Contracenando com o dispositivo: éthos involuntário, metaperformance e o pontinho no nariz do Facebook - Comunicon 2016

May 28, 2017 | Autor: Marilia Pereira | Categoria: Communication, Social Media, Consumer Culture, Erving Goffman, Ethos
Share Embed


Descrição do Produto

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Contracenando com o dispositivo: éthos involuntário, metaperformance e o pontinho no nariz do Facebook1 Marília Duque Estrada Soares Pereira2 PPGCOM ESPM Resumo A partir da observação da rede social da própria pesquisadora, este artigo tem como objetivo verificar o papel do dispositivo nas performances identitárias no Facebook e apontar seus desdobramentos para o éthos dos atores. Na primeira análise, coletamos pistas e informações extras inseridas automaticamente em suas postagens, relacionando-as com o conceito de gestos involuntários de Goffman (2011). Na segunda, identificamos como o Facebook se apropria dessas performances para gerar metaperformances implicadas no fomento de novos consumos e interações nesta rede social, quando trataremos de seus desdobramentos nos campos da privacidade e da ética.

Palavras-chave: gesto involuntário, vigilância, metaperformance, consumo, ética

Rusbrock está enterrado há cinco anos; é desenterrado, seu corpo está intacto e puro (pudera! senão não haveria história); mas "havia apenas um pontinho no nariz que tinha um leve traço de decomposição". Sobre a figura perfeita e como embalsamada do outro (que tanto me fascina), percebo de repente um ponto de decomposição. É um ponto mínimo: um gesto, uma palavra, um objeto, uma roupa, alguma coisa insólita que surge (que aponta) de uma região que eu nunca havia suspeitado antes, e devolve bruscamente o objeto amado a um mundo medíocre. Seria o outro vulgar, ele cuja elegância e originalidade eu incensava com devoção? Ei-lo que faz um gesto através do qual se revela nele uma outra raça. Fico alarmado: ouço um contra-ritmo: algo como uma síncope na linda frase do ser amado, o ruído de um rasgo no invólucro liso da Imagem. (BARTHES, 1994, p. 19)

Este artigo tem como objetivo problematizar se e em que medida os dispositivos que dão forma ao Facebook impregnam as performances dos atores com informações capazes de reafirmar, mas também contradizer, a imagem que eles constroem para si, 1

Trabalho apresentado no Grupo de Trabalho 4, do 6º Encontro de GTs -Comunicon, realizado nos dias 13, 14 e 15 de outubro de 2016. 2 Graduada pela ECA-USP. Mestre pelo PPGCOM-ESPM. [email protected]

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

sempre em relação ao outro, através de seus discursos e consumos nesta rede social. Esta imagem considera a interação mediada para a qual o ator se prepara, investido de um papel que julga ser o mais adequado para contracenar com o outro em um contexto único com uma intencionalidade específica. Neste sentido, porque não se atua o tempo todo para todas as pessoas, mas para grupos sociais distintos, a cada interação o ator privilegia certos aspectos e oculta outros, esforçando-se assim para manter esses últimos longe da região da fachada a que o outro terá acesso (GOFFMAN, 2001). Desta performance narrativa, de sua leitura e de sua validação pelo outro, resultará o éthos do atores no Facebook ou, grosso modo, a reputação que lhes credenciará para os lugares de fala (MAINGUENEAU, 1997) que assumem nesta rede social. Neste contexto, abordaremos especificamente o papel mediador do dispositivo nas negociações entre o dito e o não dito e na passagem de pistas ocultas para a região da fachada. Para tanto, mobilizaremos o conceito de "gestos involuntários", definidos por Goffman (2001) como pequenos espasmos, atos falhos ou equívocos, algo que foge ao controle do ator, revelando informações que ele preferiria suprimir de sua performance. Neste sentido, como o "pontinho no nariz", tratado por Barthes (1994), essas informações extras vão impregnar a imagem e o caráter do ator percebidos pelo outro, atualizando seu éthos de forma involuntária, motivo pelo qual assumimos tratá-las como geradoras de um éthos involuntário no Facebook. Para verificar se e em que medida o dispositivo atua como gerador desse éthos involuntário, observamos a rede social da própria pesquisadora, durante o ano de 2015 e preponderantemente a partir da versão desktop, com a finalidade de coletarmos exemplos empíricos para ilustrar nossa proposição. A partir deles, contruímos também a hipótese de que há dois tipos de éthos involuntários produzidos diretamente pelo dispositivo. O primeiro deles decorrente das pistas adicionais agregadas à ação performada pelos atores e à revelia de suas vontades, funcionando como um adendo à sua enunciação, capaz de atribuir-lhe valor ou colocá-la em descrédito. E o segundo como consequência de uma ação direta do ator, que é reportada automaticamente pelo dispositivo para os amigos e

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

amigos de amigos3 de sua rede social. Neste sentido, porque o Facebook gera uma segunda performance em nome do ator com base em sua performance primeira, propomos tratá-la como uma metaperformance. Gestos involuntários acrescidos à performance pelo Facebook Em nossa observação, encontramos respaldo para a hipótese do Facebook acrescentar informações extras à performance dos atores, que funcionam como complemento às suas enunciações, podendo reiterá-las ou colocá-las em descrédito, produzindo um éthos involuntário que influenciará sua imagem e reputação em sua rede. Verificamos também que: a) algumas dessas informações estão relacionadas a práticas de consumo como mediadoras da construção identitária (CAMPBELL, 2006); b) alguns desses indícios assumem a função de "marcadores", definidos por Douglas & Isherwood (2004) como bens cuja posse sinaliza o pertencimento a certos círculos sociais e uma afinidade e status compartilhados entre seus detentores, como explicitaremos em algumas das situações observadas e analisadas a seguir. Data e horário da postagem/interação Toda performance no Facebook é acrescida de registro sobre data e horário em que ela ocorreu. O primeiro desdobramento disto é a informação de que o ator estava conectado a esta rede social naquele exato instante. O segundo é que espera-se uma coerência entre o teor do enunciado e o momento da enunciação. Neste sentido, por causa desta pista acrescida ao discurso, o ator pode ser flagrado em um "delito" (GOFFMAN, 2001), principalmente se considerarmos a problemática do colapso de contextos (BOYD, 2011) e a questão da ubiquidade (SANTAELLA, 2010) que trazem para ele novos desafios na gestão de públicos e no entrecruzamento de espaços comunicacionais. Para ilustrarmos suas implicações para o éthos do ator, dentro e fora do Facebook, proporemos situações hipotéticas. Imaginemos que um ator publicou um post de madrugada. Membros de sua rede social podem concluir que este ator sofre de insônia. Se 3

Essa visibilidade dependerá dos filtros de privacidade aplicados pelo ator a cada post.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

seu conteúdo fizer alusão a um evento ou festividade em véspera de um dia útil de trabalho, podem concluir que não é uma pessoa responsável. Se seu chefe fizer parte de sua rede social e tiver acesso a esta informação, pode usá-la para avaliar um baixo rendimento no dia seguinte de trabalho, podendo inclusive empregá-la para uma demissão por justa causa, como no caso real noticiado pelo site Migalhas4, por mais que isto represente uma vulneração da privacidade. Da mesma forma, informações de data e hora podem funcionar como álibi para os atores engendrados em um sistema de vigilância (BRUNO 2013) instaurado pelo dispositivo. Outro exemplo que ilustra esta proposição foi o ocorrido com Rodney Brasford5. Acusado e absolvido em um caso de assalto, sua defesa foi baseada em uma das suas atualizações de status no Facebook, cujo registro era exatamente da data e hora em que o crime teria ocorrido. Estes flagrantes trouxeram desdobramentos extremos para a reputação do ator. Mas os gestos involuntários de data e hora mostram-se igualmente importantes nas publicações mais ordinárias, quando podem apontar para uma coerência ou incoerência da enunciação performada pelo ator. Na figura 01 abaixo, por exemplo, o post selecionado foi publicado às 23h25 do dia 12 de outubro. M. Duque refere-se ao feriado (confirmado pelo Facebook, trata-se do Dia de Nossa Senhora Aparecida). M. Duque afirma que passou todo o feriado prolongado escrevendo e isso é validado pelo horário da postagem. É tarde da noite quando ela faz a contabilidade das horas empregadas e esta pista reforça a mensagem de esforço e comprometimento proposto por ela.

4 MIGALHAS. É válida justa causa a empregado que estava mal para ir ao trabalho, mas bem para ir a festas. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2015. 5 TECHTUDO. Dez casos inacreditáveis ocorridos no Facebook. Disponível em: . Acesso em 3 abril. 2016.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Figura 01 - exemplo de gestos involuntários de data e hora

Fonte: captada da Linha do Tempo da autora (Out. 2015)

Local da postagem/interação O Facebook também identifica o local de onde as publicações foram geradas. Não estamos tratando aqui da funcionalidade check-in, quando o próprio autor decide compartilhar sua localização. Ao contrário, trata-se de um gesto involuntário explicitado pelo dispositivo à revelia de sua vontade e incorporado à sua enunciação, podendo funcionar igualmente como um álibi ou um delator, como no caso do fugitivo que foi localizado a partir das informações de geolocalização contidas em uma de suas atualizações de status no Facebook6. Como na análise anterior dos gestos involuntários de data e hora, as pistas sobre localização colaboram para a vigilância e monitoramento do ator a partir da marcação involuntária de seu local de postagem. Percorrendo seus rastros, sua rede social pode desenhar um mapa de seu itinerário diário, bem como tomar conhecimento sobre uma possível viagem. É o que ilustram os posts abaixo, publicados no mesmo dia, que apontam que M. Duque transitou entre os bairros da Vila Madalena (figura 02) e Lapa (figura 03), em São Paulo. Figuras 02 e 03 - exemplos de gesto involuntário de local

Fonte: captadas da Linha do Tempo da autora (Out. 2015) 6

INTERATIVA. Infográfico – Quis um Like, levou um Block: 6 casos de criminosos que foram presos pelo Facebook. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2015.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Os gestos involuntários de local também podem colaborar para atestar a veracidade das performances dos atores, quando estabelecem uma relação de coerência com o enunciado. É o que observamos na publicação de L. Caramori (figura 04). A explicitação da cidade de Setagaya torna verídica sua proposição de fazer um "Haiku in loco". O ator refere-se ao formato pré-definido da poesia minimalista de origem japonesa que reproduz em seu post. E a proposição "in Loco" é confirmada pelo local marcado pelo Facebook, Setagaya, no Japão, conferindo autenticidade à enunciação, além de funcionar como um marcador adicional para um éthos do viajante com interesse na cultura japonesa. Figura 04 - exemplo de gesto involuntário de local

Fonte: captada do Feed de Notícias da autora (Out. 2015)

Além disso, a aparição em determinado local pode gerar um ruído na fachada do ator, uma vez que bairros e cidades possuem um imaginário e um valor (CANCLINI, 2003). Ao ser flagrado em um local, por conseguinte, o ator tem seu éthos impregnado pela reputação atribuída a ele. Neste sentido, entendemos que os gestos involuntários de localização funcionariam como marcadores, uma vez que sinalizam o acesso dos atores a determinados locais, qualificando-os com a reputação atribuídas a eles e formando uma comunidade a partir deste consumo. Configuração de privacidade O Facebook incorpora às postagens a configuração de privacidade atribuídas pelos atores a elas. Elas são visíveis para terceiros de duas formas "Público" ou "Amigos" e, dependendo do enunciado, podem trazer desdobramentos para a imagem atribuída ao ator. Um perfil configurado para "Público" pode sinalizar que o ator não tem nada a esconder,

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

funcionando como uma prova de autenticidade (CIRUCCI, 2014). Em relação ao teor da mensagem, se explicita informações íntimas do ator, esta configuração pode ser vista como um um desleixo com a privacidade ou mesmo como uma prática exibicionista (figura 05). Já a configuração "Amigos" pode sinalizar que o ator pensa sua performance para um público específico, buscando neste cuidado intimidade e adequação com ele (figura 06). Neste sentido, o importante é que os gestos involuntários de privacidade podem colaborar para que uma postagem seja vista como adequada ou inadequada, trazendo desdobramentos para o éthos do ator. Em sua análise, consideramos ainda inconsistente a proposição de que informações sobre configuração de privacidade nas postagens assumam função de marcadores, uma vez que não identificamos práticas de consumo ou estruturação de comunidade a partir delas. Figuras 05 e 06 - exemplos de visualizações do gesto involuntário de privacidade

Fontes: captadas da rede social da autora (Out. 2015)

Post editado O Facebook sinaliza quando, após a publicação, o ator volta ao post para alterar algum elemento em seu conteúdo original. Essa informação adicional pode levar a plateia a alguns questionamentos com desdobramentos para o éthos do ator. Ele cometeu um erro de português? Ele se preocupa com o que os outros podem pensar e por isso resolveu voltar atrás para ocultar algo dito ou acrescentar algo que tinha suprimido do enunciado? Ele mudou de opinião? Seja qual for a motivação, a informação "editado", incorporada à publicação pelo Facebook, denota, em última instância, que algo não saiu como esperado na performance original.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Sobre a função de marcador, consideramos a hipótese inconsistente para gesto involuntário de edição porque o mesmo não está relacionado com uma prática de consumo e, por conseguinte, não estrutura uma comunidade a partir da posse de determinado bem. Figura 07 - exemplo de gesto involuntário de edição

Fonte: captada do Feed de Notícias da autora (Out. 2015)

Dispositivo ou plataforma usados na publicação O Facebook identifica as publicações feitas a partir de dispositivos móveis informando sobre o sistema operacional usado nestas ações. É possível visualizar, por exemplo, quando um post foi feito via IOS (figura 08). Isso significa que o ator usa um dispositivo Apple, uma informação que passa a compor seu éthos uma vez que sinaliza uma prática de consumo e o acesso à uma marca cuja reputação foi identificada em pesquisa como a empresa mais inovadora do mundo, sendo reconhecida por privilegiar tecnologia e design7. Além disso, o Facebook também permite que conteúdos gerados em outras plataformas e aplicativos sejam replicados na rede social. E transforma essa informação em uma pista adicional integrada à publicação que sinaliza o consumo anterior deste dispositivo-origem (figura 09). Neste sentido, acreditamos ser pertinente a hipótese de que informações sobre dispositivo ou plataforma funcionem como marcadores, porque registram o consumo prévio deste bem investido de um valor e o acesso a uma comunidade formada por seus possuidores.

7

PPLWARE. Apple é a empresa mais inovadora do mundo, diz estudo. Disponível em: http://pplware.sapo.pt/informacao/apple-e-a-empresa-mais-inovadora-do-mundo-diz-estudo/. Acesso em: 16 out. 2015.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Figuras 08 e 09 - exemplos de gesto involuntário de dispositivo

Fonte: captadas do Feed de Notícias da autora (Out. 2015)

Fonte Assim como o Facebook agrega à performance dos atores informações sobre plataformas e dispositivos usados na publicação, também incorpora, com os mesmos desdobramentos para sua imagem, informações sobre a fonte de onde o conteúdo foi compartilhado (figuras 10 e 11). Quanto à função de marcador, a hipótese se mostra pertinente para gestos involuntários de fonte porque essas informações reportam para um consumo prévio (You Tube, Giphy) e porque estruturam uma comunidade daqueles com acesso a este bem. Figuras 10 e 11 - exemplos de explicitação de fonte pelo Facebook

Fonte: captadas da Linha do Tempo da autora (Out. 2015)

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Messenger: breve apontamento O Facebook também incorpora pistas extras sobre os atores na barra do messenger, disponibilizada na lateral da versão desktop e em tela independente na versão móvel. Nela, é possível acessar informações sobre: a) aniversário (ícone bolo); b) quando o ator está online (luz verde); c) dispositivo usado em sua última conexão (ícone celular sinalizando acesso de dispositivo móvel) e; d) tempo decorrido desde seu último acesso. Essa última informação, como nos gestos involuntários de data e hora, pode funcionar como álibi ou como delator em um regime de vigilância (BRUNO, 2013) estruturado pelo dispositivo. Além disso, nas janelas de conversas privadas, o Facebook sinaliza quando a mensagem foi enviada, recebida e lida8, trazendo especial desdobramento para a imagem do ator. Porque sinaliza que ele está disponível para uma convocação. Neste sentido, quando um interlocutor aciona alguém que está online no messenger e não obtém resposta, mesmo quando informado de que ele visualizou a mensagem, esse silêncio, carregado de significado (WATZLAWISCK, 1967), pode denotar uma desconsideração para consigo. Figura 12 - exemplo de gestos involuntários na barra do messenger

Fonte: captada do Facebook da autora (Out. 2015)

Metaperformance: a performance da performance no Facebook Além dos gestos involuntários acrescidos às postagens, toda interação no e com o Facebook é reportada à rede social dos atores acompanhada de um texto gerado pelo ABERTO ATÉ DE MADRUGADA. Facebook messenger ganha indicador de mensagens lidas com foto. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2015. 8

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

dispositivo que informa as conexões por trás daquela ação. Quando um ator compartilha ou curte algo, ou quando começa uma amizade com alguém, por exemplo, o Facebook cria um enunciado em seu nome: "ator X compartilhou o conteúdo Y da fonte Z", "ator X começou uma amizade com Y", "ator X curtiu conteúdo Y". Automaticamente, desta forma, o Facebook estrutura um éthos conectado em rede (PEREIRA, 2016) que é o resultado do somatório da reputação de todos os atores mobilizados na interação. Isto ocorre porque essas interações, propormos, devem ser entendidas como consumos, quando o éthos prévio dos atores transformam-se em bens acessíveis, alçando-os eles próprios à categoria de marcadores, como "amigos em comum", uma vez que comunicam para o universo de amigos e amigos de amigos o ingresso em certas equipes performativas. Essa metaperformance, gerada involuntariamente pelo Facebook a partir da performance dos atores, é empregada pelo dispositivo para fomentar novos consumos. Nesta visada, propomos que o dispositivo traz à tona interações que poderiam ficar restritas a uma ou duas redes sociais ou ocultas em níveis mais profundos de interação, dando assim visibilidade aos atores conectados cujas reputações funcionam como endosso ou chancela para novas interações, através das quais as redes associativas serão ampliadas com possibilidade de reconfiguração inclusive de redes emergentes (RECUERO, 2014)9. Esse tipo de consumo decorrente das metaperformances é favorecido por botões de comando, que viabilizam a conexão-consumo em apenas um click. Essa proposição pode ser ilustrada nos exemplos abaixo, por meio dos botões "Adicionar aos amigos" (figura 13), "Curtir Página" e "Comprar agora" (figura 14) e "Participar" (figura 15).

9

Neste sentido, em estudo realizado pela Syncapse (2013), 20% dos entrevistados declararam terem curtido uma página justamente porque viram que seus amigos já a curtiram antes.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Figuras 13, 14 e 15 - exemplo de gesto involuntário derivado de metaperformence

Fonte: captadas do Feed de Notícias da autora (Out. 2015)

Uma das principais consequências da metaperformance é que ela inviabiliza o "consumo secreto" no Facebook. Observado por Goffman (2001, p. 46) ao estudar o consumo de bebidas alcóolicas pelos hindus, o consumo secreto trata das práticas que não são bem-vistas pela sociedade e que, por isso, são levadas para fora da zona da fachada, protegendo o ator de uma depreciação de caráter decorrente dela. Quando, entretanto, o Facebook dá visibilidade a todas as interações nesta rede social transforma possíveis consumos secretos em gestos involuntários, que podem trazer desdobramentos negativos para o ator, caso a reputação do objeto consumido (seja ele uma nova amizade, uma página, um post, um comentário) esteja em desacordo com o éthos resultante de suas performances compartilhadas até este momento de lapso. Relacionamos essa hipótese com dados de pesquisa empírica que aferiu que 31% dos usuários do Facebook entrevistados declararam deixar de curtir uma página justamente porque não querem invadir a página de amigos com essa informação10. A situação contrária também é verdadeira. Ou seja, ciente de que o Facebook produzirá uma metaperformance que reportará determinada ação aos amigos e amigos de amigos, o ator também pode escolher consumir algo justamente para comunicar algum valor com o qual gostaria de ver sua reputação associada.

10 BUFFER. The secret psychology of Facebook: why we like, share, comment and keep coming back. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2015.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Figura 16 - inviabilização de consumo secreto (apenas L. Carneiro é amigo da autora)

Fonte: captada do Feed de Notícias da autora (Out. 2015)

Considerações finais: o Facebook como co-ator Identificamos nesta artigo como o Facebook interfere nas performances dos atores desta rede social, adicionando pistas às suas ações que funcionam como os gestos involuntários conceituados por Goffman (2001), dos quais é gerado um éthos involuntário que atualiza o éthos performado em rede. Além disso, verificamos que o dispositivo gera uma segunda performance que reporta uma primeira ação dos atores, transformando-a em uma metaperformance empregada para gerar futuros consumos a partir da reputação dos atores mobilizados por ela, que passam a funcionar como uma chancela ou endosso para novas interações. Boyd (2011) colabora para esta visada, ao afirmar que o Facebook desempenha papel central nas performances individuais, em suas interações com o outro e nas conexões e redes emergentes que ali se formam. Neste sistema informacional observamos que algumas pistas acrescidas pelo dispositivo podem funcionar como marcadores, na perspectiva de Douglas & Isherwood (2004), porque sinalizam o consumo de um bem cujo acesso estrutura um círculo social que confere status e distinção a seus possuidores. Desta forma, o valor ou reputação conferido a esses bens tornados visíveis é incorporado ao éthos dos atores de forma involuntária. Nesta visada, observamos que tanto coisas (locais, dispositivos, fontes) quanto pessoas (amigos em comum) podem assumir a função de marcadores no Facebook.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

Com os gestos involuntários e metaperformances ilustramos ainda como o Facebook estrutura um regime de visibilidade (BRUNO, 2013) que pode resultar em um delito ou em álibi para os atores. Consequência disto, os consumos secretos (GOFFMAN, 2001) são inviáveis nesta rede social. Mas, em contrapartida, conscientes deste mecanismo, e do éthos involuntário decorrente dele, os atores podem empregar essas pistas plantadas pelo Facebook para deixarem-se flagrar, integrando essas informações adicionais e reportes às suas performances identitárias. Por fim, uma breve consideração com relação à privacidade. A despeito do discurso de empoderamento dos usuários11 disseminado na comunicação das últimas alterações nas políticas de privacidade do Facebook12, Vitak (2013) observa entre os usuários uma baixa familiaridade com recursos de privacidade e segmentação de listas, cada vez mais sofisticados. Isso pode explicar algumas inadequações nas mensagens quando inseridas em um colapso de contextos e os consequentes desdobramentos para o éthos do ator quando compartilhadas em modo público ou semipúblico. Entretanto, em uma análise mais ampla dos gestos involuntários e da metaperformance, observamos que a deliberação individual e o controle sobre o que se manterá privado e o que será compartilhado é alienada pela plataforma, o que permite dar continuidade à essa discussão no campo da ética, como propõe Peres-Neto (2015). É nessa instância que "o pontinho no nariz" do Facebook deve ser analisado, considerando toda sua potência autoritária e performativa. Referências BAHKTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 11 ed. São Paulo: Hicitec, 2004. BARTHES, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1994. BOYD, Danah. Social Networks Sites as Networked Publics: Affordances, Dynamics, and Implications. In: PAPACHARISSI, Zizi (org). A Networked Self: identity, community, and culture on Social Network Sites. Nova Iorque: Routedge, 2011. 11 FACEBOOK. Privacy basics. Disponível em: . Acesso em 21 out. 2015. 12 R7. Facebook tenta simplificar sua política de privacidade. Disponível em: . Acesso em: 23 out. 2015.

PPGCOM ESPM // SÃO PAULO // COMUNICON 2016 (13 a 15 de outubro de 2016)

BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013. CAMPBELL, Colin. Eu compro, logo sei que existo: as bases metafísicas do consumo moderno. In: _____e BARBOSA, Lívia. Cultura, Consumo e Identidade. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006. CANCLINI, Néstor Garcia. A Globalização Imaginada. São Paulo: Editora Iluminuras, 2003. CIRUCCI, A. M. The Structured Self: Authenticity, Agency, And Anonymity In Social Networking Sites. Philadelphia: Temple University, 2014. Tese (PhD). Disponível em: . Acesso em 28 jan. 2016. DOUGLAS, Mary e ISHERWOOD, Baron. O mundo dos bens: para uma antropologia do consumo. Rio de Janeiro: UFRJ, 2004. GOFFMAN, E. A representação do eu na vida cotidiana. 9ª edição. Petrópolis: Vozes, 2001. MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. 3ª edição. Campinas: Pontes, 1997. PEREIRA, Marília. Ethos em rede: dinâmicas, apropriações e implicações éticas do éthos conectado no Facebook. São Paulo: PPGCOM-ESPM, 2016. Dissertação (mestrado). Disponível em: . Acesso em 09 abr. 2016. PERES-NETO, Luiz. Ética, Comunicação e Consumo: apontamentos a partir do estudo da privacidade. In: Anais 24º Encontro da Compós, Brasília, 2015. Disponível em: . Acesso em 28 jan. 2016. RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. 2ª edição. Porto Alegre: Sulinas, 2014. SANTAELLA, Lúcia. A ecologia pluralista da comunicação: conectividade, mobilidade, ubiquidade. São Paulo: Paulus, 2010. VITAK, J. The impact of context collapse and privacy on social network site disclosures. Journal of Broadcasting & Electronic Media, n. 4, v. 56, p. 451-47, 2012. Disponível em: . Acesso em 28 jan. 2016. WATZLAWICK, Paul; BEAVIN, Janet; JACKSON, Don. Pragmática da comunicação humana. São Paulo: Cultrix, 1967. SYNCAPSE. Why consumers become brand fans. Disponível em: . Acesso em: 16 out. 2015

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.