CONTEXTO CONTEMPORÂNEO NEOLIBERAL E A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UMA AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO PERÍODO FHC (1995 – 2002) E DA PRIMEIRA GESTÃO DE LULA (2003 – 2006).

July 1, 2017 | Autor: Fabiano Santos | Categoria: Educação Superior, Sociologia da Educação, Políticas Públicas Em Educação
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS











FABIANO CUNHA DOS SANTOS







CONTEXTO CONTEMPORÂNEO NEOLIBERAL E A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UMA AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO PERÍODO FHC (1995 – 2002) E DA PRIMEIRA GESTÃO DE LULA (2003 – 2006).


















SALVADOR
2007.


FABIANO CUNHA DOS SANTOS












CONTEXTO CONTEMPORÂNEO NEOLIBERAL E A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UMA AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO PERÍODO FHC (1995 – 2002) E DA PRIMEIRA GESTÃO DE LULA (2003 – 2006).










Monografia apresentada ao curso de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel em Ciências Sociais.

Orientador: Prof. Geraldo Ramos Soares
Co-orientadora: Profa. Márcia Pontes.










SALVADOR
2007.

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas
Curso de Ciências Sociais





FABIANO CUNHA DOS SANTOS





CONTEXTO CONTEMPORÂNEO NEOLIBERAL E A EDUCAÇÃO SUPERIOR NO BRASIL: UMA AVALIAÇÃO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DO PERÍODO FHC (1995 – 2002) E DA PRIMEIRA GESTÃO DE LULA (2003 – 2006).




Monografia para obtenção do grau de bacharel em Ciências Sociais.




Salvador, de de 2007





Banca Examinadora:


Geraldo Ramos Soares __________________________________
Mestre em Sociologia.
Universidade Federal da Bahia.


Márcia Pontes _________________________________________
Mestre em Educação
Universidade Federal da Bahia.


Maria Gabriela Hita ____________________________________
Doutora em Sociologia
Universidade Federal da Bahia.








































Dedico este trabalho primeiramente à minha mãe, Maria, aos professores que me ajudaram ao longo destes anos de graduação e, particularmente à minha namorada, Maria Anunciação.


SUMÁRIO






Apresentação 06
1. As universidades no contexto contemporâneo 13
As universidades brasileiras no contexto neoliberal 19
2. Modelo neoliberal e a reforma do estado brasileiro 25
Os projetos de reforma do Estado brasileiro do governo FHC 30
A relação entre o projeto do Banco Mundial, o governo de FHC
e a privatização das universidades federais 34
3. A reforma do Estado no período FHC e as conseqüências para
a educação superior brasileira 37
Políticas públicas na Educação Superior brasileira realizadas
no período de 1995-2002 39
Reflexos das políticas de FHC para a educação superior brasileira 43
A LDB e a diferenciação institucional 47
4. Governo Lula (2003 – 2006): políticas públicas no sistema
superior de ensino brasileiro 51
Análises críticas da primeira gestão de Lula da Silva 54
5. Considerações finais: análise comparativa dos períodos de FHC
e de Lula para a educação superior brasileira 63
As políticas neoliberais e o futuro do sistema superior
de ensino brasileiro 69
6. Referências 75









APRESENTAÇÃO.

Para a leitura e a interpretação deste trabalho monográfico é necessário primeiramente apresentar tanto as idéias contidas em seus pressupostos teóricos como também a sua justificativa acadêmica. As páginas a seguir têm como campo temático: "as políticas públicas do Estado brasileiro em educação superior", e como objeto de pesquisa: a influência dos dois governos do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2002) e o primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003 – 2006) no sistema de ensino superior brasileiro.
A metodologia contida para a realização da referida pesquisa é basicamente feita de uma densa revisão da literatura em educação, assim como análises das diferentes Leis, Medidas, Decretos, Emendas e Portarias aprovadas nas referidas gestões presidenciais. Como o tema remete também para questões macro-sociais, ou seja, de ordem internacional, foram estudados os documentos emitidos pelos organismos internacionais de financiamento. São eles: o Banco Mundial (BM); o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a UNESCO. Estes órgãos têm influenciado bastante os rumos das políticas públicas dos dois governos escolhidos no objeto desta pesquisa e suas análises devem ser incluídas para que as interpretações não percam o seu valor objetivo e científico.
Foram também incorporadas as análises de entrevistas feitas com os professores da Universidade Federal da Bahia para reforçar as idéias encontradas na literatura específica. As informações colhidas do então Reitor da UFBa Naomar de Almeida Filho e dos professores Edvaldo Boaventura, atual diretor do jornal "A Tarde" e dos professores do departamento de sociologia Gey Espinheira, Graça Druck e Antônio Câmara demonstraram-se bastante importantes para a elaboração final das análises. De um modo geral, as fontes utilizadas neste trabalho monográfico foram de grande valor elucidativo para a conclusão e a veracidade das análises feitas sobre o campo temático aqui escolhido.
Estudar este tema numa pesquisa final do curso de Ciências Sociais é relevante não só porque o campo temático é bastante atual, mas também porque ele se propõe elucidar os reais problemas contidos no sistema de ensino superior brasileiro. A intenção da pesquisa é contribuir para o debate existente em torno dos problemas de democratização do ensino superior, qualidade dos serviços prestados e de efetivação dos objetivos relativos às universidades contemporâneas.
No mundo atual é fácil perceber que as mudanças relativas ao desenvolvimento científico e tecnológico têm influenciado a dinâmica política e econômica de todos os países do mundo. (SANTOS, 2003) O chamado capitalismo flexível é uma característica da ordem neoliberal que se instala como uma possível alternativa para a crise do antigo Estado de Bem-Estar-Social, ou Estado de Providência. Com isso, segundo as orientações dos referidos órgãos internacionais, todos os países, sejam eles já desenvolvidos ou em desenvolvimento, devem se adequar a estas mudanças neoliberais para solucionar os sérios problemas de crise economia e institucional do aparelho estatal.
Do ponto de vista da educação superior, o neoliberalismo vem transformando completamente a estrutura institucional das seculares universidades. Hoje em dia, é pedido a estas instituições tradicionais democratizar e massificar o conhecimento nelas produzido. Para isso, é necessário que a grade curricular acadêmica seja mais flexível e dinâmica do que a ofertada nos tradicionais cursos universitários. Para tanto, toda a estrutura de funcionamento destas instituições deve passar por uma profunda reforma política e acadêmica em virtude das mudanças ocorridas no capitalismo flexível. A título de exemplo, podem se destacar dois projetos de reforma universitária ocorridos atualmente. O primeiro, ocorrendo na então desenvolvida União Européia chamada de "Projeto Bolonha" e a outro em processo de debate e discussões no Brasil chamado de "Universidade Nova".
Outra característica essencial para contextualizar a situação das universidades no mundo atual diz respeito a sua autonomia enquanto instituição social. A crise do Estado de providência impediu a manutenção do financiamento nas áreas sociais como educação, saúde, cultura e moradia. Com isso, presencia-se em todo o mundo a falta de verbas destinadas para a manutenção e o desenvolvimento dos serviços prestados por importantes universidades do mundo. Este contingenciamento estatal se apresenta numa época em que os cursos de nível superior são essenciais para a qualificação profissional dos trabalhadores no atual mercado de trabalho. Em outras palavras, a exigência neoliberal de massificação do ensino superior para uma melhor qualificação profissional é impedida pela crise financeira das Instituições de Ensino Superior (IES).
Toda esta discussão da crise atual das universidades tradicionais no modelo neoliberal é mais trabalhada no primeiro capítulo desta monografia. Nele é apresentado todo o contexto o qual estão inseridas as universidades do mundo e mais especificamente as instituições brasileiras. Por se tratar de um país ainda em desenvolvimento, a situação de crise das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) é ainda mais complicada em relação às universidades públicas de outros países.
No segundo capítulo, pretendeu-se fazer uma análise macroeconômica da atual emergência do regime neoliberal em todo o mundo. Ao longo do texto serão abordadas muitas críticas tanto no que tange à forma com que este modelo econômico se insere nos diferentes países, quanto no que se refere às danosas conseqüências sociais e econômicas para os países não desenvolvidos. Em se tratando de educação superior, a implantação do neoliberalismo nestas nações através de reformas políticas não é bem aceita pelos especialistas estudados. Segundo os autores, o modo que o Brasil conduziu as políticas públicas em educação não são as ideais para alcançar os padrões desejados de competitividade internacional e soberania nacional.
Em um subtítulo deste capítulo introduzir-se-á os projetos políticos de candidatura do presidente eleito Fernando Henrique Cardoso contidos em um documento de campanha intitulado "Mãos a obra Brasil". O intuito é exemplificar as intenções políticas deste governo e demonstrar a correspondência entre este e os documentos divulgados pelo BM e pelo FMI. Para muitos pesquisadores, as mudanças neoliberais propostas por FHC corresponderam fielmente aos interesses dos organismos internacionais e consequentemente estiveram longe de sanar problemas sociais relativos à educação superior brasileira.
Em suas propostas políticas explicitadas no documento "Mãos à obra Brasil", o governo FHC pretendeu intensificar o modelo neoliberal na educação superior dando forte continuidade à privatização da educação superior, minimização do Estado, redução de gastos públicos, etc. Quando se comparam os documentos apresentados pelos organismos financeiros com as intenções de FHC, percebe-se a completa concordância de ideais. Para o regime neoliberal, a implantação de reformas institucionais no Estado brasileiro traria modernização e uma maior eficiência da maquina burocrática, hoje lenta e elitista, além de desenvolver a economia do país proporcionando aquecimento do setor privado e a conseqüente retomada da economia.
Para os órgãos de financiamento, a estrutura institucional das universidades tradicionais públicas encontra muitas dificuldades para suprir as necessidades atuais do mercado de trabalho neoliberal. Assim, tanto FHC quanto o BM entendem que os recursos federais destinados às universidades públicas são mal aplicados, sendo incompatíveis, portanto para o Brasil alcançar seus objetivos de progresso nacional. É nesta perspectiva que o sistema de educação superior é projetado para sofrer reformas em sua estrutura, tentando, com a aprovação da LDB (Lei de Diretrizes e Bases) de 1995 uma adequação da educação como um todo à rápida mudança do neoliberalismo globalizado.
O conteúdo interno da LDB acrescentou importantes novidades para a expansão das Instituições de Ensino Superior (IES) privadas. È a partir dela que são inauguradas novas modalidades de curso superior às quais tiveram impacto expressivo na oferta de vagas. Com isso, estabeleceu-se neste nível de ensino um capitalismo concorrencial tanto entre as IES privadas, quanto também, entre as IFES brasileiras. No capítulo 3 desta monografia, serão feitas análises mais detalhadas dos oitos anos de FHC na presidência da República para a educação superior nacional. Para tanto, foram elaborados estudos qualitativos e quantitativos relativos às políticas públicas para este nível de ensino.
Ao longo do texto, serão demonstradas tabelas e análises dos pesquisadores em educação, apontando as conseqüências das políticas adotadas e discutindo se elas correspondem aos ideais de modernização e qualificação da educação superior necessários para a nação. Tentar-se-á também fazer um paralelo entre as políticas públicas em educação com a criação do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado, o MARE, preocupado em agilizar reformas estruturais no Estado brasileiro de caráter neoliberal globalizante. Com isso, pretendeu-se provar que neste período, os projetos políticos do MEC estavam em consonância basicamente com o Ministério da Fazenda.
É em 1995 que se inaugura uma nova lógica funcional do sistema de ensino superior brasileiro. A instituição do Conselho Nacional de Educação (CNE) garantiu para o setor privado emergente maioria de representatividade, gozando, assim de benefícios concedidos pelo MEC. Por outro lado, o setor público sofreu muitas retaliações financeiras perdendo qualidade e credibilidade social. Os governos de FHC se caracterizaram pelo completo descaso em relação ao setor público federal deixando de investir tanto na infra-estrutura física das universidades federais como no aumento de salários para os servidores públicos. Em suma, entre 1995 e 2002 os pressupostos principais das políticas federais visaram uma expansão da oferta de matriculas em ensino superior privado com corte de gastos públicos para a União.
Ainda no capítulo 3, é dedicado um subtítulo para a questão da LDB. Com ela, a democratização do 3º grau teve como fundamento central a privatização e mercantilização do ensino superior. Serão trabalhados muitos artigos contidos nesta lei que influenciaram bastante para o aumento expressivo do setor privado na educação superior. Dentre eles podem se destacar: os artigos 44 e 80 que, respectivamente facultam a criação de "cursos seqüenciais" e da educação à distância (EAD). Já no artigo 52, a LDB define a chamada diferenciação institucional sendo crucial para impulsionar a grande expansão do setor privado no ensino superior brasileiro.
Também serão abordadas algumas considerações sobre a elaboração do Plano Nacional de Educação, o PNE que recebeu diversos vetos do então presidente Fernando Henrique Cardoso reforçando o que foi dito sobre o descaso e a irresponsabilidade no que tange o desenvolvimento e progresso das IES brasileiras. Por fim, o terceiro capítulo fará algumas considerações sobre outras leis aprovadas na gestão FHC que se ligam aos projetos internacionais neoliberais das agências de financiamento. Dentre elas estão: o Exame Nacional de Curso (ENC), o chamado "Provão"; a Avaliação das Condições de Oferta de Cursos de Graduação; e a criação do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES).
Terminadas as considerações feitas sobre as políticas públicas em educação superior de FHC, o capítulo quatro desta pesquisa monográfica dedica-se exclusivamente ao primeiro mandato do governo Lula em relação ao nível superior de ensino. Quando se inicia a sua gestão em 2002, o então presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva depara-se tanto com muitas universidades púbicas totalmente sucateadas, como também uma relevante crise no setor privado de nível superior. Neste contexto, o novo governo de centro-esquerda foi eleito pela população brasileira na intenção de melhorar o crítico quadro da educação superior nacional aceitando assim, um grande desafio de transformar o Brasil em um bom referencial internacional no que tange tanto a produção de pesquisas em ciência e tecnologia, como também a profissionalização dos trabalhadores no mercado neoliberal globalizado.
Um dos primeiros atos políticos do governo foi a elaboração de um projeto, já deveras atrasado, intitulado de Universidade do Século XXI, que se relaciona com a tão pretendida Reforma Universitária. No entanto, algumas medidas emergenciais tanto para o setor público como para o privado foram tomadas em paralelo às discussões da desejada reforma. Segundo alguns autores, o governo não quer que ela seja aplicada de forma antidemocrática, promovendo assim, diversos debates e congressos para que seja posta em vigor com o aval também dos profissionais ligados à área.
Na gestão de Cristovam Buarque, se constituiu a Comissão Especial de Avaliação (CEA) bastante importante para criar o "Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior" (SINAES). Logo depois, o Congresso Nacional, juntamente com a aprovação do presidente Lula, adota medidas cruciais relacionadas com o acesso de estudantes no nível superior. Em 2005, é lançado o Programa Universidade para Todos (PROUNI) que garante bolsas de estudo para estudantes do setor público e para minorias étnicas de todas as regiões do Brasil.
Além destes projetos, o governo Lula institui a chamada Parceria Público/privado (PPP) e a lei de Inovação Tecnológica importantes para uma reconfiguração das esferas públicas e privadas de ensino superior. Com estas medidas, a chance de promoção do intercambio entre as IES e as empresas privadas aumentam garantindo um novo conceito para o sistema brasileiro de nível superior. Sua justificativa seria de que diante da falta de recursos da União, estas leis contribuiriam para a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos no território brasileiro.
Ao longo do capítulo 4 serão apresentadas análises feitas pelos autores sobre o governo lula. Muitas delas dizem que este tem características de gestões presidenciais anteriores, como por exemplo, a correspondência de idéias com os organismos internacionais. Mais adiante, demonstrar-se-á que as críticas relativas à gestão Lula se ligam às políticas de expansão e financiamento do ensino superior, considerando-as não significativas para mudar o quadro crítico em que as IFES chegaram. Estes autores exaltam a semelhança entre as políticas de agora com as aplicadas na gestão FHC e criticam as intenções políticas de Lula em manter o ambiente neoliberal desejado internacionalmente. Em suma, para muitos especialistas em educação superior, o projeto geral de Reforma Universitária do governo Lula não traz mudanças consistentes para que o quadro crítico da educação brasileira se modifique.
Em contrapartida, alguns pesquisadores da área educacional já vêem mudanças de rumos para a educação superior no primeiro mandato de Lula. O próprio autor desta monografia é adepto desta idéia, pois considera que ainda é muito cedo para julgar o que foi feito durante estes quatro primeiros anos na presidência da República. O quinto e último capítulo deste trabalho foi destinado justamente para enfocar a opinião de alguém que construiu um conhecimento sobre o assunto ao longo dos anos de dedicação à monografia final de curso. Escrito em primeira pessoa, o capítulo introduz o que foi de relevante nas políticas públicas dos dois governos estudados para a educação superior e para os objetivos de soberania e competitividade nacional prescritos na Constituição Nacional de 1988.
Neste ultimo capítulo também, pretende-se fazer uma analise comparativa entre os dois governos estudados e ver quais as conseqüências de suas políticas públicas adotadas para o sistema de ensino superior brasileiro. Ao longo deste texto, são feitas tanto críticas como elogios sobre as políticas de FHC e de Lula, contrapondo-as com o futuro do conjunto de IES existentes até então. Por fim, a opinião dos autores citados é apresentada tanto para ilustrar os pontos positivos e negativos dos respectivos governos, quanto para apontar as diferenças entre os seus projetos políticos.


1. AS UNIVERSIDADES NO CONTEXTO CONTEMPORÂNEO.

Em tempos atuais, as universidades em todo o mundo vivem uma época de crise. O capitalismo globalizado, os avanços tecnológicos e a ordem neoliberal conduzem as pessoas e as instituições em geral a viverem um mundo dinâmico e bem mais flexível do que outras épocas vividas no mundo. (SANTOS, 2003) Face a essa realidade, as universidades são obrigadas a se adequarem a tais transformações, pois sua estrutura secular não corresponde mais às necessidades sociais. (TRINDADE, 2001)
Desde a época em que foram criadas na Idade Média, as universidades, além de gozarem de uma relativa autonomia, dedicando-se à preservação e ao ensino do conhecimento, estavam direcionadas para a chamada "alta-cultura" social, ou seja, o conhecimento de caráter universitário era restrito à elite. Hoje em dia, as pressões políticas internacionais impõem às instituições universitárias tradicionais democratizar e massificar o conhecimento nelas produzido na intenção de diminuir o elitismo de "alta cultura" característico da historia das universidades.
Fora isso, as exigências da economia neoliberal delegam às universidades uma singular importância para resolver problemas econômicos e sociais. Boaventura Santos identifica que, a partir dos anos 1960, além de suas tradicionais funções de ensino e pesquisa, as universidades adquiriram diversas atividades sociais. Dentre as mais citadas estão: a prestação de serviços comunitários; o desenvolvimento social e econômico das nações; a democratização do conhecimento; a especialização e profissionalização dos estudantes para uma maior qualificação da mão-de-obra; a contribuição para a igualdade social e econômica; e o fortalecimento das nações em desenvolvimento para uma melhor competitividade internacional. Segundo o autor, estas novas atividades incorporadas são muitas vezes contraditórias entre si e sobrecarregam as universidades de tarefas que, às vezes, são impossíveis de serem efetuadas. (SANTOS, 1999)
Além destas novas (e não simples) funções, Santos salienta que as universidades públicas sofrem um outro problema: a falta de financiamento do Estado. Segundo ele, isso está desarticulando as possibilidades de ação social das instituições universitárias e desestabilizando sua autonomia, legitimidade e hegemonia. Segundo os organismos internacionais como a OCDE, o Bando Mundial e o FMI, as estruturas arcaicas e seculares das universidades não suportam mais o mundo globalizado e competitivo e, ao mesmo tempo não garantem qualificação profissional para um mercado de trabalho cada vez mais dinâmico e flexível. Nesta perspectiva, a continuidade destas instituições no mundo contemporâneo só é possível se sofrerem reformas de gestão e de financiamento para, então, se enquadrarem nos moldes do Neoliberalismo.
Nos países em desenvolvimento, a situação das universidades públicas ainda é mais complicada. O endividamento financeiro destes países coloca-os em situação de dependência direta do capital financeiro internacional, dificultando o investimento nas políticas sociais de educação, saúde, moradia e lazer. Além de receber cada vez menos financiamento do próprio Estado, preocupado em enxugar gastos nas áreas sociais, as instituições universitárias públicas têm que adotar todas aquelas funções descritas acima. A alternativa encontrada pela ideologia neoliberal para este dilema sugere um maior intercambio financeiro entre as universidades e o setor empresarial. Em outras palavras, as fontes alternativas de financiamento das atividades universitárias devem ser de procedência privada e não mais público-estatal. Portanto, no regime atual neoliberal, as universidades perdem o regular financiamento estatal e passam a manter uma relação de dependência financeira com às empresas multinacionais.
A universidade desejada para atender às necessidades neoliberais deve ter como pressuposto a "idéia de flexibilidade, que indica a capacidade adaptativa a mudanças contínuas e inesperadas" (CHAUÍ, 1998 p.28). Segundo Marilena Chauí, a universidade transformou-se de uma "instituição social" para uma "organização social" e isso gerou profundas mudanças na dinâmica de profissionalização e de produção acadêmica. Enquanto "instituição social", a universidade está voltada para a resolução dos problemas sociais e universais. Na "organização social", suas atividades servem como instrumento para alcançar objetivos particulares das empresas financiadoras que buscam unicamente o lucro econômico.
Segundo Chauí, neste ultimo tipo de instituição o critério de "produtividade" acadêmica é preponderante em relação à qualidade dos serviços. Em outros trabalhos a autora enfatiza que o critério de produtividade requerido se liga à quantidade de serviços prestados para o desenvolvimento econômico e social do país. Dito de outra forma, ele é medido por três critérios: "quanto uma universidade produz, em quanto tempo produz e qual o custo de que produz". (CHAUÍ, 2001P. 216) Para Chauí, este novo padrão institucional é claramente desviado do conceito tradicional de universidade.
A formação do espírito "cívico-crítico", apontado por muitos autores como um dos objetivos das universidades, dá lugar à formação rápida de profissionais para o mercado de trabalho com cursos cada vez mais objetivos e de curta duração para o mercado flexível. A produção científica não tem mais o caráter desinteressado e autônomo e passa a seguir ou os interesses das grandes corporações econômicas donas do capital, ou os interesses político-militares das nações imperialistas. (TRINDADE, 2001a)
As instituições universitárias contemporâneas agora se submetem a avaliações periódicas para prestar contas ao Estado de sua qualidade e sua produtividade. A isso Boaventura Santos denomina "crise institucional" na medida em que a universidade é avaliada pelos órgãos públicos e sua instituição é posta em cheque por outra (o Estado) que está acima da sua autonomia. (SANTOS, 1999)
Além disso, no regime neoliberal, as universidades não perdem só autonomia institucional, perdem também autonomia financeira e acadêmica. A falta de financiamento estatal, que no caso dos países em desenvolvimento é causada pelo alto endividamento do Estado, inviabiliza a produção autônoma de conhecimento das instituições públicas e obriga-as a buscarem financiamento externo das empresas privadas. Por conseguinte o conhecimento produzido sob estas condições, ao invés de servir ao interesse próprio das universidades, volta-se para as necessidades econômicas das empresas financiadoras.
Outra exigência característica do neoliberalismo reivindica uma gestão mais racional para a então burocrática e lenta máquina administrativa universitária. Supostamente corporativistas, as universidades públicas devem agora racionalizar o sistema operacional de suas atividades para garantir maior produtividade, objetividade e êxito em suas atividades, da mesma forma que o sistema administrativo das empresas econômicas. Duas palavras são suficientes para constituir o novo tipo de instituição superior desejada: eficiência e qualidade. (SOBRINHO, 2001)
Este novo conceito de universidade ligado ao ideal de "produtividade" induz uma nova dinâmica entre as atividades de ensino, pesquisa e extensão. Isto quer dizer que as atividades de pesquisa nas universidades recebem tratamento diferencial de financiamento em relação ao ensino e à extensão. As pesquisas em ciência e tecnologia elaboradas nas universidades despertam mais interesses capitalistas das empresas financiadoras porque contribuem para os avanços tecnológicos necessários para a competitividade internacional. As outras atividades universitárias citadas não entram nos critérios de "produtividade" estabelecidos pois não garantem o retorno financeiro da mesma forma que a pesquisa.
Observa-se que a atividade da docência tradicionalmente conhecida é cada vez mais marcada por contratos flexíveis de gestão devido ao mutável e dinâmico mercado de trabalho. O ensino nas universidades se reduz a mera profissionalização técnica e objetiva de cursos de rápida duração para acompanharem a flexível economia. Por conseguinte, ao invés de esta atividade ser ministrada em universidades, são criados centros acadêmicos especializados na formação profissional, dissociando esta atividade da pesquisa científica.
Constantemente os órgãos internacionais estudam propostas de reforma do ensino superior tanto para maximizar a produtividade da pesquisa, quanto para democratizar o ensino profissionalizante. Essas propostas tentam segregar a pesquisa das universidades tradicionais de suas atividades de ensino. Para isso, os novos centros de profissionalização de nível superior devem ser de procedência privada, pois, segundo o BM e o FMI, esta seria a forma mais viável para a massificação do ensino superior. Como dito anteriormente, estes projetos de reforma neoliberal têm como pressuposto o enxugamento dos gastos públicos e a transferência de serviços que antes eram exclusivos do Estado para empresas privadas.
Segundo as idéias neoliberais os serviços públicos são um privilégio elitista e sinônimo de imobilismo institucional. (TRINDADE, 2001b) De acordo com o Banco Mundial, o financiamento estatal das universidades é uma forma regressiva de distribuição que favorece os grupos de renda mais alta. É neste contexto que, principalmente nos países em desenvolvimento, como por exemplo, na América Latina, esses organismos internacionais sugerem reformas neoliberais para as instituições estatais.
A idéia básica contida nestas reformas é de expandir a participação do setor privado nos serviços sociais. Na educação, por exemplo, deve-se incentivar o crescimento de instituições de nível superior especializadas para preparar trabalhadores no flexível mercado de trabalho. Segundo a ideologia vigente, as instituições privadas são menos custosas para o Estado, reduzem seus gastos e obedecem ao princípio neoliberal de produtividade. Ao Estado, por sua vez, cabe somente o papel de avaliar as instituições de ensino para garantir a qualidade dos serviços prestados à população.
Com isto, as instituições de ensino superior passam constantemente por avaliações institucionais baseadas nos padrões de produtividade neoliberal. Quanto mais produtiva uma instituição superior for, mais credibilidade e aprovação social ela terá. Este ambiente tenso de avaliação institucional promove a competição entre as universidades públicas, pois estabelece um ranking no qual a continuidade das instituições está em jogo. Como as universidades públicas já sofrem problemas de financiamento estatal, a disputa com o setor privado torna-se desleal na medida em que este já tem reserva de capital para se sustentar. Em outras palavras, muitas universidades públicas tradicionais fecharão suas portas porque não conseguirão se adaptar a este severo e competitivo sistema de avaliação.
Como se pode ver, a dinâmica econômica atual tem modificado a função e o próprio conceito de universidade em todo o mundo. No capitalismo neoliberal, portanto, a educação superior tem importância fundamental no processo de qualificação profissional dos futuros trabalhadores em todo o mundo. O mercado de trabalho, então, necessita cada vez mais de profissionais de nível superior especializados em um determinado campo de trabalho para manter a competitividade das empresas. Para tanto, a democratização do nível superior de ensino deve ser uma das prioritárias metas nos processos de reforma neoliberal nas diferentes nações.
Sob influência direta dos organismos internacionais financiadores, aos poucos, os países em desenvolvimento implementam políticas públicas para massificar esse nível de ensino e tentar manter suas economias nos padrões neoliberais de competitividade. Em países como o Brasil e o Chile, o número de matrículas das instituições superiores cresce a cada ano. O interessante a se ressaltar é que, nestes países, o setor privado tem crescido preponderantemente em relação às universidades tradicionais de caráter público.

"Ao lado das universidades tradicionais, desenvolveram-se outras instituições especificamente vocacionadas para a formação profissional, mantendo graus diversos de articulação com as universidades". (SANTOS, 1999 P.196)

Estas novas instituições de ensino particulares garantem cursos adequados ao flexível e dinâmico mercado de trabalho, diferentemente dos rígidos e tradicionais cursos ofertados pelas antigas universidades. Boaventura Santos ressalta que a inflexibilidade da grade curricular destas instituições impede os formandos de acompanhar o dinâmico mercado de trabalho. Devido a isso, as universidades sempre estão aquém do princípio da democratização do conhecimento e aquém da demanda profissionalizante exigida pelo mercado.
Para o mercado globalizado neoliberal, a única e importante atividade que pode ser bem aproveitada das rígidas universidades é a pesquisa cientifica. No regime atual, as pesquisas universitárias contribuem e muito para o desenvolvimento econômico e ao mesmo tempo garantem competitividade no mercado globalizado. Dependentes de investimentos externos, ou seja, privados, as universidades modificam tanto a dinâmica, como o foco de suas pesquisas que agora voltam-se para os interesses do mercado neoliberal e não mais para os propósitos acadêmicos.
Nos países ricos, ou seja, os que são potencias mundiais, as pesquisas universitárias recebem regular financiamento do Estado. Isso porque, diferentemente dos países não desenvolvidos, as potências ainda têm condições de investir em tecnologia científica, fator preponderante para a competitividade entre as nações. Os principais centros de pesquisa universitários do mundo garantem bons resultados para a economia destas nações e para seu status político internacional. Nos países endividados em desenvolvimento, ao contrário, as universidades não conseguem recursos financeiros do Estado e têm que buscar alternativas externas para o financiamento de suas pesquisas.
Como foi dito acima, desde a sua fundação, a idéia de universidade estava atrelada a uma certa autonomia institucional e política. A dependência de financiamentos externos pode perturbar o desenvolvimento do progresso científico, assim como desviar a finalidade das pesquisas. A dependência de investimentos provindos das empresas financiadoras traz sérios riscos à liberdade científica das instituições.
Na verdade, no regime atual neoliberal, as universidades ficam impossibilitadas de exercer suas outras funções sociais. Como estão voltadas para os problemas internacionais de interesses capitalistas e imperialistas, estas instituições agora são incapazes de ajudar os problemas locais relativos à comunidades no entorno dela mesma. Em outros termos, a demanda prioritária de investimentos nas atividades de pesquisa científico-tecnológica, inviabiliza o cumprimento das responsabilidades sociais da universidade. O conhecimento gerado nela que poderia trazer soluções para os problemas sociais das comunidades locais, é agora direcionado para os interesses globalizantes do capital neoliberal.
Problemas mundiais de interesse geral, bem trabalhados nas faculdades de ciências humanas, como a fome, a destruição do meio ambiente e as guerras, assim como problemas nacionais e regionais como a criminalidade e a falta de assistência jurídica em comunidades locais, são impossíveis de serem solucionados devido à falta de financiamento para estas atividades e, consequentemente pela submissão das instituições ao mercado. (SANTOS, 1999)
A UNESCO, um dos principais órgãos internacionais de discussão da educação superior, reconhece tanto a referida crise das universidades como sua importância vital para o desenvolvimento econômico e social principalmente dos países não desenvolvidos. Para a UNESCO, "a educação superior se encontra em crise em praticamente todos os países do mundo" (UNESCO, apud TRINDADE). Com o aumento da demanda crescente de alunos e o gradativo déficit de financiamento público, a distância já enorme entre países desenvolvidos e em desenvolvimento só tende a crescer.
Inúmeros eventos para a discussão do desenvolvimento dos países da América Latina tiveram a UNESCO como um importante aliado. Estas conferências internacionais têm a intenção explícita de encontrar soluções para os desafios e promover os processos de reforma do ensino superior. (TRINDADE, 2001b) No Brasil a situação das universidades públicas requer cautela e muita discussão. Se o problema de crise das instituições universitárias é uma característica mundial, as instituições brasileiras precisam de uma análise muito mais minuciosa, pois a situação econômica e social do país é bem mais delicada do que as enfrentadas pelos países já desenvolvidos.

As universidades brasileiras no contexto neoliberal.

Nas ultimas décadas, o sistema de ensino superior brasileiro passou por reformas políticas de reestruturação e desenvolvimento. Diante dos problemas atuais de crise do Estado de providência, o financiamento das universidades federais nacionais mal consegue resolver os emergenciais problemas salariais e de infra-estrutura. Na tentativa de adequar o país nos moldes neoliberais para o desenvolvimento econômico, os diversos governos brasileiros buscaram atender às exigências dos organismos internacionais de reduzir os gastos públicos nas áreas sociais e minimizar cada vez mais a atuação do Estado na educação, saúde, etc. Com isso, o nível superior de ensino do Brasil enfrenta uma significativa transformação em toda sua estrutura legal.
Desde o regime militar da década de 1960 que os sucessivos mandatos presidenciais tentam aplicar a cartilha neoliberal na máquina estatal brasileira. Nas políticas públicas em educação superior, os governos eleitos buscaram sempre alternativas para massificar o ensino de 3º grau e reduzir a crescente demanda por vagas nas universidades. A proposta que mais vem sendo aceita é a de democratizar o ensino superior via setor privado, dada a grave deficiência econômica das IFES e suposta idéia de que as instituições privadas são "capazes de melhor empregar os recursos públicos, pois operam com custos mais baixos". (CUNHA, 2001, p.43)
Esse projeto privatizante carrega implicitamente uma noção segregacionista de universidade. O setor privado, mais flexível e dinâmico, seria capaz de demandar novos cursos de nível superior para a qualificação profissional dos trabalhadores, e o setor público tradicional se ocuparia somente em desenvolver pesquisas em ciência e tecnologia. Segundo Hélgio Trindade, as IFES "... se ocupam da pós-graduação e da pesquisa e as instituições privadas (IES) predominantemente da demanda em expansão da graduação". (TRINDADE, 2001 P.121)
Outra alternativa neoliberal propostas nos documentos internacionais e executada no Brasil, sugere investir o dinheiro público na distribuição de bolsas de estudo para estudantes carentes que não teriam condições de estudar em instituições privadas. A justificativa deste projeto se baseia na crença de que esse tipo de investimento traz muito mais retornos sociais do que as universidades federais podem oferecer. Ou seja, segundo as idéias dos organismos internacionais, é muito mais válido para o Estado investir no setor privado de ensino do que financiar as tradicionais IFES.
Com isso, as Instituições Federais de Ensino Superior brasileiras são obrigadas a buscarem financiamento com o setor produtivo empresarial. Os recursos daí subtraídos são a única via possível para investir em manutenção e expansão espacial dos campi; desenvolver a pesquisa científica e tecnológica; atender as demandas específicas do mercado de trabalho; garantir a competitividade das empresas nacionais; e contribuir para a resolução de problemas sócio-econômicos históricos na comunidade local. (CATANI e OLIVEIRA, 2001)
Toda essa delicada crise de financiamento das IFES brasileiras desestrutura sua tradicional organização administrativa que, no dizer de Luiz Antonio Cunha, agora se confunde com as dinâmicas empresariais do setor privado. Segundo o autor, na medida em que os critérios de qualidade e legitimidade estabelecidos para qualquer instituição superior são medidos pela sua produtividade, mudam-se completamente os objetivos os quais a universidade pública foi instituída. Em outras palavras, as universidades federais brasileiras se baseiam em critérios quantitativos de produção capitalista e não mais nos parâmetros qualitativos característicos das instituições públicas. Neste caso, evidencia-se uma inversão ideológica entre a qualidade e a quantidade na medida em que o conceito de produtividade prioriza mais os aspectos quantitativos do que qualitativos.
Marilena Chauí interpreta que a universidade brasileira passou por três etapas de transformação: nos anos 1970, institui-se a "universidade funcional", que se caracteriza pela formação rápida de mão-de-obra qualificada para o mercado de trabalho; na década de 1980, a "universidade de resultados", onde houve expansão do ensino superior e a parceria entre universidades e o setor privado; e, por fim, nos anos 1990, a "universidade operacional", voltada para si mesmo e para seus interesses particulares, sem comprometimento social.
Dentro da lógica produtivista e devido às dificuldades orçamentárias, o regime neoliberal pretende que as universidades públicas sejam concorrentes das outras instituições, classificando-as em uma hierarquia e elegendo as melhores do mercado. Esse ranking estabelecido é parâmetro para o direcionamento dos recursos públicos e privados. Nesta perspectiva, as universidades federais brasileiras devem buscar parcerias com empresas econômicas para se estabelecer no competitivo mercado do ensino superior.
No Brasil, somente poucas universidades públicas têm condições materiais de competir a altura no mercado neoliberal. A USP e a UNICAMP, por exemplo, ainda detêm uma considerável respeitabilidade acadêmica inclusive entre as principais universidades do mundo. O governo estadual paulista investe recursos públicos de forma estável nessas universidades garantindo para elas autonomia acadêmica e financeira. É forte também a oferta de recursos de empresas multinacionais interessadas nas pesquisas em ciência e tecnologia praticadas nessas universidades.
Em outros estados brasileiros localizados nas regiões centro-sul do país, algumas universidades também detêm um alto índice de financiamento e autonomia. Assim como as estaduais paulistas, estas IES conseguem ter uma atuação social e econômica muito mais abrangente e poderosa do que muitas universidades federais do Norte e nordeste brasileiro. Por conseguinte, no Brasil coexistem tanto centros de excelência quanto instituições de baixo nível qualitativo. O resultado disso será a deterioração destas universidades públicas e a valorização das mais importantes IES brasileiras. Como enfatiza bem Hélgio Trindade:

"... as universidades federais autônomas mais qualificadas se tornarão, juntamente com a USP e a UNICAMP, os grandes centros de formação de recursos humanos de alto nível. As universidades federais não autônomas ficarão submetidas ao controle periódico do "provão" e terão seus cursos de graduação, em competição com as privadas, sua missão principal." (TRINDADE, 2001P.121)

O ambiente de competição pretendido pelo ideal neoliberal é nocivo para as IFES brasileiras uma vez que o ritmo de desenvolvimento do setor privado de ensino é assustadoramente maior em relação ao público. Representando, a partir da década de 1990, mais de 60% da oferta de matriculas de nível superior, o setor privado consegue maior respaldo político em relação ao desvalorizado setor público. Com isso, agrava-se mais a situação das universidades públicas tradicionais que não conseguem adquirir financiamento privado.
A precariedade física e produtiva das IFES e a real crise financeira do Estado brasileiro levaram muitos dos bons professores que atuavam na rede gratuita federal brasileira a adiantarem suas aposentadorias e prestar serviços agora à rede privada. Só isso representa uma dupla perda para as IFES, pois além de perderem os seus melhores professores que agora servem às IES privadas, os gastos com aposentadoria representam grandes despesas nos orçamentos públicos, impedindo o desenvolvimento e a execução das metas internacionais exigidas.
Dilvo Ristoff ao analisar a crise das universidades brasileiras, aponta três grandes fatores preponderantes que sintetizam quais os problemas presentes nas universidades brasileiras. Em suma podem ser classificadas como: crise financeira; crise de elitismo e crise de modelo. (RISTOFF, 2001)
O citado autor parte do principio de que os investimentos feitos em educação superior são diretamente proporcionais ao desenvolvimento social e econômico das nações. "Investir em educação superior pública, na pior das hipóteses, é sempre um grande negócio". (RISTOFF, 2001, p.203) A descrença dos políticos brasileiros em não investir pesadamente neste nível de educação parte dos pressupostos ideológicos neoliberais de ineficiência e improdutividade do setor público.
Ao longo das ultimas décadas, os sucessivos governos brasileiros não têm aumentado os investimentos em livros para as bibliotecas, bolsas de estudo para os estudantes e remédios para os hospitais universitários. Ao passar dos tempos, a infra-estrutura das universidades vem se degradando assim como a própria economia e desenvolvimento do Brasil. Dilvo Ristoff chama atenção para a complicada realidade econômica do país de pagar os chamados Encargos Financeiros da União (EFUs). O dinheiro destinado para estes fins impede um investimento ideal para o desenvolvimento das IFES e consequentemente para a economia da nação.
A segunda crise é a de elitismo da educação superior brasileira. Apenas uma ínfima parcela da população entre 18 e 24 anos (cerca de 10%) está cursando o nível superior de ensino. (RISTOFF, 2001) Esses dados comparados aos EUA, por exemplo, que tem cerca de 55% da população jovem nas universidades, obriga o Brasil a pensar uma política de democratização eficiente capaz de elevar tal precário índice. Uma das causas do pequeno contingente estudantil é a baixa taxa de concluintes do ensino básico e fundamental obrigatório impedindo a população a ter acesso ao nível superior. Outro fator relevante para esse problema remete a própria história da educação superior brasileira. No Brasil, apesar de já existirem faculdades desde a época da colonização, as políticas para o surgimento de universidades integradas só veio a ocorrer no século passado, dificultando e muito o processo de democratização desse nível de ensino.
Relacionada com a crise de elitismo, a crise de modelo diz respeito à incapacidade das universidades tradicionais públicas de atender a todas as exigências requeridas pela sociedade. Levando em conta a multiplicidade de funções sociais impostas pelas exigências internacionais e a falta de investimento, as instituições universitárias brasileiras vivem um dilema muito sério:

"O grande desafio hoje em países como o Brasil é como adaptar um sistema extremamente elitista às demandas populares por acesso ao ensino superior, sem desmantelar as poucas boas universidades que temos". (RISTOFF, 2001 P.207)

Para pensar e resolver os atuais problemas relacionados às instituições universitárias, os organismos internacionais junto com as associações de reitores das tradicionais universidades em todo o mundo e com a ajuda dos Estados nações montam constantemente encontros de discussão sobre a atual crise das universidades. As propostas sugeridas nestes encontros internacionais se baseiam nos ideais neoliberais que por sua vez atendem aos interesses dos países já desenvolvidos. Em virtude da crise macro-econômica do Estado de providencia em todo o mundo, os mais importantes economistas estruturam políticas econômicas a serem seguidas por todas as nações inseridas no processo de globalização. Em resumo, o neoliberalismo se demonstra como uma alternativa para a crise dos Estados, mas, na verdade, é uma estratégia para manter o poder imperialistas das potencias mundiais.
Para os países dependentes do financiamento externo é imprescindível negociar investimentos nas áreas sociais necessitadas. A Agenda Neoliberal traz uma lista de pré-requisitos necessários para as nações em desenvolvimento criarem meios de estabilizar suas economias. No Brasil, mesmo sob muitas críticas, a Reforma do Estado brasileiro, continuada pelo Presidente eleito Fernando Henrique Cardoso, se baseou principalmente no conteúdo desta agenda internacional. Esta reforma diminuiu custos do Estado brasileiro e privatizou os serviços sociais de sua exclusividade. O que preocupa as diferentes opiniões é esta correspondência direta com os ditames do Banco Mundial e do FMI nas políticas em educação superior. No seguinte capítulo serão discutidas as propostas políticas de FHC para a educação superior tomando como base o contexto macro-econômico de emergência do neoliberalismo no Brasil.


2. MODELO NEOLIBERAL E A REFORMA DO ESTADO BRASILEIRO.

A partir da década de 1970, o mundo capitalista entra em crise. O Estado de Bem-Estar keynesiano e social-democrata, assim como a política do New Deal não conseguiram mais conter o chamado "colapso da modernização". Segundo Marilena Chauí, o capitalismo conheceu um tipo de situação imprevisível: baixas taxas de crescimento econômico e altas taxas de inflação. (CHAUÍ, 2001)
Segundo alguns economistas contemporâneos a explicação para tal crise estaria no poder excessivo dos sindicatos dos trabalhadores. Isto destruiu os níveis de lucro requeridos pelas empresas, proporcionando incontroláveis taxas inflacionárias. Para solucionar tal crise os analistas neoliberais propuseram um Estado capaz de quebrar o poder dos sindicatos; que visasse à estabilidade monetária contendo os gastos sociais e que realizasse reformas fiscais para incentivar os investimentos privados.
Em suma, o que os economistas neoliberais viam como solução para a crise capitalista seria o afastamento do Estado na regulação econômica, e o mercado, com sua racionalidade própria, como regulador da economia. O Estado agora incentivaria a privatização de seus serviços sociais exclusivos e estaria impedido de continuar investindo na produção de seus serviços. Assim, a nova ordem econômica capaz de solucionar as crises recentes deveria acentuar a supremacia do mercado como mecanismo de alocação de recursos, distribuição de bens, serviços e rendas. "Nesse imaginário, o mercado é matriz da riqueza, da eficiência e da justiça." (MORAES, 2002 p.15)
Toda a lógica do atual modelo econômico encara a desigualdade entre os indivíduos uma necessidade social. Ela seria o motor que provoca o desenvolvimento e a possibilidade de vencer os obstáculos econômicos e sociais futuros tanto para pessoas como para instituições. Assim, para o neoliberalismo, a diferença econômica é encarada como uma mola propulsora que permite equilíbrio e complementação de funções (BIANCHETTI, 2005). Além disso, a nova sociedade de mercado flexível vê a democracia como um mecanismo de mercado onde os cidadãos são reduzidos a consumidores, estando assim, a todo o momento em competição.
Tal modelo tem sido aplicado nas diferentes nações, sejam elas desenvolvidas ou em desenvolvimento. Nestes países em especial, essas mudanças estão sendo concretizadas por diferentes Reformas de Estado. Elas não visam apenas acertar balanços e cortar custos que garantam o superávit primário e o pagamento das dívidas, mas sim, tratar de mudar a agenda do país transformando profundamente seus ambientes políticos e econômicos.
A defesa ideológica dessas Reformas é reforçada pelo discurso de modernização e racionalização do Estado objetivando, desse modo, a superação das mazelas do mundo contemporâneo (desemprego, hiperinflação, redução do crescimento econômico, etc.) e tentando adaptar o mundo globalizado às mudanças econômicas de acumulação financeira. A denominada "acumulação flexível" está relacionada com o desenvolvimento tecnológico atual e as novas relações econômicas da globalização. (SANTOS, 2003)
Segundo as novas exigências internacionais, de modernização e racionalização de suas atividades, o Estado está desobrigado de executar diretamente os serviços de educação, saúde, cultura, etc., delegando (ou incentivando) estes serviços para empresas privadas na qualidade de prestadoras de serviços. A função do Estado seria somente de avaliar a qualidade dos serviços prestados à população celebrando "contratos de gestão" com estas empresas prestadoras de serviços.

"A Reforma tem um pressuposto ideológico básico: o mercado é portador de racionalidade sócio-política e agente principal do bem-estar da república. Esse pressuposto leva a colocar direitos sociais (como saúde, educação e a cultura) no setor de serviços definidos pelo mercado. Dessa maneira, a Reforma encolhe o espaço público democrático dos direitos e amplia o espaço privado não só ali onde isso seria previsível – nas atividades ligadas à produção econômica – mas também onde não é admissível – no campo dos direitos sociais conquistados." (CHAUÍ, 2001 P. 211)

Para o pensamento neoliberal, a sociedade política e a sociedade civil representam setores diferentes de ação e, por isso, a atividade econômica é própria da sociedade civil e o Estado (sociedade política) não deve intervir na sua relação. O Estado como espaço de articulação das relações sociais manifesta-se com um papel periférico na relação com o mercado, e este, por sua vez, é quem produz a dinâmica social. A burocracia estatal é entendida como asseguradora de interesses específicos de poucos e não para as necessidades públicas.
Os países da América Latina seguiram a mesma proposta de reforma referida pelos analistas neoliberais. Todas (ou quase todas) as estratégias de governo nos países do Cone Sul relacionaram o crescimento do setor privado com os pretendidos avanços democráticos e desenvolvimentos políticos, econômicos e sociais. O paradoxo de tais estratégias foi que esses projetos econômicos neoliberais em prol da democracia, se deram, na maioria dos casos, em regimes ditatoriais militares. Anos mais tarde, retomada a democracia nestes países, os governos eleitos se viram pressionados pelos organismos financeiros internacionais a continuar aplicando políticas que transformaram muitos países do Cone Sul em verdadeiras sociedades de mercado.
Os programas de ajuste econômico elaborados pelo FMI ou pelo Banco Mundial, inspirados no ideal neoliberal, estabelecem políticas econômicas que estão longe de servirem as necessidades sociais e muito perto de salvaguardar interesses dos grupos poderosos e minoritários. Isto é comprovado quando se analisa o caso dos países em desenvolvimento com grandes instituições sociais gratuitas e de qualidade deterioradas pela falta de investimento e administração pública.
Segundo as agências internacionais, os recursos provenientes do Estado neoliberal são um desperdício econômico na medida em que os serviços públicos são ineficientes e tradicionais. Tais investimentos são considerados despesas desnecessárias para a economia dos países, sendo portanto, bem melhor aplicados se fossem destinados para o aquecimento do setor privado. Este, por sua vez, comporta um aparato tecnológico capaz de racionalizar e modernizar os serviços sociais, pois se adapta ao novo tipo de sociedade vigente, qual seja: a "tecnocracia".
A sociedade neoliberal é aquela regida por princípios tecnocráticos. Nela a democracia está atrelada à tecnologia e serve-se de seus avanços. Tal pressuposto ideológico põe em risco diversas sociedades que aceitam cegamente no progresso social através da evolução da técnica. A "tecnocracia", ao mesmo tempo em que pode proporcionar melhorias sociais, pode também transformar os seres humanos em seres não críticos, na medida em que não usam a crítica para refletir sobre a própria tecnocracia, aceitando-a incondicionalmente. Com isso, o mundo globalizado pode correr o risco de usar a tecnologia não para o seu propósito de promover a melhoria social, mas sim para aumentar a desigualdade entre os povos. (CHAUÍ, 2001)
O mercado, para o neoliberalismo, é o eixo das relações sociais e motor da organização social. Segundo analistas ele é um mecanismo auto-regulador e auto-corretor dos eventuais desequilíbrios do capitalismo. Por isso a intervenção do Estado nas atividades econômicas é percebida como um obstáculo que, ao favorecer alguns dos interventores, desequilibra o jogo. A idéia então seria de minimizar o Estado e ampliar a atuação do mercado, não só nas relações econômicas, mas sim em todas as relações sociais. (BIANCHETTI, 2005)
É neste sentido que o projeto neoliberal incorpora o sistema de ensino superior à lógica do mercado reduzindo sua função social à formação de mão-de-obra para o flexível mercado de trabalho. No regime neoliberal, a educação transforma-se em sistema produtivo e segue as regras da oferta e da procura econômica. Tendo as leis da economia como seu legítimo suporte, não só a educação superior, mas todos os níveis de ensino são vistos como bens econômicos da mesma maneira que uma mercadoria.
Para tanto, é necessário que o Estado assuma um papel de incentivador da educação superior e não propriamente de provedor. (CARDOSO, 1994 apud VIEIRA, 2000) Isso significa que agora a instituição estatal deve incentivar o crescimento de instituições privadas de ensino superior para desenvolverem a tarefa educativa, primeiro porque, de acordo com a nova ordem econômica, o ensino privado é menos custoso para o Estado; segundo porque promove melhor qualidade e eficiência; e terceiro porque o sistema público federal de ensino requer uma estrutura financeira e burocrática incompatível com a rápida dinâmica e velocidade da sociedade do mundo atual.
O modelo neoliberal, portanto, tem como objetivo descentralizar as responsabilidades sociais do Estado nacional e transferir para outras instâncias políticas como os estados, municípios e ao setor privado os serviços que até então eram de sua exclusividade. A idéia é de que a educação de nível superior pública nacional seja financiada por recursos não federais sob o pressuposto de que a descentralização trará uma eficiência administrativa e produtiva e uma redução de custos do Estado. É nesta perspectiva que países endividados internacionalmente e com um Estado lento e ineficiente seguem as recomendações internacionais de descentralizar suas atividades de cunho social subsidiando o crescimento de instituições privadas dedicadas a estes serviços.
Fora isso, a universidade tornou-se uma instituição social inseparável da idéia de democracia e de democratização do saber. (CHAUÍ, 2001). A nova dinâmica flexível de mercado de trabalho clama por uma nova estrutura de profissionalização de trabalhadores. Todavia, as estruturas seculares das universidades públicas são custosas para os estados e não conseguem suprir tanto a grande demanda de estudantes à procura de novas especializações e nem conseguem oferecer uma variedade nova de cursos de especialização que o mercado necessita. Neste contexto histórico atual, as instituições públicas universitárias precisariam passar por reformas políticas e de financiamento que dêem efetiva autonomia institucional de modo que suas estruturas sejam dinâmicas e consigam adaptar-se às mudanças do mercado globalizado.
Como visto no capítulo anterior, com o neoliberalismo as instituições privadas são a alternativa viável para o problema da demanda estudantil e consequentemente da democratização do ensino superior. No olhar de muitos autores, se esta democratização for por via privada, só aqueles que conseguem pagar estão incluídos neste processo. A educação não é vista como um direito de todos, mas sim um direito de quem pode pagar, ou seja, dos ricos. Os pobres que não têm possibilidade de pagar um curso caro ficariam excluídos do processo de democratização. Por isso, muitos autores criticam esta idéia de privatização neoliberal desmistificando o discurso de igualdade de direitos divulgada pelo atual regime econômico.
Nesta perspectiva, a implantação do neoliberalismo na América Latina a partir da década de 1970 como prerrogativa de solução para os déficits nos bancos e inflações monetárias, está dificultando a distribuição de renda e o desenvolvimento da democracia. O fim do Estado Benfeitor e junto com ele o fim das instituições públicas sociais sustentadas por ele, colocam em risco principalmente as nações subdesenvolvidas que não têm condições econômicas de resolver problemas sociais históricos de educação e emprego. Ao tentarem enquadrar suas políticas ao discurso internacional de democratização, os países em desenvolvimento apenas afloraram o projeto hegemônico neoliberal de supremacia dos países dominantes.
Adotar políticas de privatização e minimização do Estado reforça interesses particulares dos grupos interessados e afetam "valores permanentes" da sociedade. (BIANCHETTI, 2005) Segundo Roberto Bianchetti, nos países da América do Sul os quais passaram por regimes populistas de características paternalistas, essas "políticas de ajuste" se deram sempre de cima para baixo e sem processos revolucionários sociais, bem diferentes dos países centrais que já viam de tradições democráticas estáveis. Além disso, os processos de modernização implicaram

"numa maior concentração de renda, incremento da corrupção, privatização da esfera pública e, consequentemente, o alargamento das injustiças sociais e a diversificação e intensificação dos processos de exclusão social." (DOURADO, 2002 p. 237)

É nesta perspectiva que a entrada do neoliberalismo no Brasil se manifesta. A mercantilização das condições sociais agrava ainda mais o horizonte das conquistas sociais ao transformar direitos em bens, submetendo os serviços sociais ao poder de compra do usuário, substituindo as lutas em prol da cidadania pelo culto às leis do mercado.
No Brasil, os ajustes neoliberais na estrutura estatal vêm se concretizando desde o regime militar. As exigências dos países centrais e do novo capital impõem ao Brasil um trabalho de "engenharia política" e reformas na máquina burocrática. O país se insere na lógica neoliberal quando procura atingir as metas apresentadas pelo Banco Mundial, quais sejam: liberalização da economia; desregulação financeira; alterações substantivas na legislação previdenciária e trabalhista e principalmente intensificação dos processos de privatização da esfera pública. Tais medidas, apontadas como indicadores de modernização acompanham altos índices de desigualdade sócio-econômica e desemprego, pressupostos básicos da ideologia neoliberal.
Partir-se-á agora para um estudo mais específico das políticas públicas de reforma do Estado em educação superior propostas pelo governo eleito de Fernando Henrique Cardoso em 1994. Neste projeto evidencia-se o esforço de dar continuidade à entrada do novo capital neoliberal no nível superior de ensino brasileiro.

Os projetos de reforma do Estado brasileiro do governo FHC.

Com o sucesso do Plano Real, o governo Fernando Henrique Cardoso deu seguimento às políticas econômicas neoliberais da década de 1990 visando à inserção do Brasil no contexto da economia globalizada. No campo da educação, medidas sancionadas pelo presidente como a Lei de Diretrizes e Bases (Lei n. 9.394/96) e o Plano Nacional de Educação (Lei n. 10.172/01) foram cruciais para encaminhar mudanças para todos os níveis de ensino, assim como delimitar as intenções do governo com o futuro da educação em geral.
Em seus dois mandatos na presidência da República, FHC reafirma e chama a atenção da população para um novo "cenário global que traz novos desafios às sociedades e aos Estados nacionais" e entende que a Reforma do Estado brasileiro deve ser vista como uma superação de "visões do passado de um Estado assistencialista e paternalista". (CARDOSO, 1998, p.15)
Para introduzir o assunto será abordado basicamente um dos textos da campanha presidencial de 1994 de FHC e sua relação com as propostas dos organismos internacionais de implementação da Reforma do Estado brasileiro. O texto de campanha de FHC é o documento "Mãos à obra Brasil" onde o projeto para a educação nacional visa o desenvolvimento e a construção de um novo país quando se relaciona com a ciência e a tecnologia. A educação, assim como outros serviços exclusivos do Estado de Bem-estar-social, fará parte dos chamados serviços não-exclusivos do Estado, ou seja, podem ser realizados por instituições não estatais, na qualidade de prestadoras de serviços, desobrigando o Estado brasileiro de executar diretamente os seus serviços. (CHAUÍ, 1998)
Segundo o projeto Mãos à obra Brasil, o país é injusto socialmente e necessita de um "salto para o desenvolvimento com justiça social". (CARDOSO, 1994 p. 15 apud VIEIRA, 2000) O documento revela também um diagnóstico de falência do Estado decorrente do modelo de industrialização aplicado no país. Por isso, em vista da internacionalização dos processos de produção e comercialização, o Brasil deve avançar na reforma da educação assim como estimular as pesquisas em ciência e tecnologia, formando assim um novo padrão de desenvolvimento nacional.
A concepção do governo se orientou por dois princípios básicos: descentralização da educação federal entre os Estados e municípios; e uma maior articulação com o setor privado para uma melhor qualidade e eficiência de ensino. Isso significa que a União se desresponsabilizou de suas atividades educacionais, delegando seus serviços para as outras instancias políticas menores assim como para o setor privado. Tendo isto dito, a proposta real é de implementar a reforma do Estado brasileiro que agora deve ser mais dinâmico e eficiente e manter uma relação estreita com o setor privado, aprofundando o processo de privatização das instituições.
Ao mesmo tempo, estas propostas de desenvolvimento social e econômico visam à parceria entre a universidade e a indústria tanto no que tange ao financiamento quanto à gestão. Segundo o governo eleito em 1994, a competência científica e tecnológica é fundamental para aumentar a qualificação geral da população e manter uma estratégia de competitividade internacional econômica na medida em que desenvolve a indústria nacional. Os recursos destinados ao desenvolvimento tecnológico e científico das universidades e institutos de pesquisa devem ser provindos de investimentos privados nacionais ou internacionais. A tese é de que somente com este tipo de financiamento e não com o público, é que se poderiam ser viabilizados aumentos salariais, e o conseqüente avanço do país. (VIEIRA, 2000)
Em paralelo, a educação em todos os níveis é vista com uma importância impar tanto para o exercício da cidadania como para o desenvolvimento econômico. Neste sentido existe uma preocupação com a qualidade da educação oferecida ao longo do processo de reforma estatal. Esta qualidade exigida só será alcançada se as políticas educacionais abarcarem todos os níveis de ensino, pois o 3º grau depende também da boa qualidade e eficiência do ensino médio e fundamental.
De acordo com o projeto "Mãos à obra Brasil", o fortalecimento do ensino fundamental é indicado como "prioridade absoluta". "Todos os estudos e diagnósticos apontam a escola fundamental como a raiz dos problemas educacionais do povo brasileiro." (CARDOSO, 1994 p. 3 apud VIEIRA, 2000) Tal discurso de candidatura de Fernando Henrique Cardoso em focar os investimentos públicos principalmente no nível fundamental de educação segue fiel as propostas das agências internacionais como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional. Segundo alguns autores, essa faz parte de uma estratégia política que pretende impedir ainda mais os avanços tecnológicos dos países subdesenvolvidos e, consequentemente excluí-los da competitividade internacional.
Neste ponto é de fundamental importância refletir sobre a relação dos caminhos do governo FHC com as propostas sugeridas pelos organismos internacionais. Para o Brasil, o investimento público direto em pesquisa científico-tecnológica nas instituições universitárias é de fundamental importância para a soberania nacional diante das grandes potências mundiais uma vez que a competitividade do país na economia flexível é medida pelo seu desenvolvimento tecnológico e científico. Sendo assim, se os investimentos em pesquisa científica e tecnológica dependerem unicamente de recursos privados das empresas multinacionais, o país corre o risco de se defasar em relação às potências mundiais. Isto porque estas empresas são desprovidas de nação, ou seja, não têm nenhum interesse no desenvolvimento tecnológico do Brasil (ou de qualquer outro país) uma vez que estão espalhadas por todo o mundo e têm como único objetivo o lucro.
No projeto "Mãos à obra Brasil", no que tange ao "Planejamento político-estratégico", o governo estabelece para o MEC a função de examinar formas de parcerias entre o público e o privado, incluindo também este setor no papel de educador.

"Cabe ao MEC um papel político-estratégico na coordenação da política nacional de educação: estabelecer rumos, diretrizes e fornecer mecanismos de apoio às instâncias estatais ou municipais da administração pública e ao setor privado." (CARDOSO, 1994 p. 04 apud VIEIRA, 2000)

A interpretação do governo ao lançar seu projeto futuro é de que a falta de recursos impossibilita o MEC aprimorar a rede universitária. Isto requer uma busca de outro tipo de políticas educacionais: a que inclua a rede privada de ensino superior. Por isso é que "o MEC deverá orientar uma política que enfatize a integração, a consolidação e a expansão do sistema de ensino superior como um todo (público e privado)". (VIEIRA, 2000 p. 189) (Grifo nosso)
É interessante também ressaltar o projeto de "reforma institucional" do governo de FHC. A proposta de Lei de Diretrizes e Bases, já discutida nos governos anteriores, ganhou ênfase marcante no projeto de 1994. A intenção do governo foi de implementar uma lei que possibilitasse a diversificação institucional no intuito de dinamizar a criação de novos cursos adaptáveis ao mercado. Foi proposta também a instituição de um novo Conselho Nacional de Educação (CNE) "mais ágil e menos burocrático". Este Conselho Nacional alteraria dispositivos da Lei 4.024/61 trazendo algumas modificações em relação aos dos governos anteriores, dentre os quais: uma nova sistemática de escolha e nomeação dos membros do CNE; o recredenciamento periódico das instituições de ensino superior; e a introdução dos testes de final de curso para os alunos de graduação. O Conselho teria a finalidade de desenvolver "atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministério da Educação, de forma a assegurar a participação da sociedade no aperfeiçoamento da educação nacional." (WEBER, 2002 P. 92)
O novo CNE viria para organizar interesses opostos no novo espaço de decisão das políticas em educação. Para uns, o dever de oferecer educação de qualidade deveria ser do Estado e para outros a oferta seria papel da iniciativa privada. Desse modo, o Conselho traria mais objetividade na aplicação de medidas para a educação superior que promoveriam o progresso do sistema de ensino como um todo e para a nação brasileira.
Apesar de polêmicas e disputadas, as reformas projetadas pelo governo FHC para a educação brasileira estiveram permanentemente em sintonia com a ideologia neoliberal propondo políticas de descentralização, privatização e cortes de gastos. Segundo Alfredo Macedo Gomes, o conjunto de políticas de ensino superior do projeto do governo FHC tem o objetivo de "produzir a expansão acelerada do sistema via financiamento privado e desenvolver um mercado de educação superior". Nesta perspectiva, o sistema de educação se insere numa nova lógica organizativo-funcional regidos pelos ideais neoliberais onde os principais instrumentos que modificam substancialmente esse sistema são: o MEC, o CNE, a nova Lei de Diretrizes e Bases. (GOMES, 2002)

A relação entre o projeto do Banco Mundial, o governo de FHC e a privatização das universidades federais.

No intuito de orientar os países em desenvolvimento, também no que diz respeito às políticas para a educação, o Banco Mundial (BM) organiza estudos e elabora documentos na intenção de demonstrar o "tipo ideal" dos rumos para o desenvolvimento econômico destes países. Estes documentos delimitam pré-requisitos para apoio, financiamento e empréstimos que países como o Brasil devem adotar.

"O método de construção deste "tipo ideal" tem por base a identificação das mais diversas experiências espalhadas pelos continentes Asiáticos, Africanos e Latino-Americanos, que são recuperados, de forma pontual, como exemplos de um ensino superior eficiente, equânime e com flexibilidade para o atendimento às demandas do mercado, numa época de grandes e rápidas mudanças tecnológicas e organizacionais". (DRUCK e FILGUEIRAS, 1995 p. 1)

Segundo Graça Druck e Luiz Filgueiras, o projeto do BM é de implementar uma reforma global para o ensino superior nos países subdesenvolvidos com a justificativa de que o mesmo já vem sendo aplicado nos diversos países do mundo. Este projeto de reforma de caráter produtivista, financeiro e privatizante implementado até mesmo antes do governo de FHC, tem, neste governo, progressiva continuidade.
Um grande problema destacado pelo Banco Mundial no ensino superior público brasileiro é a dependência financeira das Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) em relação ao Estado federal. A crise fiscal da União, incapaz de aumentar seu corpo docente em relação à demanda crescente por vagas neste nível de ensino, provocou uma deterioração da qualidade geral de ensino nas universidades.
Um conjunto de dificuldades encontradas que impedem às IFES alcançarem seus objetivos de progresso nacional e o desenvolvimento profissional de seus estudantes fizeram os organismos internacionais concluírem que os recursos federais estão sendo aplicados ineficientemente. Eles propõem, em contrapartida, uma política que tenha como prioridade reformas do sistema educacional e atenda à rápida mudança do mercado globalizado.
Esta reforma pretendida deve ser aplicada de forma gradual e lenta pelo poder público, tentando desonerar o Estado e tornar o ensino superior adaptado às mudanças do mercado. Para isso, o governo deve promover uma diversificação de financiamento das IES federais, no intuito de reduzir gastos; disponibilizar bolsas de estudos para estudantes da rede privada de ensino; e incentivar a criação de instituições de nível superior não-universitárias que promovam cursos menos dispendiosos e de curta duração.
As novas fontes de financiamento devem agora ser derivadas de empresas privadas ou dos próprios estudantes mediante o pagamento de taxas de matrícula e de mensalidades. Esta questão remete ao novo conceito de autonomia financeira a qual as universidades públicas devem se submeter. O BM "sugere" a descentralização da administração e gerenciamento eficiente dos recursos das IFES assim como uma participação direta dos setores produtivos privados nos Conselhos Universitários. (DRUCK e FILGUEIRAS, 1995)
A autonomia universitária de produção científica é substituída pela "autonomia para competir". Deste modo, os organismos internacionais preferem que exista um ranking entre as universidades públicas na intenção de dividir os recursos de forma proporcional à produtividade da instituição. As IFES estariam submetidas a competirem entre si pelos escassos recursos públicos da União. Nos próximos capítulos será analisado esse modo de reparte de verbas federais para todas as IFES brasileiras. No caso do Brasil, esta nova forma de investimento se dá de forma injusta, uma vez que em determinadas universidades federais o financiamento se dá de forma regular seja da iniciativa privada, seja do setor público. Nas regiões mais pobres do país (Norte e Nordeste), por conseguinte, as condições das IFES não são favoráveis ao desenvolvimento produtivista por não receberem devido financiamento econômico do Estado.
Na gestão FHC implantaram-se regularmente decretos e reformas políticas no aparelho estatal que tiveram sintonia clara com as intenções e propostas dos organismos internacionais. Com isso, educação superior sofreu também modificações nas previsões orçamentárias, que têm diminuído a cada ano, os recursos destinados à educação pública e às universidades federais. O Plano Nacional de Educação (PNE), por exemplo, no que se refere ao tema "financiamento da educação", foi trabalhado na lógica de ajuste estrutural imposto pelo FMI. O referido poder Executivo desconsiderou a necessidade de ampliar o dispêndio público em educação, fechando os olhos para a experiência positivas de países como o Japão que gastou 14% do PIB no pós-guerra. (VALENTE & ROMANO, 2002)
Ao tentar redefinir o papel do ensino universitário, as propostas do governo FHC provocaram o desmantelamento da Universidade e da produção cientifica. Esta intenção fragmentária subordinou a educação de nível superior ao setor privado deixando que a produção do conhecimento fragmentada e dependente de financiamento das empresas privadas.
Em suma, as propostas políticas de governo FHC demonstraram a continuidade das políticas de privatização almejadas pelo Banco Mundial. Isto porque estas decisões políticas nacionais foram baseadas nos projetos que pretendem homogeneizar o sistema educacional internacional e não levaram em consideração as necessidades internas da comunidade brasileira. Em outros termos, o projeto neoliberal de FHC deu mais prioridade às necessidades políticas relativas ao Ministério da Fazenda do que aos apelos das entidades diretamente responsáveis pela educação.
Este é o rumo que o Brasil seguiu sob a influência impositiva dos organismos internacionais nas políticas em educação superior. Os capítulos próximos trabalharão minuciosamente quais foram as medidas e decretos dos governos FHC e Lula que estão diretamente relacionados com as propostas já citadas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI) e que estão transformando o sistema de ensino superior do país.


3. A REFORMA DO ESTADO NO PERÍODO FHC E AS CONSEQÜÊNCIAS PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA.

No capítulo anterior foram trabalhados, de forma introdutória, os projetos políticos de Reforma do Estado do governo de Fernando Henrique Cardoso relacionados ao ensino superior. Neste capítulo pretende-se analisar descritivamente as políticas adotadas nos dois governos de FHC para esse nível de educação, apontando as suas conseqüências e discutindo se essas políticas correspondem aos ideais de modernização e qualificação da educação superior necessários nacionalmente e exigidos internacionalmente.
Desde a gestão de Fernando Collor de Mello, o ensino superior público brasileiro apresentava grandes distorções: gastos excessivos em detrimento dos demais níveis de educação; impossibilidade de ampliação do acesso; má qualidade de ensino; etc. Em vista disto, ao longo da década de 1990, os governos federais tentaram ampliar os programas de pós-graduação; indicaram projetos de autonomia universitária; incentivaram a relação entre universidades e empresas; e planejaram os gastos públicos considerados excessivos para o Estado brasileiro.
A política de ajuste fiscal adotada pelos governos durante a década de 1990 gerou um processo de enfraquecimento do setor público federal. Ao longo destes anos, a estratégia política da União foi flexibilizar a dinâmica de criação de cursos e instituições de ensino superior privadas e ampliar a participação dos estados e municípios de maior expressão econômica nacional para assim poder atender a demanda sempre crescente por educação superior.
É nesta perspectiva que o governo FHC dá início aos seus projetos políticos. Suas políticas para a regulamentação do sistema superior estavam ligadas diretamente com os projetos do MARE – Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado – que por sua vez estavam em consonância com os ministérios da área econômica.
Foi a partir destas condições que o MEC, no período FHC, elaborou vários projetos políticos para o ensino superior, como por exemplo: o Planejamento político-estratégico: 1995-1998, A política para as instituições federais de ensino superior e o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Dentro destes planos, "a educação superior é considerada atividade pertencente à categoria dos 'serviços não-exclusivos do Estado', com o que, para os fins da reforma, prevê-se sua transferência do setor estatal para o público não-estatal, assumindo a forma de 'organizações sociais'". (MINTO, 2006 p. 163)
Em 1995, inaugurando uma nova lógica funcional do sistema de ensino superior, a instituição da Lei 9.131/95 foi crucial para redefinir os rumos da educação superior. Com ela, o chamado Conselho Federal de Educação (CFE) fora substituído pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) por demonstrar uma estrutura arcaica e uma não sintonia com as diretrizes da política nacional estabelecida pela Constituição de 1988. (GOMES, 2002) Sendo assim, foi estabelecido para o CNE seu poder decisório, assumindo somente um papel consultivo e de assessoramento ao MEC. Este, por sua vez, beneficiou-se com tal medida, contribuindo para a expansão do ensino superior privado, que ampliou consideravelmente a participação da oferta de vagas.
Assim, no período FHC, a bancada privatista teve maioria de representatividade no CNE e gozou dos benefícios do MEC. Diante da crise financeira do Estado brasileiro e das necessidades criadas pela nova ordem neoliberal, as IES privadas multiplicaram-se em número e cresceram em tamanho. A partir da segunda metade da década de 1990, seguiu-se a nova dinâmica de democratização e massificação do ensino superior, qual seja: a expansão via setor privado. Com isso, acreditava-se que seria a melhor forma para o desenvolvimento do Brasil.
Muitas das políticas e medidas executadas pelo governo FHC tiveram profunda influência dos discursos dos organismos internacionais. Com base nas propostas de aumentar a eficiência e produtividade do trabalho das IFES o MEC definiu estratégias para a qualificação e modernização do ensino superior público. Isso se alcançaria "através da otimização dos recursos disponíveis e da diversificação do atendimento, valorizando alternativas institucionais aos modelos existentes". (BRASIL. MEC, p. 26 apud MINTO, 2006 p. 203)
A base deste fundamento estaria na impossibilidade de aumentarem os recursos públicos para as IFES, obrigando-as a aumentar a oferta de vagas a partir da sua já deficitária capacidade instalada, assim como adquirir recursos financeiros alternativos no setor privado. Segundo o MARE, as IES devem gozar de "autonomia financeira e administrativa", isto quer dizer que, o Estado ofereceria serviços de educação e regularia o exercício de sua qualidade, mas não garantiria financiá-los, ou o faria parcialmente. Caberá às universidades administrar a sua autonomia para captar recursos externos.
Diante da falta de verbas federais em educação, houve escassez de concursos públicos, influindo na redução do número de docentes e de servidores administrativos por estudante. Como o MEC não se demonstrou disposto a repor os servidores que estavam em processo de aposentadoria, a expansão da rede federal de ensino, assim como a manutenção de sua qualidade, ficaram comprometidas.
Dados coletados na literatura a respeito revelam uma queda constante de investimento federal em educação superior. Apesar do relativo aumento da oferta de matriculas (82%) entre 1990 e 2002 na rede federal, no período FHC os recursos destinados às IFES tiveram progressiva queda. Enquanto se investiam, por exemplo, no governo Itamar Franco 0,91% do PIB em universidades federais, no governo FHC esta taxa chega a 0,61% em 2001, demonstrando um completo descaso deste em relação ao setor público federal. (AMARAL, 2003 apud PINTO, 2004 p. 733)
Entre 1995 e 2002 os pressupostos principais das políticas federais visaram uma expansão da oferta de matriculas em ensino superior com corte de gastos públicos para a União. Assim, no período,

"foram acelerados e facilitados os processos de autorização, reconhecimento e credenciamento de cursos e instituições [superiores] do setor privado, por parte do CNE. Com isso favoreceu-se consideravelmente a expansão desse nível de ensino, por intermédio da iniciativa privada." (CORBUCCI, 2004 p. 682)

Apesar do crescimento de IES públicas também ter ocorrido ao nível estadual e municipal, a taxa de crescimento do setor privado foi bem superior. Em termos quantitativos, no período entre 1995-2002 especificamente, o número de vagas oferecidas pelo setor privado cresceu acima de 3 vezes e, em apenas dois anos (2000-2002), o aumento foi superior a 52%. (PINTO, 2004)

Políticas públicas na Educação Superior brasileira realizadas no período de 1995-2002.

Os atos políticos relativos à expansão e melhoria do nível superior de ensino nos governos de FHC se assemelham aos projetos políticos realizados na primeira Reforma Universitária em 1968. Com o passar do tempo e com as crises econômicas no país, o programa de expansão da oferta deste setor de ensino, contido nesta reforma, não mais garantiu retornos significativos. Porém, é no primeiro mandato de FHC, com a aprovação das Leis de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB, Lei n. 9.394/96), que esta dinâmica de expansão foi intensificada. A partir de 1995, a democratização do 3º grau teve como fundamento central a privatização e mercantilização do ensino, sem qualquer preocupação com a qualidade dos serviços oferecidos e com a equidade social. (PINTO, 2004)
A LDB preocupou-se bastante em simplificar a estrutura institucional das IES possibilitando, por exemplo, a criação de "universidades especializadas por campo do saber" (artigo 52, parágrafo único). A intenção do governo foi facilitar o crescimento de IES modernas e flexíveis, de acordo com a demanda do mercado neoliberal. Posteriormente com os decretos 2.306/1997 e 3.860/01, projetou-se o programa de diferenciação institucional das IES brasileiras. Segundo estes decretos, elas poderiam variar entre Universidades; Centros Universitários; Faculdades Integradas; Faculdades, Escolas e Institutos; Centros de Educação Tecnológica. Os centros universitários, definidos como instituições de ensino pluri-curriculares, receberam o privilégio da autonomia para criar, organizar e extinguir cursos e programas de educação superior sem a exigência de se constituírem como instituições de pesquisa. Além disso, outras atribuições foram definidas nas discussões dentro do Conselho Nacional de Educação (CNE).
Instituído também na LDB, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi sancionado pela Lei n. 10.172/01. No que se refere aos objetivos e metas, uma das propostas estabelece que a oferta da educação superior brasileira até 2011 seja de pelo menos 30% da faixa etária de 18 a 24 anos. Outro ponto elaborado no Plano assegura na esfera federal a criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Superior, constituído por, pelo menos, 75% de recursos da União destinados a manutenção e desenvolvimento das instituições federais. (BRASIL, 2001)
Tomadas em conjunto, os objetivos e metas contidos no PNE requerem um esforço gigantesco o qual o governo federal deve enfrentar se quiser alcançar seus objetivos de desenvolver o Brasil. No entanto, algumas atitudes no exercício da presidência de FHC não contribuíram para que o país consiga competir em pé de igualdade no já concorrido mercado internacional e alcance os desejos de soberania nacional. No poder Executivo, Fernando Henrique Cardoso vetou várias metas contidas no Plano referentes ao desenvolvimento e progresso das IES brasileiras, como por exemplo: a proposta de triplicar os investimentos públicos em pesquisa científica e tecnológica no prazo de dez anos, a partir de 1999; as metas de manutenção da proporção nunca inferior a 40% da oferta de vagas no setor público; e as metas de ampliação do FIES de modo que atendesse 30% dos estudantes matriculados nas IES privadas.
Em 24 de novembro de 1995 foi decretada a lei n. 9.131/95. Mudando o dispositivo da lei da Reforma de 1961 referente aos modos para testar a qualidade do ensino oferecido. Com essa Lei foram elaborados sistemas de avaliação como o Exame Nacional de Curso (ENC) e a Avaliação das Condições de Oferta de Cursos de Graduação. O chamado "Provão" veio com o objetivo de avaliar os cursos de graduação e as condições das IES de ofertá-los. Aplicados os processos de avaliação, as instituições de ensino se classificariam em um ranking estabelecido pelo MEC. Juntamente com os decretos n. 2.026/96 e o 3.860/01, a avaliação institucional promovida pelo Estado foi um rigoroso critério de produtividade e eficiência, influenciando assim, no financiamento econômico e na conseqüente autonomia das universidades.
No intuito de assegurar o preenchimento de parte das vagas ofertadas pelo setor privado, o Banco Central, a partir da Resolução nº 2.647 de 1999 disponibilizou o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (FIES). Legitimado em 2001 como a Lei n. 10.260, o programa foi destinado a alunos com certo nível de insuficiência econômica. Concebido para substituir o antigo Crédito Educativo, o FIES foi desenhado para tornar-se auto-financiado e vem sendo alvo de inúmeras especulações do setor privado para o preenchimento das vagas ociosas das IES privadas.
Como Ministro da Educação, Paulo Renato Sousa afirmou que o "modelo único" de universidade, anterior à LDB, estava imerso num "atraso secular" que impossibilitava a democratização do nível superior, assim como a melhoria de qualidade. (MINTO, 2006) Não é por acaso que as políticas em educação superior que se deram a partir de 1995 garantiram profundas mudanças para todo o sistema de ensino. Alcançados os objetivos de expansão e diferenciação das IES, o ministro afirmou posteriormente que o ensino superior teria alcançado "um estágio bem melhor" e em linha com as principais recomendações internacionais. (MINTO, 2006) Nesta perspectiva, o governo FHC entrou em consenso com várias propostas de reformas elaboradas pelo Banco Mundial, o FMI e a UNESCO.
Diante da congruência com as idéias dos organismos internacionais, alguns dos debates tratados no período FHC elaboraram um novo conceito de autonomia para as IFES brasileiras, qual seja, o de "autonomia financeira". A idéia do governo foi de que as IFES teriam potencial de geração de recursos próprios para substituir o financiamento tradicionalmente feito. Isso quer dizer que, autonomia institucional se expressa como sinônimo de gestão financeira eficiente e, sobretudo, da capacidade das IES públicas serem auto-suficientes. Esta política de autofinanciamento se traduziria na prestação de serviços e comercialização de bens, assim como já acontece em muitas universidades públicas do país.
Uma análise mais apurada diria que mesmo considerando as IES públicas com maior prestígio nacional (UNICAMP, USP, UNB) e que têm capacidade para ampliar o leque de captação de recursos próprios, estes não seriam suficientes para suprir o conjunto de suas despesas econômicas. (CORBUCCI, 2004)
Os recursos federais devem suprir todas as despesas das IFES, até mesmo porque muitas delas no Brasil não têm a mesma capacidade de captar recursos que as universidades localizadas no eixo centro-sul do país. Além do mais, seria muito contraditória a cobrança de serviços por parte de instituições públicas destinadas a servir a sociedade através de seu tripé universitário: ensino, pesquisa e extensão. A legitimidade pública e institucional das IFES entra em contradição no momento em que os funcionários e docentes ficam reféns dos financiamentos externos às universidades, desviando o foco de suas atividades púbicas para os serviços privados.
Em suma, essa alternativa de adquirir recursos externos pode até trazer mais recursos para as IFES, dinamizando suas atividades ociosas, entretanto, desencadeia um processo, mesmo que inicial, de privatização do ensino público, além de esconder o grande problema enfrentado pelas universidades brasileiras: o baixo financiamento federal.
Tabela 1 – Percentual de participação do Setor educacional no orçamento total, por programas – Brasil, 1995 – 1999
Programas
1995
1996
1997
1998
1999
Educação fundamental
0,878
0,950
0,799
0,768
1,376
Ensino Superior
1,597
1,546
1,177
0,910
0,930

Fonte: Elaboração Desep/CUT, a partir de dados do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (em: Nascimento et al., 2002, pp. 100-101).

Com o contingenciamento financeiro do governo FCH verificado na tabela 1, os investimentos destinados ao Ensino Superior não possibilitaram às IFES disponibilizarem cursos noturnos, ficando a cargo da iniciativa privada. Tal fato se revela incompatível com a realidade da sociedade brasileira, uma vez que os trabalhadores que dispõem de seu tempo de estudo somente no período noturno por estarem trabalhando, não têm condições financeiras o bastante para arcar com as despesas dos cursos particulares. Para os brasileiros, a oferta de cursos noturnos seria bem mais em conta se fosse via setor público, assim se alcançaria o tão almejado patamar de democratização do ensino planejado para o país.

Reflexos das políticas de FHC para a educação superior brasileira.

Durante os dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, houve expressiva expansão do sistema superior de educação brasileira. Essa expansão foi dada principalmente pela rede privada, que ao final do governo detinha 70% das matriculas. Segundo os dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), em 2002 as IES estavam assim divididas: 43 universidades federais, 31 estaduais, 4 municipais e 84 privadas; 77 centros universitários, dos quais 74 são da rede privada, um municipal e um federal; 105 faculdades integradas, em sua maioria privadas e, por fim, 1.240 instituições isoladas, sendo 1.160 privadas entre com e sem fins lucrativos. (CURY, 2004)
Em números de estudantes universitários, registrou-se um crescimento de 209% em oito anos de governo. Ou seja, em 1995 1,2 milhões de estudantes integravam a graduação. Já em 2002 o número chegou a 3,5 milhões. Não obstante o expressivo resultado ao qual essa expansão chegou, algumas considerações devem ser feitas.
Segundo os dados da tabela 2, divulgada pelo MEC, a conseqüência direta da política de expansão das IES, a partir de 1995, é a redução da relação candidato/vaga. Com a crescente oferta de vagas do ensino superior como um todo (290,5% entre 1995 e 2002), a relação candidato/vaga passou de 4,35 para 2,81, representando um decréscimo considerável para as necessidades brasileiras. Entretanto, se forem considerados os setores públicos e privados separadamente, como demonstrado no gráfico 1, nas instituições públicas essa relação aumentou para 8,9 em 2002 e nas privadas diminuiu para 1,6 no mesmo período.
Tabela 2 – Relação entre o número de candidatos inscritos nos vestibulares e vagas dispiníveis, por categoria administrativa – Brasil, 1995 - 2002
Ano
Ensino Superior
IES públicas
IES privadas
1995
4,35
7,85
2,9
1996
4,02
7,55
2,58
1997
3,88
7,36
2,54
1998
3,68
7,74
2,22
1999
3,74
8,26
2,28
2000
3,32
8,87
1,92
2001
3,02
8,67
1,77
2002
2,81
8,90
1,60
Fontes: MEC/INEP/DAES – dados sistematizados pelo IPEA (2003); MEC/INEP. Censo da educação superior (2002/2003).



Analisando estes dados percebe-se que mesmo com a expansão da oferta de vagas nas instituições privadas, os cursos oferecidos pelas universidades públicas ainda continuaram enfrentando grande concorrência estudantil. É como destaca Paulo Roberto Corbucci:

"Esses dados sugerem que o modelo de expansão do ensino superior, centrado na iniciativa privada, encontra limites que podem comprometer, em breve, a própria sustentabilidade da oferta, tendo em vista a capacidade de demanda da sociedade." (CORBUCCI, 2004 p.684)

Em outras palavras, a baixa renda do estudante brasileiro e a baixa qualidade de grande parte dos cursos oferecidos pelo setor privado, contribuem para uma maior procura pela rede pública. Na realidade, o conjunto de políticas adotadas para o 3º grau de ensino no período FHC, só contribuiu para sua expansão e não elevou os índices de aproveitamento e conclusão dos cursos das IES.
"Conforme dados do MEC/INEP, (...) 12% da população brasileira da faixa entre 18 a 24 anos – cerca de 23,4 milhões de pessoas em 2000 – é atendida no nível superior." (MINTO, 2006 p. 184) Todavia, estes dados obscurecem os de desistência dos cursos, ou seja, eles não consideram que nem todos estes 23 milhões permanecem nas IES. Na tabela 3, pode-se perceber a discrepância entre o número de estudantes que não concluem a graduação nas IES brasileiras.
Na gestão de Paulo Renato de Sousa, se por um lado o nível superior de ensino aumentou a possibilidade de acesso, por outro, já demonstra uma grande porcentagem de vagas ociosas nas IES privadas. Comparando agora com a tabela 4, pode-se perceber que o aproveitamento das vagas nas IES privadas não garantiu resultados satisfatórios. No que se referem às IES públicas, os índices de ocupação das matrículas sempre se mantiveram numa média de 93%, operando com a capacidade máxima da rede disponível.
Tabela 3 – Estudantes que não concluem a graduação*, por categoria administrativa das IES – Brasil, 1994 – 2002
Ano
Total
Pública
Privada
1994
180.671
54.995
125.676
1995
156.509
54.775
101.734
1996
179.577
53.869
125.708
1997
188.856
53.704
135.152
1998
209.616
52.652
156.964
1999
189.108
54.043
134.684
2000
221.595
65.218
156.377
2001
255.365
63.749
191.616
2002
321.378
66.396
254.982
Fonte: MEC/INEP/DAES.
* incluem-se aqui todos os estudantes que se matricularam e, por várias razões, não terminaram a graduação.
Tabela 4 – Percentuais de aproveitamento de vagas No ensino Superior, por categoria administrativa – Brasil, 1995-2002
Ano
Total
Público
Privado
1995
83,6
88,7
81,5
1996
81,0
90,7
77,1
1997
82,1
93,8
77,6
1998
83,9
95,5
79,8
1999
88,1
96,3
79,0
2000
73,8
94,9
68,5
2001
73,6
95,4
68,8
2002
68,0
95,0
62,6
Fonte: MEC/INEP/DAES.
Em seguida, se analisarmos a relação entre o número de estudantes matriculados com o número de concluintes, na rede privada não chegam a 60% do percentual médio dos estudantes formados. Já na rede pública este percentual atinge cerca de 65% (com máximo de 69,5% em 2002). (MINTO, 2006) Estes dados reforçaram a necessidade de se implantarem políticas públicas para o financiamento dos estudantes em nível superior (FIES), assim como para a melhoria da qualidade dos cursos oferecidos (ENC).
Para os especialistas, o financiamento via FIES e a avaliação da qualidade de ensino com o "Provão", ainda não foram satisfatórios para as necessidades brasileiras.

"Ainda hoje a taxa de cobertura da população-alvo do programa FIES se mantém bastante aquém da demanda, tanto pelo fato de sequer atender 10% do total de matriculados no setor privado como também por os índices de inadimplência haverem subido nos últimos anos." (CORBUCCI, 2004 p.684)

Além disso, o FIES vem sendo considerado uma forma de transferência direta de recursos públicos para instituições privadas. Com o risco eminente de crise deste setor, devido à ociosidade de muitas vagas de nível superior, restaria para o Estado subsidiar as IES privadas através destes programas de bolsas estudantis. Explicam-se então os motivos de tanta especulação no CNE por parte destas instituicoes para aderir ao programa.
As críticas maiores sobre o "Provão" se referem ao método de quantificação dos resultados colhidos e o seu baixo índice de ação. Durante o octênio FHC, somente 12 cursos de graduação receberam sanções negativas, mesmo assim, somente após cinco resultados consecutivos da confirmação das inadequadas e deficientes condições de oferta dos mesmos. (CUNHA, 2004)
As políticas para massificação e expansão no Brasil também não abarcaram programas para capacitação e formação específica em docência. Os cursos de licenciatura por serem pouco procurados pela demanda estudantil, não conseguiram expandir em número de vagas como os cursos de Direito, Administração e Engenharia.
Segundo Luiz Antônio Cunha: "o desenvolvimento do ensino superior tem sido feito a base da improvisação docente." (CUNHA, 2004 p. 797) Isso quer dizer que a súbita expansão de cursos de graduação não acompanhou o ritmo necessário de profissionalização dos professores da rede privada. Além disso, em pleno descaso político, o MEC nada fez às novas IES que não respeitaram os requisitos de qualificação docente previstos no artigo 52 da LDB. Assim, nestas instituições foram contratados professores sem capacitação docente em nível superior, comprometendo a qualidade dos serviços prestados.
Dito isto, a falta de políticas paralelas para qualificação docente e uma precária fiscalização por parte do MEC resultaram na má qualidade dos cursos oferecidos e a conseqüente desvalorização e banalização dos respectivos diplomas distribuídos pelas novas IES brasileiras.

A LDB e a diferenciação institucional.

A aprovação da Lei 9.394/96 (LDB) acrescentou importantes novidades para a expansão de IES privadas. O seu artigo 20 possibilita a existência da categoria "instituição privada particular em sentido estrito." (BRASIL, 1996) A esta categoria institucional deve ser destacado o seu crescente espaço ante as instituições privadas sem fins lucrativos. Em 1997, elas correspondiam a 39% do total de matriculas do setor privado, passando para 52% em 2002, ou seja, 1/3 do alunado das universidades e metade das matrículas das demais instituições faziam parte das chamadas "empresas de ensino". (INEP apud PINTO, 2004 p. 740)
Estes dados revelam o sentido mercantil que a educação superior brasileira se submeteu no governo FHC, e o caráter de "empresas lucrativas" das instituições privadas, resultando na deficiência qualitativa do nível superior. Com isso, a LDB estabeleceu neste nível de educação um capitalismo concorrencial. Isso implica que, o parâmetro para regular os serviços de algumas IES passou a ser baseado literalmente pelo Código de Defesa do Consumidor. (CUNHA, 2004)
Em decorrência também desse caráter mercantil dado à educação superior brasileira no governo FHC, a expansão de IES apresentou uma grande desproporção entre as cinco regiões brasileiras. As regiões Norte e Nordeste ficaram excluídas do processo de democratização do ensino superior porque o setor privado, escolhido para democratizar o acesso, não teve interesse em se instalar em regiões pobres, que não prometem retorno econômico e que possam apresentar saturação da demanda.
Basicamente, a distribuição do setor privado nas regiões Sul e Sudeste concentra 79% dos alunos matriculados. "Em contraste, observa-se que, nas regiões Norte e Nordeste, o setor público responde por, respectivamente, 61% e 58% das matrículas." (PINTO, 2004 p. 738)
Ainda sobre a LDB, duas novas modalidades de cursos de nível superior tiveram impacto expressivo na oferta de vagas para a educação superior: os cursos seqüenciais, previstos no art. 44, inciso I, e a educação à distância (art. 80), que anteriormente era prevista apenas no ensino fundamental e médio.
A legitimação dos cursos seqüenciais proporcionou para a rede privada uma grande expansão, especificamente na modalidade do curso "Formação Específica", registrando crescimento de sete vezes entre 1999 e 2002. (PINTO, 2004) Somente no setor privado a nova modalidade conferiu 77% das matrículas, seguida das instituições estaduais com 22%. Já a educação à distância apresentou também uma expansão impressionante crescendo 24 vezes de 2000 a 2002 (INEP). Segundo José Marcelino Pinto, a tendência, conforme exemplos do que ocorre em outros países, será de uma forte expansão nesta modalidade por parte do setor privado de capital nacional e internacional.
O modelo de cursos seqüenciais introduzidos pela LDB teve como projeto ser uma alternativa à rigidez dos cursos de graduação em especial quando não garantiam uma flexibilidade diante das mudanças do mundo do trabalho. Em sua concepção original, os estudantes poderiam seguir carreiras individuais obtendo formação específica em tempo mais curto e com maior especificidade. No entanto, esta nova modalidade de curso está sendo usufruída por estudantes que não conseguem ingressar nos cursos de graduação e com esperança de encontrarem nela uma qualificação profissional a altura. "Propaganda enganosa (frequentemente por omissão) tem atraído contingentes crescentes de estudantes a esses cursos." (CUNHA, 2004 p. 805)
Inicialmente proposta no artigo 52 da LDB e definida pelos decretos 2.306/1997 e 3.860/01, a chamada diferenciação institucional também foi crucial para impulsionar a grande expansão do setor privado no ensino superior brasileiro. Depois deles, a grande maioria das novas instituições de ensino superior surgiu (e continuam surgindo) especializadas somente no ensino, desestruturando o modelo previsto no artigo 207 da CF/1988, qual seja: da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão nas instituições universitárias.
Os dados relativos ao crescimento de IES, demonstram uma repentina explosão de Centros Universitários que entre 1997 e 2002 ofertaram 430 mil vagas (PINTO 2004). Tal crescimento espontâneo revela o caráter mercadológico deste modelo institucional, pois garante facilidade para criar ou extinguir cursos conforme a demanda do mercado. "Assim, dentro de uma lógica estrita de mercado, reside nesse modelo a melhor relação custo/lucro, pelo menos no curto prazo." (PINTO, 2004 P. 740) Na rede pública, este modelo não possibilitou nenhuma vantagem em relação ao tradicional, prevalecendo o predomínio das universidades (87% das matrículas até 2002) e não de centros universitários.
A diferenciação institucional tem trazido problemas para a qualidade de ensino oferecido. Segundo Carlos Roberto Jamil Cury, as atividades da graduação dissociadas da pesquisa de pós-graduação prejudicam e muito a qualidade de seus serviços, assim como não garantem uma boa profissionalização para os estudantes. Dito isto, a relação de circularidade entre os níveis de graduação e pós-graduação, ou seja, entre ensino e pesquisa, é saudável para o próprio sustento e desenvolvimento, tanto dos profissionais, quanto para os estudantes, na medida em que promove o intercambio entre eles. (CURY, 2004)

"A finalidade maior dessa relação é a garantia de um padrão de qualidade (art. 3º da LDB), do padrão progressivo em vista do desenvolvimento nacional (art. 3º, II. da Constituição), da independência nacional (art. 4º, I, da Constituição) e do progresso da humanidade pela cooperação entre os povos (art. 4º, IX, da Constituição)." (CURY, 2004 p. 791)

Por fim, o balanço geral dessas políticas do governo FHC em educação superior não é satisfatório. Mesmo com o baixo aproveitamento das vagas na rede privada, até 2002 o poder executivo deu continuidade aos projetos de expansão da oferta de vagas neste setor. Na rede pública, apesar da crescente demanda ao longo dos anos, a expansão se deu de forma muito lenta, piorando o atendimento à população.
Além disso, o MEC incentivou a discussão sobre a cobrança de mensalidades e taxas de matrículas nas IFES. Seguindo as idéias do Banco Mundial, a hipótese é de que a educação superior pública no Brasil ainda é elitista e, por isso, se fosse mantida a gratuidade nestas instituições, contribuir-se-ia para a geração e manutenção de injustiças sociais. Além disso, "em suas recentes propostas, o Banco Mundial coloca a revisão do financiamento às IFES (incluindo o fim da gratuidade) inclusive como condição para a liberação de empréstimos financeiros ao país." (MINTO, 2006 p. 169)
Na visão da maioria dos especialistas em educação, as políticas públicas de nível superior no governo FHC se de um lado ampliaram a quantidade de vagas de graduação, por outro, comprometem a qualidade do ensino, da pesquisa e dos futuros profissionais universitários brasileiros.


4. GOVERNO LULA (2003 – 2006): POLÍTICAS PÚBLICAS NO SISTEMA SUPERIOR DE ENSINO BRASILEIRO.

A primeira gestão do governo Lula herdou uma intensa desarticulação do setor público de ensino superior. As IFES se deparavam (e ainda se deparam) com uma grande crise financeira, administrativa, acadêmica e funcional. No setor privado, apesar de uma forte expansão quantitativa de instituições universitárias, a qualidade dos serviços prestados sempre deixou por desejar. Neste contexto, o tão esperado governo Lula criou esperanças na população brasileira para melhorar o quadro crítico da educação superior e aceitou um grande desafio de democratizar o acesso ao 3º grau de ensino, assim como modernizar e melhorar a qualidade do sistema superior de educação brasileira.
Durante o primeiro ano de governo, o Ministério da Educação da gestão Lula organizou colóquios, debates, audiências, seminários nacionais e internacionais para a discussão sobre melhorias para o nível superior de ensino nacional. Foi encaminhado ao Congresso Nacional a Lei Orgânica da Educação Superior, a qual redefinirá os rumos da universidade brasileira e suas relações com o Ministério, tanto no setor público como no privado. Sete tópicos são incluídos neste projeto: missão da educação superior; autonomia; financiamento; avaliação; acesso e permanência; estrutura e gestão.
A Lei Orgânica seria uma prévia da Reforma Universitária proposta pelo governo Lula da Silva. Tomada como prioridade pelo governo, esta Reforma da educação intitulada Universidade do Século XXI acompanha ações emergenciais como: autorização para a realização de concursos públicos para professores, a ampliação de vagas para estudantes, o reajuste dos valores correspondentes às bolsas do mestrado e doutorado, e a negociação salarial com os docentes e servidores técnico-administrativos.
A legislação em que provavelmente desembocará a nova reforma universitária será a primeira a ser construída num período democrático. Isso se demonstra bastante relevante diante do quadro de hegemonia incontestável dos segmentos privados de educação superior e de uma universidade pública bloqueada na sua expansão. O desafio agora é participar da reestruturação da educação superior brasileira que se encontra em um contexto de alta privatização sem planejamento e de um sistema público deficiente. (TRINDADE, 2004)
No caso brasileiro, os desafios a serem enfrentados para uma reforma universitária são enormes e complexos.
"Afinal, a nova reforma deve ser capaz de responder a questões emblemáticas, como: 1) qual o papel do Estado, no contexto da economia mundializada, para enfrentar a reforma de um sistema público/privado tão desequilibrado? 2) Qual o nível de massificação aceitável para o sistema público de educação superior, para que ele possa cumprir suas funções inovadoras na pesquisa fundamental e aplicada para as novas economias? 3) Qual a função estratégica da universidade na construção de um projeto de Nação soberana e inserida na competição internacional pela geração de conhecimentos científicos e tecnológicos?" (TRINDADE, 2004 p. 834)

Para iniciar todo o processo da reforma, o governo Lula instituiu o GTI: Grupo de Trabalho Interministerial. Composto por integrantes de vários ministérios, o GTI apresentou um plano de políticas para a reestruturação, desenvolvimento e democratização das IES. O relatório divulgado pelo grupo reconhece a situação de crise da educação superior brasileira, em especial das universidades federais, mas atribui o problema à crise fiscal do Estado. O setor privado de ensino também recebe considerações no relatório do grupo, especialmente com relação à forte expansão do setor e o grande número de vagas ociosas.
Paralelo às discussões do GTI, o governo já antecipa algumas de suas políticas de reforma universitária implementando Projetos de Lei, Decretos e Medidas Provisórias que julga urgentes para concretizar as mudanças necessárias na educação superior brasileira. A educação a distância se apresenta como uma alternativa viável e necessária para aumentar as vagas de nível superior de forma maciça. Mesmo com a ampliação dos recursos para educação pública, a democratização via matriculas presenciais não conseguiria, segundo o GTI, atingir os níveis desejados de 2,4 milhões de novas vagas no sistema federal.
No início da gestão do ex-ministro Cristovam Buarque em 2003, se constituiu a Comissão Especial de Avaliação (CEA), sendo crucial para instituir o documento "Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior" (SINAES), aprovado pelo Congresso Nacional na Lei n. 10.861/04 de 14 de abril de 2004. O SINAES está assentado no tripé: avaliação das instituições de ensino superior, dos cursos de graduação e do desempenho dos estudantes. Será através dele que as IES serão credenciadas e reconhecidas, obterão autorização e reconhecimento para o oferecimento de seus cursos de graduação, além da renovação periódica da oferta desses cursos (art. n. 32). Com isso o programa deseja atingir o seu objetivo de regular e ajustar a educação superior brasileira diferentemente do anterior: o "Provão".
Outro tema já encaminhado pelo governo se liga à questão do acesso às IES. Ainda em tramitação no Congresso nacional, o projeto de Lei n. 3.627/2004 institui a reserva de cotas nas universidades federais para alunos advindos da escola pública e para auto-declarados negros e indígenas. A intenção é de garantir acesso ao nível superior para aqueles que, por vias regulares, dificilmente teriam acesso à formação.
Em 13 de janeiro de 2005, através da Medida Provisória nº. 213/2004 e posteriormente institucionalizado pela Lei nº. 11.096, o governo Lula lançou o Programa Universidade para Todos (PROUNI). Tal lei prevê o aproveitamento de parte das vagas ociosas das IES privadas por meio de bolsas de estudo integrais ou parciais. Em seu conteúdo, o programa trata de bolsas de estudo para as pessoas com renda familiar per capita de até um salário mínimo que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas e a professores da educação básica das redes públicas de ensino não-portadores de diploma de curso superior. A seleção das bolsas também deverá beneficiar negros e indígenas em igual proporção à sua participação no conjunto populacional.
A Lei determina isenção de impostos para IES privadas com fins lucrativos que se inserirem no PROUNI desde que mantenham uma proporção de um bolsista em cada dez estudantes regulares. Basicamente a idéia principal é trocar tributos por bolsas. Dessa forma, essa isenção de impostos prevista, assim como o credenciamento das IES no Programa de Financiamento Estudantil (FIES), ficarão condicionados à adesão ao Programa Universidade para Todos.
Além destes projetos, o governo Lula traz de inovador um novo conceito na relação entre instituições públicas e privadas. Prescrito no Projeto de Lei n. 2.546/2003, a chamada Parceria Público/privado (PPP) aponta para uma reconfiguração das duas esferas influenciando também na dinâmica de serviços de educação superior tanto do setor público deficiente, como no setor privado em expansão. Este Projeto de Lei aprovado em março de 2004 na Câmara dos Deputados prevê normas gerais para licitação, autorização e contratação de parcerias público-privadas, no âmbito da administração pública. Sua justificativa seria de que diante da falta de recursos da União, esta parceria servirá para conseguir financiamento privado para tentar a retomada do crescimento econômico e a geração de empregos.
Em discurso, o secretário executivo do MEC esclarece o projeto de parceria:

Nós temos que quebrar um muro que separa hoje as instituições privadas das públicas, aproximar os dois sistemas com benefícios múltiplos. (...) Ou seja, estamos pesando agora o setor em termos sistêmicos, e não mais de forma compartimentada, sem coesão e coerência interna. (Hashizume, 2004, apud LEHER, 2004 p.876 - 877)

Em seguida, diz o ex-ministro Tarso Genro em relação à reforma do governo:

O papel que as universidades privadas vão ocupar no ensino superior brasileiro vai ser definido por essa relação que nós estamos estabelecendo com eles e pelo conteúdo da reforma da universidade. Por isso que as duas coisas são inseparáveis. Essa reforma não é somente da estrutura pública, é uma reforma da relação público-privado a partir do critério de interesse público. (idem, ibid.)

Esta relação que legitima intercâmbios entre as empresas e as universidades públicas tende a se fortalecer com o Projeto de Lei n. 3.476/2004, conhecido como Lei de Inovação Tecnológica. Basicamente iniciada no Ministério da Ciência e Tecnologia, este projeto pretende transferir e licenciar a tecnologia das entidades de pesquisa para a indústria. Para isso, seria necessária a constituição de um ambiente propício a parcerias estratégicas entre universidades, institutos tecnológicos e empresas (PPP). Tecnicamente essa proposta legitimará a entrada de empresas no espaço público, usufruindo sua infra-estrutura, equipamentos e recursos humanos; transferindo tecnologias das IFES para as empresas privadas e transformando as pesquisas científicas universitárias em grandes negócios para a economia nacional.
Segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia, a aplicação da lei n. 3.476/2004 implicará em um novo marco regulatório na relação entre a economia e os institutos públicos de pesquisa. Com isso aumentariam as chances de participação das empresas brasileiras no mercado internacional com possibilidade de competir com as de outros países.

Análises críticas da primeira gestão de Lula da Silva.

As análises dos primeiros quatro anos de governo Lula feitas pelos especialistas em educação são um tanto quanto diferenciadas. Muitos professores e pesquisadores dividem opiniões sobre a lógica de governo do presidente Lula. Não se propondo aqui entrar neste complexo debate político, pretende-se sim apenas analisar alguns pontos de vista existentes na literatura específica.
De acordo com os estudiosos em educação superior, as práticas políticas do então presidente da República são semelhantes às gestões anteriores. No entanto, segundo Cristina Helena Almeida de Carvalho, algumas dessas práticas marcam uma ruptura parcial com os interesses dos organismos internacionais. Em seu artigo, Carvalho afirma que as recomendações do governo foram "não mais de priorizar a expansão de matriculas, cursos e instituições privadas, mas de criar condições para a sustentação financeira dos estabelecimentos já existentes." (CARVALHO, 2006 p.7)
Em 2004, o governo apresentou as propostas para ampliação da oferta de vagas de nível superior com um documento chamado Reforma a Educação Superior – Reafirmando princípios e consolidando diretrizes da reforma da educação superior. Tal documento propõe duplicar a oferta de vagas das IFES, especialmente nos cursos noturnos, além de viabilizar a ampliação das IES estaduais e municipais com articulação e apoio da União. Para isso, instituiu-se um fundo de Manutenção e desenvolvimento de Ensino Superior (SIC) destinando 13,5% da receita líquida de impostos da União (o equivalente a 75% dos recursos vinculados da União destinados à manutenção e desenvolvimento do ensino).
Cristina Carvalho destaca que o orçamento global das IFES teve significativa elevação: de R$ 7,7 bilhões, em 2004, para R$ 8,9 bilhões em 2005. "No mesmo período, a verba de custeio aumentou de R$ 543 milhões para R$ 803 milhões – um incremento de 48%. Para 2006, estão previstos R$ 958 milhões para custeio e investimento das IFES." (CARVALHO, 2006 p.10) Uma outra proposta incluída no projeto de Reforma do governo Lula tem a meta ambiciosa de aumentar em até 40% das vagas em instituições públicas. Com isso, o MEC autorizou a contratação de mais professores e técnicos administrativos para as unidades das IFES e CEFETs em todo o Brasil.
Em outras análises, no entanto, pesquisadores interpretam de outra forma as práticas políticas do governo Lula. Segundo eles, os investimentos federais para a expansão do ensino superior não são significativos para mudar o quadro crítico em que a educação superior chegou. Isso porque a política de elevação do superávit primário adotada, delimitado pelo corte de gastos públicos e pelo aumento da carga tributária, é contraditório para restabelecer a boa qualidade das instituições brasileiras de nível superior.
Em análise crítica dos primeiros meses de mandato do governo Lula, Deise Mancebo enfatiza que, apesar de priorizar em campanha as políticas sociais, o governo Lula optou por legitimar a herança do governo FHC, "mantendo intocável o ambiente criado pelo neoliberalismo e aceitando mover-se dentro dos marcos estruturais previamente fixados." (MANCEBO, 2004 p. 849) Segundo ela, não existem iniciativas significativas que modifiquem os acordos e contratos feitos no período anterior. "Os ajustes fiscais continuam impondo-se como prioridade governamental e os projetos sociais permanecem relegados a um plano secundário, o que vem impedindo a tão desejada e necessária reversão do quadro de disparidade e injustiças sociais no país." (MANCEBO, 2004 p. 849)
Estas análises críticas consideram as políticas adotadas pelo MEC bastante equivocadas e irresponsáveis por não estarem embasadas em um diagnóstico adequado. Segundo o INEP, para atender as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Educação, o Brasil precisaria sair dos atuais 4,1% do PIB gastos em educação e atingir, até 2011, cerca de 8% do PIB, para depois estabilizar em um patamar de cerca de 6%. José Marcelino Pinto chama a atenção para o alto valor que Brasil paga com os juros e amortizações das dívidas externas e internas. Segundo ele, este dinheiro que deveria estar sendo aplicado na educação nacional é destinado para as políticas de superávit primário adotadas pelo governo Lula. (PINTO, 2004)
As propostas políticas de incentivar o ensino a distância (EAD) em detrimento dos cursos presenciais são também muito criticados. Célia Otranto acredita que se a expansão de vagas de nível superior se der nessa modalidade de ensino, abrir-se-á as portas do mercado educacional para empresas estrangeiras. Segundo ela, o EAD "é um importante ponto de pauta da Associação do Livre Comércio da Américas (ALCA) e da Organização Mundial do Comércio (OMC)." (OTRANTO, 2006 p.3) A autora ainda destaca que países como Estados Unidos exercem pressão para adoção de regras comerciais no campo educacional, pois lucram bastante com os chamados serviços educacionais. "O mercado da educação a distância no Brasil vem sendo cortejado há algum tempo por vários países que pretendem explora-lo." (OTRANTO, 2006 p.13) Sendo assim, o Decreto n. 5.622 assinado pelo então Ministro da Educação Fernando Haddad, juntamente com a Lei das Parcerias Público/privadas consolidariam a abertura do mercado educacional brasileiro ao capital estrangeiro.
Roberto Leher também se demonstra insatisfeito com os projetos políticos de Lula. Ele argumenta que, "para tornar inteligíveis as diversas medidas em curso – SINAES, PROUNI, PL de Inovação Tecnológica, Regulamentação das Fundações Privadas, etc. – é preciso examinar o que é a determinação mais crucial desses projetos e encaminhamentos." (LEHER, 2004 p. 871). Em outras palavras, mesmo vinculado a uma tradição política de esquerda, o governo Lula reforçaria a agenda neoliberal. O autor aponta que as políticas do presidente são pontos cruciais de interesse do Banco Mundial, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do FMI. Em um de seus artigos ele afirma que "a crença de que o mercado é mais capaz de prover as necessidades individuais e sociais que o Estado é um dogma do governo Lula da Silva." (LEHER, 2004 p.871)
O PROUNI também é muito criticado pelos mesmos especialistas citados. Para José Marcelino Pinto, o programa se choca com o art. 213 da Constituição Federal que não permite a destinação de recursos públicos para instituições com fins lucrativos. No referido artigo só são admitidas bolsas de estudo no caso de instituições sem fins lucrativos e para o ensino fundamental e médio.
Segundo Deise Mancebo, o PROUNI implicará numa redução dos recursos estatais destinados à educação superior pública praticando também um mecanismo de realocação de verbas públicas para a iniciativa privada. As verbas que seriam auferidas com a cobrança fiscal deixarão de sê-lo para comprar as vagas ociosas do setor privado. Além do caráter privatizante, essa iniciativa do governo pode provocar o aumento da oferta privada de ensino na medida em que dá suporte ao setor, estagnado desde o fim do mandato presidencial anterior.
"Na concorrida Plenária Nacional do Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública (FNDEP), realizadas nos dias 10 e 11 de setembro de 2004, todas as entidades – ANDES-SN, Conselho Federal de Psicologia, CONTEE, CNTE, Executivas Nacionais de Cursos, FASUBRA e UNE – posicionaram-se contra o PROUNI." (LEHER, 2004 p.887) Para estas entidades e principalmente para a ANPEd, implantar políticas de reserva de cotas para estudantes pobres e de minorias étnicas não pode ser desvinculada de um fundo de assistência estudantil que garanta a permanência de jovens nos cursos. (ANPED, 2005)
Outros autores realçam que os recursos não arrecadados com a isenção de impostos poderiam ser aplicados na ampliação da oferta de vagas nas IFES. Caso todas as Instituições privadas de ensino superior venham a aderir ao PROUNI, haverá um subsídio superior a R$ 2,0 bilhões/ano, ou seja, 1/3 do orçamento de todas as instituições federais de ensino superior. Estudo da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (ANDIFES), afirma que com apenas R$ 1 bilhão seria possível generalizar o ensino noturno das IFES, criando aproximadamente 400 mil novas vagas. "Com o total de verbas públicas que está sendo previsto para as instituições privadas seria viável criar mais de um milhão de novas vagas [no setor público]". (LEHER, 2004 p.879) No entanto, o Estado prefere comprar vagas em um serviço de qualidade duvidosa, ao invés de investir no ensino público e de qualidade.
Críticas severas também se referem ao Projeto de Lei n. 3.476/2004 de Inovação Tecnológica. Segundo Roberto Leher, neste projeto as universidades serão inseridas na lógica da reprodução do capital, colocando à disposição laboratórios, equipamentos e principalmente pessoal para iniciativas empresariais. Em troca, as instituições receberiam ínfimas compensações econômicas por parte das empresas. Em sua análise, o autor chega a afirmar que "com a inovação tecnológica, a universidade deixa de ser o espaço público de produção de conhecimento." (LEHER, 2004 p.886)
Originário do período FHC, o Projeto de Inovação Tecnológica foi acertado juntamente com representantes do FMI como prioridades da pauta do Parlamento nacional. Com isso, acredita-se que neste governo ainda é presente a idéia de que o Estado é incapaz de investir na área social e de que o mercado teria melhores condições de fornecer todos os serviços sociais.
Essa lei também requer uma reconfiguração do trabalho docente. Em seu artigo 14, tenta-se realçar um sentido empreendedor nas atividades de ensino superior. Por conseguinte, as atividades docentes, na medida em que são bem melhor remuneradas por intermédio das parcerias público/privado, perdem o seu teor acadêmico e ético para seguirem a ética do capital neoliberal. "Em suma, é a institucionalização do 'capitalismo-acadêmico'." (LEHER, 2004 p.876)
Ligado ao projeto de Inovação Tecnológica, o Decreto n. 5.205/2004 "Regulamenta a Lei n. 8.958, de 20 de dezembro de 1994, que dispõe sobre as relações entre as instituições federais de ensino superior e de pesquisa científica e tecnológica e as fundações de apoio". (BRASIL, 2004) Em outras palavras, regulamenta as fundações de apoio privadas nas instituições federais, facultando-lhes contratar complementarmente e assim usufruir do espaço público para fins capitalistas. (LEHER, 2004)
Ao olhar de Deise Mancebo, além do PL de Inovação Tecnológica, a Parceria Público/Privado também é um projeto que incide diretamente na continuidade das políticas neoliberais em educação. Ela critica o excesso de garantias ao setor privado efetivando para o mesmo a proposta de investimento de capital "sem risco" e prejudicando as atividades de interesse público da sociedade brasileira. Com sua aprovação, todas as atividades (exceto os poderes de regular, legislar e policiar) podem ser derivadas do setor privado, além disso, os investimentos em infra-estrutura ficariam dependentes de um setor o qual tem na obtenção de lucro o seu principal objetivo. (MANCEBO, 2004)
Em tese, as parcerias público-privadas poderiam trazer saídas para muitos problemas das universidades: em troca de algumas garantias o setor privado investiria recursos em infra-estrutura, educação, ciência e tecnologia. Contudo, as experiências de outros países que adotaram essa modalidade de relação não foram expressivas para a democratização do ensino superior. Na Inglaterra, onde as Parcerias Público/privadas se deram de forma pioneira, os serviços sociais necessários para a comunidade carente receberam menores investimentos privados por serem áreas de menor captação de lucro.
Deise Mancebo afirma que a chamada PPP continuaria o aprofundamento da privatização indireta e mercantilização da educação superior pública. Na realidade, o projeto instalaria mecanismos de administração e gerenciamento empresariais nas instituições federais visando assim arrecadar recursos no mercado.
O projeto também recebe críticas quando concede ao Estado transferir para o setor privado a execução de uma parcela importante de suas atribuições constitucionais e possibilita também através de parcerias uma nova divisão de responsabilidades. Isso significaria o abandono total dos objetivos dos serviços públicos de assistência social para a população pobre e carente. Por outro lado, o governo brasileiro não pode assumir, assim como fez o Estado Inglês, que a União não teria condições para investir na área social. Só em dívidas externas o Brasil paga um montante financeiro mais do que suficiente para uma profunda transformação na educação pública em todos os níveis e modalidades.
Em suma, para muitos especialistas em educação superior, o projeto geral de reforma universitária do governo Lula não traz mudanças consistentes para que o quadro crítico da educação brasileira se modifique. Neste governo, assim como no anterior, encontram-se propostas para a diversificação do financiamento para as IFES, ou seja, continuar-se-ia provocando uma privatização interna formulando contratos de pesquisa com empresas, induzindo a venda de serviços e consultoria, e abrindo caminho para que os produtos da educação superior sejam transformados em bens privados.
A Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd) discorda que o setor público seja submetido a cortes e contingenciamentos orçamentários previstos nos projetos do governo Lula de enxugamento da maquina estatal. Esta associação acredita ser condição básica para a melhoria da educação superior o investimento na rede pública assim como um outro projeto de autonomia universitária. Isso pressupõe não só financiamento para o funcionamento das IFES, mas também verbas para sua expansão. (ANPED, 2005)
"A 'garantia' de autonomia universitária está presente em todos os documentos que fundamentam a proposta do governo Lula da Silva." (OTRANTO, 2006 p.4) No entanto, Célia Regina Otranto destaca que a inspiração dessa autonomia financeira veio dos documentos do Banco Mundial (BM) que pretendem libertar as universidades federais das amarras legais que as impedem de captar e administrar recursos. Em outras palavras, estas propostas sugerem a diversificação das fontes de financiamento através da captação de recursos no mercado com o objetivo de conceder enorme alívio financeiro ao Estado nacional que estaria apenas complementando recursos para as universidades federais.
Do ponto de vista crítico, tomar como base as propostas do BM no projeto de reforma universitária se demonstra um tanto quanto preocupante na medida em que o banco também propõe "a participação dos estudantes nos gastos das instituições e [a] vinculação entre financiamento fiscal e resultados" (World Bank, 1994, p. 4 apud OTRANTO, 2006). Além disso, os conselhos do Banco vão da retirada do Estado da administração e manutenção do Ensino Superior ao incentivo à privatização.
O programa de financiamento da educação superior pública do governo Lula, assim como o do período anterior, se demonstra um grande obstáculo às metas sociais do governo. (MANCEBO & SILVA Jr., 2004 apud MANCEBO, 2004) Todas as propostas objetivam reduzir os gastos da União com a educação superior substituindo-os por outras fontes de financiamento. Essa atitude política reafirma a posição de dependência em relação aos organismos internacionais e de uma falta de responsabilidade para com os problemas específicos referentes à educação a ao desenvolvimento da nação brasileira.
O estudo divulgado pelo Ministério da Fazenda em 2003, intitulado "Gasto social do governo central: 2001 e 2002" indica um roteiro para ampla reforma do gasto social no Brasil. Tal documento também considera que a "canalização de grande parte do orçamento da educação para o financiamento das instituições federais de ensino superior reduz o montante de recursos disponíveis para os demais estágios da educação". (MANCEBO, 2004 p. 851) Em outras palavras, ao invés de priorizar os investimentos em nível superior, a União ainda prefere seguir as propostas Neoliberais dos organismos internacionais de desenvolver prioritariamente os demais níveis de ensino.
Os críticos da gestão Lula condenam as propostas do Ministério da Educação que exaltam a necessidade do setor privado manter as parcerias com as Instituições públicas de nível superior. Estas parcerias tornam as fronteiras entre os dois setores quase inexistentes facilitando às IES privadas adquirirem o mesmo direito de receber verbas do Estado, desde que atendam os requisitos do sistema de avaliação e que tenham "compromisso social". Por outro lado, o financiamento para a modernização e a expansão das IFES é secundarizado. (LEHER, 2004)
A ANPEd se posicionou severamente contra as políticas de Parcerias Público/privadas no campo da educação superior porque defende que cabe "ao Estado e ao fundo público estatal, em seus diferentes níveis, a responsabilidade pela criação, expansão e manutenção desse nível de ensino." (ANPED, 2005 p. 174 e 175) Neste documento, a ANPEd afirma que as políticas públicas de Estado não devem transferir suas atribuições constitucionais para o setor privado, assim como orientar suas ações em programas assistenciais focalizados.
Qualquer proposta que indique a privatização indireta das IES públicas, quais sejam, a introdução de mecanismos de administração e gerenciamento empresariais, especialmente para a busca de recursos junto aos estudantes e ao mercado, abrem espaço para a transformação dos produtos da educação superior em mercadorias. Nesta perspectiva, a ANPEd se manifesta claramente contrária ao projeto de Lei de Inovação Tecnológica não só porque foi planejado fora das discussões da Reforma Universitária, mas porque promove esta referida privatização interna dos cursos das IFES.
Muitos autores criticam também a falta de diálogo e negociação do atual governo e reivindicam um ambiente mais democrático para as discussões e uma melhor participação nas decisões do governo. Caso o governo atenda somente as propostas internacionais e não conceda aos profissionais diretamente ligados á educação maior participação nestas decisões, assim como o fez o governo anterior, o sistema educacional de nível superior nacional continuará imerso em sucessivas crises estruturais.
Por fim, pode-se perceber que muitos dos principais órgãos ligados diretamente com a educação superior estão insatisfeitos com a lógica das políticas em educação superior adotada pelo primeiro mandato de Lula. Segundo seus representantes, estas políticas deveriam valorizar mais as instituições públicas tradicionais, ao invés de viabilizar parcerias somente interessantes ao grande capital. Nesta perspectiva, as políticas do governo Lula de superávit primário estrangulam o setor público e agradam ao setor privado que totalizou 88% das instituições e 72% dos estudantes de ensino superior até 2004.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS: ANÁLISE COMPARATIVA DOS PERÍODOS DE FHC E DE LULA PARA A EDUCAÇÃO SUPERIOR BRASILEIRA.

O que pretendo para enfim finalizar a análise deste trabalho monográfico é uma avaliação comparativa sobre os dois governos estudados nos capítulos precedentes. Desejo agora incluir meus conhecimentos que foram adquiridos ao longo destes anos de trabalho e contribuir para o debate sobre melhorias no sistema de educação superior brasileiro. Para tanto, esta análise não pode ser à parte tanto das discussões teóricas de cunho Macro-social, quanto Micro-social. Quero também deixar claro que não trago soluções para os problemas identificados, todavia aponto alguns erros feitos pelos respectivos governos e critico também a radicalidade da literatura nas análises sobre as propostas políticas das duas gestões.
No primeiro capítulo vimos que o mundo hoje presencia uma nova ordem econômica global: o Neoliberalismo. Diante dos avanços tecnológicos da informática e da comunicação, a economia mundial tornou-se muito mais globalizada. As relações trabalhistas, por conseguinte também se enquadraram nestes novos padrões econômicos. Essa nova sociedade mundialmente integrada é o que muitos teóricos vão conceituar de "Sociedade do Conhecimento", onde a qualificação dos trabalhadores só é conquistada com um nível superior de conhecimento da especialidade. Assim, como vimos anteriormente, houve então, a necessidade de se massificar o ensino de 3º grau oferecido pelas universidades tradicionais para, enfim, garantir qualificação dos futuros trabalhadores do século XXI.
Diversas análises na sociologia mundial identificaram, a partir daí, que as instituições universitárias, diante da necessidade de democratizar o acesso para milhares de estudantes, entraram numa crise estrutural. Esta crise foi muito mais intensa nos chamados países em desenvolvimento, pois além de enfrentarem problemas econômicos e sociais históricos referentes aos longos anos de colonização, seus Estados se deparam com crises financeiras que impossibilitam investir mais em educação superior e promover a tão sonhada soberania nacional diante das potências mundiais e da nova relação globalizada de mercado.
É diante deste contexto que os dois governos de FHC (1995 – 2002) e o de Lula (2003 – 2006) instauram suas políticas públicas tentando mudar a dramática situação do sistema superior de educação brasileiro. Em termos práticos, todos os dois governos citados sofreram forte influência da chamada Agenda Neoliberal, baseando suas políticas em educação superior para além das fronteiras nacionais e das discussões locais.
No período FHC, o Banco Mundial passou a exercer influência efetiva nas políticas educacionais. Com isso, todas as preocupações seguiam para racionalizar e dar mais eficiência ao sistema, promovendo a expansão do setor privado e a desestruturação das universidades públicas. O MEC, portanto, estava subordinado aos projetos de reforma do Estado do MARE e foi responsável por introduzir novas propostas para reformar quase todo o campo da educação. Algumas das medidas foram cruciais para que o cenário existente realmente mudasse: privatização, diversificação de financiamento, diferenciação institucional, flexibilização curricular, etc. No entanto, o marco regulador que estimulou essa transformação radical do sistema superior de ensino do país foi a aprovação da LDB em 1996. Posta no padrão internacional exigido, esta Lei combinava a coexistência de instituições privadas de ensino em sentido estrito, proporcionando para este setor deter a grande maioria do alunado.
A análise que faço sobre este período para a educação superior é bastante crítica, assim como a grande maioria dos pesquisadores do tema. As idéias incorporadas dos organismos internacionais e postas em prática no mandato de FCH, a meu ver, foram demasiado imprudentes. O pressuposto da ineficiência do sistema público e sua suposta inadequação ao dinâmico mercado de trabalho instaurado a partir da nova ordem mundial é uma falácia política que trouxe várias conseqüências sérias para o futuro da soberania do país. Ser público não é condição a priori de ineficiência e improdutividade. As universidades federais brasileiras passam sim por crises financeiras graves, mas nada que um bom cuidado político não possa ajudá-las a melhorar um pouco sua dramática situação.
Condeno também as políticas de expansão desmedida do setor privado em detrimento do público, reforçada a partir de 1995. Com a LDB, alterou-se de certa forma a lógica organizativa dos setores público e privado criando para este um ambiente mais do que propício para sua expansão. Chamo de política desmedida porque esta expansão trouxe crises inclusive para o setor privado que tem hoje um contingente imenso de vagas ociosas e depende do financiamento do governo federal (FIES, PROUNI, etc.) para conseguir se sustentar. Além disso, considero que promover a democratização do ensino superior via setor privado foi uma atitude política bastante irresponsável porque exclui milhões de brasileiros de baixa renda familiar da possibilidade de terem acesso ao nível superior de ensino.
Continuando, o conjunto das políticas do período FHC concretizou-se pelo sucateamento do segmento público devido à redução drástica do financiamento do governo federal. Muitos professores e servidores públicos insatisfeitos aceleraram os processos de aposentadoria contribuindo para a diminuição da relação aluno/docente e consequentemente da qualidade de serviço no setor. As pesquisas científicas nestas universidades tiveram também sérios impedimentos pela falta de verbas provindas da União. Estas políticas não contribuíram para um maior progresso do sistema de ensino superior brasileiro já há muito defasado em relação aos outros países na disputada concorrência globalizada.
É também consenso na literatura, a crítica em relação à posição do Ministro Paulo Renato no comando do MEC durante os oito anos de governo FHC. Em parceria com o então criado Conselho Nacional de Educação (CNE), o MEC acelerou os processos de aprovação e credenciamento de IES privadas para atender aos ideais de democratização e massificação do ensino superior. No entanto, esta atitude expansiva, além de ser desmedida, aumentando enormemente o número de Instituições superiores, não manteve o devido cuidado e preocupação com a qualidade dos novos cursos criados nestas instituições. O "Provão" que seria designado para avaliar a qualidades das IES se demonstrou bastante ineficiente e flexível para corrigir as irregularidades existentes. O resultado disso foi um sistema de educação superior majoritariamente demandado pelo setor privado que presta um serviço de baixíssima qualidade comprometendo a qualificação profissional dos estudantes de nível superior que desejam mercado de trabalho no Brasil.
Com isso, presenciou-se um aumento da procura pelos cursos tradicionais e de qualidade oferecidos pelas universidades federais públicas. O que é interessante ressaltar é que mesmo já em processo de sucateamento pelo contingenciamento de verbas públicas proposto pelas reformas de Estado do MARE, os vestibulares dos cursos das IFES continuaram muito concorridos. A partir daí, o governo FHC deveria ter percebido que os investimentos no setor privado da forma como estavam sendo feitos, não trariam benefício algum. Os dados demonstrados nos capítulos anteriores acusaram que as IES públicas são ainda as mais procuradas pela sua qualidade superior e sua maior acessibilidade para a população brasileira. Por que então as políticas públicas posteriores não procuraram investir no setor público ao invés de atender aos conselhos de privatização do Banco Mundial e do FMI?
Critico severamente a correspondência das políticas em educação com as propostas dos organismos de financiamento internacionais. Estas propostas além de serem de forma impositiva não levam em consideração as reais necessidades locais dos diferentes países em desenvolvimento. Elas também delineiam planos para privatização do ensino que aconselham tanto a racionalização e modernização da administração das faculdades, quanto a cobrança de taxas em universidades publicas. Em suma, acredito que as idéias provindas dos documentos do Banco Mundial, FMI e da UNESCO não asseguram alternativas seguras para a melhoria do sistema educacional dos países endividados. Um bom exemplo disso é o Brasil que mesmo com uma elevadíssima taxa de expansão do 3º grau de ensino, não conseguiu democratiza-lo nestes longos anos de fidelidade com estes órgãos financiadores.
A posição de dependência do Brasil em relação às potências mundiais e das agências internacionais é delicada. Por estar na condição de devedor e não desenvolvido, o Estado brasileiro é condicionado a executar reformas econômicas e políticas que transferem para a iniciativa privada os serviços de saúde, educação, moradia e lazer. Em outras palavras, a crise do aparelho estatal se materializa na redução da alocação da verba pública para o financiamento dos serviços sociais, antes exclusivas do Estado. No governo FHC, por exemplo, foi elaborado o Plano Diretor da Reforma do Estado propondo parcerias dentro dos setores públicos e privados e incentivando a implantação de setores não exclusivos do Estado para solucionar os problemas internos de pobreza. A Educação como um serviço social não ficou fora deste planejamento.
Em educação superior especificamente, na presidência da República, FHC reduziu verbas públicas para o nível superior alocando-as principalmente para a educação fundamental; aprofundou a política de privatização; e priorizou o pagamento das dívidas externas e internas em detrimento das verbas destinadas ao Orçamento Geral da União. Este conjunto de medidas além de influenciar a ampliação do desemprego e das desigualdades sócio-econômicas, não trouxe melhorias para o sistema superior de ensino e da pesquisa universitária.
Os projetos do MARE tratavam de reduzir cada vez mais concursos para as universidades federais e propunham o congelamento dos salários para docentes e servidores públicos. Não foi sem propósito que a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE) teve nove vetos do então presidente Cardoso. Isso demonstrou uma desresponsabilidade e uma falta de interesse no investimento em educação superior pública que abarcou uma pequena parcela do PIB para o seu desenvolvimento e sua manutenção e uma grande parte deste montante para o pagamento dos encargos da dívida externa e interna.
A desresponsabilização do Estado com o futuro da educação superior ocorreu, portanto, pela redução do financiamento da educação superior pública e através do estímulo ao empresariamento desse nível de ensino, investindo alto na abertura de novos cursos privados que visam uma formação profissional flexível.
Findado os dois mandatos presidenciais de Fernando Henrique Cardoso, o então esperado governo centro/esquerda de Lula não trouxe muitas mudanças no que tange às propostas das políticas públicas. Apesar de um novo ambiente político e social inaugurado pela eleição de um novo personagem na política brasileira, as reformas neoliberais ainda continuaram sendo as máximas de governo do então presidente. Como vimos no capítulo anterior, as prioridades políticas estabelecidas ainda correspondiam a uma fidelidade com as propostas internacionais dos organismos financiadores. Para exemplificar, foram estabelecidas as Parcerias Público/Privadas e a Lei de Inovação Tecnológica que abrem espaço para o intercambio de IFES com empresas de grupos nacionais e estrangeiros.
É fundamental, portanto, compreender que, mesmo Lula como Presidente da República não conseguiu desprender a reformulação da educação superior de um processo mais amplo de reordenamento do Estado capitalista. O Brasil, enquanto Estado em desenvolvimento e dependente de investimentos externos não tem soberania política para sair facilmente das intenções internacionais de transformar a educação em um serviço não estatal. Portanto, é de meu entender que a posição política atual do governo Lula é de manter os compromissos firmados em gestões anteriores e, ao mesmo tempo, aplicar, mesmo que de forma diminuta, suas políticas de igualdade social.
Nesta perspectiva, assim como o ocorrido nos governos anteriores, continuou-se na primeira gestão de Lula alocando verbas públicas para as IES privadas com programas de bolsa estudantis (PROUNI, FIES) e promovendo o financiamento privado em instituições federais universitárias, diluindo as fronteiras entre os dois setores. Uma das mais batidas críticas na literatura específica em relação à primeira gestão de Lula diz respeito à prioridade dos pagamentos dos chamados Encargos Financeiros da União (EFUs) em relação aos gastos em serviços sociais como saúde, moradia, educação e cultura. Os números de Lula não são diferentes dos demonstrados na gestão FHC.
Uma proposta interessante e que, a meu ver, que deve ser pauta das discussões e debates, é a proposta sugerida pela UNESCO através do documento "Conversão de Dívida por educação" que propõe uma conversão das dívidas dos países em desenvolvimento por investimentos em educação. Esta iniciativa pretende dar um "alívio à pobreza extrema" e investir em reformas estruturais nas políticas externas destes países. A UNESCO interpreta que com esta conversão torna-se mais fácil para os países periféricos honrarem as suas dívidas implicando em um processo de crescimento baseado no aumento da produtividade interna melhorando assim o perfil das contas públicas.
Em 2005, o 29º Congresso Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) lança oficialmente o movimento pela conversão da dívida externa em recursos para a educação. O MEC, com Tarso Genro incorpora a idéia realçando que é necessário discutir as formas em que os organismos internacionais estão impondo as condições para se efetivar esta conversão da dívida. Ele interpreta que como as propostas de conversão fazem parte inclusive do Banco Mundial, elas estão condicionadas às reformas sistêmicas do ensino superior que o banco deseja. Enfatiza que a relação de dependência do Brasil não dá plena liberdade para ponderar os interesses capitalistas internacionais colocando o país em um lugar preocupante. Por outro lado, o Ministro da Educação considera essa discussão válida, pois sugere uma solução plausível tanto para quem quer manter os compromissos de dívida construídos ao longo da história econômica do Brasil, quanto para aqueles que divulgam a idéia de que o Brasil não pode se submeter ao pagamento abusivo e injusto da divida externa.
A ANPED, Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação, por exemplo, é crítica no que tange ao pagamento da dívida pública para o FMI desprivilegiando as políticas de combate a desigualdade social. Para a associação e para a grande maioria dos autores, a posição dos dois presidentes citados de aceitar este compromisso com os organismos internacionais vem aprofundando a inserção capitalista dependente do Brasil na economia mundial. Os projetos políticos destes governos contribuiriam ainda mais para a acumulação do capital internacional através do pagamento de parte dos juros da dívida pública e, simultaneamente, ampliariam o campo de atuação do empresariado da educação superior em sua dupla face, nacional e internacional.
Por fim, o financiamento da educação brasileira em tempos do neoliberalismo se insere no ambiente intelectual de forma muito polêmica. Seria interessante agora fazer uma avaliação comparativa dos dois governos pesquisados neste trabalho monográfico, apontando os pontos negativos e positivos de seus projetos políticos baseados na realidade histórica, social e econômica brasileira.

As políticas neoliberais e o futuro do sistema superior de ensino brasileiro.

Em minha opinião, o grande vilão do sistema brasileiro de educação é sua própria história. No Brasil, apesar de os primeiros cursos de nível superior datarem do século XIX, o surgimento de "Universidades Temporãs" no sentido de Luiz Antônio Cunha só veio a acontecer na década de 1930 por um projeto ambicioso do Estado de São Paulo. A federação brasileira nesta época não desenvolveu de forma nacional e integrada a construção de grandes universidades, ao contrário do ocorrido em alguns países da América Latina, que desde sua época de colonização já detinha grandes Universidades. É o exemplo da Universidade Autônoma do México, fundada em 1551 e da Universidade do Chile, de 1842. Assim, creio eu, que os problemas brasileiros de educação a serem resolvidos não podem ser efetuados apenas em alguns mandatos presidenciais.
Da mesma forma, soluções plausíveis para o problema da educação superior brasileira fogem dos limites do objeto desta pesquisa monográfica. Digo isso porque o êxito na conquista de resultados não pode ser desvinculado de um projeto político maior que leve em consideração todos os níveis de educação, desde o básico até o secundário e, obviamente, o nível superior. Além disso, o poder público federal deveria também aplicar políticas sérias que promovam a diminuição das desigualdades sociais que no Brasil é um dos maiores e mais antigos problemas existentes. Como não dei conta destes importantes princípios ao longo deste meu trabalho, não devo aqui alongar a discussão para não entrar em um nível demagógico e não científico.
Quero aqui também dedicar algumas considerações sobre os diversos artigos e trabalhos referentes à literatura citada. Acredito que muitas destas publicações, muitas vezes usadas como base empírica para este trabalho, estão num nível muito mais demagógico e político do que acadêmico propriamente dito. Por ser um tema imbricado com questões políticas de interesses de grupos partidários, vi nas críticas principalmente do governo Lula e não tanto do período FHC um teor bastante radical e muitas vezes infundado das considerações. Como disse no capítulo anterior, a análise do primeiro mandato de Lula ainda é muito precária, pois se trata de um momento muito recente e uma interpretação mal feita pode acabar desvirtuando os trabalhos científicos para meras questões políticas.
A "crise das Universidades" tratada em diversos livros e encontros acadêmicos não é um problema específico do Brasil. A democratização e financiamento do nível superior de ensino é um tema debatido também nos países desenvolvidos. Até no continente europeu se enfrentam grandes problemas relacionados à grande demanda pelos cursos superiores. As discussões sobre o Projeto Bolonha revelam ainda que a massificação e o financiamento das universidades é um grande problema para a tão cara União Européia. No Brasil, tentativas semelhantes se materializam nos projetos de Reforma Universitária do governo atual e na elaboração também do projeto chamado "Universidade Nova" incorporado pelo Governo Federal e que deve ainda sustentar muitas discussões.
A meu ver, antes de se entrar nestas discussões que pretendem resolver os problemas de elitismo e do acesso à educação superior, deve-se sim garantir que haja mercado de trabalho para os que se formarão nesse nível de ensino. Em outras palavras, as políticas em educação não podem ser desvinculadas também das políticas econômicas. Resolver esta questão passa, inevitavelmente, por uma mudança estrutural no modelo vigente, reduzindo-se a concentração de renda, que no Brasil se situa entre as cinco piores do mundo. Só assim, se estabeleceriam condições essenciais para o aparecimento de um mercado de trabalho que possa usufruir os serviços prestados pelos profissionais formados, gerando renda e qualidade de vida para a população brasileira. Para que isso se efetive, acredito que seja necessário escapar dos mitos produzidos pelas agências internacionais e encarar a realidade dos desafios postos à situação local brasileira sem se deixar iludir pelos apelos mercadológicos da conjuntura mundial.
Acredito também que a adaptação das instituições universitárias aos moldes mercadológicos também foi danosa para a soberania nacional. Em termos práticos, sou crítico aos dois governos estudados no que tange ao descontrole do Estado em credenciar mais IES que têm o ensino como atividade regular do que a pesquisa. O artigo 207 da constituição Federal de 1988 é muito importante quando preserva como condição básica da universidade a associação plena entre ensino, pesquisa e extensão, mantendo a autonomia e qualidade das Instituições universitárias e competitividade para a nação no mercado globalizado. Vejo que é preciso preservar na universidade um espaço de processamento crítico, analítico de sistematização e integração da ciência e da cultura, fazendo jus ao papel de uma instituição autônoma e independente. Infelizmente não percebi durante os estudos e análises das políticas em educação superior entre 1995 e 2006 nenhuma tentativa de restabelecer o sentido de Universidade prescrito pelo referido artigo da ultima Constituição brasileira.
Neste ponto sou partidário das idéias existentes na literatura em educação. Por outro lado, acho bastante reducionista a visão dos autores sobre o setor privado de ensino. Uma pesquisa rápida na literatura demonstrará que quase todos os autores carregam a antiga visão marxista de que sendo privado necessariamente as instituições de ensino superior seriam de baixa qualidade. O meu pondo de vista a respeito é de que a existência de instituições privadas não é sinônimo da má qualidade dos serviços. A relação não é de necessidade e sim de contingência. O ensino privado pode sim ser de qualidade. O que é preciso no Brasil é uma política de fiscalização forte do Estado, coisa que não aconteceu ainda na prática.
Apesar de o setor privado obedecer às leis capitalistas de obtenção de lucro, não se inscrevendo, portanto, em um razoável padrão ético, ele pode sim ser uma alternativa para diversificar o acesso de nível superior. No entanto, nos governos estudados, pretendeu-se que este setor fosse a principal via para massificar e democratizar o 3º grau de ensino. Quero dizer que considero irresponsável que as Leis, Medidas, Decretos e Portarias aplicadas continuaram excluindo a grande maioria da população carente e pobre que só teve (e ainda tem) como alternativa possível financiar os cursos privados.
Levando-se em conta que quem precisa realmente do ensino superior no país é a grande maioria que tem uma baixa renda familiar, acho bastante inadequada a forma com que foi implantada a política de expansão deste nível de ensino, principalmente a partir da aprovação da LDB. Com esta Lei, o crescimento de IES privadas teve um extraordinário impulso. Defendo que uma política séria que traria bons retornos sociais e econômicos para o país investiria em educação pública pelo simples fato de ser acessível ao bolso do brasileiro.
È preocupante a inadequação das leis federais com a realidade econômica da população brasileira, assim como a falta de compromisso a ser assumido com o futuro da nação. As políticas públicas efetuadas nestes doze anos no Brasil contribuíram para a apropriação privada da transmissão do conhecimento, destruindo a liberdade acadêmica das universidades tradicionais e descaracterizando seu secular valor social.
Na literatura específica, parece que existe um consenso sobre os dois períodos de gestão presidencial de FHC. Pelo menos todas as análises dos autores pesquisados mantiveram uma posição bastante crítica sobre a atitude do antigo presidente em priorizar as políticas do Ministério da Fazenda e as reformas neoliberais do que as necessidades relativas ao MEC. Na verdade, o governo FHC contribuiu muito mais para a educação básica (exigência externa) do que para a tão importante e cara educação superior. Por outro lado, as análises da primeira gestão de Lula na presidência da República se dividem tanto entre positivas quanto negativas. Na minha opinião, o governo Lula demonstra estar tanto imbuído com a melhoria da educação pública como está também preocupado com a fidelidade contratual com os organismos internacionais.
A partir de 2003, o MEC divulgou documentos com o objetivo declarado de apresentar a proposta de Reforma da Educação Superior. A meu ver esses documentos estão postos de forma bem democrática para discussão entre as entidades envolvidas diferentemente do período anterior. Porém, os fundamentos e diretrizes traçadas pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) seguiram declaradamente algumas orientações dos organismos internacionais. Esta posição característica do novo presidente não da segurança em afirmar se tem ou não continuidade com o que vinha sendo feito pelas gestões anteriores.
Uma considerável porcentagem de autores vê nas políticas públicas de Lula uma mudança de rumos e de paradigmas no trato com o ensino superior. Segundo estes autores, o MEC aprendeu que políticas de expansão não são suficientes se forem desvinculadas de programas de qualificação e de acessibilidade em Instituições de Ensino Superior. Paulo Corbucci acredita que as políticas do MEC, a partir de 2003, procuram atribuir às universidades papel fundamental no processo de desenvolvimento nacional. Não foi por acaso que neste período o governo investiu razoavelmente na criação de novas universidades federais inclusive no Nordeste.
De acordo com Corbucci, a reforma da educação superior debatida pelo MEC estaria orientada por três objetivos: refinanciar a universidade pública; transforma-la em referência para toda a educação superior; e estabelecer nova regulação entre os sistemas público e privado. "Pelas diretrizes já anunciadas e pelos procedimentos que têm sido adotados, a proposta atual de reforma distingui-se de iniciativas anteriores." (CORBUCCI, 2004 p. 696)
Hélgio Trindade enfatiza no discurso de Tarso Genro a intenção de investir em educação superior pública para democratizar o acesso de estudantes carentes e socialmente excluídos. Segundo o MEC, a expansão privada de IES chegou a um patamar que agora se esgota, e, além disso, não mantém os índices de massificação desejados pelo governo. Trindade se refere a três temas complexos, urgentes e desafiadores propostos pelo MEC: as relações entre Estado, sociedade e educação superior e a tensão permanente na conquista/concessão da "autonomia universitária"; o financiamento das universidades públicas, a ser tratado como "investimento social de longo prazo" defendido pela UNESCO; e as complexas relações entre o poder público e um setor privado dominante, carente de regulação estatal.
Pelo menos em discurso, diz Hélgio Trindade, o ex-ministro Tarso Genro iniciou um debate criticando as políticas adotadas em governos anteriores que apenas conservaram o caráter elitista das IES brasileiras. Por isso, "o governo atual aceitou o desafio e colocou a reforma universitária como prioridade" (TRINDADE, 2004 p. 839) Além disso, reforça Trindade, o ex-ministro admite que o desenvolvimento do sistema de ensino superior "só vai ter sucesso se a universidade pública for ampliada, revalorizada e assumir funções de vanguarda nesse processo". (GENRO 2004 apud TRINDADE, 2004 p. 838) Isso significaria investimento para ampliação, democratização, autonomia, modernização e qualificação das IFES.
Paulo Corbucci também acredita que as políticas de criação de cotas para estudantes do ensino médio de rede pública adotadas pelo Governo Lula são positivas para democratizar o acesso ao nível superior e diferem das iniciativas anteriores. Em tese, seriam 50% das vagas das IES públicas para os descendentes de etnias excluídas ao longo da história. Neste caso a inclusão da variável raça e da renda familiar é preponderante para a inclusão do contingente de estudantes pobres e consequentemente para o projeto de democratização do acesso de jovens economicamente desfavorecidos. Corbucci admite também que diversos programas do governo, em especial o PROUNI, constituem iniciativas saudáveis de redistribuição indireta de renda, ao transferir recursos de isenção fiscal a estes estratos populacionais mais pobres. (CORBUCCI, 2004)
Os pesquisadores também valorizam o ambiente democrático em que está sendo discutido o atual projeto da Reforma Universitária. Segundo eles, o governo Lula está coordenando debates, palestras e colóquios para discussão democrática e não simplesmente impondo políticas do Ministério. Diversos projetos de reforma mudaram de versões assim que eram postos em mesa redonda pelas diferentes organizações ligadas diretamente à educação superior. Esta possibilidade de intercambio com os professores demonstra a preocupação do governo em solucionar problemas específicos da nação, o que não foi uma característica dos governos anteriores de FHC.
No entanto, o governo Lula se assemelha ao anterior quando não abre mão de manter algumas das políticas em educação em concordância com os interesses dos organismos internacionais. A relação de dependência e de negociação com estas entidades é importante, pois o presidente entende que a respeitabilidade internacional do Brasil só é efetivada se manterem-se os antigos compromissos assinados em gestões anteriores.
Concluindo, algumas atitudes do governo Lula são diferentes da gestão anterior. Nos anteprojetos de reforma universitária são incluídos itens que antes receberam vetos do antigo presidente. Ainda tenho esperanças de que tanto este projeto em discussão, quanto o projeto atual chamado de "Universidade Nova" tragam muitos benefícios para o sistema superior de ensino nacional e contribuam para que o Brasil possa adquirir um lugar entre as potências mundiais no tão flexível e globalizado mundo atual.


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