Contentor e Conteúdo: interseções entre Museologia e Arquitetura

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Contentor e Conteúdo: interseções entre Museologia e Arquitetura Susana Rosmaninho, 2013 www.rosmaninhoazevedo.com Nota prévia: este texto foi publicado na revista Arqa nº 108 de julho/ agosto de 2013. Mais informação sobre este ciclo de conferências pode ser encontrada na página: www.facebook.com/contentorconteudo

O ciclo de conferências Contentor e Conteúdo, realizado no âmbito do doutoramento e mestrado em Museologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) nos dias 10 e 24 de maio e 7 de junho, procurou explorar o papel dos agentes que atuam na área da comunicação e divulgação da arquitetura para a consolidação duma cultura disciplinar. O dealbar do século XXI vem assistindo ao multiplicar dos centros e eventos expositivos, que refletem o crescente interesse público pelos temas da arquitetura e do design, processo que tem sido acompanhado por esforços de autocrítica por parte das mesmas instituições. Nos últimos anos, vários encontros têm promovido a necessária reflexão sobre a práxis curatorial, tais como “Dedicated to Architecture - Institutions as drivers of change”, promovida pelo Danish Architecture Centre e o "And the Winner Is...? Urban Exhibitionism", realizada em Londres, ambas em 2013. O objetivo do presente ciclo de conferências foi de trazer o debate para o contexto nacional e, em forma de provocação, integrá-lo no programa curricular de Museologia da FLUP. Conscientes da interseção dos territórios de ação, as conferências foram organizadas em torno de três eixos: centros e museus; programação cultural; curadoria - programaticamente balizados pelos conceitos de contentor e conteúdo.

cartaz

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Na primeira sessão foram apresentados vários equipamentos culturais dedicados à arquitetura, suas identidades, agendas e relação com audiências. Estiveram representadas instituições públicas mas também propostas independentes, algumas em fase embrionária. A hipótese de partida, lançada por Manuel Graça Dias, questionava a possibilidade de um museu nacional de arquitetura e expunha a relevância do projeto do arquiteto Manuel Vicente de o instalar no Pavilhão de Portugal da Expo 98. A Fundação Instituto Marques da Silva (FIMS) e o Centro de Documentação da FAUP, abordaram a problemática do arquivo não só no que se refere à preservação da herança da prática profissional mas também do seu valor social quando livremente disponibilizadas à comunidade. O Centro Norte 41º, promovido pela OA-SRN, persegue o objetivo de promover e divulgar projetos voltados para temas emergentes como a sustentabilidade e a reabilitação, missão bastante dificultada, tal como se verifica na Casa da Arquitectura, pela ausência de contentor. O CAAA Centro para os Assuntos da Arte e Arquitectura, em Guimarães, mostrou como se pode atuar no contexto regional com poucos recursos, gerindo criativamente as circunstâncias locais mas também as redes globais. “Haverá cultura arquitetónica?”, foi com esta interrogação provocatória que André Tavares denunciou a descolagem entre discursos e práticas e as inércias que têm impedido a global concretização dos projetos anunciados. O debate final acentuou os paradoxos e as fragilidades: como se articulam instituições com objetivos tão semelhantes? Estarão elas mais afastadas que nunca das forças reais que estão a transformar as cidades?

conferência de André Tavares

A segunda sessão lançou um olhar sobre os grandes eventos culturais, indagando se serão estas as mais importantes plataformas de divulgação e promoção disciplinar. Um novo olhar sobre as Capitais Europeias da Cultura de Lisboa, Porto e Guimarães e seu legado referenciou a importância da dimensão internacional em conjugação com uma intensa relação com a cidade, cujas identidades influenciaram decisivamente as narrativas desenhadas para a programação, assim como do papel fundamental da componente do hardware que assumiu a forma de intervenção urbana ou de (re)abilitação de equipamentos. O caso da Experimentadesign - projeto nascido da sociedade civil que articula a esfera cultural e a financeira – permitiu pensar o futuro destes eventos, submetidos a dura competição do mercado mundial e à absoluta necessidade de inovar, encontrando novas modalidades e

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formatos através do quebrar dos espartilhos temporais e geográficos. Aqui um evidente paralelo com a Trienal de Arquitectura de Lisboa, recentemente sedeada de forma perene no Palácio Sinel de Cordes. Beatrice Galilee, curadora da 3ª edição, defende, em resposta à crise socioeconómica, a programação contra a construção como mecanismo capaz de promover a criatividade em contextos de escassez. Jorge Figueira traçou o percurso que fez infletir a Bienal de Veneza dum enfoque no Common ground para um back to basics, numa visão inquietante em relação ao futuro dos grandes eventos. Contrariando o clima de certo desencanto, o debate final realçou a importância desta modalidade quando aplicada a territórios marginais, proporcionando a criação de hardwares e softwares locais que, em nome da inclusão e coesão, possam contrariar o fenómeno de concentração de iniciativas nos grandes centros, acentuado pela atual conjuntura. Um aspeto fundamental desta sessão foi a reabilitação da figura do programador; aquele que, agindo nos bastidores, constrói os territórios de transversalidade entre temas e disciplinas, fundamentais para a germinação do trabalho autoral dos curadores.

conferência de Jorge Figueira

Na última sessão assistimos à tentativa de enquadramento disciplinar da prática curatorial, ou pelo menos, à defesa da sua identidade profissional, como frisou Delfim Sardo, que entende a curadoria em arquitetura como uma tarefa de mediação interventiva e que necessita de encontrar sistematicamente fórmulas de renovação dos seus protocolos expositivos. Luís Tavares Pereira focou-se na eficácia operativa das gerações “X” e “Y” através das experiências “Influx” e “Metaflux”. Do ponto de vista metodológico, destacaram-se as posições de Inês Moreira que entende a curadoria como um campo interdisciplinar e transversal a diversas áreas do conhecimento, ou de Luís Santiago Baptista que concebe a curadoria como um work in progress, assumindo uma postura interrogativa cirúrgica das conceções disciplinares, um processo da construção narrativa de uma prática arquitetónica, ou da estruturação sequencial de um debate crítico, bem exemplificado pelo projeto da “Geração Z”. Pedro Jordão apresentou a exposição como uma provocação e reflexão partilhada com o público, cumprindo o espírito heterodoxo e interventivo que pautou a ação dos Archigram. José António Bandeirinha ofereceu uma leitura subjetiva e transversal da obra de Fernando Távora e da sua manifesta porosidade com a prática pedagógica. Já Diogo Seixas Lopes chamou a atenção para a dimensão política do discurso curatorial na interseção com a sua formalização física, defendendo que uma exposição deve representar conflitos, por vezes sob uma máscara de ironia, mostrando espécies de espaços. Do conjunto de comunicações ressaltam duas ideias fundamentais. Em primeiro, a forma como a curadoria vem sendo reconhecida pelos profissionais como um campo expandido de prática arquitetónica, complementando ou substituindo o mais tradicional exercício de projeto ou de crítica. Talvez assim se explique a atual proliferação de exposições e eventos culturais sobre arquitetura e a substancial consolidação do seu quadro teórico e valor epistemológico. Em segundo, o reconhecimento do papel da exposição no esbatimento das velhas fronteiras disciplinares e na promoção de novas práticas espaciais.

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O equacionamento das diferenças fundamentais entre a curadoria de arte contemporânea e a curadoria de arquitetura, e as temáticas como a questão da presença, da representação e da vivência do contexto expositivo serviram de eixos condutores do debate final.

debate da última sessão

Como podem as várias instituições criar mais valor para a sociedade? Num momento em que formas de vida e de comunicação estão em constante transformação, é essencial debater as estratégias futuras, visões e produtos. Das valências mais tradicionais e fundamentais, embora nem sempre asseguradas, de servirem como contentores de memória ou como centros de investigação especializada, aos desafios de comunicar e partilhar conhecimentos com públicos mais alargados, os novos centros vêem-se obrigados a encontrar outras formas de cumprir o seu papel e de se tornarem influentes motores de mudança. Têm de se tornar políticos, manifestando-se por temas relevantes de cidadania. Para tal, têm que entender não só o que os separa e lhes dá identidade, mas também o que os une, mobilizando-se por causas comuns.

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