Contempt of court e a multa do art. 11 da Lei nº 7.347/85

June 3, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Contempt of Court
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Apelação Cível - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0000268-65.2012.4.02.5004 (2012.50.04.000268-6) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE APELANTE : ICMBIO PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL APELADO : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR : Procurador Regional da República ORIGEM : 1ª VF Linhares (00002686520124025004)   EMENTA     APELAÇÃO.  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA.  DIREITO  AMBIENTAL.  RESERVA  BIOLÓGICA  DE COMBOIOS.  AUSÊNCIA  DE  ZONA  DE  AMORTECIMENTO.  OMISSÃO  ADMINISTRATIVA. LEGITIMIDADE DO ICMBio PARA FIGURAR NO POLO PASSIVO. INEXISTÊNCIA DE OFENSA À RESERVA DO POSSÍVEL E DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. MULTA  DO  ART.  11  DA  LEI  DE  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA.  PRAZO  RAZOÁVEL  PARA  O CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. VALOR EXCESSIVO. 1. Apelação contra a sentença que julgou procedente o pedido para determinar que o ICMBio elaborasse, no prazo de 180 dias, Plano de Manejo, com a delimitação de Zona de Amortecimento para a Reserva Biológica dos Comboios, e com a fixação de astreintes para o caso de descumprimento. 2. A prevenção a que se refere o art. 77 do Regimento Interno deve considerar o último julgamento, no caso de as demandas recursais distintas (oriundas do mesmo processo no primeiro grau) terem sido decididas por órgãos diversos, especialmente se, no primeiro julgamento, não se adentrar no mérito recursal. 3. Demanda que tem por objeto tão somente a elaboração do Plano de Manejo e a definição da Zona de Amortecimento, sendo a sua posterior aprovação, ou não, matéria estranha à lide. Não encontra amparo a tese de que seria o ICMBio parte ilegítima para figurar no polo passivo da relação processual, sob o argumento de que a Constituição Federal estabelece a competência do poder público para criar espaços territoriais sob proteção ambiental específica. Pretende-se, em síntese, compelir o apelante a realizar os estudos necessários para a fixação dos limites da zona de amortecimento, por meio de plano de manejo, o qual é “antecedente lógico” para a edição de ato que o referendará (TRF2, 6a Turma Especializada, AC 00004271120124025003, Rel. Des. Fed. GUILHERME COUTO DE CASTRO, DJE: 20.2.2015; TRF2, 6a Turma Especializada, AC 00003059520124025003, Rel. Des. Fed. NIZETE LOBATO CARMO, DJ-E. 17.11.2015). 4. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o direito à integridade ao meio ambiente é típico direito de  terceira  geração,  atribuído  não  ao  indivíduo  identificado  em  sua  singularidade,  mas  a  própria coletividade social, consagrando, por isso, valores fundamentais indisponíveis. A inserção do meio ambiente como direito fundamental permite maior amplitude e efetividade na sua proteção. A preservação dos recursos naturais é a única forma de se garantir e conservar o potencial evolutivo da humanidade. 5. Os direitos fundamentais sociais, entendendo-se aqui o meio ambiente como um bem difuso e integrante do patrimônio coletivo da humanidade, embora tenham um âmbito de proteção amplo, sujeitam-se às

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restrições proporcionais e constitucionais. Isso porque a sua efetivação se condiciona a uma atuação estatal que  pressupõe,  em  geral,  o  dispêndio  de  elevados  recursos  públicos  (nem  sempre  existentes  ou disponíveis). 6. As limitações à efetivação de um direito fundamental, entretanto, não podem justificar a inobservância de um “mínimo existencial”, compreendida, no caso em apreço, como o dever de preservação ambiental para as gerações futuras. Em relação a esse núcleo mínimo não há como transigir. Inadmissível, portanto, que o Estado, diante de uma omissão no seu dever de garantir o exercício de um direito fundamental, baseado em uma análise de proporcionalidade entre os valores em jogo –  preservação dos recursos naturais e interesse econômico/financeiro do estado -, invoque a reserva do possível para justificar a inobservância de seu dever de assegurar a proteção ao meio ambiente. 7. A reserva do possível deve ser compreendida como restrições ou limitações a um mínimo existencial (até um mínimo) de direitos fundamentais sociais originários. Somente fora do âmbito de proteção desse mínimo – “inegociável” no debate político - justifica-se constitucionalmente a imposição de limites ou restrições  aos  direitos  fundamentais  enquanto  não  houver  orçamento,  ou  políticas  públicas  que  os compreendam. No caso vertente, restou demonstrado que esse núcleo mínimo – proteção à Reserva do Comboio – foi ofendido, pois o apelante, em momento algum, rechaça os danos ambientais noticiados pelo Ministério Público, na petição inicial, em razão das atividades econômicas desenvolvidas no entorno da Reserva, limitando-se a invocar, em sua defesa, teses jurídicas. 8. Causa em que o apelante alega, genericamente, falta de recursos, sem apontar onde estariam os mesmos sendo empregados, inviabilizando, com isso, o exercício de um juízo de ponderação. Reconhecimento de que embora revisado nos idos do ano de 2002, o Plano de Manejo da Reserva Biológico de Comboios permaneceu sem atender aos requisitos estabelecidos pela Lei nº 9.985/2000, uma vez que não delimitou a Zona de Amortização, que funcionaria como um filtro aos danos ambientais gerados no ambiente externo à Reserva. 9.  Falta  de  observância  ao  prazo  de  5  (cinco)  anos,  fixado  no  art.  27,  §  3º  da  Lei  nº  9.985,  para  a elaboração do Plano de Manejo, pois a Rebio de Comboios foi criada no ano de 1984, razão pela qual a sua contagem teria se inciado a partir de 2000, ano da promulgação da lei. Ainda que se considerasse como marco inicial a data da criação do Instituto Chico Mendes de Conservação, ocorrida em 2007, também já teria decorrido o prazo quinquenal. A revisão do Plano de Manejo da Reserva de Comboios, realizada no ano de 2002, não pode ser considerada para fins de desobrigar o poder público, uma vez que foi omissa quanto a delimitação de zona de amortecimento. 10. Não se sustenta a alegação de que teria havido ofensa ao princípio da separação de poderes, pois o controle  judicial  dos  poderes  discricionários  das  autoridades  públicas  é  admitido  quando  estes  são exercidos fora dos limites da lei ou tenham contrariado direitos fundamentais e princípios constitucionais, como os da proporcionalidade e da igualdade (art. 4º do Código Modelo Euro-Americano de Jurisdição Administrativa. Disponível em:  ). Sobre o tema: STJ, 2a Turma, REsp 1041197, Min. HUMBERTO MARTINS, DJE. 18.9.2009. A omissão estatal representou uma afronta ao direito fundamental a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, na medida em que coloca em risco a Reserva Biológica de Comboios, que sofre com os impactos negativos decorrentes da exploração de atividades econômicas realizadas no seu entorno, em razão da inexistência de regras de observância obrigatória na zona de amortecimento (TRF2, 5a Turma Especializada, AI 00100888520124020000, Rel. Des. Fed. MARCUS ABRAHAM, DJE. 31.1.2013) . 11. Multa do art. 11 da Lei nº 7.347/85. No contempt of court, traduzido como “desacato à corte”, cuja

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finalidade é dar maior efetividade às decisões judiciais, a multa pode ter natureza punitiva (contempt of court criminal), representando uma resposta ao descumprimento de um comando judicial, ou natureza coercitiva (contempt of court civil), de modo que, em ambos os casos, sendo o Estado – Jurisdição o prejudicado pela recalcitrância do devedor, é ele (o Estado) o destinatário dos valores advindos da execução da referida constrição (Contempt of Court e Fazenda Pública. Niterói: Eduff, 2015. Disponível em: ). 12. A imposição de multa cominatória só encontra sentido se for direcionada àquele que, verdadeiramente, detenha meios de dar efetividade ao comando judicial. Frise-se que a Fazenda Pública se sujeita ao regime de precatório, tornando-se, por isso, evidente a ineficácia da multa como procedimento de coação (TRF2; 3a Turma; AG 0029066-38.1997.4.02.0000; Rel. Juiz Fed. Conv. RICARDO PERLINGEIRO, DJE. 21.8.2001; TRF2, 5a Turma Especializada, AG 0002687-40.2009.4.02.0000, Rel. Juiz Fed. Conv. RICARDO PERLINGEIRO, DJE.  1.10.2012) .  Em última análise,  tal medida constritiva serviria apenas  para onerar  ainda mais  a sociedade, a qual arcaria com o custo de seu pagamento (TRF2, 6a Turma Especializada, AC 000023363.2007.4.02.5107, Rel. Des. Fed. GUILHERME COUTO DE CASTRO, DJE. 28.1.2015). 13.   A  fixação  do  valor  da  multa  cominatória  (contempt of court civil)  submete-se  ao  critério  da

proporcionalidade, devendo ser expressiva a ponto de coagir o devedor a cumprir o preceito, sem se configurar um ônus excessivo. Não se pode perder de vista que o seu objetivo é estimular o cumprimento da obrigação e não punir o agente público pelo descumprimento da decisão (contempt of court criminal). Deve a multa implicar instrumento idôneo à coerção da vontade do devedor, de modo que o seu valor seja compatível e proporcional (stricto sensu) ao dano causado à administração da justiça. 14. Remessa necessária e Apelação parcialmente providas para excluir a multa cominatória, mantendo a sentença nos demais aspectos.   ACÓRDÃO   Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a 5ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à Remessa Necessária e à Apelação, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado Rio de Janeiro, 19  de abril de 2016 (data do julgamento).   RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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Apelação Cível - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0000268-65.2012.4.02.5004 (2012.50.04.000268-6) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE APELANTE : ICMBIO PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL APELADO : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR : Procurador Regional da República ORIGEM : 1ª VF Linhares (00002686520124025004)  

  RELATÓRIO  

Trata-se de Apelação interposta pelo INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio) contra a sentença proferida pelo juiz da 1a Vara Federal de Linhares, nos autos da Ação Civil Pública 2012.50.04.000268-6, que julgou procedente o pedido para determinar que o mesmo elabore, no prazo de 180 dias, plano de manejo, com a delimitação de zona de amortecimento para a Reserva Biológica dos Comboios, e com a fixação de astreintes para o caso de descumprimento. Na origem, o Ministério Público Federal interpôs Ação Civil Púbica, objetivando compelir o ICMBio a delimitar a área denominada “Zona de Amortecimento” da Reserva Biológica de Comboios. O parquet federal justificou a sua pretensão, alegando, em síntese, o seguinte: a) competência administrativa do ICMBio para administrar as unidades de conservação federais; b) falta de previsão, no plano de manejo da Reserva de Comboios, elaborado em 1997, da criação da zona de amortecimento para a área; c) inércia da administração quanto à elaboração de novo plano de manejo, cujo início estava previsto para o segundo semestre de 2008. Em face da decisão que deferiu a tutela antecipada, o ICMBio interpôs agravo de instrumento, o qual teve o seu seguimento negado pela 8a Turma Especializada, em decorrência da prolação da sentença (fl. 164). Na sentença, o magistrado reconheceu a legitimidade passiva ad causam do ECMBio, consignando que mesmo que se entenda que as unidades de conservação somente pudessem ser criadas por lei ou por decreto, a fixação da zona de amortecimento é questão diversa do espaço protegido, inexistindo qualquer exigência  legal  para  ser  estabelecida  por  ato  de  igual  hierarquia  daquele  que  criou  a  unidade  de conservação. Destacou, ainda, que a interpretação teleológica da norma invocada, art. 25 § 2o da Lei nº 9.985/2000, deveria ocorrer no sentido de favorecer a proteção ao meio ambiente, não fazendo sentido adotar entendimento que dificulte a criação de zonas de amortecimento, essenciais à proteção das unidades de conservação. Irresignado,  o  ICMBio  interpôs  apelação,  às  fls.  101/145,  afirmando,  preliminarmente,  sua ilegitimidade  passiva,  tendo  em  vista  a  reserva  de  decreto  presidencial  para  a  criação  da  zona  de amortecimento, consoante o princípio da simetria das formas. Prosseguiu o apelante, invocando a ofensa ao princípio da reserva do possível, tendo em vista a insuficiência de recursos estatais para atender a todas as demandas ambientais existentes, bem como a ofensa ao princípio da separação e harmonia dos poderes, por não restar configurada excepcional hipótese que justificasse a intervenção judicial em assuntos de políticas públicas ambientais. Por fim, ressaltou o descabimento e a irrazoabilidade da fixação de multa em desfavor da autarquia,

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bem como a necessidade de estender o prazo para o cumprimento da obrigação de fazer de modo a tornar possível a sua execução diante da referida ausência de recursos financeiros. Em face da decisão que recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo, a apelante interpôs agravo de instrumento, o qual foi julgado pela 5a Turma Especializada desta Corte, sob a minha relatoria. O apelado, Ministério Público Federal, às fls. 152/160, apresentou as suas contrarrazões, aduzindo, resumidamente, que o que se pediu não foi a expedição do decreto, mas apenas a elaboração do plano de manejo e a definição da zona de amortecimento, os quais poderiam ser aprovados, posteriormente, por decreto. Acrescentou que não se poderia compelir a União a expedir tal decreto sem que o plano de manejo esteja concluído, daí a necessidade de obrigar o apelante a elaborá-lo, não se justificando, por essa razão, a tese de ilegitimidade passivo do ICMBio. O parquet federal invocou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser possível o controle judicial das políticas públicas, tornando-se inoponível a cláusula da “reserva do possível” pelo administrador, quando se tem em vista a garantia de um “mínimo existencial” dos direitos fundamentais. Ressaltou que embora o pedido não se amolde à noção desse mínimo, diz respeito à efetivação de norma constitucional, que prevê o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225 da CR/88). Destacou, ainda, que o apelante invocou, genericamente, a inexistência de recursos humanos e orçamentários para o cumprimento da sentença, sem fazer prova desse fato, ignorando que a Lei nº 9.985/2000, que determina a delimitação da zona de amortecimento, haja sido promulgada há mais de 13 anos. Acrescentou que a aludida norma, em seu art. 27 § 3o, estabeleceu o prazo de 5 (cinco) anos para a elaboração do plano de manejo, a partir da data da criação da unidade de conservação, justamente com a finalidade de permitir que o gestor se organizasse e alocasse recursos humanos e orçamentários com esse propósito. Nesse ponto, ressaltou ser inadmissível a alegação de falta de recursos, tendo em vista que há muito o prazo se encontra esgotado, já que a criação da Rebio de Comboios ocorreu antes da Lei nº 9.985/2002, e da autarquia, ICMBio, no ano de 2007. Por fim, alegou que o provimento jurisdicional voltado à efetividade da Constituição Federal não afronta o princípio da separação de poderes, sendo aplicável as astreintes, cuja fixação do valor deve ser elevado o suficiente para que sirva como incentivo ao cumprimento da decisão. Por sua vez, em seu parecer, a Procuradoria Regional da República aduziu que não se sustenta a tese  de  ilegitimidade  passiva  ad causam,  posto  que  o  objeto  da  ação  não  foi  a  criação  da  zona  de amortecimento, mas a elaboração do plano de manejo, com a consequente definição da referida zona, o qual pode ser referendado, posteriormente, através de decreto presidencial.  No mérito, destacou que a demanda dizia respeito à efetivação do direito transindividual ao meio ambiente sadio, um dos mais importantes direitos fundamentais tutelados no art. 225 da Constituição, razão pela qual não se poderia deixado ao arbítrio dos entes estatais a definição de quando pretendiam alocar recursos orçamentários para efetivá-lo. Acrescentou que constituindo a reserva do possível matéria de defesa, o ônus da prova incumbe ao réu, devendo a suposta inexistência de recursos ser demonstrada. Prosseguiu aduzindo que a prolongada inércia do ente público tornou incabível a escusa da reserva do possível, destacando que a norma que estabelece o prazo de 5 anos para a elaboração do plano de manejo tem natureza cogente. Quanto à alegação recursal de impossibilidade jurídica de controle judicial de políticas públicas, sob pena de ofensa ao princípio da separação dos poderes, afirmou o parquet que o Supremo Tribunal Federal já admitiu a possibilidade desse controle nas excepcionais hipóteses de ofensa ao núcleo essencial dos direitos fundamentais.

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Em relação às astreintes, o seu valor e a prorrogação de prazo para o cumprimento da obrigação, finalizou o seu parecer, afirmando inexistir ofensa à razoabilidade.  É o relatório. Peço dia para julgamento.    

RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal  

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Apelação Cível - Turma Espec. III - Administrativo e Cível Nº CNJ : 0000268-65.2012.4.02.5004 (2012.50.04.000268-6) RELATOR : Desembargador Federal RICARDO PERLINGEIRO INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE APELANTE : ICMBIO PROCURADOR : PROCURADOR FEDERAL APELADO : MINISTERIO PUBLICO FEDERAL PROCURADOR : Procurador Regional da República ORIGEM : 1ª VF Linhares (00002686520124025004)     VOTO   O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR)   Consoante relatado, trata-se de Apelação interposta pelo INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE (ICMBio) contra a sentença proferida pelo juiz da 1a Vara Federal de Linhares, nos autos da Ação Civil Pública 2012.50.04.000268-6, que julgou procedente o pedido  para  determinar  que  o  mesmo  elaborasse,  no  prazo  de  180  dias,  plano  de  manejo,  com  a delimitação de zona de amortecimento para a Reserva Biológica dos Comboios, e com a fixação de astreintes para o caso de descumprimento. Na origem, o Ministério Público Federal fundamentou o seu pedido sob as seguintes premissas: a) competência administrativa do ICMBio para administrar as unidades de conservação federais, dentre as quais se inclui a Reserva Biológica dos Comboios, que abrange os municípios de Linhares e Aracruz; b) que o plano de manejo da Reserva de Comboios foi elaborado em 1997 e não contemplou a criação da zona de amortecimento para a área; c) que havia previsão para elaboração de novo plano de manejo, o qual teria início no segundo semestre de 2008, sendo que até a propositura da ação, em maio de 2012, tal projeto ainda não havia sido realizado.  Inicialmente, o magistrado deferiu o requerimento de antecipação dos efeitos da tutela para determinar ao apelante que delimitasse a zona de amortecimento da Reserva Biológica de Combios, no prazo de 180 dias, sob pena de incidência de multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) por dia. Em face de tal decisão, o ICMBio interpôs agravo de instrumento, o qual foi distribuído sob o nº 2012.02.01.010086-4 à Subsecretaria da 8a Turma Especializada, tendo o relator do recurso, o então Desembargador Federal Raldênio Bonifácio Costa, em 4.9.2013, negado-lhe seguimento, após receber informações do juízo de origem, noticiando a prolação da sentença (fl. 164). Na  sequência,  o  feito  chegou  a  esta  Corte  para  o  julgamento  da  apelação.  Em  um  primeiro momento, foi encaminhado para verificação de prevenção ao gabinete do Desembargador Federal Marcus Abraham, que, em 07.10.2013, devolveu os autos ao Setor de Distribuição, sob o fundamento de que não havia sido o relator do primeiro recurso, oriundo da mesma ação principal (fl. 166). Ato  contínuo,  a  DIDRA  reencaminhou  o  processo  ao  Desembargador  Federal  Guilherme Diefenthaeler, para análise da correlação como os processos 2012.02.01.010087-6 e 2012.50.01.000267-4 (fl. 167). O aludido magistrado reconheceu, em 15.10.2013, a existência de prevenção, em relação ao agravo

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de instrumento, distribuído sob o nº 2012.02.01.010087-6, contra decisão proferida nos autos da Ação Civil Pública, autuada sob o nº 2012.50.01.000267-4, proposta em face do ICMBio, referente à Reserva Biológica de Sooretama (fl. 168/169). Em meados do ano de 2014, assumi o acervo processual do Desembargador Difenthaeler, ocasião em que a presente apelação, bem como o agravo de instrumento 2014.00.00.100531-7, interposto pelo ora apelante, contra a decisão que recebeu o recurso apenas no efeito devolutivo, passaram a minha relatoria. Naquele momento, apenas o agravo de instrumento se encontrava nesta Corte, posto que a apelação havia sido remetida ao juízo de origem para cumprimento de diligência, fato que, impossibilitava a reanálise da prevenção (fls. 183/184, 186, 188, e 367/369). O agravo de instrumento, por sua vez, foi submetido ao colegiado da 5a Turma Especializada, na sessão ocorrida em 2.6.2015, o qual, por unanimidade, negou provimento ao recurso que já se encontra baixado. Nos termos do art. 77 do Regimento Interno desta Corte, a distribuição prévia de recurso torna preventa a competência do relator para todos os recursos posteriores, exceto se deixar o Tribunal ou se transferir, hipótese em que a competência permanece sendo do órgão julgador. Em sede recursal, o objetivo da norma vai além da proteção da figura do juiz natural. A regra tem por escopo facilitar o julgamento dos demais recursos oriundos de uma mesma ação, na medida em que serão todos distribuídos a um magistrado que já conhece os meandros da lide. Nesse  contexto,  considerando  que  o  primeiro  agravo,  inicialmente  distribuído  à  8a  Turma Especializada, foi julgado prejudicado, e tendo em vista o julgamento pela E. 5a Turma do mérito do segundo agravo, o qual versava sobre os efeitos do recebimento da presente apelação, a questão ficou preclusa, impondo-se o reconhecimento da competência deste Relator e, por corolário, da 5a Turma Especializada deste TRF2. Conclui-se que a prevenção a que se refere o art. 77 do Regimento Interno deve considerar o último julgamento, no caso de as demandas recursais distintas (oriundas do mesmo processo no primeiro grau) terem sido decididas por órgãos diversos, especialmente se, no primeiro julgamento, não se adentrar no mérito recursal. Superada a questão da competência, tenho por interposta a remessa necessária nos termos do art. 475, I, do CPC/73. Inicialmente, o apelante, ICMBio, alegou a sua ilegitimidade passiva ad causam, ao argumento de que a Constituição Federal estabelece a competência do poder público para criar espaços territoriais sob proteção ambiental específica, compreendendo-se a lei em sentido formal e o ato do Chefe do Poder Executivo, o decreto. Em harmonia com o texto constitucional, a Lei nº 9.985/2000, em seus artigos 22 e 25, teria instituído a competência do poder público para criar Unidades de Conservação, estabelecendo que as “Zonas de Amortecimento” seriam criadas no mesmo ato ou posteriormente. Nessa ótica, segundo o apelante, o regime jurídico da zona de amortecimento seria necessariamente vinculado ao regime das unidades de conservação, ou seja, o ato de criação de ambas teria de observar a mesma natureza e hierarquia. No caso concreto, a criação de zona de amortização estaria condicionada a edição de decreto, uma vez que a Reserva Biológica de Comboios se origina do Decreto nº 90.222/84, expedido pelo Presidente da República. Não assiste razão ao apelante, pois o que se buscou na presente ação foi tão somente a elaboração

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do Plano de Manejo e a definição da Zona de Amortecimento, sendo a sua posterior aprovação, ou não, matéria estranha à lide. Pretende-se, em síntese, compelir o apelante a realizar os estudos necessários para a fixação dos limites da zona de amortecimento, por meio de plano de manejo, o qual, conforme destacado pelo apelado, é “antecedente lógico” para a edição de ato que o referendará. Vale ressaltar que não existe controvérsia quanto à atribuição do apelante para elaborar o aludido Plano  de  Manejo.  Tanto  é  assim  que  o  próprio  ICMBio,  no  expediente  carreado  à  fl.  146,  prestou informação,  limitando-se  a  esclarecer  que  a  revisão  do  Plano  de  Manejo  da  Reserva  Biológica  de Comboios estava prevista para ser realizada com recursos da compensação ambiental, dependendo a sua execução  da  resolução  de  questões  administrativas  e  jurídicas,  decorrentes  da  decisão  do  Supremo Tribunal Federal, que muda as regras para o cálculo da compensação ambiental dos procedimentos. A  questão  não  é  nova,  já  tendo  esta  Corte  reconhecido  a  legitimidade  passiva  do  ICMBio, conforme demonstram os precedentes abaixo: ADMINISTRATIVO.  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA.  MPF.  ICMBIO.  AMBIENTAL. RESERVA  BIOLÓGICA  DO  CÓRREGO  DO  VEADO.  ZONA  DE AMORTECIMENTO. MULTA COMINATÓRIA. DESCABIMENTO. 1. A lei prevê a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental e Biodiversidade no que concerne à elaboração de plano de manejo que delimite a zona de amortecimento das unidades de conservação federais e, no caso concreto, o Ministério Público requer a sua elaboração no que toca à Reserva Biológica do Córrego do Veado. Não cabe ao ICMBIO se esquivar de cumprir as suas obrigações legais transferindo a missão ao chefe do Executivo. Inviável, no caso, acatar defesa alegando violação à cláusula da reserva do possível e à separação de poderes. Aplicação dos arts. 25, § 1º e 27, § 1º da Lei nº 9.985/2000 e da Lei nº 11.516/2007. [...] 3. Remessa e apelo parcialmente providos. (TRF2,  6a  Turma  Especializada,  AC  00004271120124025003,  Rel.  Des.  Fed. GUILHERME COUTO DE CASTRO, DJE 20.2.2015).   DIREITO CONSTITUCIONAL, AMBIENTAL E PROCESSO CIVIL. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESERVA BIOLÓGICA DO CÓRREGO GRANDE. ZONA DE AMORTECIMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. ICM-BIO. SEPARAÇÃO DE PODERES. RESERVA DO POSSÍVEL. ASTREINTES. EXCLUSÃO. 1. A sentença condenou o ICM-BIO em novembro/2013, em ACP do MPF, a elaborar, em 180 dias, plano de manejo com a delimitação da zona de amortecimento para a Reserva Biológica do Córrego Grande, pena de multa de R$ 1mil/dia. 2.  Ao  ICM-Bio,  legitimado  passivo  pela  teoria  da  asserção,  foi  imputado  conduta omissiva quanto à delimitação da zona de amortecimento de Unidade de Conservação ambiental, e pode o Judiciário compelir a administração a implementar políticas públicas de meio ambiente, sem ofensa à separação dos Poderes, sendo inoponível a reserva do possível. Precedentes do STF e STJ. [...] 6. Apelação e remessa necessária, conhecida de ofício, parcialmente providas. (TRF2, 6a Turma Especializada, AC 00003059520124025003, Rel. Des. Fed. NIZETE LOBATO CARMO, DJ-E 17.11.2015).

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                   Irresignado com a sentença, o apelante, União Federal, apresentou o seu apelo, alegando, no

mérito,  o  seguinte:  a)  insuficiência  de  recursos  humanos  e  orçamentários  (reserva  do  possível);  b) impossibilidade do Judiciário, diante da limitação (reserva do possível), fazer às vezes do Executivo, regrando a aplicação dos recursos públicos e elegendo prioridade de gastos, sob pena de afronta direta à cláusula pétrea da separação de poderes; c) ausência de omissão da Administração, diante da existência do Plano de Manejo de 1997, revisado em 2002, embora sem definição da zona de amortecimento; d) natureza programática  da  norma  contida  no  art.  27,  §  3o,  da  Lei  nº  9.985/2000;  e)  violação  ao  princípio  da separação dos poderes; f) ilegalidade da aplicação de astreintes à Fazenda Pública; g) valor excessivo da multa diária, h) prazo insuficiente para o cumprimento da tutela antecipatória. O cerne da controvérsia reside em saber se a vista do princípio da separação dos poderes e da cláusula da reserva do possível, caberia ao Judiciário a imposição de obrigação de fazer destinada a suprir a omissão administrativa do ICMBio, quanto ao seu dever de realizar estudos necessários para a fixação dos limites da zona de amortecimento, por meio de plano de manejo. O Supremo Tribunal Federal já reconheceu que o direito à integridade ao meio ambiente é típico direito de terceira geração, atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas a própria coletividade social, consagrando, por isso, valores fundamentais indisponíveis. A inserção do meio ambiente como direito fundamental permite maior amplitude e efetividade na sua proteção. A preservação dos recursos naturais é a única forma de se garantir e conservar o potencial evolutivo da humanidade. Contudo, os direitos fundamentais sociais, entendendo-se aqui o meio ambiente como um bem difuso e integrante do patrimônio coletivo da humanidade, embora tenham um âmbito de proteção amplo, sujeitam-se às restrições proporcionais e constitucionais. Isso porque a sua efetivação se condiciona a uma atuação estatal que pressupõe, em geral, o dispêndio de elevados recursos públicos (nem sempre existentes ou disponíveis). As  limitações  à  efetivação  de  um  direito  fundamental,  entretanto,  não  podem  justificar  a inobservância de um “mínimo  existencial”,  compreendida,  no  caso  em apreço,  como  o  dever  de preservação ambiental para as gerações futuras. Em relação a esse núcleo mínimo não há como transigir. Inadmissível, portanto, que o Estado, diante de uma omissão no seu dever de garantir o exercício de um direito fundamental, baseado em uma análise de proporcionalidade entre os valores em jogo –  preservação dos recursos naturais e interesse econômico/financeiro do estado -, invoque a reserva do possível para justificar a inobservância de seu dever de assegurar a proteção ao meio ambiente. Em outras palavras, a reserva do possível deve ser compreendida como restrições ou limitações a um mínimo existencial (até um mínimo) de direitos fundamentais sociais originários. Somente fora do âmbito de proteção desse mínimo – “inegociável” no debate político - justifica-se constitucionalmente a imposição de limites ou restrições aos direitos fundamentais enquanto não houver orçamento, ou políticas públicas que os compreendam. No caso vertente, restou demonstrado que esse núcleo mínimo – proteção à Reserva do Comboio – foi ofendido, pois o apelante, em momento algum, rechaça os danos ambientais noticiados pelo Ministério Público, na petição inicial, em razão das atividades econômicas desenvolvidas no entorno da Reserva, limitando-se a invocar, em sua defesa, teses jurídicas. Vejamos o relato do parquet federal: Conforme  se  extrai  das  informações  prestadas  pelos  responsáveis  pela  Reserva,  as

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principais atividades econômicas desenvolvidas no entorno dela são: pecuária de corte; exploração e transporte de petróleo e gás; pesca artesanal; e arrasto de camarão. Com exceção da pecuária de corte, todas as atividades citadas representam danos à Reserva. Ademais, a indústria de petróleo representa riscos permanentes de acidentes inerentes a esta atividade, além do tráfego de veículos e equipamentos no entorno da UC que gera muita poeira a atropelamento de animais. A iluminação das instalações confinantes da Reserva, também afeta diretamente a fauna, especialmente as tartarugas marinhas, já que a praia de Comboios é área de desova dessas espécies. Quanto à pesca, a questão é que esta é realizada com rede de espera na foz do Rio Doce e causa  a  morte  acidental  de  tartarugas  marinhas  e  cetáceos  (ordem  de  mamíferos vivíparos) também causando a morte de peixes ainda jovens e de revolver o fundo marinho, afetando diretamente de forma negativa a fauna bentônica.  

Frise-se que o apelante alegou, genericamente, falta de recursos, sem apontar onde estariam os mesmos sendo empregados, inviabilizando, com isso, o exercício de um juízo de ponderação. Outrossim, reconheceu que embora revisado nos idos do ano de 2002, o Plano de Manejo da Reserva Biológico de Comboios permaneceu sem atender aos requisitos estabelecidos pela Lei nº 9.985, promulgada no ano de 2000, uma vez que não delimitou a Zona de Amortização, que funcionaria como um filtro aos danos ambientais gerados no ambiente externo à Reserva. A norma que estabelece o prazo de 5 (cinco) anos para a elaboração do Plano de Manejo, nos termos da Lei 9.985, de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidade de Conservação da Natureza, não  dá  margem  para  outras  formas  de  interpretação  que  não  a  literal.  O  comando  é  dirigido  ao administrador público que necessita de tempo, face aos entraves burocráticos, para colocar em prática as políticas públicas: Art. 2o Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: […] XVII - plano de manejo: documento técnico mediante o qual, com fundamento nos objetivos gerais de uma unidade de conservação, se estabelece o seu zoneamento e as normas que devem presidir o uso da área e o manejo dos recursos naturais, inclusive a implantação das estruturas físicas necessárias à gestão da unidade; XVIII - zona de amortecimento: o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade; e Art.  27.  As  unidades  de  conservação  devem  dispor  de  um  Plano  de  Manejo. (Regulamento) § 1. O Plano de Manejo deve abranger a área da unidade de conservação, sua zona de amortecimento e os corredores ecológicos, incluindo medidas com o fim de promover sua integração à vida econômica e social das comunidades vizinhas. § 2. Na elaboração, atualização e implementação do Plano de Manejo das Reservas Extrativistas, das Reservas de Desenvolvimento Sustentável, das Áreas de Proteção Ambiental e, quando couber, das Florestas Nacionais e das Áreas de Relevante Interesse Ecológico, será assegurada a ampla participação da população residente. § 3. O Plano de Manejo de uma unidade de conservação deve ser elaborado no prazo de cinco anos a partir da data de sua criação.

  Independentemente  do  ângulo  que  se  análise  a  questão,  constata-se  que  esse  prazo  não  foi

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observado pelo administrador público. Isso porque a criação da Rebio de Comboios ocorreu no ano de 1984, através do Decreto nº 90.222, razão pela qual o prazo teria se findado no ano de 2005, ou seja, após decorrido o prazo de 5 (cinco) anos da promulgação da Lei nº 9.985/2000. Mesmo que se considerasse como marco inicial a data da criação do Instituto Chico Mendes de Conservação, esta ocorreu no ano de 2007, por força da Lei nº 11.156, razão pela qual também já teria decorrido o prazo quinquenal. A revisão do Plano de Manejo da Reserva de Comboios, realizada no ano de 2002, não pode ser considerada para fins  de  desobrigar  o  poder  público,  uma  vez  que  foi  omissa  quanto  a  delimitação  de  zona  de amortecimento. Da mesma maneira, não se sustenta a alegação do apelante de que a sentença teria afrontado o princípio da separação de poderes, sob o fundamento de que, no caso em tela, não se vislumbraria situação de excepcionalidade que justificasse a intervenção judicial em assuntos de políticas públicas ambientais. O controle judicial dos poderes discricionários das autoridades públicas é admitido quando estes são  exercidos  fora  dos  limites  da  lei  ou  tenham  contrariado  direitos  fundamentais  e  princípios constitucionais, como os da proporcionalidade e da igualdade (art. 4º do Código Modelo Euro-Americano de Jurisdição Administrativa. Disponível em:  ). Sobre o tema, vale trazer à baila o seguinte precedente do Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO  –  AÇÃO  CIVIL  PÚBLICA  –  CONTROLE  JUDICIAL  DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE EQUIPAMENTOS A HOSPITAL UNIVERSITÁRIO –  MANIFESTA  NECESSIDADE  –  OBRIGAÇÃO  DO  ESTADO  –  AUSÊNCIA  DE VIOLAÇÃO  DO  PRINCÍPIO  DA  SEPARAÇÃO  DOS  PODERES  –  NÃOOPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. [...] 3.  A  partir  da  consolidação  constitucional  dos  direitos  sociais,  a  função  estatal  foi profundamente  modificada,  deixando  de  ser  eminentemente  legisladora  em  pró  das liberdades públicas, para se tornar mais ativa com a missão de transformar a realidade social. Em decorrência, não só a administração pública recebeu a incumbência de criar e implementar  políticas  públicas  necessárias  à  satisfação  dos  fins  constitucionalmente delineados, como também, o Poder Judiciário teve sua margem de atuação ampliada, como forma de fiscalizar e velar pelo fiel cumprimento dos objetivos constitucionais. 4. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. Com efeito, a correta interpretação do referido princípio, em matéria de políticas públicas, deve ser a de utilizá-lo apenas para limitar a atuação do judiciário quando a administração  pública  atua  dentro  dos  limites  concedidos  pela  lei.  Em  casos excepcionais, quando a administração extrapola os limites da competência que lhe fora atribuída e age sem razão, ou fugindo da finalidade a qual estava vinculada, autorizado se encontra o Poder Judiciário a corrigir tal distorção restaurando a ordem jurídica violada. 5. O indivíduo não pode exigir do estado prestações supérfluas, pois isto escaparia do limite do  razoável,  não  sendo  exigível  que  a  sociedade  arque  com  esse  ônus.  Eis  a  correta compreensão  do  princípio  da  reserva  do  possível,  tal  como  foi  formulado  pela jurisprudência  germânica.  Por  outro  lado,  qualquer  pleito  que  vise  a  fomentar  uma existência minimamente decente não pode ser encarado como sem motivos, pois garantir a dignidade humana é um dos objetivos principais do Estado Democrático de Direito. Por este motivo, o princípio da reserva do possível não pode ser oposto ao princípio do mínimo existencial.

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6. Assegurar um mínimo de dignidade humana por meio de serviços públicos essenciais, dentre os quais a educação e a saúde, é escopo da República Federativa do Brasil que não pode  ser  condicionado  à  conveniência  política  do  administrador  público.  A  omissão injustificada  da  administração  em  efetivar  as  políticas  públicas  constitucionalmente definidas  e  essenciais  para  a  promoção  da  dignidade  humana  não  deve  ser  assistida passivamente pelo Poder Judiciário. Recurso especial parcialmente conhecido e improvido. (STJ, 2a Turma, Resp. 1.041.197, Min. HUMBERTO MARTINS, DJE  18.9.09) – grifo nosso.  

Na resta dúvida de que a omissão estatal representou uma afronta ao direito fundamental a um meio ambiente  ecologicamente  equilibrado,  na  medida  em  que  coloca  em  risco  a  Reserva  Biológica  de Comboios, que sofre com os impactos negativos decorrentes da exploração de atividades econômicas realizadas no seu entorno, em razão da inexistência de regras de observância obrigatória na zona de amortecimento. Em caso análogo, esta Corte julgou no seguinte sentido: AGRAVO  DE  INSTRUMENTO  -  PROCESSUAL  CIVIL  -  PRELIMINAR  DE LEGITIMIDADE  PASSIVA  DA  AUTARQUIA  FEDERAL  -  OBRIGAÇÃO  DE DELIMITAÇÃO DE ZONA DE AMORTECIMENTO- LEGISLAÇÃO AMBIENTAL ATRIBUIÇÃO  DO  INSTITUTO  CHICO  MENDES  -  IMPOSIÇÃO  LEGAL  OMISSÃO - ILEGALIDADE - MULTA COMINATÓRIA - POSSIBILIDADE. 1 - Agravo de instrumento interposto em face de decisão que, em sede de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, deferiu o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para determinar ao Instituto Chico Mendes que delimite a Zona de Amortecimento  da  Floresta  Nacional  de  Goytacazes,  no  prazo  de  180  dias.  2  -  A obrigação de fixar a Zona de Amortecimento cabe ao Instituto Chico Mendes. Se a zona de restrição será concretizada por meio de ato normativo presidencial, é tema que não cabe analisar aqui, porque vai além do que está se discutindo nos autos da ação civil pública. Não há que confundir delimitação da Zona de Amortecimento com edição de decreto de delimitação da Zona de Amortecimento. A primeira tarefa é de competência do Instituto Chico Mendes, depois de realizados os estudos e consultas prévias. E é exatamente a delimitação da Zona de Amortecimento o objeto da ação civil pública. É patente a legitimidade do Instituto Chico Mendes para figurar no polo passivo das ações ajuiaadas  visando  à  proposição,  implantação,  gestão,  proteção,  fiscalização  e monitoramento  das  Unidades  de  Conservação  e  Zonas  de  Amortecimento  a  serem instituídas por decreto federal, eis que a pertinência subjetiva em tela decorre de lei. 3 - A despeito de existir empresa de consultoria contratada, com os trabalhos previstos para terem início em junho de 2010, e com execução total a ser feita no período de um ano, a elaboração do Plano de Manejo da Unidade de Conservação em questão ainda não foi  concluída,  deixando  a  Autarquia  Federal,  portanto,  de  observar  o  prazo  legal. Insubsistente a tese recursal consistente na limitação orçamentária e temporal para concretizar o Plano de Manejo e a delimitação da Zona de Amortecimento em tela. Pelo que se infere dos autos, o Agravante teve tempo suficiente, e a suposta ausência de recursos fica infirmada pela documentação referenciada que demonstra a existência, inclusive, da contratação já realizada, com o escopo de efetivar o objeto da ação civil pública. Não obstante, nada foi concluído. É totalmente ilógico o argumento de que o Judiciário estaria assumindo a função própria do Executivo, elegendo prioridades e direcionando  o  emprego  de  verbas  públicas.  Pelo  que  se  percebe  dos  autos,  o

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Agravante incorre em ilegalidade por omissão, e qualquer ilegalidade, em havendo provocação, como na hipótese, está sujeita à intervenção judicial, para que os fatos sejam amoldados ao que determina a lei. Embora a lei exija a elaboração de um Plano de Manejo que contenha a delimitação de Zona de Amortecimento em torno da  reserva  em,  no  máximo,  cinco  anos  contados  da  criação  da  Unidade  de Conservação, em exame não exauriente do que consta dos autos, constato que esta ordem legal vem sendo descumprida pela Autarquia Federal, pois, passados mais de 10 anos da criação da lei, o Instituto Chico Mendes ainda não concluiu o Plano de Manejo, bem como não delimitou a Zona de Amortecimento para a Unidade de Conservação Floresta Nacional de Goytacazes. 4  -  É,  também,  necessária  a  imediata  efetivação  da  tutela  antecipatória,  na  forma deferida, pois que prementes e efetivas as violações, decorrentes do descumprimento de demarcações  restritivas  não  fixadas,  as  quais  são  inerentes  e  indispensáveis  à conservação do espaço ainda não protegido.  5 - A questão referente à possibilidade de fixação de multa prevista no art. 461, §§ 3º e 4°, do CPC, decorrente do descumprimento de obrigação de fazer contra ente público, encontra-se pacificada no Superior Tribunal de Justiça. A multa a que alude o art. 461 do CPC não é cominada por presumir-se o descumprimento de ordem judicial, e sim para a hipótese de transcurso in albis do prazo estipulado, sem a realização da obrigação de fazer, conforme estipulado no provimento judicial. 6 - É intuitivo, dadas a complexidade que envolve a questão, que o prazo fixado de 180 dias caracteriza-se deveras exíguo, impondo-se a prorrogação do mesmo por mais 120 dias, a fim de viabilizar a delimitação criteriosa da Zona de Amortecimento em questão. Agravo de instrumento parcialmente provido. (TRF2, 5a Turma Especializada, AI 00100888520124020000, Rel. Des. Fed. MARCUS ABRAHAM, DJE 31.1.2013) – grifo nosso.  

No tocante à antecipação de tutela, a sentença confirmou a decisão que havia determinado ao apelante, ICMBio, que delimitasse a zona de amortecimento da Reserva Biológica de Comboios, no prazo de 180, fixando a incidência de multa diária de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), no caso de descumprimento (art. 11 da Lei nº 7.347/85), a ser revertida para o fundo previsto no art. 13 da Lei nº 7.347/85, cabendo ao Ministério Público indicar o respectivo fundo beneficiário, por ocasião da execução da sentença. Nesse ponto, o apelante se insurgiu contra o valor fixado a título de multa, afirmando que o mesmo se mostra exorbitando, fato que contraria o princípio da razoabilidade. Aduziu, ainda, que seria incabível a aplicação de multa diária nas ações, contendo obrigações de fazer relativas à Administração Pública, haja vista a natureza de suas atividades. Por fim, destacou que para a realização de despesa pública seria necessário prévia autorização orçamentária, razão pela qual o prazo de 180 dias para o cumprimento da obrigação afrontaria o princípio da anualidade orçamentária, devendo tal prazo se estendido para 2 (dois) anos. Sobre essa questão, torna-se importante destacar que o monopólio da atividade jurisdicional pertence ao Poder Judiciário, que tem como função solucionar os conflitos de interesse que lhe são apresentados, a fim de alcançar a pacificação social. Nessa linha de pensamento, não se pode admitir, pelo bem da segurança nas relações jurídicas, que uma ordem judicial seja desrespeitada. Daí a necessidade do magistrado se valer de meios coercitivos que garantam o cumprimento de seu comando judicial. É nessa seara que surge a imposição da multa como mecanismo hábil para se obter o cumprimento da decisão.

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No contempt of court, traduzido como “desacato à corte”, cuja finalidade é dar maior efetividade às decisões judiciais, a multa pode ter natureza punitiva (contempt of court criminal), representando uma resposta ao descumprimento de um comando judicial, ou natureza coercitiva (contempt of court civil), de modo que, em ambos os casos, sendo o Estado – Jurisdição o prejudicado pela recalcitrância do devedor, é ele (o Estado) o destinatário dos valores advindos da execução da referida constrição (Contempt of Court e Fazenda Pública. Niterói: Eduff, 2015. Disponível em: ). Nesse momento, é preciso uma distinção. Embora não se ignore a existência de inúmeros julgados admitindo a incidência de multa em face da Fazenda Pública, fato é que a imposição de multa cominatória só encontra sentido se for direcionada àquele que, verdadeiramente, detiver meios de dar efetividade ao comando judicial. Frise-se que a Fazenda Pública se sujeita ao regime de precatório, tornando-se, por isso, evidente a ineficácia da multa como mecanismo de coação. Nesse sentido já havia me posicionado, conforme consignado nos seguintes arestos: DIREITO PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. EXECUÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. CONTEMPT OF COURT E FAZENDA PÚBLICA. 1.  A  decisão  que  em  sede  de  mandado  de  segurança  impõe  obrigação  de  fazer  é essencialmente mandamental, sendo subsidiariamente substituída por perdas e danos, no caso de real impossibilidade de cumprimento, diante da interpretação analógica do art. 461 do CPC. 2. O contempt of court civil do direito anglo saxão, como meio de coerção psicológica do devedor, decorre da concepção de que a autoridade do Poder Judiciário é intrínseco à sua própria existência. 3. Provido o agravo para que o juiz adote todos os meios capazes de dar efetividade à jurisdição, registrando que a aplicação de astreintes à Fazenda Pública é ineficaz como meio de coerção psicológica, já que sujeitas ao regime do precatório. 4. Nas causas envolvendo o erário público, a coerção somente será eficaz se incidir sobre o agente que detiver responsabilidade direta pelo cumprimento da ordem, reiterada e imotivadamente desrespeitada. (TRF2,  3a  Turma,  AG  00290663819974020000,  Rel.  Juiz  Fed.  Conv.  RICARDO PERLINGEIRO, DJE. 21.8.2001) – grifo nosso.   PROCESSUAL CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA (ASTREINTES). APLICAÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. NECESSIDADE DE IDENTIFICAÇÃO DO AGENTE RESPONSÁVEL PELO CUMPRIMENTO DA ORDEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO PROVIDO. 1. Cuida-se de Agravo de Instrumento com pedido de efeito suspensivo interposto pela UNIÃO FEDERAL em face da decisão proferida pelo MM. Juízo da 20ª Vara Federal do Rio de Janeiro, que fixou multa por descumprimento de obrigação de fazer. A União, em suas razões, sustenta, em síntese, não ser possível a imposição de multa à Administração Pública. Afirma, ainda, que a obrigação já fora devidamente cumprida. 2. Nas causas envolvendo o Erário a sanção somente será eficaz se incidir sobre o agente que detiver responsabilidade direta sobre o cumprimento da ordem, reiterada e imotivadamente desrespeitada (TRF2, 3ª Turma, AG 9702290660, Rel. Juiz Fed. Conv. RICARDO PERLINGEIRO, DJU 21.8.2001). 3. In casu, não houve qualquer desídia ou omissão do Poder Público que justifique a aplicação da referida multa. Isso porque o alegado atraso no cumprimento da decisão se deveu a fatores que não podem ser imputados exclusivamente à Administração Pública, na pessoa do Diretor do Serviço de Inativos e Pensionistas da Marinha, tais como o

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pedido  da  Demandante  de  expedição  de  novo  alvará,  por  discordar  dos  descontos efetuados a título de Imposto de Renda, e o requerimento para que os depósitos mensais das parcelas devidas deixassem de ser efetuados em Juízo e passassem a ser efetuados em sua  conta  no  Banco  do  Brasil;  fatos  que  ensejaram  sucessivas  intimações,  vistas, manifestações  e  expedições  de  ofício,  contribuindo,  dessa  forma,  para  a  mora  no cumprimento do julgado. 4. Agravo de Instrumento provido. (TRF2, 5a Turma Especializada, AG 00026874020094020000, Rel. Juiz Fed. Conv. RICARDO PERLINGEIRO, DJE 1.10.2012) - grifo nosso.  

Seguindo essa linha de raciocínio, adicionando-se que tal medida constritiva serviria apenas para onerar ainda mais a sociedade, a qual arcaria com o custo de seu pagamento: ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MPF. IPHAN. UNIÃO FEDERAL LEGITIMIDADE. TOMBAMENTO. DECRETO-LEI Nº 25/37. IGREJA DA MATRIZ. ITABORAÍ.  MULTA  COMINATÓRIA.  DANOS  MORAIS  COLETIVOS. DESCABIMENTO. 1. Cabe ao proprietário de imóvel tombado zelar pela sua proteção e conservação. Caso ele não disponha de recursos para tanto, levará tal fato ao conhecimento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o qual mandará executar as obras às expensas da União Federal. Igreja Matriz de São João Batista em Itaboraí - RJ, de propriedade da Mitra  Arquidiocesana  de  Niterói,  cujas  condições  críticas  de  conservação  são incontroversas.  Correta  a  sentença  que  condena  o  IPHAN  a  realizar  as  obras  de restauração e conservação do bem e a União a custeá-las. Aplicação dos artigos 17 e 19, § 1º e § 3º do Decreto-Lei nº 25/37 e 216, § 1º da Lei Maior. 2. Deve ser excluído da sentença o comando de multa cominatória e de danos morais coletivos. A cominação de multa diária contra pessoas jurídicas de direito público, com  o  fim  de  compeli-las  a  cumprir  decisões  judiciais,  é  medida  altamente excepcional, já que quem arca com o pagamento é a população e as futuras gestões. Assim, mormente porque não há, para o agente público, a opção de descumprir a ordem judicial, são as medidas penais e administrativas contra tal gestor que devem ser tomadas, caso desobedecido o comando jurisdicional. Descabido acatar verba de dano moral coletivo formulada em pleito nessa parte inepto, que não a justifica, e nem a sentença fundamenta a sua pertinência. Nada justifica engordar os cofres de Fundo infelizmente ainda pouco transparente, para a sociedade, embora se reconheçam os bons propósitos do artigo 13 da Lei nº 7.347/85. 3. Remessa e apelos parcialmente providos. (TRF2,  6a  Turma  Especializada,  AC  00002336320074025107,  Rel.  Des.  Fed. GUILHERME COUTO DE CASTRO, DJE 28.1.2015) – grifo nosso.

A fixação do valor da multa cominatória (contempt of court civil) submete-se ao critério da proporcionalidade, devendo ser expressiva a ponto de coagir o devedor a cumprir o preceito, sem se configurar um ônus excessivo. Não se pode perder de vista que o seu objetivo é estimular o cumprimento da obrigação e não punir o agente público pelo descumprimento da decisão (contempt of court criminal). Deve a multa implicar instrumento idôneo à coerção da vontade do devedor, de modo que o seu valor seja compatível e proporcional (stricto sensu) ao dano causado à administração da justiça. Contudo,  independentemente  de  ter  havido  exagero  na  sua  fixação  e,  em  que  pese  entender

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descabida a extensão do prazo para o cumprimento da obrigação, haja vista a sentença ter reiniciado aquele que já havia sido concedido no bojo da tutela antecipatória, fato é que tais questões restaram prejudicadas na medida em que se impõe a reforma da decisão para excluir a multa cominatória, a qual somente poderia ser imposta em face do agente público responsável pelo (des)cumprimento da obrigação. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA E À APELAÇÃO apenas para excluir a multa cominatória, mantendo a sentença nos demais aspectos. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

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