CONTINUE... APRENDIZAGENS EM DEVIR

June 5, 2017 | Autor: Tamiris Vaz | Categoria: Aprendizagem, Visualidade, Devir
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CONTINUE... APRENDIZAGENS EM DEVIR Tamiris Vaz1 Resumo A pesquisa que dispara a escrita deste texto experimenta a aprendizagem em devir, explorada por percursos cotidianos urbanos. Ao pensar sobre algumas visualidades aparentemente excessivas na paisagem de um bairro, realizo intervenções urbanas que provocam interferências de outros moradores. Em meio a isso, narrativas de aprendizagens em devir movimentam figuras estéticas, fazendo vazar percepções, para que afectos se diferenciem a cada momento que torno a ver, pensar e escrever a cidade. Pensando e vivendo percursos urbanos o aprender não compreende algo fixado na cidade ou em mim, mas o que sou capaz de criar como possibilidades de mundo, para além do saber. Palavras-chave: Aprendizagem; devir; visualidades. Quando imagens, lugares, objetos, pessoas... ...atravessam pensamentos e vão se movimentando enquanto aprendizagens? Que percursos narrativos entre a escrita e as visualidades de um bairro geram esses movimentos? Instigada por essas e outras perguntas, narro aqui alguns percursos de uma pesquisa de doutorado que investe na produção de perceptos e afectos (DELEUZE; GUATTARI, 1992) em meio a visualidades urbanas, desenvolvendo as possibilidades de se aprender em processo (ELLSWORTH, 2012), na extensão de meus encontros com ideias e objetos para além do que vejo, fazendo transbordar pensamentos que ultrapassem a percepção e se conectem a outros acontecimentos. Aprender é movimentar o pensamento sobre um objeto ou ideia para outros devires que independam deles, ao passo que devêm, que se colocam num constante ‘estar se tornando’, onde os movimentos são sempre no mínimo em duplo sentido, pois aquilo que se transforma muda tanto quanto o que movimenta essa transformação. Não se trata de estar na cidade, mas de compor o funcionamento dela, entrando em devires. Fazendo vibrar, ou saturando, ou sobrepondo pensamentos, ou olhando de outro modo, ou rasgando e indo além da constatação, movimentamos nossos encontros e geramos aprendizagens. Aprender envolve ver, sentir, ouvir, mais do que a percepção, ao passo que exige o prolongamento de sensações ao ponto de deslocá-las em devires que as recombinem com os percursos necessários à vida de cada um. A partir da exploração de aprendizagens pela produção de narrativas de/em percursos urbanos, vou tentando contribuir para um pensamento educacional que dê vazão às singularidades do aprender pela movimentação dos hábitos para a criação de novos repertórios de vida. Buscando explorar os agenciamentos com os signos da cidade enquanto aprendizagem em uma pesquisa acadêmica, percorro os entornos do bairro onde resido em Goiânia/GO e, em meu cotidiano, realizo fotografias dos elementos/acontecimentos que me permitem produzir alguns afectos. Dessas imagens, extraio figuras estéticas, visualidades que ativaram meus pensamentos. Elas são uma relação entre

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Doutoranda em Arte e Cultura Visual (UFG), Mestre em Educação (UFSM), Graduada em Artes Visuais (UFSM). Integrante do Grupo de Estudos e Pesquisas em Arte, Educação e Cultura - GEPAEC (UFSM) e do Grupo Cultura Visual e Educação (UFG). E-mail: [email protected]

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aquilo que é visto e meu olhar singular sobre elas a cada momento que torno a visualizar, pensar e escrever. Visualidades de excessos... ... que, por excederem, vazam da cidade em devires. Ao iniciar a pesquisa, queria falar de banalidades invisibilizadas, mas de repente me vi movimentada por devires de repetições, em visualidades que, a princípio soavam como redundâncias, como excessos: a poucos metros de onde resido, há dezenas de igrejas, distribuidoras de bebidas, salões de beleza, lojas de ferragens, praças, entulhos, casas com portões muito semelhantes.

Imagem 1: Intervenção realizada e fotografada pela autora. Goiânia, 2015.

Esses afectos de excessos, num híbrido de curiosidade e estranhamento, orientaram meu olhar a produzir narrativas provocadoras de diferenciações no acontecer de suas aparentes repetições. O devir-calango vem se apresentar como um movimento fugidio que habita as pequenas brechas de uma investigação de doutorado que ocupa sorrateiramente espaços da educação, da cidade e da arte, sem o intuito de preenchê-los, mas com o de atravessá-los deixando alguns rastros, explorando suas aparentes inutilidades, como entulhos descartados e buracos de muros desgastados. O devir-água é a figura da absorção. Não uma absorção enquanto anulação, mas uma absorção que é entrega tanto daquele que absorve quanto daquela que é absorvida. Ela se entrega por inteiro aos fluxos do presente, adentra sem medo cada superfície e explora as potencialidades das diferenças que emergem dessas fusões. O devir-basura é a pura potência daquilo que se descarta porque deixou de ‘ser’, desprendeu-se de uma identidade e passou a exigir mais de quem a deseja experimentar. Não serve para nada, então pode servir para qualquer coisa. Não é saber acabado, é devir. As cores são os devires de vida que floresce. São as transformações que encantam a experiência de olhar. É quando percebemos que aprendemos. É quando o que parecia cinza ganha a intensidade possível pelo gesto de adubar, regar e voltar.

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Imagem 2: Intervenção realizada e fotografada pela autora. Goiânia, 2015.

Em meio a essas figuras estéticas, desenvolvo uma intervenção urbana no intuito de provocar outros encontros narrativos com a cidade, dando espaço às imprevisibilidades do contato com os fluxos do bairro. Para observar como os moradores se relacionam com essas figuras espalhei, por alguns pontos de meus percursos, visualidades e narrativas escritas relacionadas aos excessos, como afectos produzidos e devolvidos à cidade para suscitar outros devires. Com a provocação ‘Escreva. Continue...’ provoco os moradores a construírem ideias no momento em que se deparam com a imagem, não com a pretensão de receber respostas sobre o sentido delas, mas fazendo-as vibrar pelo acontecimento da relação entre imagem, texto, papel e cidade.

Imagem 3: Intervenção realizada e fotografada pela autora. Goiânia, 2015.

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No trajeto entre imagem e cidade, outros moradores traçam e possibilitam que novos percursos sejam traçados, que a cidade se estenda em outros devires, diferentes daqueles experimentados por mim e que, de alguma forma, produzirão novos rumos para as narrativas de aprendizagem em processo.

Imagem 4: Intervenção realizada e fotografada pela autora. Goiânia, 2015.

Para facilitar a escrita, em minha ilusão de direcionar a continuidade por ela, colei um pedaço de papel em branco sobre o espaço já vazio, de modo que a textura do papel colado não impedisse a fixação da tinta de caneta. Isso aguçou a curiosidade dos intervencionistas, que sim, continuaram, porém sem escrever absolutamente nada, mas com a subtração de camadas de papel, provavelmente na tentativa de ver o que havia debaixo. Ver por detrás da superfície, descobrir alguma suposta verdade oculta ou simplesmente desvendar camadas, papeis sobrepostos sobre restos de outros.

Imagem 5: Intervenção realizada e fotografada pela autora. Goiânia, 2015.

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Com essa ação, não capturei falas, nem ideias, nem opiniões de quem entrou em contato com as imagens, mas posso falar de como a ação me provocou a seguir experimentando, produzindo outras intervenções capazes de instigar não opiniões sobre uma escolha, mas ações a partir delas, seja pela imagem impressa ou pela presença do papel em si. Curiosamente, mesmo sem uma resposta direcionada ao conteúdo das imagens, os moradores possibilitaram que as figuras estéticas que ali viviam seguissem a se movimentar. O devircalango, em seu movimento de camuflagem, foi sobreposto por um anúncio de emprego, como se, em seu namoro com o concreto, tivesse se escondido atrás da corriqueira busca de espaço dos anunciantes locais. O devir-cor transbordou pelos respingos da chuva e pelo seu florescimento nos terrenos onde os pedaços coloridos de papel rasgados eram deixados. O devir-água produziu em mim o medo de que a continuidade se desse imediatamente e de uma vez só pela chuva que caiu minutos depois à colagem dos lambes no bairro. O devir-basura fez com que os movimentos do papel limpo e uniforme, ao ser rasgado, sujo, molhado e amassado, se tornasse uma presença mais diluída, mesclada às visibilidades que constroem incessantemente o urbano. Afectos visuais e escritos da e na cidade... ... me permitem tensionar textos e visualidades cotidianas de superfícies habitadas. O próprio ato de escrever, de organizar ideias e colocá-las em diálogo com imagens, produz uma realidade não menos válida do que a realidade também criada através de meu contato com o mundo. É nesse processo de escrita e percursos urbanos que venho aprendendo não sobre a cidade ou sobre mim, mas com a cidade enquanto lugar potente de perceptos e afectos, de criações que movimentam o pensamento para a diferença como aprendizagem. Referências DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é a filosofia. Rio de Janeiro: ed. 34, 1992. ELLSWORTH, E. Places of learning: media, architecture, pedagogy. New York: Routledge, 2012.

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