Contra Jean-Philippe Rameau e contra a harmonia: Jean-Jacques Rousseau e o elogio da melodia

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Universidade Estadual de Campinas – Unicamp Programa de Pós-Graduação em Música - Doutorado | Instituto de Artes SEMINÁRIOS AVANÇADOS | Panorama Histórico da Estética Musical Profª. Drª. Lia Tomás Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas

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Contra Jean-Philippe Rameau e contra a harmonia: Jean-Jacques Rousseau e o elogio da melodia1 Para arriscar ainda algum comentário às já tantas e tão comentadas leituras da querela entre Rameau e Rousseau2 e dos seus desdobramentos em relação aos rumos da harmonia, podemos notar preliminarmente que, como a distância histórica foi mostrando, existe uma clara assimetria entre o mérito e a abrangência da discussão social e filosófica colocada por Rousseau e as contribuições relativamente mais localizadas de Rameau. Rousseau ocupa-se das origens de um sistema de mundo, sua intervenção se dá no âmbito da moral – “quer dizer, da convivência social dos 1

Esse trabalho foi escrito ao longo da disciplina Panorama Histórico da Estética Musical ministrada pela Profª. Drª. Lia Tomás no segundo semestre de 2007 no Programa de pós-graduação em música da Unicamp. Várias das temáticas e das leituras aqui citadas foram suscitadas e debatidas nas aulas e seminários dessa disciplina, de maneira que sou grato aos colegas e à professora Lia por inúmeros ensinamentos, contribuições, traduções, textos e conversas informativas. Agradeço também ao colega Almir Côrtes Barreto com quem tive a oportunidade de trabalhar no seminário “Carl Dahlhaus, a idéia de Música Absoluta: uma primeira aproximação nada absoluta e um tanto obsoleta” apresentado nessa disciplina em 5 de outubro de 2007. Muito do que se encontra premilinarmente reservado nesse trabalho em construção deve ser posteriormente incluído em um capítulo especificamente dedicado à Rameau e a teoria da harmonia no século XVIII de minha tese de doutoramento que está sendo desenvolvida junto ao mencionado programa, provisoriamente intitulada: “Que acorde eu ponho aqui? Elementos para um estudo da harmonia popular urbana de poética dissonante”. 2 Essa famosa divergência entre Rameau e Rousseau é uma das muitas pontas de uma enorme meada de debates inflamados que na história da cultura moderna ficaram conhecidas como as querelas. Essas querelas são muitas, e dependendo do campo de estudos, diferentes ocorrências são escolhidas para narrar os episódios desse ciclo da história européia. O histórico das celeumas que ambientam a crise entre Rameau e Rousseau – conforme Dahlhaus (1999, p. 48) e Fubini (1994, p. 179) –, já está pré-figurado na mencionada controvérsia dos estilos musicais dos idos de 1600, na passagem do mundo do renascimento para o barroco, entre o stile antico (ou primeira prática) e stile moderno (ou segunda prática). Mais adiante, na história da tonalidade harmônica associada ao nome de Rameau, podemos ter uma idéia desses debates mencionando: i) A querela entre o melodrama francês e melodrama italiano (COELHO, 1999, p. 19-22; FUBINI, 2002, p. 38-40). ii) A querela entre o teatro de feira e a comédia francesa (CARRASCO, 2003, p. 58-61); iii) A querela entre Raquenet e Lecerf (FADER, 2003; FUBINI, 2002, p. 40-50 e 1994, p. 179-183; e TOMÁS, 2005, p. 70-72). iv) A querela entre ramistas e lullistas (FUBINI, 2002, p. 71-72 e 1994, p. 199-200; KINTZLER (2006, p.321-328; SADLER,1988; e ZAMACOIS, 1986, p. 100-103). v) A célebre querela dos bufões – La Querelle des Bouffons (La Guerre des Bouffons, La Querelle Rousseau - Rameau, etc.) – onde se situa o debate central do presente trabalho (CANDÉ, 1994, v. 1, p. 582-586; COELHO, 1999, p. 51; DAHLHAUS, 1999, p. 50-53; FUBINI, 1994, p. 203-217; GIANI, 2002; GOLDET, 1997, p. 500-506; GUINSBURG, 2006, p. 43; LAUNAY, 1973; LIPPMAN, 1992, p. 91; MASSIN, 1997, p. 415; PAUL, 1971; RAYNOR, 1981, 271-279, SAMPAIO, 1998, p. 20-24; SQUEFF, 1989, p. 23-27; TOMÁS, 2005, p.76-79; VIDEIRA, 2006, p. 35-42; e ZAMACOIS, 1986, p. 102-103). vi) A querela entre gluckistas e piccinnistas (FUBINI, 1994, p. 233-243; 2002, p. 232-236; ZAMACOIS, 1986, p. 103-105). vii) E, como um pano de fundo geral, a grande querela que interage com todas as outras: La Querelle des anciens et des modernes (ABBAGNANO, 1982, p. 59 e LE GOFF, 2003, p. 173-233).

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humanos” (DAHLHAUS, 1999, p. 8)3 – e é da ordem do pensamento conceitual. Sua repercussão se dá pelos vastos domínios filosóficos, pelos campos das teorias da história, da política, da ética, da educação e das ciências sociais em geral, onde Rameau é praticamente um ilustre desconhecido, e Rousseau continua vivo, sendo lido e estudado4 Embora nem sempre lembrado como alguém que dedicou significativa parcela de sua célebre vida à música.5 3

Na visão de mundo Rousseau o problema moral adquire uma dimensão social: “todos os problemas sociais são ao mesmo tempo problemas morais porque não dizem respeito somente à exterioridade do indivíduo, mas mantêm relação direta com sua harmonia interior, ‘à realização de sua vocação moral’” (FREITAS, 2007, p. 115). 4 Sobre a presença rousseauniana na história da cultura, Schwanitz considera que Rousseau captou o espírito da sua época, inspirou a Revolução Francesa e o romantismo, “sua influência foi duradoura, ampla e profunda. Suas constantes querelas, que ele apresentava como a perseguição a uma alma solitária e a um rebelde digno, comoveram metade da Europa. Ele influenciou o movimento Sturm und Drang, a filosofia da história de Herder, a etnologia dos povos primitivos, a pedagogia de Pestalozzi, a economia nacional dos fisiocratas que davam ênfase à agricultura [conforme Houaiss, fisiocracia é a doutrina econômica e filosófica do século XVIII que se baseia no conhecimento e no respeito às leis naturais, considera a terra como única fonte de riqueza e defende o liberalismo econômico], e toda a literatura do romantismo com seu culto ao sentimento” (SCHWANITZ, 2007, p. 303). Quanto ao peso da atualidade de Rousseau em relação à Rameau, no caso do Brasil, é significativo lembrar que a obra de Rousseau está editada e distribuída por meio de numerosas traduções, ensaios e leituras comentadas e, em torno de seu pensamento moral e social, instituíram-se grupos de trabalho e pesquisa acadêmica, enquanto que com Rameau isso não ocorre na mesma medida. Mas isso não contraria o fato de que boa parte da noção comum que temos do que seja a música (incluindo a popular), tenhamos consciência ou não, encontra-se permeada nos escritos de Rameau. 5 Cerca de 30 anos mais jovem que Rameau (1683-1764), o suíço Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), filósofo, literato, teórico musical, copista e compositor diletante, embora falecido antes da Revolução Francesa de 1789, é um homem que já se coloca entre a idade moderna e o pensamento da idade contemporânea (SCHWANITZ, 2007, p. 302-303). Filho de um relojoeiro, autodidata, viveu sua vida “vagabundeando como um peregrino, foi professor de música em Lausanne e trabalhou como criado, vigilante e preceptor” (BRONOWSKI, J. e MAZLISH, 1983, p. 297), apesar de considerar os salões de Paris como algo imoral, foi aí que repercutiu sua obra que teve um impacto tremendo na cultura ocidental. Embora todo o seu pensamento tenha enorme importância na música dos finais do século XVIII e ao longo do XIX, os pontos de vista mais especificamente musicais de Rousseau aparecem especialmente nos seguintes trabalhos: Projet concernant de nouveaux signes pour la musique de 1742; Dissertation sur la musique moderne de 1743 ; Lettre sur la musique française (Carta sobre a música francesa) de 1753 (ROUSSEAU, 2005), tida como a “peça mestra da Querelle des Buffons” (EIGELDINGER, 1998, p.5); Ensaio sobre a origem das línguas no qual se fala da melodia e da imitação musical, de datação incerta (ROUSSEAU, 1978, p. 157); e nos verbetes sobre música da Encyclopédie (duramente criticados por Rameau) que reformulados e ampliados foram reunidos no seu Dicionário musical de 1767 (DAMSCHRODER e WILLIAMS, 1990, p. 283; FUBINNI, 1994, p. 205; VERBA, 1989). Rousseau escreveu motetos, canções, peças instrumentais e óperas. Seu maior êxito filosófico e político como compositor foi o intermezzo Le Devin du Village (O adivinho da aldeia) de 1752. Esse intermezzo – que para Gluck tinha “o acento da natureza” (SQUEFF, 1989, p. 36) – agradou tanto a corte de Luís XV como, posteriormente, se tornou um símbolo da Revolução e foi mantido no repertório francês desde sua estréia até 1829, com cerca de 400 apresentações (SQUEFF, 1989, p. 21). Sobre o intermezzo Le Devin du Village – que, como informam Coelho (2000, p. 94), Landon (1996, p. 273) e Squeff (1989, p. 33), será parodiado por Mozart em sua ópera de juventude Bastião e Bastiana (Bastien und Bastienne, K 50, de 1768) – ver Carrasco (2003, p. 61), Eigeldinger (1998, p. 10-12), Fubini (2002, p. 98), Grout (1994, p. 503) e Raynor (1981, p. 273). Sobre a música na Revolução Francesa – quando “pela primeira vez na história, a música está consciente e voluntariamente a serviço de uma ideologia e de um regime político”

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Já as teses de Rameau são de propriedade notavelmente diferente, pertencem também ao vasto mundo da filosofia moral burguesa, mas nele são bem mais pontuais e datadas, e hoje se tornaram uma espécie de leitura para o expert mesmo entre os músicos. As teses de Rameau se ocupam da teoria no âmbito do “como se faz isso”, das coisas técnicas e estéticas expostas pelo ponto de vista de um compositor que escreve para quem vai aprender a compor/tocar, procurando, no entanto, fazer com que seu objeto seja notado e respeitado como parte da inteligência. Sua repercussão se dá pelos domínios mais restritos, pelos campos de especialidade dentro da especificidade musical. Por seu viés físico, acústico e matemático, em curto tempo, como já foi mencionado, as formulações do velho artesão Rameau foram duramente criticadas e superadas. Suas teses guardam um outro tipo de valor. São uma espécie de estado da técnica ou da arte de uma antiga tradição teórica competentemente revista por Rameau, e um marco fundante de uma nova trajetória, que tem seus inícios nesses anos das querelas, mas que vai alcançar uma prática teórica e uma teoria artística que extrapola muitíssimo as mais avançadas especulações que a teoria harmônica do século XVIII ousou supor. Dizendo de outro modo, Rousseau e Rameau não são personagens do mesmo calibre. A história da cultura cuidou de colocar Rousseau em um compartimento (tendência do pensamento contemporâneo, amplo e irrestrito), e Rameau em outro (representante do pensamento setecentista, patrimônio artístico e teórico das miudezas técnicas específicas da arcaica harmonia tradicional).6 No sentido atual das expressões, poderíamos tentar sintetizar essas diferenças dizendo que Rameau foi um músico, compositor e teórico musical enquanto que Rousseau é um filósofo.7 (GEFEN, 1997, p. 586) –, ver Brécy (1990), Gefen (idem), Giani (2002) e Squeff (1989). Para uma discussão sobre Rousseau como músico ver Strauss (1978), sobre as relações entre sua filosofia e sua produção em teoria musical ver Eigeldinger (1998) e Scott (1998). 6 Nas tentativas de dimensionamento do peso e da propriedade das contribuições desses dois pensadores – apesar da contemporaneidade um pouco descompassada que existe entre Rameau (que à época da querela, em 1752, contava com seus 69 anos) e Rousseau (com seus 39 anos) – poderia ser útil relembrarmos algo das linhas gerais do controverso conceito de incomensurabilidade elaborado por Thomas Kuhn já na década de 1960. Como explica Oliveira (2005, p. 25-26), a relação de incomensurabilidade de Kuhn, defende que não faz sentido estabelecermos comparações entre sistemas francamente distintos procurando estabelecer juízo crítico de valor entre domínios que pertencem à ordens de grandeza diferentes. Assim como não faz sentido agora “comparar arte grega com a egípcia, ou Velásquez com o Picasso cubista, para saber quem seria o melhor pintor” (OLIVEIRA, idem, p. 26), também foi se tornando algo despropositado comparar um filósofo-compositor com um compositor-filósofo para saber se um é melhor compositor, melhor filósofo ou melhor teórico musical que o outro. 7 Squeff chama a atenção para o fato de que Rousseau não gostava de ser considerado como um filósofo, “não foi um homem sistemático. Nas milhares de páginas que escreveu, os temas se entrecruzam, se contradizem, para aparecerem acolá, perfeitamente fechados [...] ao discutir o homem na sua gênese [...]

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Em seu tempo, no entanto, os mundos de Rameau e Rousseau estavam ainda próximos, os territórios não contavam com a cômoda datação e a simplificada compartimentação de agora, quando os filósofos, no geral, não se ocupam mais da música como o fazia o compositor e teórico Rousseau e, os músicos, também no geral, não podem mais palpitar no âmbito filosófico, como parece querer Rameau. O século XVIII na França “foi o dos filósofos e o das luzes [...] Filósofo indica uma atitude; luzes, um conteúdo de idéias” (DESNÉ, 1974, p. 71), e nele houve várias diferentes maneiras de ser filósofo, dentre elas, a maneira de Rousseau e a maneira de Rameau. Conforme a caracterização de Desné (1974, p. 72) – que utiliza frases extraídas do próprio verbete Filósofo da Encyclopédie

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– nos anos de Rameau ser filósofo corresponde

aproximadamente ao que, em outros tempos, se dizia humanista. O filósofo é aquele que “dá exemplo vivo da liberdade, da independência e da audácia no exercício do juízo [...]. Se tal filósofo constrói uma doutrina, “não fica de tal modo preso a um sistema que não sinta toda a força das objeções”. O filósofo é um “espírito de observação e de justeza que relaciona tudo a seus verdadeiros princípios”, ao contrário do pensador solitário “ele quer agradar e tornar-se útil, pois ama extremamente a sociedade civil como seu único Deus”. É ao mesmo tempo um cidadão atuante e um homem de reflexão, sua atitude se distancia da crença religiosa (a “razão é para o filósofo o que a graça é para o cristão") e do preconceito popular (que leva os homens “a agir sem sentir nem

Rousseau não deixa de ser, à sua maneira, arqueólogo, historiador e antropólogo” (SQUEFF, 1989, p. 29). Também para Bastide e Machado, “Rousseau não terá sido um filósofo no sentido mais estrito do termo. Seu forte não era o encadeamento lógico das idéias nem a fundamentação rigorosamente racional dos princípios que formulou, nem a penetração analítica dos problemas. Seu pensamento procede antes pela expressão de intuições resultantes da paixão permanente que viveu todos os problemas da existência mais comum, como também os da cultura no nível superior das idéias. [...] Opor-se aos filósofos não foi para ele apenas assunto teórico, mas questão de honra pessoal. [...] Sua influência estendeu-se nos mais diversos campos. Os princípios de liberdade e igualdade política, formulados por ele, constituíram as coordenadas teóricas dos setores mais radicais da Revolução Francesa [...] e inspiraram sua segunda fase, quando foram destruídos os restos da monarquia e foi instalado o regime republicano [...]. As teorias políticas do idealismo alemão do século XIX [...] também devem a Rousseau [...]. Por outro lado, a valorização rousseauniana do mundo dos sentimentos, em detrimento da razão intelectual, e da natureza mais profunda do homem, em contraposição da vida civilizada, encontra-se precisamente na base do amplo movimento romântico que caracterizou a primeira metade do século XIX e permanece vigorando até os dias de hoje, como uma das formas básicas de sentir e pensar o mundo” (BASTIDE e MACHADO, 1978, p. XXII). Sobre a presença de Rousseau no idealismo, Le Goff (2003, p. 253-254) considera que, em seu trabalho Idee einer Universalgeschichte von der kosmopolitischen Standpunkt (Idéia de uma história universal de uma perspectiva cosmopolita, 1784), Kant sofreu influência de Rousseau ao defender a tese de que o progresso geral é subordinado ao progresso moral. 8 Conforme Desné (1974, p. 71-72), o texto O Filósofo é atribuído ao gramático e filosofo francês César Chesneau Dumarsais (ou Du Marsais, 1776-1756), foi escrito durante os anos de 1720 e circulou na clandestinidade até ser impresso em 1743 na coletânea Nouvelles Libertes de pensée. Posteriormente foi reproduzido com retoques de Diderot ou Voltaire na Encyclopédie (volume VII, 1757).

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conhecer as causas que os fazem mover-se, sem sequer sonhar que haja causas [...] que adota o princípio sem pensar nas observações que o produziram”). O filósofo é aquele que se sente seguro frente àquela divisa do Iluminismo formulada por Kant: “tem a coragem de te servires do teu próprio entendimento”.9 Em poucas palavras, continua Desné, “a segurança do filósofo é a segurança do burguês que deve à sua inteligência, ao seu espírito de iniciativa e de previdência o lugar que tem na sociedade. [...] Essa emancipação do homem [...] é a emancipação de uma classe, a burguesia, que atinge a maioridade” (DESNÉ, 1974, p. 74).10 Então, frente a essa caracterização da época, o musicien Rameau é de fato um philosophe e por isso pôde ser implicado na abrangente discussão posta pelo philosophe-musicien Rousseau. Para compreender Rameau como o pensador emancipado que Rousseau quer ter como rival de alto nível, temos que lembrar que esse Rameau philosophe acumulava saberes diversos (teórico, compositor e esteta) que aprendemos a apartar substancialmente no mundo atual. Rameau posiciona-se segundo três atitudes: na primeira, ele nos aparece enquanto teórico cartesiano fazendo da música uma ciência físico-matemática; em segundo lugar, um compositor que procura repertoriar o fruto de sua imaginação com ajuda de fórmulas e símbolos físico-psicológicos; e, em terceiro lugar, é um esteta respondendo às polêmicas de seu tempo (KREMER, 1986, p. XV apud NUNES, 1997, p. 214). Nessa perspectiva abrangente, a implicância contra a harmonia e contra Rameau 11 faz parte de um amplo conjunto de idéias de Rousseau que, já na

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A célebre frase do filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804), também traduzida como “tem coragem de fazer uso de teu próprio intelecto”, é uma versão moderna do lema Sapere Aude (Ousa conhecer) que aparece no poeta latino Horácio (65 a.C. - 8 a.C.). Conservando basicamente o seu sentido original, o lema foi re-ambientado para o século de Rameau por Kant no início de seu ensaio de 1783 intitulado justamente Resposta à Pergunta: o que é o Iluminismo? (Beantwortung der Frage: Was ist Aufklärung?) e concentra emblematicamente o ânimo central da atitude iluminista (ABBAGNANO, 1982, p. 835). 10 Conforme Schwanitz (2007, p. 180-181), os intelectuais franceses se autodenominavam philosophes, mas não se enquadravam no estereótipo de pensadores solitários, que criavam sistemas de difícil compreensão. Escreviam elegantes ensaios para grande público, sátiras, romances espirituosos e diálogos engraçados. Eram escritores que filosofavam. Foram os precursores do tipo que mais tarde seria designado como intelectual: sem lealdade, exceto em relação à própria racionalidade, críticos sarcásticos diante das autoridades e dos poderosos. Não eram eruditos e mantinham sua atenção na atualidade, não eram acadêmicos e seu estilo era jornalístico, preocupavam-se com as ações dos governos e com as mazelas da sociedade, abraçavam a razão e empossaram-na como juíza suprema de todas as instituições da sociedade. Organizaram a luta contra os mitos, os dogmas e as superstições. Consideravam a Igreja a representante do obscurantismo, e o cristianismo lhes parecia absurdo. 11 O que Squeff observa na oposição Diderot contra Rameau, também parece válido na oposição Rousseau contra Rameau: “o que está em jogo é menos o que Rameau representa individualmente (o compositor tinha como se impor aos seus contemporâneos, notadamente por suas óperas, suas suítes, seus

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contemporaneidade, se fez reconhecer como “a mais inovadora obra política do século XVIII” (DESNÉ, 1974, p. 101). Rousseau não apenas desqualifica a harmonia (e também a polifonia) em si mesma, literalmente e de fato, sua crítica se dirige à algo muitíssimo maior e mais amplo. 12 Seu ataque se faz aos valores que a harmonia carregava (e ainda carrega) dentro de si e é capaz de simbolizar como poucas realizações do espírito humano: uma concepção de civilização.13 bailados, sua música para igreja) e bem mais pelo que sua música assimilava de uma infinidade de procedimentos, todos devidamente inscritos na sociedade de época” (SQUEFF, 1989, p. 23). 12 Conforme Schwanitz, as teses revolucionárias de Rousseau foram construídas em torno de um grande antagonismo: “a natureza é boa, a sociedade, ruim. [...] A esse antagonismo está associada uma série de outros: à natureza pertence tudo o que não é artificial, mas verdadeiro: o sentimento, a espontaneidade, a autenticidade, a honestidade, a falta de arbitrariedade, a vida no campo, os povos primitivos, os selvagens (que são nobres) e a criança deixada ao curso da natureza. [...] à sociedade nociva pertencem as convenções, a moda, a dissimulação, a cortesia, o teatro, a máscara, a elegância, a amabilidade, as instituições e tudo aquilo com que controlamos nossos impulsos para poupar os outros” (SCHWANITZ, 2007, p. 302). Rousseau se referia então à sociedade do antigo regime, anterior à Revolução, mas posteriormente suas idéias serviram para fundamentar qualquer crítica à sociedade (idem). Segundo Moscateli (2004, p. 639-640), apesar das divergências, as opiniões de Voltaire e Rousseau sobre a civilização, em especial a civilização parisiense, possuem muitos pontos em comum. Os dois escritores denunciaram as contradições de uma sociedade que se acreditava superior às outras pelo refinamento de seus costumes. Ambos mostraram a costumeira discrepância que havia entre as palavras e os atos, como se a polidez fosse uma espécie de mero ornamento que os parisienses usavam quando a ocasião o exigia, e não o caráter verdadeiro desses cidadãos bem mais complexos do que suas aparências. Ambos compreenderam que a civilização era uma máscara que os homens vestiam para tornar possível a convivência, para sublimar os sentimentos negativos resultantes das imensas desigualdades sociais, para acobertar os privilégios da elite com a aparência da legitimidade. Rousseau revela em seus textos que, “para viver na capital francesa era necessário aceitar essa máscara como uma segunda face, incorporandose o personagem que ela representava, aprendendo suas falas e os atos que lhe eram condizentes. Se a Paris do século XVIII tornara-se um grande teatro [...], a civilização era a peça que nela se encenava” (MOSCATELI, 2004, p. 640). 13 A própria palavra civilização é uma criação do século XVIII (DESNÉ, 1974, p. 83; WILLIAMS, 2007, p. 119). Conforme o dicionário Houaiss (2001), a palavra ocorre na França em 1721 (recorde-se que o Traité de Rameau é de 1722). Em 1757, civilização tem sentido de aquilo que “torna os indivíduos mais sociáveis”. Em 1767, implica no “estado ideal de evolução material, social e cultural para o qual tende a humanidade”. Conforme Elias (1994, p. 53-54) o conceito de civilização emerge no ambiente das moderadas oposições burguesas presentes na estrutura social francesa da segunda metade do século XVIII, contrastando-se com o conceito de Kultur da classe média alemã. Na França de Rousseau, o conceito de civilização tinha a função de “expressar a auto-imagem da classe alta européia em comparação com os outros” (ELIAS, 1994, p. 54). “Civilize era, como cultive, poli ou policé, um dos muitos termos [...] com os quais os membros da corte gostavam de designar, em sentido amplo e restrito, a qualidade específica de seu próprio comportamento, e com os quais comparavam o refinamento de suas maneiras sociais, seu ‘padrão’, com as maneiras de indivíduos mais simples e socialmente inferiores” (idem). Conforme Williams, o sentido de civilização, a partir do século XVIII, “é uma combinação específica das idéias de um processo e de uma condição social adquirida. Tem atrás de si o espírito geral do Iluminismo com sua ênfase no autodesenvolvimento humano secular e progressivo. Civilização expressou esse sentido de processo histórico, mas também celebrou o sentido associado de modernidade: uma condição adquirida de refinamento e ordem” (WILLIAMS, 2007, p. 83). Em seu estudo abordando a linguagem e argumentos desenvolvidos em torno da idéia de civilização na França dos séculos XVII e XVIII, Starobinski (2001) informa que essa palavra, com o sentido moderno de processo de aperfeiçoamento do homem, entrou para o dicionário na segunda metade do século XVIII. Segundo Starobinski, “a palavra civilização pôde ser adotada tanto mais rapidamente quanto constituía um

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A harmonia – entendida como conjunto de relações sonoras reguladas racionalmente (DAHLHAUS, 1999, p. 49) – é um emblema forte e denso, uma parte ou um produto capaz de representar o todo da concepção de sociedade civilizada que Rousseau está questionando. 14 Dessa forma, as motivações que levaram Rousseau a escolher a harmonia para saco de pancada são várias e vão muitíssimo além das questões especificamente musicais. A longa trajetória histórica da harmonia é depositária da longa trajetória da própria civilização. A harmonia decorre da civilização – essa “verdadeira inimiga da natureza” (BENÉVOLO, 2002, p.65) –, é uma de suas conseqüências necessárias, uma continuação natural. A harmonia significa, ou é percebida como, o estado ideal de evolução para o qual tende a música moderna: racional, natural, universal, física, matemática, bela, capaz de mover as paixões e os afetos. Ilustrada, digna e inteligente, a harmonia é a própria representação musical da civilização. As investidas de Rousseau contra a harmonia nos termos em que a pratica Rameau é toda uma crítica a uma historicidade fechada em si mesma; e que seria encerrada nas teorias de Rameau. A harmonia como fruto de um processo histórico teria se feito à imagem e semelhança das classes dirigentes européias; tão falsa quanto elas mesmas. [...] Para ele [Rousseau], a “música cortesã” [...], por ter se limitado a seu ethos particular, ao de uma classe, perdeu o seu próprio rumo (SQUEFF, 1989, p. 42). Além da harmonia se caracterizar por esses aspectos da sua longa historicidade, aos quais se somam os poderosos aportes racionais mais recentes colocados por pensadores seicentistas de grande prestígio como Descartes e Mersenne, Rousseau – um homem cultíssimo (SQUEFF, 1989, p. 31) – evidentemente percebe em Rameau um rival ideal e possível: forte e respeitado musicalmente, mas ao mesmo tempo menos forte em sua formação intelectual e talvez o único músico oponente que se achava ao nível da discussão que Rousseau estava propondo. Naquela França do meio do século XVIII, a vocabulário sintético para um conceito preexistente, formulado anteriormente de maneira múltipla e variada: abrandamento dos costumes, educação dos espíritos, desenvolvimento da polidez, cultura das artes e das ciências, crescimento do comércio e da indústria, aquisição das comodidades materiais e do luxo. Para os indivíduos, os povos, a humanidade inteira, ela designa em primeiro lugar o processo que faz deles civilizados (termo preexistente), e depois o resultado cumulativo desse processo” (STAROBINSKI apud MOSCATELI, 2004, p. 642). 14 Nesse momento de sua trajetória, o eterno militante Rousseau encontrou oportunidade de, contra a harmonia, dar grande repercussão à sua preocupação da vida toda com a arte como portadora do caráter nefasto das instituições humanas, “é um tipo específico de arte que o filósofo tem em vista. Não se trata daquilo que constitui a essência da arte, mas daquilo que ela se tornou, na forma que adquiriu no decorrer dos tempos. Em outras palavras, Rousseau está visando uma ‘figura histórica’, corporificada nas ciências e nas artes de seu tempo, e não a natureza da arte” (FREITAS, 2007, p. 115-116).

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rivalidade com a harmonia qualifica o debate revisionista, pois com Rameau, compositor prestigiado e aplaudido nos círculos aristocráticos, a ciência da harmonia (em sentido stricto) alcança um estágio público e notório de sistematização que poucas ciências até então conheciam. E, mesmo que se possa lembrar que as novas áreas do conhecimento que emergiram ao longo dos séculos XVII e XVIII, com Galileu, Descartes, Pascal e Newton, por exemplo, são muito mais cientificas e racionais do que a arte da harmonia, resta sempre o fato inigualável de que a harmonia (em sentido lato e simbólico) se mantém como um destacado campo adversário culto e consideravelmente sistematizado que acompanha a civilização desde a antiguidade grega. Essa longa historicidade convém à Rousseau, que tenta posicionar sua crítica à civilização precisamente revendo suas origens em textos como o Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens de 1755 (ROUSSEAU, 1978, p. 200), e mais especificamente, no que tange às questões musicais, no Ensaio sobre a origem das línguas no qual se fala da melodia e da imitação musical (ROUSSEAU, 1978, p. 157).15 Essa volta às origens, como se sabe, nos leva à motivação central que Rousseau tem para eleger a harmonia como alvo inimigo, que reside no fato de que, sendo patrimônio simbólico, emblemático e concreto do desenvolvimento da razão humana, a harmonia pode ser colocada sinteticamente como perfeita antagonista da melodia. E isso facilita e desloca a discussão, pois confunde o grande verdadeiro antagonista de Rousseau (que não é Rameau), mas sim o logos, o

pai e mãe da

harmonia (em todos o sentidos). O logos, entendido “como palavra pensante e relação matemática” (TOMÁS, 2002, p. 52) 16 é a doutrina que, no pensamento grego, defende que a origem, a substância ou causa do mundo, é a razão. Com o cristianismo, o logos passa a ser identificado com a pessoa divina, o Deus criador e seu filho, Jesus Cristo, que pode ser entendido como a encarnação no mundo do poder e saber absolutos da razão divina. No conhecido Prólogo do Evangelho de São João essa identificação se revela em versículos como “O logos tornou-se carne e viveu entre nós” (ABBAGNANO, 1982,

15

Conforme Bastide e Machado (1978, p. 149-156), Rousseau originalmente chamou esse texto de Ensaio sobre o princípio da melodia. O trabalho só foi impresso postumamente e tem sua datação incerta entre finais de 1750 e inícios de 1760. 16 Ver Tomás (2002, p. 51-84).

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p. 601-602).17 E foi contra a civilização do logos, no questionável estágio que ela se encontrava em sua época, que Rousseau se revoltou contra as muitas conotações intelectuais, materiais, sociais e morais que o logos carrega desde a antiguidade clássica, da teologia cristã e das conotações filosóficas mais recentes, agregadas pelos racionalismos clássicos e cartesianos do século XVII e dos racionalismos do Iluminismo do século XVIII. Contra a sociedade do logos - da razão que se manifesta em todas as ínfimas articulações do sistema de harmonia defendido por Rameau -, Rousseau empunhou a bandeira da melodia. Melodia que, por estar próxima ao “grito da natureza” (GUINSBURG, 2006, p. 43), serve como emblema ideal de uma outra concepção de sociedade que se contrapõe à sociedade da razão. Para Rousseau “as paixões falaram antes da razão” (apud SAMPAIO, 1998, p. 25). Na sua revisão sobre o primordial, sobre as origens, sobre aquilo que existe de mais antigo, contra a máxima ocidental cristã que afirma que “no princípio era o Verbo [Logos] e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus” (João 1.1), Rousseau encontra a emancipadora potência iluminista burguesa para audaciosamente contra-afirmar que, no princípio – antes de tudo, do verbo, do logos, da razão, da história, da civilização, das matemáticas, da polifonia e da harmonia - era a melodia. Como ilustração do fato de que, nesses termos, o antagonismo melodia versus harmonia é irreal e da ordem da mais aguda fachada retórica, podemos notar a produção composicional de Rousseau, que evidentemente nunca foi literalmente monódica, ou ainda os verbetes dos vários assuntos relacionados à harmonia – reconhecidamente competentes e bastante sintonizados ao conhecimento de sua época – que Rousseau escreveu para o seu dicionário musical. Ou, por outro lado, a produção artística de Rameau que obviamente não praticava uma harmonia 17

Conforme Houaiss (2001) a palavra vem do grego logos, pelo latim verbum, significando: linguagem, proposição, definição, palavra, noção, razão, senso comum, motivo, juízo, opinião, estima, valor que se dá a uma coisa, explicação, e a razão divina. O conceito atravessou a história e ao tempo de Rousseau já acumulava muitas variações de significado mais ou menos confluentes no conceito cristão moderno de razão. Para Heráclito de Éfeso (século V a.C.) o logos é um conjunto harmônico de leis, regularidades e conexões que comandam o universo, formando uma inteligência cósmica onipresente que se plenifica no pensamento humano. No estoicismo, desenvolvido por várias gerações de filósofos, o logos é a força criadora e mantenedora do universo, agindo como princípio ativo que anima, organiza e guia a matéria, além de determinar a lei moral, o destino e a faculdade racional dos homens. No misticismo filosófico de Fílon da Alexandria (século I d.C.), no neoplatonismo e no gnosticismo, o logos é a inteligência ativa, transformadora e ordenadora de Deus em sua ação sobre a realidade, semelhante a um instrumento de ação ou um princípio intermediário entre a divindade e o universo material. Na filosofia patrística dos primórdios da Igreja, logos é a sabedoria divina manifestada no mundo, revelada plenamente em Cristo, e refletida palidamente na inteligência humana.

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literalmente pura (sem melodia, sem letra, sem respiração e tessitura, sem instrumento, sem articulação e dinâmica, sem gênero, sem forma, etc.) como vez por outra se pretende caracterizar a harmonia a partir da abstração teórica “pura” que só existe no mundo de faz de conta dos tratados e manuais. Como sugere Kremer (1986, p. XXXVI) em seu ensaio introdutório ao Traité de I'harmonie (1722) de Rameau, podemos ter uma boa noção dos termos, conceitos e notas atribuídas aos acordes na segunda metade do século XVIII, consultando a Table de tous les accords reçus dans l’harmonie (algo como Tabela de todos os acordes admitidos na harmonia, integralmente reproduzida aqui no Quadro 1) elaborada por ninguém menos do que Jean-Jacques Rousseau para o seu Dictionnaire de musique de 1767 (ROUSSEAU, 1998, p. 17-21). Quadro 1: Mostruário dos nomes e notas constitutivas dos acordes segundo Rousseau, 1767.18

TABLE De tous les Accords reçus dans l’Harmonie ACCORDS FONDAMENTAUX ACCORD PARFAIT ET SES DÉRIVÉS Acorde perfeito e suas inversões

ACCORD SENSIBLE OU DOMINANT, ET SES DÉRIVÉS Acorde maior com sétima menor ou Dominante, e suas inversões

1. Accord Parfait

2. Accord de Sixte

3. Accord de Sixte-Quarte

4. Accord Senfible

5. De FauffeQuinte

6. De PetiteSixte majeure

7. De Triton

C

C/E

C/G

G7

G7/B

G7/D

G/F

Conforme o modo, a terça desse acorde pode ser alterada para maior ou menor

Nenhum som desse acorde pode ser alterado

ACCORD DE SEPTIEME ET SES DÉRIVÉS Acorde com sétima (tétrade) e suas inversões

8. Accord de Septième

9. De Grande-Sixte

10. De Petite-Sixte mineure

Dm7

Dm7/F

Dm7/A

11. De Seconde

Dm/C

ACCORD DE SEPTIEME DIMINUÉE ET SES DÉRIVÉS Acorde diminuto e suas inversões

12. Accord de Septième diminué

13. De Sixte majeue & FauffeQuinte

C#º



14. De Tierce mineure & Triton



15. De Seconde fupperflue

Bbº

F6 Nesse acorde, a terça, a quinta e a sétima podem ser alteradas 18

Nenhum som desse acorde pode ser alterado

A partir de Rousseau (1998, p. 17-21). No quadro, as cifras são apenas hipotéticas, elas não aparecem no trabalho de Rousseau e servem aqui apenas para comparação com eventuais cifras que atualmente poderiam indicar esses acordes.

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Quadro 1: (continuação).

ACCORDS PAR SUPPOSITION ACCORD DE SIXTE AJOÛTÉE ET SES DÉRIVÉS Acorde com sexta acrescentada e suas inversões

16. Accord de Sixte ajoûtée

17. De Petite-Sixte ajoûtée

18. De Seconde ajoûtée

19. De Septième ajoûtée

Am7

C6

C6/E

C6/G

Am7/C

Am7/E

Am/G

ACCORD DE NEUVIEME ET SES DÉRIVÉS Acorde com nona e suas inversões

20. Accord de Neuvième

21. De Septième & Sixte

F9

F9/A

22. De SixteQuarte & Quinte

F9/C

23. De Septième & Seconde

G7sus4 F/G

A inversão iguala esse acorde ao acorde com sétima (tétrade)

ACCORD D’ONZIEME OU QUARTE Acorde com décima primeira

24. ACCORD DE SIXTE SUPERFLUE

25. ACCORD DE QUINTE SUPERFLUE

26. Accord de Neuvième & Quarte

27. Accord de Quarte

B7/F

Fmaj7(#5)

C6/D

D4

F7 Acorde de 6ª Aumentada

Acorde de 5ª Aumentada

28. De Septième & Quarte

A7(4)

29. De Seconde& Quinte

30. ACCORD DE SEPTIEME SUPERFLUE

A4/G

G/C

31. ACCORD DE SEPTIEME SUPERFLUE ET SIXTE MINEURE

G#º/C

Am/D

SubV7

Rousseau menciona explicitamente (1998, p. 16) que nesse trabalho sua referência é o systême de Monsieur Rameau e elabora uma Table que tem vários méritos singulares. Rousseau sintetiza numa mesma tabela informações que se encontram espalhadas em diferentes pontos de diferentes obras de Rameau, que como se sabe, empenhou toda a vida reformulando e aperfeiçoando seu próprio sistema e também algum tempo criticando ferozmente os escritos sobre música de Rousseau. Como Rousseau publica seu dicionário três anos após a morte do octogenário Rameau, esse mostruário de acordes assinala o final de uma época da teoria da harmonia na França iluminista, já que esses dois importantes protagonistas não vão mais reelaborar suas teses sobre como são e como devem ser chamados os acordes. Nesse momento de virada na história da nossa disciplina, o maduro philosophe-musicien

Rousseau

encontra

condições

(repertório,

publicações,

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ambiente, críticas, etc.) bastante adequadas para sua tarefa de revisão e síntese, uma espécie de estado da arte representativo desses 45 anos que separam a primeira publicação teórica de Rameau dessa que será a última grande publicação especificamente sobre música de Rousseau. Explícitos ou implícitos encontram-se nos textos de Rousseau, como no Ensaio sobre a origem das línguas, aqueles princípios enunciados já no Ensaio sobre a origem dos conhecimentos humanos de Condillac, de 1746, segundo os quais tudo o que a razão possui passou primeiro pelos sentidos, não sendo a razão, em sentido amplo, algo simples ou primário, senão o fruto do entrosamento de todas as demais faculdades do homem, que se processa numa passagem das idéias simples às idéias complexas, isto é, da razão sensitiva ou pueril à razão intelectual e humana (BASTIDE e MACHADO, 1978, p. 150-151). Para Rousseau, a harmonia não pode ser primordial, não pode ser aquilo que está na origem (como a seu modo defende Rameau), pois a harmonia já é evidentemente uma elaboração muitíssimo complexa que toma parte desse desenvolvimento racional e intelectual do homem. Em contraposição, Rousseau defende que a emissão melódica simples e sensitiva é algo primordial. Para Rousseau o termo inicial da evolução das línguas aproxima-se da enunciação melódica, o que um dia veio a ser a fala, fazia-se originalmente através de um cantar primitivo, uma melodia instintiva ou em estado natural que, muito menos complexa do que as elaborações que a música vai sofrer ao longo da história da civilização, corresponderia às interjeições arrancadas do aparelho fonador pelos impulsos instintivos mais simples. 19 Por isso a melodia aproxima os homens, porque a emissão e percepção dos contornos melódicos é uma capacidade primordial do homem, é uma música que está em todos, é algo que nos identifica numa base de igualdade verdadeira e pura que não a Razão, vista sempre como manipulação artificiosa e enganadora.20 Por isso a 19

Conforme Squeff, para Rousseau as palavras – assim como com as melodias – não começam pelo raciocínio, mas sim pelo sentimento: “Todas as paixões aproximam os homens [...] Não é a fome, ou a sede, mas o amor, o ódio, a piedade, a cólera que lhes arrancaram as primeiras vozes. Os frutos não fogem de nossas mãos, é possível nutrir-se sem falar; acossa-se em silêncio a presa que se quer comer; mas, para emocionar um jovem coração, para repelir um agressor injusto, a natureza impõe sinais, gritos e queixumes. Eis aí as mais antigas palavras inventadas, eis por que as primeiras línguas foram cantadas e apaixonadas antes de serem simples e metódicas” (ROUSSEAU, Ensaio sobre a origem das línguas..., apud SQUEFF, 1989, p. 30). 20 Conforme Le Goff, por textos como o Discours sur le rétablissement des sciences et des arts (1750), e o Discours sur l'origine et les fondemens de l'inégalité parmi les hommes (1754), Rousseau foi e continua sendo compreendido como alguém que defende “uma teoria de regressão histórica, de antiprogresso,

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polifonia e a harmonia afastam os homens, porque dependem de civilização, de elaboração racional e de treinamento especializado, de um poder que reside no saber fazer, de uns que vão apenas ouvir aqueles que sabem. A harmonia é um aforismo prático e moral daquilo que não é para todos, como obra do logos ela está na origem da desigualdade entre os homens. Baseada em privilégios, supremacias, ordenações hierárquicas fixas e universais, a harmonia rompe o contrato social, seu modo de operar e seu efeito são negativos na convivência social dos humanos.21 Atualmente, se nos esquecermos de que nas querelas tanto a harmonia quanto a melodia são pretextos para digressões amplas e que “as razões de ambos os lados estavam além dos limites técnicos da música” (SQUEFF, 1989, p. 35), os termos da controvérsia setencentista podem nos enganar facilmente: já que Rousseau vociferava contra a harmonia, por fidelidade à nossa arte e ofício, podemos ser levados a escolher ingenuamente o partido de Rameau. Já que Rameau era a favor do natural, podemos tentar defende-lo, nos esquecendo de que ele sustentava uma concepção convencional e conservadora de natureza cientificista, racional e físico matemática. E essa escolha desavisada, um tanto corporativista e demasiadamente simples, pode nos levar na trilha errada se pretendemos seguir os caminhos da harmonia através dos séculos XIX e XX. Descartar as razões de Rousseau – o grande precursor do Romantismo acusando a civilização de corromper a humanidade” (LE GOFF, 2003, p. 254). Contudo, ao falar de estado natural (o estado da melodia) Rousseau não está defendendo uma regressão da humanidade, e sim discutindo a sua própria época (a época da harmonia). Nas palavras de Rousseau o estado natural é “um estado que já não existe, que talvez nunca tenha existido e que provavelmente nunca existirá e sobre o qual é necessário possuir noções justas para bem julgar do nosso estado presente” (ROUSSEAU apud LE GOFF, 2003, p. 254). No Du contract social (1762), ao contrário de regredir, Rousseau propõe ao homem “transformar o atual estado de constrangimento em estado de razão e a sociedade, que é obra da cega necessidade, em obra da liberdade” (CASSIRER apud LE GOFF, 2003, p. 254). 21 Na tradição da filosofia política liberal, especialmente em Hobbes (1588-1679), Locke (1632-1704) e Rousseau (1712-1778), por contrato social entende-se a convenção ou acordo de natureza tácita ou explícita, estabelecido por indivíduos livres, autônomos e interessados na vivência plena da cidadania, que regula a legislação, o governo e todas as disposições institucionais básicas de uma sociedade (HOUAISS). No contrato social “o indivíduo renuncia seus direitos em prol da comunidade” (SCHWANITZ, 2007, p. 302-302) e em Rousseau esse conceito expressa uma volonté générale, “uma espécie de interesse comum e objetivo (não a opinião da maioria)” (idem). O trabalho de Rousseau, intitulado Do contrato social ou princípios do direito político (ROUSSEAU, 1978) foi escrito em 1757 e publicado em 1762. Como coloca Moscateli (2007, p. 27-28), na maior parte das vezes o nome de Rousseau é associado às origens da democracia moderna em função das suas defesas da soberania popular e dessa volonté générale, que em Rousseau constitui o fundamento da lei em uma república ideal. Ainda conforme Moscateli, no Contrato Social, seu texto político mais importante, a dura crítica que Rousseau dirige à civilização de sua época – e assim também à poderosa, ultracivilizada e absolutista teoria da harmonia –, não se separa das fortes acusações contra o estado absolutista e contra o poder real. Tal crítica se baseia em princípios éticos, desafiando também a separação entre política e moral, já que, para a metodologia de análise rousseauniana, “é preciso estudar a sociedade pelos homens, e os homens pela sociedade; quem quiser tratar separadamente a política e a moral nada entenderá de nenhuma das duas” (ROUSSEAU, Emílio... apud MOSCATELI, 2007, p. 27).

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(BASTIDE e MACHADO, 1978, p. xvii; BORNHEIM, 2005, p. 80; SCHWANITZ, 2007, p.303) –, pode nos afastar do fato de que sua reação crítica aos ideais racionalistas foi essencial para a formação disso que agora entendemos como harmonia após as tantas ebulições que a nossa arte sofreu na contemporaneidade. Rousseau está do lado daqueles que lutaram para superar os limites que o Iluminismo reconheceu serem próprios da razão humana, do lado daqueles que buscam “aquilo que a razão não pode dar” (ABBAGNANO, 1982, p. 827). Conforme Bornheim (2005, p. 80-84), com Rousseau o tema da razão dá lugar ao tema da nova acepção da natureza que, para Rousseau, é o sentimento interior. Sua doutrina tem como ponto de partida a interioridade, o voltar-se sobre si mesmo, a atitude subjetiva. O sentimento passa a ser considerado o fator básico da vida.22 Como não podemos deixar de notar, o escorregadio e dispendioso termo natureza adere tanto ao programa de Rameau quanto ao de Rousseau,23 mas o sentido evocado em cada caso é praticamente oposto: “Enquanto Rameau fala da natureza das coisas, Rousseau fala da natureza do homem” (KINTZLER apud SAMPAIO, 1998, p. 22). Com a ajuda das reflexões de Lopes-Graça (1978, p. 90-92), podemos dizer que, 22

Conforme o estudo de Silva (2007, p. 47-68), a noção de sentimento no século de Rameau, preconizada por vários autores como fundamento da moral, corresponde a uma multiplicidade de concepções e formulações, dentre as quais se reconhecem como principais, embora as muitas divergências, as de Voltaire e as de Rousseau. O sentimento, visto como uma dimensão fundamental da existência, englobando toda a vida afetiva e as emoções, tem papel chave na concepção de Rousseau porque é por meio dele que nascem os conceitos morais. Em Rousseau, o sentimento, na medida em que é consciência, é o primeiro modo da existência humana, algo que garante a nossa conservação e difere da sensação que pertence à simples vida animal. Ainda conforme Silva, a natureza dos sentimentos, sua gênese, definição e valorização constituem um sistema moderno que substitui a teoria setecentista das paixões. Tomando como referência o Discurso sobre a o origem da desigualdade entre os homens de Rousseau, Silva observa que é possível distinguir três tipos de sentimentos: “os sentimentos primários, próximos da natureza física; os sentimentos de ternura e pacificação, que favorecem os laços sociais e os sentimentos puramente sociais denominados ‘paixões’” (SILVA, 2007, p. 48). Para Rousseau as paixões primárias (como alegria, tristeza, desejo, etc.) são todas derivadas do amor de si, sentimento inato e máximo que origina outros sentimentos e valores morais. (Além do amor de si, outros sentimentos inatos listados por Rousseau são: o temor da dor, o horror à morte e o desejo de bem estar. SILVA, 2007, p. 47). As paixões secundárias surgem nas relações com o outro e desenvolvem-se sob efeito da atração ou da coação social em uma infinidade de sentimentos que caracterizam o homem imerso na vida moral. Assim, no núcleo da doutrina rousseauniana relativa ao sentimento, a consciência, instinto divino, nasce “dessa dupla relação, consigo mesmo e com os seus semelhantes” (ROUSSEAU, Emílio... apud SILVA, 2007, p. 68). Em Rousseau, “só um sentimento pode impor-se ao outro e anulá-lo; o entendimento, como tal, é, por si mesmo, impotente frente aos sentimentos. As idéias só possuem força em relação aos estados afetivos quando adquirem também o vigor dos sentimentos” (SILVA, 2007, p. 49). Um dos pontos de maior polêmica das teses modernas a propósito dessa moral de sentimento foi o relançamento do debate em torno da possibilidade de ser ateu e virtuoso e o questionamento sobre a possibilidade da existência de uma moral eficaz anterior ao cristianismo (idem). 23 Sobre os deslocamentos de sentido do termo natureza,“a grande palavra-chave do Iluminismo” (GROUT, 1994, p. 480), ver Abbaganano (1982, p. 669-672), Fubini (1994, p. 178), Micheli (1990, p. 1154), Lovejoy (1965, p. 69-77), Salazar (1984, p. 35-39), Videira (2006, p. 39) e Williams (2007, p. 295).

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pelo lado de Rameau a harmonia é natural porque ela é uma construção do esprit géométrique,

24

é um sistema racional baseado nas categorias imediatas da

consciência, algo que pode ser apreendido e controlado através da representação escrita e cujos princípios se firmaram justamente na época considerada por excelência a época do racionalismo – os séculos XVII e XVIII. A harmonia é uma necessidade matemática, uma projeção do fenômeno sonoro natural na extensão mecânico-instrumental e na espacialidade da escrita musical. Por outro lado, com Rousseau podemos perceber que a melodia é um fenômeno natural, pois ela é uma duração psicológica do tempo, uma fruição temporal revelada na voz humana e determinada em grande parte por considerações de ordem fisiopsicológica. A melodia é um fenômeno natural facilmente observável nos cantares do povo que a pratica de maneira intuitiva e espontânea desconhecendo toda e qualquer lei científica. A melodia pertence à oralidade, àquilo que não se pode escrever, está ligada à natureza sensível e ao esprit finesse. Instintiva e emocional, a melodia decorre do impulso, do apetite criador, do gênio e da aptidão, nela está ausente todo artifício e todo recurso engenhoso que são considerados procedimentos mecânicos enganosos, antinaturais e forçados através dos quais se procura corrigir, disfarçar ou refazer o que a natureza por si mesma já faz tão bem.

24

Conforme Cassirer, o tratado De l'Esprit géométrique (Do espírito geométrico, 1657 ou 1658) do matemático, filósofo, físico e escritor francês Blaise Pascal (1623-1662), “dedica-se a determinar cuidadosamente os limites das ciências matemáticas da natureza e da ciência do espírito” (CASSIRER, 1997, p. 35). Nesse trabalho Pascal diferencia, em função de suas respectivas estruturas e usos, o esprit géométriquee do esprit finesse. O esprit géométrique relaciona-se com as faculdades da razão, com a abstração intelectual, com a capacidade de estabelecer relações, com a aptidão para o encadeamento lógico das idéias e com a capacidade discursiva e demonstrativa. Seus princípios são palpáveis, claros e objetivos, porém são especializados e estão mais distantes das pessoas comuns. O esprit finesse, com várias conotações (tais como agudeza de espírito, sutileza, finura, sagacidade, acuidade de percepção, pensamento e sentimento), está relacionado com a intuição, com a inteligência concreta (ou prática), com aquilo que não pode ser claramente demonstrado, seus princípios são comuns aos homens, porém, em relação ao espírito geométrico, são menos objetivos e substanciosos e mais comumente podem nos conduzir ao erro. Pascal com isso alerta que existem objetos e saberes próprios para o esprit géométrique e outros que não, pois são próprios ao esprit finesse e que assim, a confusão entre essas duas inteligentes formas de raciocinar inevitavelmente provoca equívocos: “um espírito que é ‘correto’ num domínio poderá tornar-se ‘falso e insuportável’ noutro” (GRANGES. 1988, p. xviii). No senso comum e na cultura popular aprendemos o pensamento de Pascal através de sua célebre máxima “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. “O coração, essa forma singular de inteligência [...] é a intuição dos princípios indemonstráveis. [...] Pascal não está afirmando que o sentimento e a inteligência se opõem. Está mostrando que há no homem duas maneiras de conhecer: o conhecimento intuitivo e imediato de uma verdade (p.ex., que o espaço tem três dimensões) e o conhecimento discursivo ou mediado de uma realidade (p.ex., que a quarta proporcional é encontrada pela operação com os outros três elementos dados). (GRANGES, 1988, p. xix).

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A harmonia [...] possuindo apenas beleza de convenção, jamais agrada aos ouvidos que não se instruíram a esse respeito e só com reiterado hábito poderse-á senti-la e saboreá-la. [...] Quando se alteram as proporções naturais, não é de espantar que não exista mais o prazer natural. Um som traz consigo todos os sons harmônicos concomitantes, naquelas relações de força e de intervalos que devem ter entre si para causar a mais perfeita harmonia desse mesmo som. Juntai-lhe uma terça ou uma quinta, ou qualquer outra consonância, e não a estarei juntando, mas sim redobrando-a, pois estarei conservando a relação intervalar, porém alterando a de força. Reforçando uma consonância e não as outras, rompeis a proporção. Desejando fazer melhor do que a natureza, fazeis pior (ROUSSEAU, 1978, p. 190). Com Rousseau melodia é natureza: é pura manifestação do sentimento interior por meio da entonação da palavra cantada. A melodia, imitando as inflexões da voz, exprime as lamentações, os gritos de dor ou de alegria, as ameaças, os gemidos. Devem-se-lhe todos os sinais vocais das paixões. Imita as inflexões das línguas e os torneios ligados, em cada idioma, a certos impulsos da alma. Não só imita como fala a sua linguagem, inarticulada mas viva, ardente e apaixonada, possui cem vezes mais energia do que a própria palavra. Disso provém a força das imitações musicais e nisso reside o império do canto sobre os corações sensíveis (ROUSSEAU, 1978, p. 190).25 A melodia é coisa do coração (e por isso mesmo é natureza), é aquilo que se contrapõe à razão e à abstração intelectual, é o fluir da vida frente ao rigor da doutrina, é a mobilidade do sentimento diante da imobilidade do intelecto (FUBINI, 2002, p. 73). Relidas e apropriadas tais idéias de Rousseau encontram profunda repercussão no espírito dos pré-românticos. 26 Conforme Volobuef (2007, p. 130),

25

Conforme Dahlhaus (1999, p. 51), para Rousseau “as belezas puramente harmônicas são belezas eruditas”. Dahlhaus adverte ainda que o termo natural em Rousseau pode também possuir sentido pejorativo, já que Rousseau, em desacerto terminológico consigo mesmo, chamava de “musique naturelle”, com conotação de “ruído vazio”, a música harmônica (a “série de harmônicos naturais”) e a música instrumental. 26 Conforme Volobuef (2007, p. 129-130), os impulsos pré-românticos europeus foram fomentados por aqueles que, ainda no século XVIII, começaram a defender valores como a liberdade da imaginação, a expressão dos sentimentos, a admiração por Shakeaspeare (em contraposição ao modelo estético pautado nos clássicos franceses como Boileau, Racine e Corneille), o elogio à espontaneidade, intuição e originalidade do artista, à autonomia do ato criativo e a inspiração do gênio. Nessa via, onde o nome de Rousseau se destaca, estão personagens como o inglês Edward Young (Conjectures on Original Composition, 1759), o alemão Gotthold Ephraim Lessing (Hamburgische Dramaturgie, 1767-69), obras como o Ossian (Fragments of Ancient Poetry, 1760) de James McPherson e as Vozes dos povos (Stimmen der Völker, 1778-79) de Johann Gottfried von Herder e, a produção literária ligada ao Sturm und Drang com obras representativas de Gottfried August Bürger (Lenore, 1773), Goethe (Werther, 1774) e Friedrich Schiller (Os salteadores, 1781). Nesse ambiente, o nome de Rousseau será utilizado na Alemanha “como bandeira por aqueles que criticam uma situação em que as idéias iluministas de progresso convivem com condições político sociais ainda feudaus” (VOLOBUEF, 2007, p. 129). A força de Rousseau será tão nítida na Alemanha que, para Schwanitz, “Rousseau não deveria ter sido francês, e

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frases de Rousseau como – “Eu senti antes de pensar” (As confissões, 1764-70) – se tornaram emblemas da prioridade do sujeito emotivo acima do sujeito pensante: “Introduz-se assim a crença, à qual todo o Romantismo permanecerá fiel, de que a irracionalidade é uma força positiva: o caos constrói, compõe. E Nietzche dirá: É necessário que o caos vos habite, para que possais dar à luz uma estrela bailarina” (BORNHEIM, 2005, p. 82). Reafirmando esse programa rousseauniano Goethe dirá: “o sentimento é tudo”, a expressão máxima da natureza é o gênio, algo indefinível, inexplicável e incompreensível. “Em lugar do artista erudito preconizado pela tradição classicista, [o gênio é] o poeta animado pelas paixões” (VOLOBUEF, 2007, p. 130). O gênio é aquele que expressa as emoções em seu íntimo, buscando o derramamento de sua originalidade ele deve ser único, peculiar e diferenciado e assim, desprezar os modelos e convenções (sociais e estéticas) preexistentes. “O gênio, por isso mesmo, não conhece leis: ele é sua própria lei” (BORNHEIM, 2005, p. 82). O verbete “Génie” elaborado por Rousseau para seu Dictionnaire de Musique pode ilustrar aqui como a força de suas idéias atravessou o século XIX e XX e – de modo especial no registro coloquial, popular e do senso comum – ressoa até os dias de hoje: GÊNIO, s.m. Não busques, jovem Artista, o que é o Gênio. Se o possuis, tu o sentes em ti mesmo. Senão, jamais o conhecerás. O Gênio do músico submete o universo inteiro à sua arte. Ele pinta todos os quadros por meio de sons, ele faz o próprio silêncio falar. Ele exprime idéias por meio dos sentimentos; os sentimentos, por acentos; e as paixões que ele exprime, ele as excita no fundo dos corações. A volúpia, por seu intermédio, assume novos encantos; a dor que ele faz gemer arranca gritos. Ele queima sem cessar e não se consome jamais. Ele exprime com calor a geada e a nevasca, e mesmo ao pintar os horrores da morte, ele traz na alma esse sentimento de vida que não o abandona nunca, e que ele comunica aos corações talhados para senti-lo. Mas, ai! Ele não pode dizer nada àqueles nos quais seu germe não está presente, e seus prodígios são poucos sensíveis a quem não é capaz de imitálos. Queres, então saber se alguma fagulha desse fogo devorador te anima? Corre, voa a Nápoles para ouvir as obras-primas de Leo, de Durante, de Jommelli, de Pergolesi.27 Se teus olhos se enchem de lágrimas, se sentes teu sim alemão” (SCHWANITZ, 2007, p. 302). Sobre a presença de Rousseau no pré-romantismo ver Dahlhaus (1999, p. 48-58). 27 Rousseau se refere à notáveis da Ópera Italiana do Barroco tardio: os compositores Leonardo Leo (16941744), Niccolò Jommelli (1714-1774) e o célebre Giovanni Battista Pergolesi (1710-1736), o autor do Intermezzo La Serva Padrona (1733) que serviu de estopim na Querela dos Bufões. Francesco Durante (1684-1755) foi um compositor e influente pedagogo italiano, lembrado como o fundador da Escola Napolitana, pois foi professor dos mais famosos compositores dramáticos dessa escola (tais como:

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coração palpitar, se estremecimentos te agitam, se a opressão te sufoca em teus arrebatamentos, tome o Metastásio e trabalhe; o Gênio dele aquecerá o teu; tu criarás por meio de seu exemplo; é isso que faz o Gênio, e outros olhos logo te devolverão as lágrimas que teus Mestres fizeram-te derramar. Mas se os encantos dessa grande Arte te deixam tranqüilo, se não tens nem delírio nem êxtase, se achas apenas belo o que arrebata, como ousas perguntar o que é o Gênio? Homem vulgar, não profanes esse nome sublime. Que te importaria conhece-lo? Não saberias senti-lo: faz música francesa (ROUSSEAU apud PRADO, 2007, p. 147-148).28 Com essa argumentação estamos antecipando algo da mentalidade romântica do século XIX, pós-Rameau e pós- Rousseau, mas essa antecipação tem o propósito de sublinhar o fato de que o controverso Rousseau – que não escreveu propriamente nenhum tratado de harmonia e que realmente empenhou grande esforço falando mal da nossa arte - importa à harmonia contemporânea no mínimo na mesma medida que o nosso querido patrono Rameau. Com Rameau a nona de um acorde é um intervalo de nona, uma distância entre dois sons que pode ser medida de maneira racional, objetiva e universal. Mas com Rousseau abriu-se o caminho para que pudéssemos também reaprender que uma nona é bem mais do que um conhecimento exterior, matematizado, frio e mecânico. Dentro de nós uma nona é sentimento, uma coisa da arte, um valor subjetivo e cortante, não imóvel, não universal, mas sim algo particularizado que nos permite um mergulho na nossa própria interioridade humana. Com Rousseau ganhamos entusiasmo para fugir daquela harmonia que tende a nos aprisionar em convencionalismos estéreis. Como coloca Roberto Romano nas orelhas do livro de Marques (2007), com Rousseau aprendemos a ter cautela diante da racionalidade científica e técnica desprovida de sentimentos, “a estrita racionalidade só conhece o mundo exterior ao homem; a imaginação, quando livre das amarras lógicas, gera beleza interior. Na fantasia não existem contraditórios insolúveis como na lógica apenas intelectual. Nela, afirma

Pergolesi, Traetta, Terradellas, Piccini, Jommelli, Sacchini, Guglielmi, Paisiello, Fenaroli). Rousseau se refere a seguir à Pietro Metastásio (Pietro Trapassi, 1698 -1782), o grande poeta e escritor, já anteriormente mencionado, lembrado como o “maior libretista do século XVIII” (COELHO, 2000, p. 181). 28 Para Rousseau, “quem não tem essa genialidade dentro de si, jamais a encontrará em parte alguma. Ela não pode ser aprendida ou comandada, pois brota do coração e para os corações que igualmente carregam o gérmen dessa criatividade. Para Rousseau, os prodígios do gênio não podem ser efetivamente fruídos por aqueles que não sentem, eles próprios, aquele fogo devorando a alma. [...] Portanto, o ‘gênio’ segundo Rousseau é alguém cuja arte nasce da capacidade de comover-se ao extremo diante de uma obra estética. A genialidade está associada à agitação incontrolável e ao anseio que não pode ser saciado senão pela permanente busca de emoção artística. E essa emoção é de tal natureza que exclui a observação serena, o julgamento racional, o distanciamento. Tais atributos caracterizam o ‘homem vulgar’, que permanece insensível à frente dos arroubos do verdadeiro artista” (VOLOBUEF, 2007, p. 130-131).

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Maxime Alexandre, ‘uma princesa nasce de uma gota de sangue, as árvores cantam, ocorrem chuvas de vinho ou as rosas caem como neve, as correntes dos riachos são de puro leite’”, e nem todos os acordes que escolhemos vão encontrar uma justificativa apenas lógica e estritamente racional. Vale notar ainda que, a defesa cega do partido da harmonia dos músicos profissionais geralmente, e mesmo atualmente, descamba a desmerecer Rousseau (1712-1778) como compositor que, como artesão musical vai mostrar um domínio dos quesitos técnicos bastante aquém dos gênios musicais de sua época (como Rameau, o grande Bach e seus filhos, os Scarlatti, Haendel, Vivaldi, Christoph Willibald Gluck, Niccolò Piccinni, ou mesmo Haydn e Mozart etc.). 29 Mas, “é com Jean-Jacques Rousseau que nascerão algumas idéias específicas sobre música e que darão o estofo para a criação de uma nova expressão musical” (SQUEFF, 1989, p. 29). No decorrer do século XIX e XX os desdobramentos das teses de Rousseau não podem ser seguidos em uma linha simples, única e de relações previsíveis de causa efeito. Sua defesa à atitude subjetiva, ao sensível, ao emocional, ao intuitivo, ao gênio, à interioridade e ao voltar-se sobre si mesmo, tomava como emblema a melodia. Mas, com o tempo, todo esse programa da melodia rousseauniana fundiu-se perfeitamente à harmonia, e 29

Nesse sentido são emblemáticas as críticas dirigidas à Rousseau pelo erudito alemão Johann Nikolaus Forkel (1749-1818), o célebre primeiro biografo e admirador profissional de Bach: portanto um inimigo natural de Rousseau, já que Bach, como dizia Beethoven e muita gente concorda “é o pai da harmonia” (RUEB, 2001, p. 306). Como comenta Benévolo (2003, p. 65-66), Forkel, em sua pioneira história geral da música (Allgemeine Geschichte der Musik, de 1788 e 1801), polemiza as concepções musicais defendidas por Rousseau em várias obras e desqualifica Rousseau como um “radical” e um “amador”. Como contextualiza Benévolo, o discurso de Forkel está impregnado do sentido de decadência que Forkel vê em toda a música que veio depois de J. S. Bach. A contextualização que Adolfo Salazar faz das concepções de Forkel também contribui para dimensionar a relutância de Forkel às idéias e à música do diletante Rousseau. Como coloca Salazar na contra capa de sua tradução da famosa monografia de Forkel Sobre a vida, arte e obras de Johann Sebastian Bach (Über Johann Sebastian Bachs Leben, Kunst und Kunstwerke, 1802), Forkel presenciou o apogeu dos clássicos e a aparição do acento romântico. Adorador do antigo – e cego à toda inovação que detestava acima de tudo –, Forkel exaltou o barroco de Bach, cuja majestosa polifonia considerou exemplo perene da ciência e arte musical, de gosto depurado e de perfeição eterna alcançada pela persistente exigência que a si mesmo Bach se impunha. Essas idéias de Forkel evidentemente se chocam com as idéias de Rousseau para quem a harmonia (polifonia) é um “invento gótico e bárbaro” (Cf. DAHLHAUS, 1999, p. 50-51). Outro aspecto a ser considerado que não escapa a Salazar é o fato de que na sua maturidade Forkel escreve numa Alemanha que atravessa uma crise de nacionalismo, assim seus escritos carregam sempre uma paixão patriótica, que em parte matizam e em parte distorcem seus juízos e opiniões (SALAZAR, 1993, p.11). E essa paixão patriótica alemã tende a se intensificar quando se trata de emitir parecer sobre a música da França, país contra o qual a Alemanha vivenciou, vivencia e vai vivenciar muitos conflitos culturais, filosóficos, econômicos e bélicos que, como nos conta Schwanitz (2007, p. 144), envenenou o relacionamento entre ambos os países. Os tons patrióticos dos elogios de Forkel vão contribuir para a deificação do nome de Bach como a raiz verdadeiramente nacional da linhagem pura dos grandes compositores alemães (onde estão Beethoven, Brahms ou Wagner) que se elevam acima de todos os demais e representam a tradição da grande, erudita e universal tonalidade harmônica (Cf. Dahlhaus, 1999, p. 116-124 e Rueb, 2001, p. 47-51).

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confundiu-se

também

na

rítmica,

na

instrumentação,

na

orquestração,

na

interpretação, na improvisação, nas formas e gêneros musicais, repercutindo por fim em todas as reentrâncias da notável música oitocentista tonal, culta e européia. Em sua “nostalgia da antiguidade” (DAHLHAUS, 1999, p.51) Rousseau se refere à melodia como algo que tem letra e serve para ser cantado na ópera. Mas, “em uma repentina inversão do juízo estético” (DAHLHAUS, 1999, p. 56), seu ideário foi absorvido como uma das bases da novíssima música instrumental culta que, na viragem do século XVIII para o XIX, foi se legitimando cada vez mais como entidade estética autônoma, autosuficiente e liberta inclusive dos condicionalismos e supostos vocais que até então regiam e caracterizavam a música. No século XVIII, contra a leiguice rousseauniana, o experiente Rameau quis ser visto como alguém que defendia uma atitude científica em relação à arte da harmonia, mas com o correr do século XIX, como uma espécie de Rameau às avessas, o controverso e genial harmonizador Wagner, que de leigo não tinha nada, foi visto – nas duras críticas que recebeu de Nietzsche em 1888 – como alguém que defende que “é pecar contra o sublime e o sagrado ter uma atitude científica” (NIETZSCHE, s/d, p. 35).30 Como compositor Rousseau foi um grande philosophe da tonalidade harmônica, como músico Rousseau foi um pensador perdurável e imensamente influente. Conforme Volobuef (2007, p. 130), as idéias de Rousseau – com sua ênfase em liberdade, sentimento e natureza – abriram caminho para que o protesto social também reverberasse no plano literário e se transformasse em protesto estético. Sua atitude motivou o interesse pela música popular e pela música extra-européia (EIGELDINGER, 1998, p. 20) 30

31

e abriu um precedente que ao longo da

Conforme Prado (2007, p. 142) “um dos pontos de destaque presentes nas mais influentes teorias do gênio sempre foi uma prioridade da inspiração ou da sensibilidade [características que se aplicam ao personagem Rousseau] sobre o conhecimento prático ou o academicismo ditador de regras [que se aplicam ao personagem Rameau]”. Prado cita uma passagem das Confessions VII de Rousseau que pode ilustrar minimamente o teor das controvérsias. Após mencionar o fato de que Rameau depreciava sua produção composicional como “fruto do trabalho de alguém que se iniciara nos mistérios da música sozinho”, Rousseau escreve: “Rameau começou, desde a abertura, a dar a entender, com seus elogios extremados, que ela [a ópera] não podia ser de minha autoria. Ele não deixou passar nenhum trecho sem dar sinais de impaciência. Mas, em uma ária de contratenor, cujo canto era másculo e sonoro e o acompanhamento muito brilhante, ele não pôde se conter: dirigiu-me imprecações com uma brutalidade que escandalizou a todos, sustentando que uma parte do que acabava de ouvir provinha de um homem consumado na arte, e o resto de um ignorante que não sabia nada de música. É verdade que meu trabalho, desigual e sem regras, era ora sublime, ora banal, como deve ser o de qualquer um que se eleva apenas por alguns impulsos do gênio, sem sustentação na ciência” (ROUSSEAU apud PRADO, 2007, p. 142). 31 Para Myers, “o interesse pela música não ocidental remonta à época dos descobrimentos, e a atração científica e filosófica por outras culturas ao Século das Luzes. O Dictionnaire de musique de JeanJacques Rousseau (1768) constitui um bom reflexo do espírito da época ao incluir amostras do folclore europeu, da música dos índios norte-americanos e da china” (MYERS, 2001, p. 20).

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contemporaneidade autorizou os rebeldes não músicos a defender suas legítimas causas musicais. Causas leigas, que em certo momento foram vistas como “o triunfo do fácil, do sentimental e do não profissional”, ou ainda como “a noite que desceu sobre a música francesa por mais de cem anos” (GIRDLESTONE, 1989, p. 505) –, mas que para outros se mostraram como causas musicais não viciadas nos tecnicismos altamente profissionalizados, música de imperitos que vez por outra, em seus devaneios de caminhantes solitários, se rebelam revigorando toda a cena musical. Com Rousseau – “por seu entusiasmo excessivo pela natureza, sua hostilidade em relação à sociedade e às suas convenções, por sua forma de se apresentar como outsider perseguido e sua devoção ao sentimento” (SCHWANITZ, 2007, p. 302) – está a atitude que move algo do comportamento que percebemos em Jimmy Hendrix e nos Beatles, em Dorival Caymmi e no Clube da Esquina, ou em harmonizadores tão diferentes como Guinga e Bob Marley. Por tudo isso é bom pensar bem antes de tomar partido apressadamente. Olhando bem, o desassossegado Rousseau pode ser visto como um dos mentores fundamentalmente importantes para as vozes dissonantes da harmonia contemporânea, tanto ou mais que o nosso velho patrono Rameau visto hoje como um representante emblemático do “academicismo carola” (PRADO, 2007, p. 142). A comparação da competência musical de Rousseau com os mais célebres músicos profissionais de seu tempo é também uma contraposição assimétrica e truncada que pode gerar uma série de mal entendidos. Músicos como Rameau, Haendel ou J.S. Bach, situam-se no auge de um processo musical que se iniciou muito antes e vai também repercutir muito adiante, enquanto que as atitudes de Rousseau prenunciam um novo ciclo artístico e musical que não amadurece nele.32 Aquilo que as idéias de Rousseau vão desencadear na história da cultura, só vai se refletir musicalmente de maneira plena e madura mais tarde, na geração romântica que, como sabemos, também gerou vários mitos de estatura equiparável aos gênios do barroco. 33 Quando comparamos o patrimônio sólido e estático de uma época, o

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Sobre os pontos essenciais da reforma melodramática que tem como ponto de partida o Devin du Village de Rousseau, bem como sobre a repercussão da filosofia rousseauniana nas matérias da música ver Eigeldinger (1998, p. 17-20). 33 Mitos como Beethoven que, reinventando à sua maneira o método da rêverie de Rousseau, “andará diuturnamente pelos bosques e campos nos arredores de Viena em busca da inspiração que, no fundo, ele acreditará encontrar exatamente por ser da natureza” (SQUEFF, 1989, p. 28). Conforme Werneck – que em seu estudo trata da presença (e da ausência) do programa rousseauniano justamente na obra de LéviStraus–, “Rousseau chama de rêverie os momentos em que, durante seus passeios solitários, deixa pensamentos e sensações fluírem livremente, sem cuidados ou resistências. A palavra francesa rêve (sonho), da qual deriva rêverie, guarda significados secretos. Sua etimologia está presa à idéia de

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apogeu consumado de um estilo ou de um grande artista, com um movimento ainda sem patrimônio que mal começa ensaiar os passos de um novo caminho, vamos conduzir uma avaliação crítica de valor enviesado que possivelmente não fará jus a nenhuma das partes.34 Conforme Lévi-Strauss (1997, p. 71-96), Chabanon foi um dos pensadores pouco lembrados atualmente que, ainda na França setecentista, pioneiramente percebeu a possibilidade de superação e síntese das antíteses representadas por Rameau e Rousseau em uma nova época que vinha surgindo.35 Nas querelas a propósito da superioridade da

vagabundagem, de errância. [...] Em todas as acepções, trata-se sempre de sair de si, de desviar-se do caminho, de extravagar” (WERNECK, 2007, p. 94). Evocando a imersão total na experiência e no sentimento imediato, um estado profundo de febre e graça, onde os pensamentos estão entregues a si mesmos e “as imagens se cruzam e se combinam no cérebro, atravessando-o à sua revelia” (idem, p.98) o termo rêverie aparece no título da última obra de Rousseau: Rêveries du Promeneur Solitaire (Devaneios do Caminhante Solitário, 1777-78). 34 Também podemos perceber os efeitos colaterais dessas violentas contraposições assimétricas quando, como professores ou mesmo aprendizes de harmonia, insistimos em comparar o indivíduo que está iniciando sua formação musical com aqueles grandes mitos consagrados na galeria dos músicos gênios da nossa arte (da arte européia, que fique bem entendido). Atingindo tanto o músico em formação quanto o profissional, essa danosa comparação assimétrica – entre gênios, mitos ou deuses europeus com indivíduos normais que exercem ofícios musicais comuns – pode se acentuar ainda mais se, visto como um sujeito contemporâneo, rústico e primitivo, este sujeito músico vem do Terceiro Mundo, se sua referência musical de origem vem dos repertórios populares e provincianos, se esta cultura está ligada a núcleos familiares, classes sociais, costumes e crenças religiosas, etnias, línguas e traços fonéticos depreciados pelos valores cultos cosmopolitas, eurocêntricos e ou referenciados nos patrimônios musicais e culturais simbolicamente reconhecidos como pertencentes às elites instruídas dos paises ricos do hemisfério norte. Esse tipo de comparação fora de prumo, instala-se no âmbito de um fenômeno mais amplo que Stasi chamou de generalização em relação ao primitivo: “O primitivo esteve sempre relacionado à idéia de origem, pureza e naturalidade” (STASI, 2004, p. 175). As chamadas sociedades primitivas – desde os tempos de Rousseau – são percebidas pelos não primitivos como grupos que estão fora do tempo linear da história ocidental oficial, de modo que os primitivos são os mesmos em qualquer lugar e época. Atualmente, sublinha Stasi, o primitivo – no nosso caso, o rótulo se aplicaria ao sujeito em aculturação musical permanente (o eterno aluno de harmonia) e ou o artesão popular da harmonia tonal hoje, ambos em relação aos grandes gênios musicais do passado – se tornou sinônimo de vários outros termos: “Selvagem [...] tribal, Terceiro Mundo, subdesenvolvido, em desenvolvimento, arcaico, tradicional, exótico, ‘o registro antropológico’, o não Ocidental, o Outro... Todos tomam o Ocidente como a norma, definindo o resto como inferior, diferente, desviado, subordinado, subordinável” (TORGOVNICK, 1990 apud STASI, 2004). 35 Michel Paul-Guy de Chabanon (1730-1792), compositor, violonista e filósofo francês. Membro da Académie des inscriptions et belles-lettres (1760) foi o primeiro músico profissional admitido na Académie française (1780). Em sua obra teórica foi um precursor das concepções modernas sobre a natureza da música. Chabanon afirma a universalidade da música, língua natural do homem de todos os tempos e de todos os climas, e conclui que a música tem valor em si e não imita e não procura imitar (como queria Rousseau) nem tão pouco é afirmação de uma verdade essencial (como defendia Rameau). Suas principais contribuições, com destaque para os trabalhos de 1779 e 1785 que se ocupam das questões estético-musicais, foram: Sur le sort de la poésie en ce siècle philosophe (1764) ; Observations sur la musique et principalement sur la métaphysique de l’art. (Observações sobre a música e principalmente sobre a metafísica da arte, 1779); De la musique considérée en elle-même et dans ses rapports avec la parole, les langues, la poésie et le théâtre (Da música considerada nela mesma, e nas suas relações com a palavra, as línguas, a poesia e o teatro, 1785); Tableau de quelques circonstances de

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harmonia e da melodia, Chabanon supera e desatualiza a célebre dualidade com um entendimento bastante contemporâneo: “a harmonia existe implicitamente na melodia e a melodia existe implicitamente na harmonia, não se pode dizer qual das duas gera a outra, elas geram-se reciprocamente e, de um modo implícito, não podem subsistir uma sem a outra” (FUBINNI, 1986 apud VIDEIRA, 2006, p. 50).36 Chabanon levanta várias objeções contra Rousseau e outras tantas ressalvas em relação à Rameau. Discordando de Rousseau (e também de Dubos e Herder), recusa associar a origem da música à da linguagem articulada e, numa precoce e audaciosa valorização da música instrumental, estava convencido de que a palavra não influencia a música em nada (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 76-79; VIDEIRA, 2006, p. 53). Opondo-se também a tese de Rousseau que negava qualquer musicalidade à língua francesa em favor da melodiosa língua italiana, Chabanon vê vantagens no francês e, principalmente, considera que a música é soberana quanto à língua, pois a música molda as línguas de acordo com suas necessidades e sabe tornar musical qualquer idioma. Segundo Lévi-Strauss, parece que Rameau e Chabanon foram até amigos. No seu artigo Sobre a música da ópera Castor, Chabanon pronuncia seu elogio fúnebre à Rameau. Para Chabanon, graças a Rameau, a música deu um grande passo, mas, depois dele, essa arte tomará um outro rumo. “O riacho da música de Lully se divide em dois braços: um, ‘profundo vasto e extenso’, é Rameau [...], o outro, ‘engrossado por águas estrangeiras, é a música que teremos doravante’” (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 78). Contrariando a visão estereotipada que coloca Rameau como um gênio da harmonia, para Chabanon, surpreendentemente, Rameau foi grande principalmente por sua imaginação melódica “o que nele constituía o homem de gênio era o caráter completamente novo de seus cantos, sua prodigiosa variedade. Rameau foi um criador em melodia. Em harmonia, ele não teve e não pôde ter outro motivo eminente senão o de um teórico profundo” (LÉVI-STRAUSS, 1997, p. 78). Em Rameau, continua Chabanon, as belezas harmônicas são “limitadas, gastas e batidas” (idem). Para Chabanon, a arte não provém jamais de uma ma vie. Précis de ma liaison avec mon frère Maugris. Ouvrages posthumes publiés par Saint-Ange (memórias póstumas de Chabanon publicadas por seu amigo Saint-Ange, 1795). 36 Em seu exame da crítica francesa ao princípio da imitação à natureza, Videira, fazendo referências ao estudo de Lippman (1992, p.95-98), situa e analisa as contribuições de Chabanon em relação às teorias de Dubos, Bateux, Rousseau e Rameau (VIDEIRA, 2006, p. 49-55). Influenciado por pensadores de seu tempo como Morellet e Boyé (comentados por Lippman e Videira) os escritos de Chabanon “marcam uma das primeiras tentativas de levar a cabo uma estética da arte autônoma, independente da doutrina da imitação” (VIDEIRA, idem, p. 49). O estudo de Vendrix (1990) ambienta as concepções de Chabanon no contexto das revoluções estético-musicais decorrentes, ou relacionadas, à noção de revolução que, como um todo, perpassa os mais diferentes aspectos da cultura francesa da segunda metade do século XVIII.

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reflexão teórica, pelo contrário, a reflexão teórica é que instala seu raciocínio a partir do que é evidência na arte; a harmonia não possui leis estritas e definitivas, mesmo Rameau, que acreditava nisso e alegava tê-las descoberto, acrescentava em seguida que “as exceções são quase tão freqüentes quanto à regra” (idem). Dando como contraargumento o fato de que por séculos os homens passaram sem a harmonia e que muitas nações estrangeiras e povos selvagens não a empregam, Chabanon julga que a harmonia não está ligada aos fundamentos naturais e universais da música, como queria Rameau, e defende o “cantar”, mais como queria Rousseau, como aquilo que está mais próximo do princípio e da essência da música (VIDEIRA, 2006, p. 50-51). Aproximando-se de Rameau, para quem “a música é autonomamente expressiva; expressiva precisamente em seus meios musicais” (FUBINNI, 2002, p. 81), Chabanon defende que “os sons em si não possuem uma significação precisa, nunca apresentam idéias claras e distintas” (CHABANON apud VIDEIRA, 2006, p. 51), sendo essa reivindicação da autonomia musical um dos aspectos mais modernos da obra de Chabanon (idem, p. 55). Esse processo de superação e síntese das querelas da era moderna e iluminista se expande em várias direções. As posições que antes pareciam claramente definidas em sólidas oposições inconciliáveis vão se pulverizar anunciando, em fusões embaralhadas e imprevistas, que os tempos da época contemporânea começam a surgir. Em poucas palavras, a sentença de Friedrich Schlegel parece alcançar toda a atitude fundante dessa nova época: “Unam os extremos e terão então o verdadeiro meio” (F. SCHLEGEL, Lyceum, n. 74 apud ROSEN, 2004, p. 184). 37 Em 1854, cem anos depois do auge das querelas entre Rameau e Rousseau, o crítico musical e futuro professor de estética musical e história da música da universidade de Viena, Eduard Hanslick (1825-1904), em seu célebre trabalho Do belo musical, um contributo para a revisão da estética da arte dos sons, 38 ainda opina 37

Os irmãos alemães August Wilhelm von Schlegel (crítico, tradutor, filólogo e professor universitário, 1767-1845) e Karl Wilhelm Friedrich von Schlegel (poeta, crítico, filósofo e tradutor, 1772-1829) pertencem ao grupo de pensadores notáveis que vai estabelecer a transição para um romantismo propriamente alemão e maduro (SALAZAR, 1984, p. 369), e são referências marcantes das concepções filosóficas e estéticas dos rumos musicais desse processo. Sobre o peso das concepções dos irmãos Schlegel na história da música do século XIX ver Dahlhaus (1999), Iriarte (1987), Meyer (2000), Rosen (2000, 2004), Salazar (1984), Suzuki (2007) e Vermes (2007). Sobre o grupo de pensadores préromânticos ao qual pertencem, ver Bornheim (2005). 38 Recentemente foram publicadas no Brasil leituras especialmente dedicadas ao trabalho de Hanslick, como a de Nattiez (2005, p. 117-139) e a de Videira (2004, 2005a, 2005b, 2006), que se somam ao já consolidado espaço de destaque que Hanslick ocupa na história da estética musical, como pode ser visto em Dahlhaus (1999), Fubini (1994, p. 325-334) e Kivy (1990).

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sobre a velha e esvaziada controvérsia entre harmonia e melodia que, no seu entender, teria sido conduzida de modo demasiadamente “superficial e atomístico”. Estabeleceu-se a melodia como inspiração do gênio, como portadora da sensibilidade e do sentimento (nessa oportunidade concedeu-se aos italianos um elogio magnânimo); em contraste com a melodia, apresentou-se a harmonia como portadora do conteúdo sólido, como susceptível de ser aprendida e como produto da reflexão.39 É estranho que um modo de ver tão pobre tenha podido satisfazer durante tanto tempo. À ambas as afirmações está subjacente algo de correto, mas não valem nessa generalidade nem se apresentam em tal isolamento. O espírito é um só e também uma só é a invenção musical de um artista. A melodia e a harmonia de um tema nascem simultaneamente numa mesma armadura na cabeça do compositor. Nem a lei da subordinação nem a do contraste atingem a essência da relação entre harmonia e melodia. Ambas podem aqui exercer uma força simultânea de desdobramento, e [...] submeter-se de bom grado uma à outra – num e noutro caso pode conseguir-se a máxima beleza espiritual (HANSLICK, 1994, p. 48). Cabe enfatizar que, como fomos vendo, na oportunidade das discussões que perpassam os séculos XVII e XVIII, mais do que os termos em si, isolados e esvaziados em seu significado puramente especializado ou técnico, a discussão vem se travando entre as densas concepções de mundo por eles representadas ou simbolizadas. Tais termos – melodia, harmonia, imitação, natureza, matemática, língua, sentimento, reflexão, etc. –, como já mencionado, carregaram consigo a história e os embates das culturas centro-européias latinas (Itália e França) e nórdica (Alemanha) que datam desde os tempos do renascimento humanista ou mesmo antes. São palavras-chave, palavras-patrimônios, com significações específicas e técnicas por um lado, mas por outro, conduzem implicações abrangentes interligadas à complexa cadeia de antíteses aqui delineada. As colocações de Hanslick não são ingênuas em relação a esse nível mais abrangente e profundo de problematização, elas sinalizam claramente que, no mundo culto germânico da segunda metade do século XIX, as preocupações realmente já serão outras, sinalizam que as questões estético-musicais estão se especializando em seu próprio campo, que o mundo da música culta mudou de data e de endereço e com ele, a arte e a teoria da harmonia também estão interessadas em conseguir a 39

Duzentos anos após o Traitè de Rameau, o professor, teórico e compositor alemão Ernest Toch (18871964), no prólogo de seu trabalho justamente intitulado Melodielehre (A Melodia ou Tratado de Melodia, publicado em Berlim em 1923, como resultado expandido e revisto de sua tese de doutorado em filosofia, defendida em 1914 na Universidade de Heidelberg), recoloca a discussão analisando as conseqüências dessa acentuada polaridade secular com as quais convivemos ainda hoje: “Existe um sem número de tratados de Harmonia, porém, que eu saiba, não existem nem tratados nem disciplinas que se ocupem da teoria da melodia. O que parece querer dizer que, certamente, a invenção de melodias é coisa que não pode ser ‘ensinada’, que deve ser mantida como filha da inspiração” (TOCH, 1989, p. 11).

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máxima beleza espiritual que nos fala Hanslick. Com os novos significados atribuídos à natureza, o desmoronamento da visão de mundo setecentista, a competência técnica das críticas de Chabanon nos finais do século XVIII, a mudança de endereço do pensamento musical e sobre a música da França para a Alemanha, os fortes deslocamentos estético-filosóficos que os escritos de Hanslick testemunham a partir da metade desse século XIX, e outros tantos indícios de que o mundo foi mudando, no decorrer desses mesmos anos os pontos de vista dos velhos antagonistas modernos Rameau e Rousseau foram sendo revistos, diluídos e gradualmente superados em valor, peso e extensão pelo mundo contemporâneo. Campinas, quarta-feira, 16 de janeiro de 2008. Sérgio Paulo Ribeiro de Freitas RA 811210 [email protected] Referências ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Mestre Jou, 1982. BASTIDE, Paul Arbousse; MACHADO, Lourival Gomes. Introdução ao Ensaio sobre a origem das línguas de Jean-Jacques Rousseau. In: ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do contrato social; Ensaio sobre a origem das línguas; Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens; Discurso sobre as ciências e as artes. 2. ed. São Paulo, Abril Cultural, 1978. p. 149-156. (Os Pensadores). BENÉVOLO, Caio. Fontes retórico-musicais na Era Clássica (1750-1830). Cadernos do Colóquio – Publicação do Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO, Rio de Janeiro, CLA-UNIRIO, p. 62-67, 2003. Disponível em: . Acesso em: 17 dez. 2007. ______. Tríade e falsa relação como centro e margem da tonalidade. Cadernos do Colóquio – Publicação do Programa de Pós-Graduação em Música do Centro de Letras e Artes da UNIRIO. Rio de Janeiro, CLA/Uni-Rio, v. 1, n. 5, 2002. BORNHEIM, Gerd. Filosofia do romantismo. In: GUINSBURG, J. (Org.). O Romantismo. São Paulo: Perspectiva, 2005. p. 75-111. BRÉCY, Robert. Florilège de la chanson révolutionnaire. De 1789 au front populaire. Paris: Éditions Ouvrières, 1990. BRONOWSKI, J.; MAZLISH, Bruce. A Tradição Intelectual do Ocidente. Lisboa: Edições 70, 1983. CANDÉ, Roland de. História Universal da Música. Volumes 1 e 2. São Paulo: Martins Fontes, 1994. CARRASCO, Ney. Sygkhronos: A formação da poética musical do cinema. São Paulo: Via Lettera, 2003. CASSIRER, Ernst. A Filosofia do Iluminismo. Campinas: Editora da Universidade Estadual de Campinas, 1997.

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