la Justicia Penal, Ed. da Universidade Jaume I, 1997, pp. 25-45. V. pp. 39/40. 67 Cfr., v. g., BITTENCOURT DA ROSA, op. cit., pp. 45 ; Paulo Roberto da SILVA PASSOS, Crimes Econômicos e Responsabilidade Penal de Pessoas Jurídicas, São Paulo, 1997, pp. 72/73 ; Sérgio Salomão SHECAIRA, Responsabilidade Penal da Pessoa Jurídica, 2ª ed., São Paulo, 2003, pp. 103 e ss.. 68 Cfr. Fernando TORRÃO, Os Novos Campos de Aplicação do Direito Penal e o Paradigma da Mínima Intervenção (Perspectiva Pluridisciplinar), in, Liber Disciplinorum para Figueiredo Dias, Coimbra Ed., 2003, pp. 333-362.

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20 e é apenas uma questão de tempo, tal a importância da demanda social, perante a delapidação consciente e aos olhos de todos criminosa do ambiente (e de outros bens jurídicos igualmente valiosos que a sociedade tecnológica da pósmodernidade vai pondo a descoberto), em exclusivo proveito de alguns e prejuízo grave para todos. Tenhamos, todavia, em mente as sábias palavras de Bruno OPPETIT 69, quando afirma que “o Direito, na verdade, recua mesmo quando parece crescer e conquistar, ao ponto que progresso e mudança se afiguram frequentemente antinómicos” 70 e que poderão muito bem explicar a alegada timidez das alterações propostas para o art.11º do Código Penal. 2. Delimitação da responsabilidade Assente a possibilidade de responsabilização das empresas por danos causados no ambiente, resta-nos delimitar o funcionamento do instituto. Nesta demarcação de limites, muitas são todavia as dúvidas e dificuldades que ainda subsistem e que, por razões óbvias de espaço e de objecto, nos absteremos de abordar, remetendo para a nossa dissertação de doutoramento sobre a reparação deste dano, onde tratamos de forma desenvolvida a extensa problemática subjacente ao tema 71. Mas, da vasta panóplia de assuntos e de matérias que a delimitação da responsabilidade pelo dano ecológico puro pode abranger, gostaríamos de destacar a controvérsia ligada à admissibilidade da exclusão total ou parcial da responsabilidade. Reportamo-nos, não só à existência de causas de exoneração da responsabilidade, mas igualmente à possibilidade de imposição de limites qualitativos e quantitativos à responsabilidade fundada no risco. 2.1. Aposição de limites quantitativos Ora, é sabido que a LBA, Lei nº 11/87, prescrevendo, no art. 41º, nº 1, a responsabilidade objectiva do poluidor por danos significativos causados no ambiente, em virtude de acção perigosa, vem, no nº 2, prever que o quantitativo da indemnização a fixar seja estabelecido em legislação complementar. Tal fixação legal, como se sabe, nunca ocorreu e a sua omissão conduziu mesmo a uma paralisação inaceitável da disposição contida no nº 1 72, suscitando acesa controvérsia na doutrina acerca da entrada ou não em vigor desta norma 73, que hoje, quase vinte depois, ainda subsiste. Independentemente da interrogação legítima sobre as reais intenções que levaram o legislador ambiental a nunca ter estabelecido os referidos limites, a questão da fixação de limites máximos à indemnização deve ser colocada no

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Cfr., do autor, Droit et modernité, Ed. PUF, Paris, 1998, pp. 98. No original, em língua francesa, « le droit, en vérité, recule même lorsqu’il paraît croître et conquérir, au point que progrès et changement semblent souvent antinomiques ». 71 De la réparation du dommage écologique pur…, já citada. 72 Sobre o assunto, cfr. Branca MARTINS DA CRUZ, Responsabilidade Civil pelo Dano Ecológico – Alguns Problemas, in, Actas do I Congresso Internacional de Direito do Ambiente da Universidade Lusíada – Porto, Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, Número especial, Porto, 1996, pp. 187-227. 73 FREITAS DO AMARAL, Lei de Bases do Ambiente e Lei das Associações de Defesa do Ambiente, in, Direito do Ambiente, I.N.A., Lisboa, 1994, pp. 367-376 sustenta, a propósito e a pp. 372, que o art. 41º, nº 1, deve ser “imediatamente aplicável, e caberá, naturalmente, aos tribunais definir o alcance dessa responsabilidade objectiva “. 70

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21 plano dogmático e apreciada à luz dos interesses subjacentes à adopção da responsabilidade pelo risco neste tipo de danos. No domínio da responsabilidade pelo risco em geral, enquanto CALVÃO DA SILVA fala da “nossa tradição jurídica” 74, SINDE MONTEIRO qualifica a aposição de limites de “mal necessário de forma alguma (…) incindivelmente ligado à natureza desta forma de responsabilidade” 75. Pela nossa parte, partilhamos este entendimento, acreditando de igual modo que a aposição de limites à indemnização da responsabilidade pelo risco não participa da natureza que lhe é própria, reflectindo talvez tão só uma certa forma de resistência à dispensa da culpa, que o século XIX mostrou ser necessária e que o século XX acabou por impor inexoravelmente 76, primeiro apenas para um punhado de danos e hoje, tendencialmente estendida a todos os riscos próprios de uma sociedade tecnológica, massiva e apressada em que vivemos 77 e a que nos referimos supra, no início deste trabalho. Detendo-nos especificamente sobre a responsabilidade ambiental, tudo parece encaminhar-se no sentido de prescindir de tão duvidosa tradição jurídica, apontando-se para a responsabilidade integral pelo risco. A confirmar esta tendência podem ser chamadas à colação a Convenção de Lugano e a Directiva 2004/35/CE, ambas relativas à responsabilidade por danos causados ao ambiente, sendo que em nenhuma delas o legislador fixou qualquer limite máximo à reparação, mesmo quando a responsabilidade é objectiva e fundada no risco. Aliás, na exposição de motivos que introduzia a Proposta 78 que antecedeu a Directiva, o legislador comunitário considerava que “a limitação tem vantagens, mas também inconvenientes” e concluía afirmando que “a proposta não estabelece quaisquer limites para a responsabilidade” 79. Pensamos que neste domínio andou bem o legislador comunitário, já que a existência de tais limites se nos afigura descabida e injustificada. No catálogo dos argumentos normalmente invocados em sua defesa, apenas a enormidade dos prejuízos ambientais nos poderia merecer alguma atenção, não fora a existência do seguro obrigatório da responsabilidade (art. 43º da LBA) e a possibilidade de recurso a outros mecanismos de colectivização dos riscos ambientais 80. Acresce que as actividades geradoras dos maiores riscos e dos danos mais catastróficos, de que a indústria nuclear pode ser exemplo, estão sujeitas quase sempre a 74

João CALVÃO DA SILVA, Responsabilidade Civil do Produtor, Almedina, Coimbra, 1990, pp. 690. Jorge SINDE MONTEIRO, A Função da Responsabilidade pelo Risco e a Questão dos Limites Máximos, in, Boletim do Ministério da Justiça (BMJ), nº 331, dez. 1983, pp. 5-35, após afirmar que “não se descortina motivo para estabelecer um limite máximo para a indemnização; logicamente devem ser reparados todos os danos indemnizáveis nos termos gerais de direito, e não apenas uma parte”, acaba por conceder que “se trata de um mal necessário e não, de forma alguma, de algo incindivelmente ligado à natureza desta forma de responsabilidade”. Cfr. pp. 19 e seg.. 76 Sobre a evolução histórica do instituto da responsabilidade civil, cfr. B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, op. cit., Vol. II, pp. 272 e ss.. 77 Expressando a mesma ideia, cfr. António PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, Separata do Vol. XXVIII do Suplemento ao Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, Coimbra, 1985, quando afirma que “o princípio da culpa, convertido em verdadeiro dogma, surge, pois, cada vez mais desfasado da nova realidade social, em virtude das diferentes espécies de danos que o desenvolvimento técnico origina “. Cfr. pp. 37. 78 COM(2002) 17 final, já cit.. 79 Ibid., cfr. pp. 9-10. 80 Sobre o assunto, cfr. B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, op. cit., pp., Vol. II, 408 e ss. e bibliografia aí citada. 75

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22 legislação especial e encontram-se frequentemente reguladas por tratados internacionais, onde normalmente se prevêem limites à responsabilidade. Por vezes ainda, verifica-se a participação financeira do Estado na reparação dos danos mais graves, acabando por circunscrever o debate apenas aos danos restantes, ou seja, àqueles cujo risco de atingirem valores astronómicos se encontra fortemente reduzido, não se justificando por isso a discutida aposição de limites. Finalmente, esta limitação quantitativa da indemnização altamente prejudicial para o bem jurídico que se quer proteger, o ambiente, também não dá quaisquer garantias de protecção económica efectiva à empresa responsável pelo dano. Tudo irá depender do montante do dano, do valor-limite da indemnização e, sobretudo, da dimensão económica, da solvabilidade e da saúde financeira do responsável. Uma pequena ou média empresa arriscará sempre a insolvência perante um dano elevado ou diante de um valor-limite que ultrapasse o sua condição financeira. Aliás, limitado ou não, o preço da responsabilidade há-de ser sempre proporcional ao custo efectivo dos prejuízos causados. Se esta proporção necessária não for acautelada e a lei optar por valores-limite rigidamente préestabelecidos, irrisórios, arbitrários ou aleatórios, a própria responsabilidade deixará de fazer sentido. Enfim, de quanto ficou dito, parece resultar evidente que só uma responsabilidade integral e ilimitada poderá servir plenamente a aplicação do princípio do poluidor-pagador, cumprindo simultaneamente uma missão pedagógica junto das empresas, que se querem ambientalmente responsáveis, pois, como nos lembra Ludwig KRÄMER, « há só um único Portugal, uma só Europa e um só planeta » 81. 2.2. Aposição de limites qualitativos Debruçando-nos agora sobre a existência de limites qualitativos à responsabilidade por danos ecológicos, poderemos afirmar que a legislação ambiental portuguesa não os estabelece específica e expressamente, o mesmo já não acontecendo, quer na Convenção de Lugano, quer na Directiva sobre a responsabilidade ambiental. Enquanto que a primeira fala em medidas de reposição e de salvaguarda razoáveis (art. 2º, §§ 8 e 9), a Directiva, a propósito da reparação dos danos causados à água, às espécies e habitats naturais protegidos, refere-se a opções de reparação razoáveis (Anexo II, 1.3.1.), a custo razoável (Anexo II, 1.2.3.) ou a melhores técnicas disponíveis (Anexo II, 1.3.1.), para além do recurso a outros critérios qualitativos no que respeita à reparação propriamente dita, estabelecidos no mesmo Anexo II. Prevalece a ideia de equivalência recurso-a-recurso ou serviço-a-serviço, ou seja, devem privilegiar-se as acções que proporcionem recursos naturais e/ou serviços do mesmo tipo, qualidade e quantidade que os danificados (Anexo II, 1.2.2.). Não sendo todavia 81

Cfr., do autor, Trente ans de droit communautaire de l’environnement : ébauche d’un bilan, in, Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, Universidade Lusíada do Porto, nºs 1 e 2, 2002, Coimbra Editora, Outubro de 2003, pp. 481-506. V. pp. 506. No original, em francês, « on n’a qu’un seul Portugal, une seule Europe et une seule planète », e prossegue, lembrando ainda que « la protection de l’environnement ou une évolution vers un développement économique soucieux des exigences environnementales requiert avant tout une volonté politique des acteurs politiques et économiques, une prise de conscience de chacun qu’il s’agit de son environnement qu’il doit préserver et protéger et une détermination des juristes de ne pas se contenter de l’acquis actuel du droit, mais de contribuer à renverser les tendances actuelles vers une évolution plus positive ».

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23 isto possível ou mostrando-se excessivamente oneroso, poderá então optar-se por medidas de reparação cujo custo seja equivalente ao valor monetário estimado dos recursos naturais e/ou serviços perdidos (Anexo II, 1.2.3.). Relativamente aos mesmos danos, o Anexo II da Directiva recorre ainda à ideia de proporcionalidade, ao permitir abandonar a adopção das medidas adequadas à reparação do dano (1.3.2.), se o custo das medidas de reparação que deviam ser tomadas para atingir o estado inicial ou um nível similar for desproporcionado em relação aos benefícios ambientais a obter. Mas, se, como começámos por afirmar, a LBA se abstém, designadamente no seu art. 48º, de fixar os referidos limites qualitativos, a verdade é que este silêncio da lei não nos impede de estabelecer parâmetros qualitativos retirados dos princípios gerais de Direito, como o princípio da boa-fé, onde poderemos fundar as sempre necessárias ponderações de proporcionalidade 82. Na relação que é mister estabelecer entre os conceitos de razoabilidade e de proporcionalidade, atendidos na Directiva comunitária relativa à responsabilidade ambiental, somos de parecer que a ideia de uma restauração ou reparação razoáveis deve integrar-se na de proporcionalidade. Esta última afigura-se-nos mais ampla e a doutrina 83, tal como a jurisprudência 84 tem vindo a entender que ela deve, em geral, conformar a reparação do dano ecológico, acabando por se impor como limite qualitativo 85. Na verdade, uma interpretação mais atenta do art. 48º da LBA pode conduzir-nos a ver indirectamente acolhido no seu nº 3 o princípio da proporcionalidade. Diz-nos este nº 3, do art. 48º, que, em caso de não ser possível a reposição da situação anterior à infracção, os infractores ficam obrigados ao pagamento de uma indemnização especial a definir por legislação e à realização das obras necessárias à minimização das consequências provocadas, tudo dependendo do sentido que se atribua à expressão em caso de não ser possível. É verdade que a norma não fala de onerosidade excessiva, de proporcionalidade ou de razoabilidade, referindo-se apenas à hipótese de restauração natural impossível, devendo esta ser entendida como uma impossibilidade física, natural, científica ou tecnológica, mormente, em situações de danos irreversíveis 86. No entanto, o princípio da boa fé e o seu derivado 82

Em sentido próximo, José CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Da Reparação do Dano Através de Restauração Natural, Coimbra Ed., 1998, pp. 219-220 , sustenta que « o princípio da proporcionalidade enquanto “princípio normativo” é susceptível de influir na concretização da restauração natural, independentemente da sua previsão expressa nos modelos de imputação de danos ecológicos ». 83 Ibidem. 84 Em França, p. ex., incumbe ao juiz do tribunal administrativo, em sede de aplicação da lei das instalações classificadas (Installations classées), fazer o controle de proporcionalidade que ele próprio estabeleceu, visto “a lei não comportar critérios particulares precisos” (la loi ne comportant pas de critères particuliers précis), segundo Laurence LANOY, Remise en état et droit de l’environnement, Universidade PanthéonAssas (Paris II), 2000, pp. 129 e ss.. 85 Neste sentido, GOMES CANOTILHO, considera que a « observância do princípio da proibição do excesso e da proporcionalidade no cálculo da medida indemnizatória dos danos ecológicos » constitui uma condição para a indemnização destes danos. Cfr. A Responsabilidade por Danos Ambientais - Aproximação Juspublicística, in, Direito do Ambiente, I.N.A., op. cit., pp. 397-407. V. pp. 404. 86 Como sucederá no caso trágico da extinção de uma espécie animal ou vegetal. Sobre a noção de irreversibilidade, cfr., v.g., M. RÈMOND-GOUILLOUD, L’irréversibilité : de l’optimisme dans l’environnement ; Jean THEVENOT, Introduction au concept d’irréversibilité. Approche en droit international de l’environnement ; Alexandre KISS, L’irréversibilité et le droit des générations futures ; Cyrille de KLEMM, La réglementation et l’irréversibilité ; Gilles MARTIN, Mesures provisoires et

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24 princípio da proporcionalidade incorporam a ideia de restauração razoável, como anotámos, sendo certo que a sua presença no ordenamento é permanente, integrando o próprio sistema jurídico, e mesmo em sede de responsabilidade civil podemos detectá-los, como é, v.g., o caso do art. 566º, nº 1, do Código Civil 87, relativamente ao qual a generalidade da doutrina fala de desproporcionalidade 88. No caso específico do dano ecológico puro, estes princípios deverão ter-se por igualmente presentes, apelando à adequação das medidas de restauração adoptadas. Não passando de um objectivo abstracto, a supressão do dano não pode pretender a reconstituição perfeita da situação ex ante 89, visando tão só a recuperação efectiva, e sobretudo funcional, dos bens-ambiente lesados 90. Com a intervenção reparatória, o ambiente deverá ficar apto para cumprir as suas funções ecológicas, fornecendo os serviços que lhe são próprios e que pode esperar-se que preste. Esta, aliás, uma das razões fundadoras do sistema jusambiental 91. Assim, e embora muito possa ainda ser dito sobre a conformação dos limites qualitativos impostos à reparação dos danos ecológicos 92, incluindo uma apreciação mais detalhada da matéria na Directiva 2004/35/CE, de 21 de Abril, poderemos concluir pela existência dos referidos limites, à luz dos princípios gerais de Direito, como o princípio da boa-fé que proíbe a desproporção manifesta das medidas de restauração adoptadas. Isto implica, entre outras coisas, uma ponderação dos interesses em causa, bem como a adequação das medidas escolhidas aos fins, às funções ecológicas e/ou aos serviços prestados pelo bem ecológico lesado. O que já não será de aceitar, é que estes limites possam ser encarados como necessariamente restritivos, conduzindo a uma restauração de segunda categoria, menos eficaz e sobretudo mais barata. Pelo contrário, eles poderão apontar para uma reparação mais exigente, em nome do elevado valor ético-jurídico reconhecido ao bem lesado, que os coloca acima de outros bens jurídicos estritamente privados, quando é certo que o critério padrão consiste na equivalência entre o que se perdeu e aquilo que se repõe, que a Directiva irréversibilité en droit français e Marie-José LITTMANN-MARTIN, Le droit pénal français de l’environnement et la prise en compte de la notion d’irréversibilité, todos na Revue Juridique de l’Environnement, L’irréversibilité, número especial, 1998, pp. 7-13 ; 31-37 ; 49-57 ; 59-78 ; 131-141 ; 143158, respectivamente. 87 Onde se prevê precisamente a possibilidade de substituição da restitutio in integrum pela indemnização por equivalente pecuniário, sempre que aquela se mostre excessivamente onerosa para o devedor. 88 Luís MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, 2ª ed., Almedina, 2002, pp. 377, fala em sacrifício manifestamente desproporcionado; ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, 9ª ed., Almedina, Coimbra, 2001, pp. 715, de flagrante desproporção; ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol. I, 10a ed., Almedina, 2000, pp. 906, opta por manifesta desproporção e MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, ed. A.A.F.D.L., Lisboa, 1980, pp. 401, prefere exigir que atenta gravemente contra os princípios da boa-fé. 89 Neste sentido, Gilles MARTIN, Le droit à l’environnement. De la responsabilité civile pour faits de pollution, P.P.S., Lyon, 1978, pp. 76, considera mesmo que “o desaparecimento do prejuízo através do retorno ao statu quo ante é materialmente impossível”. No original, em francês, « l’effacement du préjudice par le retour au statu quo ante est matériellement impossible ». Ainda no mesmo sentido e entre muitos outros, cfr. Nicolao DINO, Protecção Jurídica do Meio Ambiente, Del Rey, Belo Horizonte, 2003, pp. 273. 90 Cfr. B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, op. cit., Vol. II, pp. 405. 91 Ibidem, op. et loc cit. em sentido próximo, CUNHAL SENDIM, Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos …, op. cit., pp. 178/179, fala na “reposição do estado-dever do bem natural determinado pelo sistema jus-ambiental”. 92 Para maiores desenvolvimentos, cfr. B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, op. cit., Vol. II, pp. 394 e ss..

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25 comunitária apelida de reparação primária 93, definindo-a como qualquer medida de reparação que restitui os recursos naturais e/ou serviços danificados ao estado inicial, ou os aproxima desse estado (Anexo II, 1., a)). 2.3. Causas de exclusão e responsabilidade pelo risco integral Em 1977, Sérgio FERRAZ escrevia 94 que, « em termos de dano ecológico, não se pode pensar em outra colocação que não seja a do risco integral » e, em 1981, o art. 14, § 1, da Lei nº 6.938/81, dita Política Nacional do Meio Ambiente, consagrava a doutrina do risco integral que muitos vêem igualmente plasmada no art. 225º, § 3º, da Constituição da República Federativa do Brasil 95. De então para cá, a teoria do risco integral, já por muitos elevada a princípio do risco integral, não tem parado de concitar adesões, pesem embora as (poucas) vozes discordantes 96. Mas, dito isto, qual o real alcance da teoria e em que medida ela se relaciona com as causas de exoneração ou de exclusão da responsabilidade? Sendo certo que o seu principal significado consiste na aceitação da responsabilidade exclusivamente fundada no risco, desta aquiescência decorrem necessariamente consequências jurídicas no que concerne à delimitação da responsabilidade. Primeiro, surge-nos a dispensa do elemento subjectivo, a culpa; em seguida, prescinde-se da ilicitude da actividade lesiva. Dois corolários que não podem, contudo, esgotar a dita responsabilidade pelo risco integral, sob pena de nela mais não podermos ver do que a responsabilidade objectiva ou a responsabilidade pelo risco, tal como são concebidas entre nós, pura e simplesmente. E, de facto, estas não são sequer as suas principais características. Pesem embora as pequenas divergências que dividem a doutrina brasileira sobre o conteúdo e a extensão que lhe são assinalados, praticamente todos convergem no sentido de reconhecer à teoria do risco integral capacidade para afastar as causas de exclusão da responsabilidade, designadamente as tradicionais situações de caso fortuito ou de força maior 97. Na sua concepção mais radical, a doutrina do risco integral assenta exclusivamente sobre o risco, dispensando mesmo a exigência de um nexo de causalidade entre o dano e o facto lesivo, visto que para esta concepção extremada bastará constatar a existência da actividade de risco susceptível de causar o dano 98. Apoia-se esta visão mais radical sobre a ideia de que a 93

Além desta prevêem-se ainda a reparação complementar (medidas reparatórias que visam compensar a eventual insuficiência da reparação primária – 1. b)) e a reparação compensatória (acção destinada a compensar as perdas transitórias ocorridas entre a verificação do dano e a recuperação efectiva do bem lesado – 1. c) e d)). 94 Sérgio FERRAZ, Responsabilidade Civil por Dano Ecológico, in, Revista de Direito Público, vol. 49-50, pp. 34-41. Cfr. pp. 38. 95 Cfr. art. 225. Sobre a interpretação deste art. 225 da Constituição brasileira de 1988, cfr., por todos, HERMAN BENJAMIN, A Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental no Brasil e as Lições do Direito Comparado, in, Lusíada, Revista de Ciência e Cultura, Série de Direito, nº 2, 1998, Coimbra Ed., pp. 543585. V. pp. 575 e ss.. 96 É, v.g., o caso de Andreas J. KRELL, Concretização do Dano Ambiental. Algumas Objeções à Teoria do ‘Risco Integral’, in, Revista de Informação Legislativa, Ano 35, nº 139, Jul.-Set. 1998, pp. 1-18. 97 Neste sentido e, por todos, cfr. Nicolao DINO, Proteção Jurídica do Meio Ambiente, op. cit., pp. 269. 98 Neste sentido, cfr. Adalberto PASQUALOTTO, Responsabilidade Civil por Dano Ambiental : Considerações de Ordem Material e Processual, in, Dano Ambiental. Prevenção, Reparação e Repressão, sob a direcção de António HERMAN BENJAMIN, vol. 2, Ed. Revista dos Tribunais, 1993, pp. 444-470. V. pp. 454/455.

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26 exigência do nexo causal se mostraria incoerente com o carácter inadmissível das causas de exclusão baseadas no caso fortuito e a força maior 99. Segundo os seus defensores, o facto de o poluidor assumir os riscos inerentes ao exercício da sua actividade independentemente de culpa conduz inexoravelmente a admitir que «a eventualidade do dano é inerente ao risco assumido» 100. Esta não é, contudo, a posição dominante na doutrina brasileira. A maioria dos defensores da teoria do risco integral exige que seja estabelecido o nexo de causalidade entre o dano e a acção danosa, mostrando-se embora favorável à sua atenuação 101, através da aplicação de mecanismos como a inversão do ónus da prova, a causalidade alternativa ou a teoria da equivalência das condições 102. Já no que respeita estritamente à refutação das causas de exoneração ou exclusão da responsabilidade, além dos casos fortuito ou de força maior, já mencionados, refere-se igualmente a licitude do comportamento, nomeadamente o facto de o poluidor ter agido ao abrigo de uma norma, de uma autorização ou de licença administrativas, no exercício da actividade poluente 103. Fazendo a extrapolação necessária desta doutrina brasileira do risco integral, para o Direito português, no que ao domínio das causas de exclusão da responsabilidade concerne, cabe perguntar se dela poderemos retirar algum préstimo que possa servir a delimitação da responsabilidade ambiental. A resposta a esta questão passará obrigatoriamente pelo confronto entre as implicações da teoria em causa e o Direito nacional, desde logo, para aquilatarmos da eventual existência de obstáculos à respectiva aplicação no nosso ordenamento jus-ambiental. E, logo ao primeiro olhar, ao depararmo-nos com o art. 41º, nº 1, da LBA, não poderemos deixar de ver a adopção, pelo menos parcial, da teoria do risco integral (apesar desta expressão não ser normalmente usada pelo Direito ou pelo juristas portugueses), ao consagrar-se a responsabilidade do poluidor, muito

99

Ibidem, pp. 455 e ss.. No fim da p. 455, o autor escreve que « ordinariamente, o caso fortuito e a força maior excluem a responsabilidade civil, porque afastam o nexo de causalidade. Se não há vínculo de causa e efeito entre qualquer ação do devedor e o resultado lesivo; se o dano se deve a causa estranha a qualquer ação ou omissão do devedor, este se exonera da obrigação de indenizar. Assim é o regime da culpa. (...). No regime de responsabilidade civil com fundamento no risco, o caso fortuito constitui situação implícita ». V. igualmente Mário M. PORTO, Pluralidade de Causas do Dano e Redução da Indenização – Força-maior e Dano ao Meio Ambiente, in, Rev. dos Tribunais, São Paulo, nº 638, 1988, pp. 8 e ss.. 100 Cfr. A. PASQUALOTTO, op. cit., pp. 456. 101 Cfr. Sérgio FERRAZ, Responsabilidade Civil por Dano Ecológico, op. cit., pp. 38 e ss.. No mesmo sentido, retirando da teoria do risco integral a atenuação do nexo de causalidade, cfr. HERMAN BENJAMIN, A Responsabilidade Civil pelo Dano Ambiental no Brasil …, op. cit., pp. 579/580 ; Édis MILARÉ, Direito do Ambiente, 3ª ed.., Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2004, pp. 760/761 ; J. R. MORATO LEITE, Dano ambiental : do Individual ao Coletivo Extrapatrimonial, op. cit., pp. 209, mas tb. pp. 184 et ss.. ; José Afonso da SILVA, Direito Ambiental Constitucional, 4ª ed., São Paulo, Malheiros, 2002, pp. 313 ; Nelson NERY JÚNIOR/Rosa Maria B. B. DE ANDRADE NERY, Responsabilidade Civil, Meio-Ambiente e Ação Coletiva Ambiental, in, HERMAN BENJAMIN, Dano Ambiental. Prevenção, Reparação e Repressão, op. cit., pp. 278-307. V. pp. 282 102 Sobre as diferentes teorias e os mecanismos que permitem uma facilitação da prova e/ou do estabelecimento do nexo de causalidade ou da imputação objectiva do dano, cfr. B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, Vol. II, pp. 308 e ss.. V. sobretudo pp. 328 e ss.. 103 cfr. Nicolao DINO, Proteção Jurídica do Meio Ambiente, op. cit., pp. 269, em que este autor considera que «a responsabilidade por dano ambiental é definida, a nosso ver, pela teoria do risco integral, sendo irrelevante a licitude da atividade, bem como a ocorrência de caso fortuito ou de força maior». Sublinhado nosso.

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27 embora este tenha agido com respeito do normativo aplicável 104 . Trata-se, pois, de afastar a exclusão da responsabilidade fundada na licitude do comportamento, considerando-se, certamente, que “a existência de licença ou autorização administrativa não diminui o risco associado à perigosidade da actividade desenvolvida e, consequentemente da verificação de danos no ambiente.” 105 ademais, “a licença ou a autorização administrativas não devem ser consideradas passaporte bastante para a transferência do risco para a comunidade (…)” 106 . Em contrapartida, o legislador português não se pronunciou relativamente às demais causas de exoneração da responsabilidade por danos no ambiente, tais como o risco de desenvolvimento 107 , o facto de terceiro 108 , a culpa do lesado 109, bem como os supracitados casos fortuito e de força maior 110, para citar apenas as mais comuns e relativamente às quais prevalece o silêncio do legislador, que não as rejeita nem aprova. Aliás, no Direito das Obrigações não existe qualquer norma geral que defina as causas de exoneração ou de exclusão da responsabilidade civil extracontratual 111 , excepção feita ao art. 570º do Código Civil, que vem permitir a redução ou mesmo a exclusão da indemnização quando se verifique a culpa do lesado. Reportando-nos, em particular, às situações de responsabilidade objectiva previstas na lei, só em casos de acidentes causados por veículos (arts. 503º e ss.) pode, nos termos do art. 505º, haver exclusão da responsabilidade, o que ocorrerá quando o acidente for imputável ao próprio lesado ou a terceiro, ou quando resulte de causa de força maior estranha ao funcionamento do veículo 112 . Em todas as

104

Sobre o significado e o alcance desta expressão normativa, cfr. B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation…, op. cit., pp. 371 e ss.. Cfr., igualmente da autora, Que Perspectivas para a Responsabilidade Civil por Dano Ecológico? A Proposta …, in, Lusíada …, 2001, op. cit., pp. 367. 105 Cfr. B. MARTINS DA CRUZ, Que Perspectivas …, op. et loc. cit.. 106 Ibidem. 107 Sobre o risco de desenvolvimento, cfr., entre outros, B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation…, op. cit., Vol. II, pp. 382 e ss. e 493 e ss.. Cfr., igualmente, Martine RÈMOND-GOUILLOUD, Le risque de l’incertain: la responsabilité face aux avancées de la science, in, La Vie des Sciences, Compte-Rendu, Série Générale, tomo 10, 1993, nº 4, pp. 341-357. 108 Acerca desta causa de exclusão, em particular, cfr. Gilles MARTIN, Responsabilité objective et causalité en matière environnementale, Nice, 1994, pp. 5/6. 109 É bom recordar, contudo, que em sede de responsabilidade por dano ecológico puro, a exclusão da responsabilidade com fundamento em facto culposo da vítima, não faz qualquer sentido, já que neste tipo de danos não existe vítima, na acepção tradicional. A vítima é o próprio ambiente, como já tivemos oportunidade de sublinhar. A confirmá-lo, G. MARTIN escreve que esta causa de exoneração baseada na culpa da vítima “não pode ser encarada nas hipóteses de danos ao ambiente”. Cfr. op. cit., pp. 6. 110 Sobre estas duas causas, cfr., v.g., Geneviève VINEY/Patrice JOURDAIN, Traité de Droit Civil - Les conditions de la responsabilité, 2ª ed., LGDJ, Paris, 1998, pp. 223 e ss., sobretudo, pp. 230 et ss.. Sobre o dano ecológico puro, em especial, v. Gilles MARTIN, Responsabilité objective et causalité …, op. cit., pp. 5. 111 Relativamente à responsabilidade contratual, o art 809º do Cód. Civ. Considera até que « É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor (...) ». Mas, sobre a problemática ligada à admissibilidade de claúsulas de exclusão e/ou limitação da responsabilidade contratual, v., por todos, Ana PRATA, Cláusulas de Exclusão e Limitação da Responsabilidade Contratual, Almedina, Coimbra, 1985; VAZ SERRA, Cláusulas Modificadoras da Responsabilidade. Obrigação de Garantia Contra Responsabilidade de Danos a Terceiros, in, BMJ nº 79; António PINTO MONTEIRO, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, op. cit., sobretudo a partir de pp. 159, para uma panorâmica do tema, no Direito português das obrigações. 112 Sobre a interpretação e aplicação do art. 505º, cfr., entre outros, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, op. cit., pp. 675 e ss. e ALMEIDA COSTA, Direito das Obrigações, pp. 585 e ss..

27

28 outras situações de responsabilidade objectiva reguladas no Cód. Civ., não se prevêem situações de exclusão da responsabilidade. Ora, este abreviado passeio pelo Direito português, que nos permitiu certificar a ausência generalizada de disposições normativas - quer no direito da responsabilidade civil, em geral, quer no que respeita à responsabilidade ambiental, em especial - relativas à admissibilidade de causas de exoneração, autoriza-nos a pensar que, no domínio que nos ocupa, o legislador português simplesmente não quis admitir causas de exclusão da responsabilidade ambiental, vontade esta que nos permite igualmente concluir pela conformidade do direito português, nesta matéria, à teoria do risco integral. Esta conclusão resulta mesmo reforçada pela consagração expressa da responsabilidade por facto lícito, no art. 41º, nº 1, da LBA. Através dela, o legislador terá querido evitar que pudesse planar a dúvida relativamente à sua vontade de fundar a responsabilidade do poluidor unicamente sobre o risco gerado pela actividade perigosa desenvolvida. Já no que respeita à Convenção de Lugano (art. 8º) ou à Directiva 2004/35/CE (arts. 4º e 8º), as coisas apresentam-se ligeiramente diferentes, se atendermos ao facto de que ambos os instrumentos de Direito internacional prevêem situações nas quais a responsabilidade ambiental pode ser excluída. À luz do art. 8º da Convenção do Conselho da Europa, são consideradas exoneratórios: os actos de guerra (a), o acto intencional de terceiro (b), o acto resultante de uma ordem ou de uma medida imperativa emanada da autoridade pública (c) a poluição de nível aceitável (d) e a acção praticada licitamente no interesse da vítima (e). O art. 9º da Convenção de Lugano, por sua vez, admite a possibilidade de redução ou mesmo de supressão da indemnização nos casos de culpa do lesado. Quanto à Directiva comunitária relativa à responsabilidade ambiental, comecemos por anotar uma melhoria considerável da doutrina constante dos arts. 4º e 8º, relativamente ao art. 9º da Proposta 113. Nos termos do n.º 4, do art. 8º da Directiva, os Estados-Membros podem permitir que o operador não suporte o custo das acções de reparação executadas por força da presente directiva se ele provar que não houve culpa nem negligência da sua parte e que o dano ambiental foi causado por: a)

Uma emissão ou um acontecimento expressamente permitidos e que respeitem integralmente uma autorização emitida ou conferida nos termos das disposições legislativas e regulamentares nacionais de execução das medidas legislativas, adoptadas pela Comunidade, especificadas no Anexo III, tal como se aplicam à data da emissão ou do acontecimento;

b)

Uma emissão, actividade ou qualquer forma de utilização de um produto no decurso de uma actividade que o operador prove não serem consideradas susceptíveis de causarem danos ambientais de acordo com o estado do conhecimento científico e técnico no momento em que se produziu a emissão ou se realizou a actividade.

Além da adopção de uma redacção mais restritiva das condições que poderão conduzir à exclusão da responsabilidade, o legislador europeu abandonou igualmente o carácter automático destas duas causas de exoneração da responsabilidade do poluidor, fazendo-as depender de uma previsão legislativa 113

Sobre o art. 9º da Proposta, cfr. B. MARTINS DA CRUZ, De la réparation …, op. cit., Vol. II, pp. 526 e seg..V. igualmente, da autora, Que Perspectivas …, Lusíada …, op. cit., pp. 366 e seg..

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29 nacional em cada Estado-Membro. Foi mesmo mais longe, introduzindo a inversão do ónus da prova da culpa do poluidor. Onde a Proposta, pelo seu silêncio, fazia supor que esta prova incumbiria aquele que se opunha à exclusão, a Directiva vem afirmar claramente se ele provar que não houve culpa nem negligência da sua parte referindo-se, naturalmente, ao operador. Relativamente à alínea a), e apesar de só o comportamento não culposo poder conduzir à exclusão da responsabilidade, fica a Directiva muito aquém do art. 41º, nº 1, da LBA, onde é estabelecida a responsabilidade objectiva para danos significativos no ambiente, em virtude de acção especialmente perigosa, muito embora com respeito do normativo aplicável e a que já nos referimos, afastando-se, sem dúvida (a Directiva), da teoria do risco integral. Registe-se, todavia, que a alínea a), do n.º 4, do art. 8º, (da Directiva) exige tratar-se de uma emissão ou acontecimento expressamente permitidos, parecendo assim que a exoneração não abrangerá as emissões e os acontecimentos poluentes genericamente autorizados pela licença de funcionamento da actividade. Esta interpretação pode, contudo, colidir com a alínea b) do nº 3, deste art. 8º, onde igualmente se fala de ordem ou instrução emanadas de uma autoridade pública…, suscitando problemas de harmonização entre as duas normas. Quanto à alínea b), do nº 4, do art. 8º, estabelece-se nele uma exoneração da responsabilidade pelo risco de desenvolvimento, isentando o operador da obrigação de reparar os danos históricos, sempre que a nocividade da actividade poluente era desconhecida aquando do exercício da actividade que deu causa ao dano 114. A responsabilidade pelo risco de desenvolvimento é controversa. A questão de fundo consiste em saber se tal risco deverá correr por conta daquele que, de forma directa, aproveitou da actividade em causa, o operador que explorou e controlou a actividade poluente, ou toda a sociedade, que o mesmo é dizer, o contribuinte. Como quer que seja, a parca clareza da letra da norma não favorece a respectiva interpretação. Ao afirmar-se não serem consideradas susceptíveis de causarem danos ambientais de acordo com o estado do conhecimento científico e técnico, está-se a abrir a porta a uma discussão infindável sobre o que deve, num determinado momento, ser considerado como conforme ao estado do conhecimento científico e técnico e temos sérias dúvidas de que a responsabilização por negligência possa resolver a questão. Mais avisado teria sido o recurso ao princípio da precaução, ao qual, aliás, não é feita qualquer referência ao longo de todo o texto da Directiva. Registe-se, contudo, que também aqui o legislador europeu estabeleceu uma inversão do ónus da prova, quer relativamente à culpa, quer quanto ao facto de não serem consideradas susceptíveis de causarem danos ambientais de acordo com o estado do conhecimento científico e técnico. Em ambos os casos, a prova destes factos incumbe ao operador.

114

“ O risco de desenvolvimento, insuspeitável no instante em que é criado, revela-se com o progresso do conhecimento, quando já tarde demais e o mal já está feito”. No original, em francês : « Le risque de développement, insoupçonnable à l’instant où il est créé, se révèle du fait du progrès des connaissances, alors qu’il est trop tard et que le mal est fait », cfr. M. RÈMOND-GOUILLOUD, Le risque de l’incertain…, op. cit., pp. 351.

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30 Ainda no âmbito deste art. 8º, da Directiva, o nº 3 vem permitir ao operador exonerar-se da sua responsabilidade pelo dano, sempre que aquele consiga provar que: a)

o dano foi causado por terceiro (e ocorreu apesar de terem sido tomadas as medidas de segurança adequadas);

b)

o dano resultou de uma ordem ou instrução emanadas de uma autoridade pública (que não sejam uma ordem ou instrução resultantes de uma emissão ou incidente causado pela actividade do operador).

Salientando a já mencionada necessidade de harmonização entre esta alínea b) do nº 3 e a alínea b) do nº 4, já analisada, é ainda mister acentuar que as duas causas de exoneração previstas no nº 3 não beneficiam do carácter facultativo que caracteriza o nº 4, deixando a sua adopção (ou não) à livre escolha dos Estados-Membros. A única possibilidade que resta aos Estados-Membros para a não adopção das causas de exclusão previstas no nº 3 é o recurso ao art. 16º, que permite aos Estados-Membros manterem ou adoptarem disposições mais estritas em relação à prevenção e à reparação dos danos ambientais 115. Anotese, finalmente, que também aqui se introduziu o mecanismo da inversão do ónus da prova, cabendo ao poluidor demonstrar os factos que conduzem à exoneração da responsabilidade. Passando ao art. 4º (da Directiva) afigura-se-nos dever ser realçada a alínea b), do n.º 1, que prevê a exoneração da responsabilidade do operador relativamente os danos derivados de «fenómenos naturais de carácter excepcional, inevitável e irreversível». Nestes casos, a crítica incide sobretudo no facto de não ter sido salvaguardada a possibilidade de negligência do poluidor. Os danos causados no ambiente por um fenómeno natural de carácter excepcional, mesmo que inevitável e irreversível, podem ficar a dever-se ao estado degradado das instalações ou a qualquer outro acto negligente do operador que contribua em maior ou menor medida para a verificação do dano ou para o agravamento dos seus efeitos nocivos. Neste caso, afigura-se-nos óbvia a responsabilidade do operador, derivada do aumento do risco que a sua negligência gerou. Sem este, o dano poderia ter sido evitado ou, pelo menos, diminuídos os seus efeitos nefandos. Ora, de quanto antecede, decorre claramente uma menor exigibilidade do Direito comunitário, relativamente ao direito interno, nacional, em sede de causas de exclusão da responsabilidade pelo dano ecológico puro, de tal sorte que, se o direito interno se mostra perfeitamente compatível com a adopção da teoria do risco integral, a Directiva afigura-se, pelo contrário, incompatível com ela. Pela nossa parte, pensamos que grosso modo, o estabelecimento de um nexo de causalidade entre a actividade lesiva e o dano deve bastar para engajar a responsabilidade do operador, em sede de responsabilidade pelo risco inerente a essa actividade, pois, como escreve Gilles MARTIN, “a opção pela

115

Sobre a interpretação e aplicação deste art. 16º da Directiva, cfr. B. MARTINS DA CRUZ, Avanços e Retrocessos …, in, Direito e Liberdade, op cit. Pp. 87 e ss..

30

31 responsabilidade objectiva implica que estejamos atentos a que a culpa não seja reintroduzida através das causas de exoneração” 116. 3. A teoria do risco integral e a pluralidade de causas e de poluidores Mas, a adesão à teoria do risco integral que se desenvolveu no Brasil, conquistando a doutrina brasileira, apresenta outras vantagens, em sede de responsabilidade pelo dano ecológico, além de permitir restringir ou mesmo afastar a admissibilidade das causas de exclusão da responsabilidade pelo risco, como acabámos de ver. Além de, entre outras qualidades, contribuir igualmente para facilitar o estabelecimento do nexo causalidade, como também sublinhámos, ela colabora ainda na imputação objectiva do dano, favorecendo da mesma sorte a aplicação de mecanismos como a imputação alternativa, normalmente designada por causalidade alternativa, e a sua principal consequência, a responsabilidade solidária e integral de todos os co-responsáveis 117. É sabido que a concorrência simultânea ou desfasada no tempo de uma pluralidade de causas e/ou de agentes potenciais ou efectivos na realização do dano ecológico consubstancia alguns dos problemas mais complexos em sede de responsabilidade ambiental, dificultando ainda mais as já complicadas tarefas de estabelecimento do nexo de causalidade 118 e de imputação objectiva do dano. As situações possíveis são várias podendo ser resumidas como segue: a)

pluralidade de agentes potenciais, não se sabendo, em concreto quem e em que medida efectivamente causou o dano;

b)

pluralidade de causas (multicausalidade), desconhecendo-se em que medida contribuíram para o dano;

Ora, fala-se de causalidade alternativa sempre que vários agentes se encontrem em posição favorável à prática do dano, mas sem que se saiba quais deles (se todos, um só ou mais do que um) e em que medida efectivamente o provocaram, sendo certo que todos reúnem as condições adequadas a poderem tê-lo causado. Nestes casos, a doutrina ambiental tem vindo a apontar para uma responsabilização solidária de todos os potenciais poluidores 119, embora esta solução, que alguns ordenamentos jurídicos europeus acolhem 120, vá em sentido

116

No original, em francês, « le choix d’une responsabilité objective implique que l’on veille à ne pas réintroduire la faute par le biais des causes d’exonération ». Cfr. Gilles MARTIN, Responsabilité objective et causalité …, op. cit., pp. 4. 117 Ponto sobre o qual toda a doutrina brasileira concorda. Cfr., por todos, Rodolfo de CAMARGO MANCUSO, Ação Civil Pública, Ed. Revista dos Tribunais, 6ª ed., São Paulo, 1999, pp. 170. 118 Não é por acaso que M. RÉMOND-GOUILLOUD, in, L’action en justice en matière d’environnement : variations sur l’incertitude, in, D.P.C.I., 1994, Tome 20, nº 2, pp. 198-210, pp, 207, lhe chama « a ovelha negra do Direito do ambiente ». No original, em francês, « la bête noire du droit de l’environnement ». 119 Neste sentido, boa parte da doutrina alemã. Por todos, cfr. Dieter MEDICUS, Zivilrecht und Umweltschutz, in, JZ (Juristen Zeitung), 1986, pp. 778 e ss.. 120 O art. 99º, do Livro 6º do Código Civil holandês prevê que “se o dano puder ter sido causado por dois eventos ou mais, para cada um dos quais exista uma pessoa responsável diferente, então cada uma dessas pessoas tem o dever de compensar o dano, salvo se provar que o mesmo não foi causado por um acontecimento pelo qual essa pessoa é ela própria responsável” (nossa tradução livre do inglês). Esta regra é conhecida no Direito holandês como a regra da causalidade alternativa, segundo Lucas BERGKAMP, Liability and Environment. Private and Public Law Aspects of Civil Liability for Environmental Harm in an International Context, Kluwer Law International, The Hague, London, New York, 2001, pp. 304, note (188),

31

32 oposto à solução defendida pela doutrina tradicional, a qual, na impossibilidade de estabelecer o nexo de causalidade entre o dano e, pelo menos, uma das múltiplas causas potenciais, ou de o imputar à acção de algum ou alguns dos agentes igualmente potenciais, tenderia a afastar a responsabilidade de todos eles. A causalidade alternativa, bem pelo contrário, impor-lhes-á uma responsabilidade solidária, devendo cada um deles responder integralmente pelo dano, respondendo, desta feita, pelo risco criado pela actividade por si desenvolvida 121. A multicausalidade, por sua vez, desencadeia a causalidade cumulativa 122 e, também aqui, se mostra defensável a aplicação da responsabilidade solidária e integral, salvo demonstrando-se a quota-parte de responsabilidade de cada um dos co-responsáveis 123. Neste caso, cada um responderá de forma proporcional à sua contribuição efectiva para o dano 124. No Direito português, o art. 497º do Código Civil estabelece o princípio da responsabilidade solidária e integral, só nas relações internas relevando a responsabilidade proporcional de cada um dos co-responsáveis no dano (cfr. nº 2). Porém se esta solução é clara nos casos de causalidade cumulativa onde apenas se questiona a forma, solidária e integral ou conjunta e proporcional, como os co-poluidores irão responder, visto que todos participaram efectivamente na causação do dano, já na causalidade alternativa, onde subsiste a dúvida quanto à participação de cada um dos poluidores potenciais, admitindo-se a hipótese de que nem todos tenham efectivamente contribuído para o dano, a aplicação directa do art. 497º necessita ser reflectida e aclarada. Em teoria e de jure condendo, pensamos que também estes casos deverão ser resolvidos à luz do mesmo critério de responsabilidade solidária e integral 125, de onde retirámos o texto legal traduzido em inglês. Regra semelhante existe igualmente no Direito alemão. Cfr. o § 830, do Código Civil (BGB), que tem por epígrafe alternative kausalität. 121 Neste sentido, cfr. Gianroberto VILLA, Nesso di causalità e responsabilità civile per danni all’ambiente, in, Per una riforma della responsabilità civile per danno all’ambiente, a cura di Pietro TRIMARCHI, GIUFFRÈ, 1994, pp. 91-147. V. pp. 113. V. igualmente António CABANILLAS SANCHEZ, La Reparación de los Daños al Medio Ambiente, Aranzadi Ed., Pamplona, 1996, pp. 173/174 122 Cfr. Peter BAUMANN, Die Haftung Umweltschäden aus zivilrechtlicher Sicht, in, Juristichen Schulung, 1989, pp. 433-440, em particular, pp. 437 e ss.. 123 Neste sentido, cfr. Luís Filipe COLAÇO ANTUNES, Poluição Industrial e Dano Ambiental, in, Boletim da Faculdade Direito, vol. LXVII, 1991, Coimbra, pp. 1-28. V. pp. 15. 124 Contra, lembrando as desvantagens de uma reparação parcial, cfr. Gilles MARTIN, Le droit à l’environnement, op. cit., pp. 55. O autor sustenta a este propósito a « teoria da causalidade integral » (« théorie de la causalité intégrale »), aplicada em França pelos tribunais. 124 Cfr. supra, IIème Partie, Chap. Prélim., Sect. II, § 1, C), ii., e). 125 Contra, falando do efeito deep pocket ou dos efeitos bouc émissaire et vache à lait, cfr., François OST, La responsabilité, fil d’Ariane du droit de l’environnement, in, Droit et Société nº 30/31-1995, pp. 281-322, cfr. pp. 308 et ss.. Para uma crítica da teoria da causalidade alternativa e do seu corolário a responsabilidade solidária e integral de todos os agentes potenciais, em Direito americano do ambiente, v. Lucas BERGKAMP, Liability and Environment. Private and Public Law …, op. cit., pp. 300 e ss., bem como a bibliografia aí citada. Entre outras coisas, o autor afirma que “ (…) joint and several liability (…) as the US experience has shown, produces unfair results (…). The results achieved are often inconsistent with any reasonable concept of corrective or distributive justice.”. Cfr. pp. 300/301, acusando-a de desencadear « (…) unfairness, ‘overdeterrence’, problems of insurability, uncertainty, and high administrative cost » (cfr. pp. 306), e acabando por propor que « Joint and several liability should be applied only where polluters acting in concert cause indivisible environmental harm. ». V. pp. 303. Baseando as suas críticas essencialmente em argumentos económicos, BERGKAMP, conclui que : « to avoid these unnecessary expenses and injustice, the law should not impose joint and several environmental liability, but provide for proportional, pollution-share liability, or, in some cases, no liability ; no liability may be preferable if the costs of activity level reductions induced by pollution-share liability exceed the costs of a no liability regime ».Cfr. pp.303. Sublinhados nossos.

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33 apesar da inexistência de uma norma semelhante ao art. 497º, nº 1. Esta ausência de uma norma similar, estabelecendo expressamente a responsabilidade solidária e integral é, aliás, o principal argumento que tem levado uma parte da doutrina a rejeitar a solução 126. Não é, todavia, esta a opinião de CALVÃO DA SILVA 127, que, a propósito da responsabilidade do produtor, afirma que “é razoável – e nesse sentido ordena a justiça e a equidade – que o risco de não individualização, entre vários produtores, daquele ou daqueles que hajam causado o dano corra por conta de quem crie ou contribua para o perigo do público e do lesado, e não por conta da vítima inocente” 128, concluindo que “se várias pessoas forem prováveis responsáveis pelos danos (...), não se podendo saber quem, entre vários produtores, os causou real e especificamente – se um só (e qual), todos ou uma parte deles – deve entender-se que é solidária a sua responsabilidade” 129. Considera o autor que a vítima se encontra “em estado de necessidade de prova” 130 , constituindo a responsabilidade solidária de todos os potenciais responsáveis a melhor solução e aquela que, do ponto de vista dos interesses em jogo, satisfaz melhor o espírito e os fins prosseguidos pelas normas. Ora, a posição de CALVÃO DA SILVA, bem como os fundamentos em que assenta, afiguram-se-nos perfeitamente transponíveis para o Direito do ambiente, servindo igualmente para refutar as opiniões contrárias à aplicação da teoria da causalidade alternativa. Em rigor, tratar-se-á de uma presunção de responsabilidade, que opera uma inversão do ónus da prova, como também sustenta o autor 131. Na verdade, o Direito do consumo, tal como o Direito do ambiente, é um ramo recente do Direito, ambos saídos da sociedade industrial massificada e consumista em que vivemos. Diante do poder económico (numa sociedade dominada pela economia) cada vez mais forte de industriais, produtores e poluidores, o cidadão sente-se desamparado e exige do Direito que intervenha em sua defesa. Comum a ambas as disciplinas jurídicas, este desígnio aponta igualmente para uma comunhão normativa em muitas das soluções visadas. Eis outra boa razão para sustentarmos que a causalidade alternativa defendida por CALVÃO DA SILVA, para a responsabilidade do produtor, deva ser, mutatis mutandis, aplicada à responsabilidade por danos causados no ambiente. Aos nossos olhos, a ausência de uma norma semelhante ao § 830 do BGB (1), não tolhe o bem fundado da solução que dele resulta e, mesmo de jure condito, a sua defesa afigura-se possível, já que ela se mostra a mais conforme ao Direito do Ambiente, confortando-se nos valores ético-jurídicos que lhe estão subjacentes, louvando-se nos princípios que o enformam e satisfazendo aos fins que por ele são prosseguidos. A causalidade alternativa revela-se então perfeitamente compatível com as exigências de justiça e de eficácia que legitimam 126

Cfr., v. g., Francisco PEREIRA COELHO, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, Coimbra Ed., 1955, pp. 9, note 5; MENEZES CORDEIRO, Direito das Obrigações, vol. II, op. cit., pp. 417 e MENEZES LEITÃO, A Tutela Civil do Ambiente, in, Revista de Direito do Ambiente e Ordenamento do Território, nºs 4 e 5, Dez. 1999, pp. 9-42. Cfr. pp. 37, onde o autor afirma que « relativamente à aceitação de causalidades alternativas, tal já não será possível “de jure condito” ». 127 Responsabilidade Civil do Produtor, ALMEDINA, Coimbra, 1990, pp. 579/587. 128 Cfr. pp. 585. 129 Cfr. pp. 586/587. 130 V. pp. 581. 131 Ibidem, pp. 582/583.

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34 a adopção da responsabilidade pelo risco 132 , e de tantas outras que a demanda social vai impondo ao legislador, alicerçando o seu principal efeito, a responsabilidade solidária e integral de todos os poluidores, potenciais e efectivos confundidos, na teoria do risco integral que afirma com firmeza a suficiência do risco para estribar a responsabilidade, diante da verificação do dano. IV – CONCLUSÃO Se, por um lado, a extensão do texto nos vai exigindo que terminemos, por outro, a dimensão e a complexidade do tema que elegemos para a nossa participação nesta homenagem não nos consentem uma conclusão, levando-nos a recordar as sábias palavras de François OST: “sobretudo não concluir” 133. Na verdade, em tema eternamente tão aberto, onde a resolução de um problema tem apenas como consequência a descoberta de novos desafios à nossa capacidade de reflexão, quaisquer pretensões conclusivas terão de resumir-se a um breve alinhar das principais ideias expendidas ao longo das páginas que antecedem, abrindo a porta a tantas outras dúvidas e questões que a anunciada contaminação dos Direitos empresarial e societário pelo Direito do ambiente nos coloca, mesmo se nos cingimos à responsabilidade ambiental pelos danos causados no ambiente, enquanto princípio conformador do exercício da actividade empresarial. De quanto ficou dito, supomos deverem merecer-nos especial destaque o alargamento da responsabilidade penal às pessoas colectivas e a adopção da teoria do risco integral, comportando, entre outras consequências que assinalámos, a responsabilidade integral e solidária, em casos de pluralidade efectiva ou potencial de poluidores e/ou de causas. É certo que a adopção destas medidas, ao alargar o número de situações passíveis de desencadear uma responsabilização efectiva, sujeitando da mesma sorte um maior número de empresas ao regime da responsabilidade ambiental, pode carrear riscos de asfixia financeira para as empresas poluidoras do ambiente. Alguns virão mesmo dizer que elas provocarão o estrangulamento da economia, impedindo o desenvolvimento (leia-se crescimento) e empurrando os investidores para países menos exigentes em matéria ambiental, acrescendo o tão temido fenómeno da deslocalização. Concedendo embora que toda a norma de protecção ambiental tenda, sempre que efectivamente aplicada, a acrescer os encargos das empresas a ela sujeitas, não poderemos continuar a permitir a destruição de um património que, além de ser comum, é imprescindível à nossa própria sobrevivência, exigindo a todos, pessoas singulares ou colectivas que afinal (todos) integramos a comunidade dos interessados na preservação ambiental, alguns sacrifícios. Como tantos outros encargos que a boa gestão de uma empresa tem de tomar em consideração, os relativos à preservação ambiental devem ser internalizados, 132

Cfr. CALVÃO DA SILVA, op. cit., pp. 582/583. No mesmo sentido, defendendo também uma interpretação mais ampla da responsabilidade pelo risco, cfr. L. F. COLAÇO ANTUNES, Poluição Industrial e Dano Ambiental, in, Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXVII, 1991, Coimbra, pp. 22/23, onde se pode ler que « se é justo que a empresa que assumiu o risco de uma certa actividade responda pelos danos que provocou, é certamente justo, pelas mesmas razões, que o lesado obtenha a compensação de todas as empresas que assumiram aquele risco ». Cfr. pp. 23. 133 « Surtout ne pas conclure ». Cfr. François OST, La nature hors la loi, l’écologie à l’épreuve du droit, Ed. La Découverte, Paris, 1995, pp. 338.

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35 entrando definitivamente nos orçamentos empresariais. Para tal, será provavelmente necessária uma mudança de mentalidade em muitos gestores e, atenta a urgência, talvez esta mudança precise de ser feita pela via normativa, esperando depois que a interiorização dos valores ambientais, como valores fundamentais da comunidade, acabe por tomar a dianteira. A responsabilidade ambiental desempenha um papel de ultima ratio, mesmo tratando-se de responsabilidade civil, já que é nas políticas de prevenção e na adopção de medidas concretas para evitar a todo o custo a concretização dos danos que todas as energias deverão concentrar-se. Quando a responsabilidade é chamada à liça isto significa simplesmente que a prevenção falhou e que o poluidor infringiu o dever de impedir a concretização dos riscos inerentes à sua actividade. Além da sua função reparadora típica, a responsabilidade ambiental deve então desempenhar também uma função reprobatória e, de algum modo, repressora e de normalização dos comportamentos, através da internalização dos custos com a restauração integral do bem ambiental lesado. Acreditamos sinceramente que os custos com a poluição, provocada pelo exercício de actividades empresariais desenvolvidas no interesse da empresa, devem ser suportados por esta e não pela comunidade, em nome do risco inerente à actividade desenvolvida, incorrido, também ele, em nome e no interesse da empresa poluidora. Daqui decorrem duas consequências necessárias: - a obrigação de adoptar todos os meios necessários à prevenção de danos; - a responsabilidade integral pelos danos não evitados, fundada exclusivamente no risco, que deverá ser integral. Além de suportar as consequências da perda ou da destruição parcial do bem ambiental, a comunidade não pode ainda ser sobrecarregada com os custos das medidas de recuperação, a não serem aqueles dos seus membros que nela assumam a qualidade de consumidores dos bens produzidos ou dos serviços prestados pela actividade poluente. Pensamos ainda que a adopção de medidas mais restritivas desencadeará um efeito pedagógico nas empresas (e em geral na comunidade), contribuindo para o cumprimento do desígnio universal de um desenvolvimento sustentável, já que há-de igualmente suscitar uma adaptação, que se faz urgente, da economia aos objectivos de preservação ambiental, da qual alguns sinais se tornam já visíveis, como é o caso do aparecimento daquilo que poderemos designar por indústria do ambiente (pense-se nas indústrias de reciclagem ou nas indústrias de tratamento de águas residuais, etc., etc.), mas também o desenvolvimento de certos serviços, como por exemplo os seguros da responsabilidade ambiental e outros mecanismos mais ou menos sofisticados de garantia financeira ou técnicas de colectivização dos riscos. Cremos, enfim, que a alegada contaminação dos Direitos societário e empresarial pelo Direito do ambiente é já uma realidade indesmentível, comprovada, entre outros, pela a existência de um regime normativo de responsabilidade ambiental que necessita ser aperfeiçoado, no sentido de garantir uma defesa efectiva desse bem jurídico fundamental para todos nós, empresas

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36 incluídas, que é o ambiente. Além de real, tal contaminação é igualmente inevitável, já que são as actividades empresariais que comportam os maiores riscos para o ambiente. Sem pretendermos antecipar o futuro, pensamos, finalmente, que a dita contaminação que serviu de tema a este trabalho, tenderá a crescer, invadindo de forma mais instante todos os ramos de Direito e, muito particularmente, os Direitos societário e empresarial. O Direito do ambiente com o seu carácter transversal e interdisciplinar dispõe de uma especial vocação para penetrar os restantes domínios do jurídico, sendo certo que tal penetração se apresenta hoje como um imperativo categórico, que o princípio comunitário da integração das políticas para o ambiente nas restantes áreas e políticas europeias acolhe, convoca e sanciona.

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