Contrastes simultâneos e futurismo

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D52

Primeira página de Saltimbancos (constrastes simultâneos), de José de Almada Negreiros (1916). Publicado na revista Portugal Futurista, «publicação eventual», director Carlos Filipe Porfírio, 1917 | First page of Circus Performers (simultaneous contrasts) by José de Almada Negreiros (1916). Published in Portugal Futurista magazine, «eventual publication», editor Carlos Filipe Porfírio, 1917

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CONTRASTES SIMULTÂNEOS E FUTURISMO

Mariana Pinto dos Santos

O convívio epistolar de Almada Negreiros com Sonia Delaunay é o sinal da possibilidade, em Portugal, da troca e contacto entre artistas de que Sonia dá conta nas suas memórias: «Naquele momento as pessoas escolhiam-se por afinidade. No fim de contas, todos os criadores viviam juntos ou pelo menos encontravam-se com frequência»38. Almada Negreiros dirige-lhe as mais entusiastas cartas numa língua que não dominava para aproveitar tanto quanto lhe estava ao alcance a presença em Portugal das afinidades artísticas que procurava. A relação de José de Almada Negreiros com Robert e Sonia Delaunay, em particular com Sonia, aparenta (e aparenta apenas) enfermar de uma lacuna da parte do artista português, pois, apesar da correspondência promissora quanto a projectos de colaboração com o casal, não só estes acabam por não se realizar, como parece que o próprio Almada não concretiza do ponto de vista plástico qualquer eco de uma relação que as cartas indiciam ser muito intensa. No entanto, do ponto de vista da arte enquanto criação, poiesis, como defenderá em textos e conferências posteriores39, verifica-se que Almada Negreiros, entre os 22 e os 28 anos, tem uma actividade criativa bastante marcada tanto pelo seu entendimento das propostas artísticas dos Delaunays como pela absorção do futurismo. Aliás, Almada Negreiros conjugará ambos, o orfismo dos Delaunays e o futurismo italiano, num acto de reinvenção de ambos num só. Em 1916 escreve Saltimbancos, com o subtítulo (contrastes simultâneos)40, (D51) que se mostra uma vertigem de imagens trazidas por palavras sem pontuação, numa experimentação profícua das «parole en libertá» [palavras em liberdade] advogada por Filippo Tommaso Marinetti41. O autor do Manifesto do Futurismo de 1909 usava uma abundância de onomatopeias e disposições tipográficas que procuravam sobretudo criar uma correspondência poética das amplitudes possíveis do som (de máquinas, de armas, da velocidade, do grito), que a escrita teria dificuldade em traduzir. Em Saltimbancos também há onomatopeias sonoras, mas o efeito das suas «palavras em liberdade» é principalmente visual. E o que se nota é que o subtítulo se justifica plenamente, pois as cores sucedem-se, ora directamente convocadas pelo seu nome ora por elementos a que elas correspondem imediatamente (mar, sol, relva, papoila, etc). O texto em três partes tem em cada uma delas um jogo de cores que imbricam umas nas outras, acelerando as imagens. A primeira parte, única com título («Instrução militar / volteio / e zora a ver os cavalos de cobrição»), começa com amarelo,

O Círculo Delaunay

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com uma guarita verde a desfazer-se no amarelo («a querer fu-

tórias de várias tonalidades, indicando combinações «agradáveis»

gir para dentro do sol») e continua por outras cores que embatem

e as «desagradáveis». Chevreul identificou também os contrastes

constantemente no dominante amarelo, sucedendo-se: vermelho,

sucessivos, isto é, contrastes que se desenrolam no tempo, com

amarelo, negro, cinzento, amarelo, cinzento, amarelo, verde, azul,

as cores precedentes a influenciar a percepção das seguintes.

amarelo, vermelho, azul, branco, azul, vermelho, cinzento, amare-

É esse mecanismo de contrastes sucessivos que podemos ver

lo, terminando em azul, cor complementar da que surgira no início,

aplicado na escrita em Saltimbancos, com as cores nomeadas a

amarelo. A segunda parte aparece com cores mais frias, começa

criar ambientes que logo se dissolvem em outras cores contras-

no azul, depois branco, laranja, roxo, verde-escuro. A terceira par-

tantes com as anteriores, verificando-se que a primeira parte abre

te tem o vermelho como cor dominante, começando no maillot de

e fecha com cores complementares, amarelo e azul, respecti-

Zora, a filha do Saltimbanco, e da sua cabeça vermelha do esforço

vamente. E também podemos ver aqui aquilo a que Sonia refere

da contorção em cima do tapete verde, sucedendo-se roxo, ama-

como uma aprendizagem possibilitada pela luz de Portugal por

relo, rosa, branco, vermelho, azul, carmim, verde, branco, verde,

forma a ir para além de Chevreul, «e encontrar ainda mais acor-

azul, laranja, amarelo, verde, verde, vermelho, terminando em ne-

des de contrastes, dissonâncias, quer dizer, vibrações rápidas que

gro, com a escuridão provocada pela destruição dos candeeiros de

provocam uma exaltação maior da cor pela vizinhança entre certas

acetileno do pobre circo onde o Saltimbanco persiste em manter

cores quentes e frias»43. Porém, se para Sonia estas «vibrações

o espectáculo, obrigando a filha e a mulher a acompanhá-lo, e onde

rápidas» que exaltam a cor serão o caminho para, partindo do real,

o seu cornetim toca, teimosamente, em contraste com a escuridão

chegar «naturalmente» à abstracção das formas elementares em

forçada, a nota sol. Mesmo neste final tão ruidoso de Saltimban-

que só ritmo e cor se manifestam44, em Almada essa dissonância

cos sobressaem ainda as cores na linguagem, em sinestesia entre

nunca deixa de servir um referente, uma história, mesmo que seja

nota musical e astro amarelo. Almada inadvertidamente chega ao

para os centrifugar numa reverberação veloz de imagens e suas

mesmo contraste que Robert Delaunay, nas suas pesquisas anos

ramificações. Encontramos isso mesmo, de formas diversas, em

antes, identificara: ao olhar de frente para o sol, insistentemente,

duas outras das suas obras literárias deste período, A Engomadei-

ora abrindo ora fechando os olhos, Robert constatara que isso pro-

ra (1915 [1917]) e K4 O Quadrado Azul (1917)45, mas também nos

vocava o aparecimento de discos negros na retina, percepcionados

poemas Mima Fataxa incluído no conjunto Frisos (publicado na

depois do esforço de olhar a luz intensa. O artista congratulara-se

revista Orpheu 1 em 1915), Litoral (1916) ou Mima Fataxa — Sin-

por tal descoberta — o negro do sol .

fonia Cosmopolita e Apologia do Triângulo Feminino (publicado na

42

Os contrastes simultâneos trabalhados pelo casal Delaunay

revista Portugal Futurista em 1917).

a partir da obra de Michel Eugène Chevreul, De la loi du contras-

No entanto, note-se que esta transposição de cores para os

te simultané des couleurs et de l’assortiment des objets colorés

poemas e a analogia entre letras e cores, tidas como base de uma

(1839), assentavam na premissa de que a percepção visual das

linguagem universal46, estava presente no caldo formado por

cores se modifica conforme a sua justaposição com outras cores.

Blaise Cendrars, Guillaume Apollinaire e os Delaunays, e tal pre-

Segundo a lei explicada por Chevreul, duas cores complementares

ocupação é também base de trabalho das colaborações entre os

vistas lado a lado parecem mais intensas do que vistas isolada-

Delaunays e os amigos portugueses. Eduardo Viana, por exemplo,

mente, daí derivando os seus estudos nas possibilidades combina-

envia em carta de 1916 a Robert Delaunay um poema em francês

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que lhe dedica e onde também está presente a atribuição de cores

nêtres de Apollinaire, catálogo com uma encadernação artesanal,

a estados de alma, traços de carácter ou a ambientes. E Amadeo

cosida em cordel vermelho, e composto por páginas de duas cores,

interpretará esse diálogo cor/palavra na recuperação de canções

pardas e negras49. O catálogo surge por ocasião da exposição das

populares tornadas pintura, nos pochoirs a aguarela de poemas

obras nele reproduzidas na galeria Der Sturm em Berlim (numa

em cor, como Canção d’açude / poema em cor [os moleiros d’esta

exposição colectiva) e onde Apollinaire profere, nesse mesmo con-

açúde adoram a virgem de branco os moleiros d’esta açúde adó-

texto, mais do que uma conferência, em Janeiro de 191350.

ram a farinha] e Serrana / poema em cor [Os serranos desta

Existe no espólio de José de Almada Negreiros um exemplar des-

serra adoram um santo que é de pédra Os serranos desta sérra

te catálogo (D52), talvez oferecido pelos Delaunays quando chega-

adoram os penêdos] (c.191547).

ram a Lisboa, vindos de Madrid (único momento em que se cruzam

O poema Les Fenêtres de Guillaume Apollinaire é um exemplo

com Almada), ou talvez oferecido a Almada por Amadeo de Souza-

do diálogo poesia/pintura que parece premente para estes artistas

-Cardoso ou por Eduardo Viana. Este exemplar tem uma particu-

na segunda década do século XX. Começa com o verso «Du rou-

laridade. Ao lado do poema de Apollinaire foram coladas, em três

ge au vert tout le jaune se meurt» [«Do vermelho ao verde todo o amarelo morre»], e encadeia temas pictóricos de Robert Delaunay («fenêtres», «tours», «rues» [«janelas», «torres», «ruas»]) uns nos outros, seguindo a sugestão aberta pelas janelas e pelas cores em contrastes simultâneos. O verso repete no final: «Du rouge au vert tout le jaune se meurt / Paris Vancouver Hyères Maintenon New-York et les Antilles / La fenêtre s’ouvre comme une orange / /Le beau fruit de la lumière» [«Do vermelho ao verde todo o amarelo morre / Paris Vancouver Hyères Maintenon New-York e as Antilhas / A janela abre-se como uma laranja / O belo fruto da luz»]. Este poema foi escrito quando Apollinaire, na sequência do escândalo e acusação do roubo da Gioconda do Louvre (acusação de que acabou ilibado), passa cerca de mês e meio no atelier dos Delaunays, assistindo ao início da pintura da série Les Fenêtres por Robert, em Novembro/Dezembro de 1912. É nesse momento em que vivia com as telas de Robert Delaunay e escrevia Les Peintres Cubistes, que Apollinaire baptiza o trabalho dos seus anfitriões de orfismo, identificando-o, a contragosto de Robert, como uma corrente do cubismo, mas sobretudo dando-lhe uma conotação literária, profundamente interligada com a poesia48. Possivelmente no fim de 1912 ou início de 1913, Robert Delaunay publica um catálogo com 12 reproduções das suas telas, que abre com o poema Les FeD53 (1)

Capa do álbum de Robert Delaunay e Guillaume Apollinaire, Les Fenêtres[As Janelas]. Paris: Imprimerie d’André Marty, [1912] | Cover of the album by Robert Delaunay and Guillaume Apollinaire, Les Fenêtres [The Windows].Paris: Imprimerie d’André Marty, [1912] O Círculo Delaunay

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D53 (2)

Páginas do álbum de Robert Delaunay e Guillaume Apollinaire, Les Fenêtres[As Janelas]. Paris: Imprimerie d’André Marty, [1912] | Pages of the album by Robert Delaunay and Guillaume Apollinaire, Les Fenêtres [The Windows].Paris: Imprimerie d’André Marty, [1912]

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O Círculo Delaunay

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JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS (1893–1970) Parva (em latim) nº1 | Parva (in latin) nº1, 1918-1920

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páginas, três reproduções de obras de Amadeo de Souza-Cardoso, por ele assinadas com a data de 18 de Dezembro de 191651. Essa é a data exacta do fecho da exposição de Amadeo de Souza-Cardoso na Liga Naval, em Lisboa52, pela qual Almada muito se havia batido, publicando com data de 12 de Dezembro de 1916 o manifesto Exposição Amadeo de Souza Cardoso Liga Naval de Lisboa53. Estas imagens devem ser vistas no contexto em que surgem, coladas num catálogo de Robert Delaunay, possivelmente pelo próprio Almada (ou talvez, menos provável, pelo próprio Amadeo54), onde estão escritos a lápis, em grafia apressada por baixo de cada reprodução, os seus títulos. O autógrafo de Amadeo com aquela data precisa permite excluir que se pudessem tratar das imagens destinadas à sua colaboração prevista para Orpheu 3, que não chega a ser impressa para lá das provas tipográficas55, uma vez que não seriam certamente reproduzidas na revista com uma assinatura em cima do suporte fotográfico e com uma data que assinala um momento pessoal partilhado com Almada Negreiros, que tão intensamente vivera a exposição de Amadeo. A presença das fotografias no catálogo Delaunay mostra a afinidade que Almada

Homo da colecção do Museu Nacional de Arte Antiga em Lisboa57,

estabelecia entre Amadeo e as propostas artísticas de conjugação

num gesto futurista em consonância com o grau zero proclama-

pintura/poesia que os Delaunays protagonizavam, introduzindo

do pelas vanguardas para refundar a arte segundo as experiências

clandestinamente Amadeo no catálogo de Robert Delaunay e pon-

da modernidade. A ter ocorrido, este acto só poderia ter tido lugar

do as suas três pinturas a dialogar mais de perto — porque cola-

precisamente por ocasião da exposição de Amadeo em Lisboa, em

das ao lado e imediatamente a seguir às páginas do poema — com

data próxima da que vem registada nas fotografias coladas no ca-

a escrita de Apollinaire.

tálogo Delaunay, ou talvez até nesse mesmo dia 18 de Dezembro,

Em 1917 Almada Negreiros proferia a sua famosa conferência futurista no Teatro da República, vestido com um fato-macaco de

aquele em que Amadeo fechou a exposição na Liga Naval e assinou essas fotografias.

operário e lendo o texto de sua autoria Ultimatum Futurista às Ge-

No entanto, além destes episódios, e sem eliminar essa procura

rações Portuguesas do Século XX56. A violência das suas palavras

de recomeçar de um grau zero, o futurismo de Almada Negreiros

e a sua exaltação da velocidade, da guerra, da destruição do pas-

possui características que têm mais a ver com alegria juvenil, com

sado, ecoam, sem coincidir, o tom do primeiro manifesto futurista

o brincar, do que com a exaltação da tecnologia. Foi numa esfera

de Marinetti. Reporta-se a esta altura a história por ele contada de

privada, pontualmente trazida a público pelos já referidos ballets,

que ele próprio, Guilherme de Santa-Rita e Amadeo de Souza-Car-

que Almada trabalhou palavra e imagem animando com publica-

doso teriam rapado todos os pêlos do rosto diante do quadro Ecce

ções caseiras e desenhos um grupo de meninas adolescentes da

O Círculo Delaunay

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aristocracia lisboeta com que fazia o «Club das Cinco Cores»58. Encontramos no jornal manuscrito parva (em latim) exemplos da utilização de pochoirs, técnica que os Delaunays queriam usar nas suas Expositions Mouvantes, num álbum em colaboração com Eduardo Viana, Amadeo de Souza-Cardoso e o próprio Almada (70). Desse projecto não se conhece nenhum exemplo de pochoirs de Almada, apesar de serem referidos por ele e por Viana nas cartas aos Delaunays. Mas Almada usa a técnica na revista parva, bem como em pequenos desenhos que oferece às meninas da aristocracia que entretém e com quem trabalha — claramente em registo de diversão juvenil, como atestam as cartas e as fotografias que subsistiram dessa altura. Porém, essa diversão juvenil não significa que as propostas artísticas não tenham seriedade. Elas serão uma aprendizagem muito relevante para Almada, como se poderá

carregado de futuristas!», «Rebolamentos súbitos de rondas es-

ler mais tarde na conferência Direcção Única (1932), quando diz

panholas sob os desmoronamentos de castanholas rosa!… São as

«A alegria é a coisa mais séria da vida»59.

metralhadoras do chinfrim elegante», «Ofereço-vos a todos como

Nos sete pequenos cartões em francês N.C. 5 — Invention Vert

um bom chocolate… eu VERDE FUTURISTA.»]

[Invenção Verde] (71), produzidos em 1918, no contexto do «Club

Em 1921 Almada Negreiros publica A Invenção do Dia Claro, hí-

das Cinco Cores», Almada expressa a fusão entre contrastes si-

brido entre a conferência e o poema, e a seu modo também um ma-

multâneos, futurismo e ingenuidade (palavra a que dará futu-

nifesto, onde recusa a erudição dos livros, proclama a inutilidade da

ramente muita importância, defendendo uma atitude artística

acumulação de saber e cultura ao longo de séculos e onde

de ingenuidade voluntária ) através da quebra das sílabas dos

o momento presente (a modernidade) é visto como aquele que

nomes por que as meninas eram conhecidas, Lalá, Zeka, Treka

não terá mais saberes para acumular e terá de aprender a olhar de

(Tareca), Tantan (Tatão) e ele próprio entre elas, Zu, e as das co-

novo, sem imitar o antigo, a inventar de novo as palavras e o olhar

res a que as fez corresponder: amarelo, vermelho, azul, violeta e

(«o dia claro»). O livro representa, com a evocação de experiên-

60

verde. Combinando os nomes com as cores, Almada opera sila-

cias de criança, a omnipresença do pronome pessoal eu e o cha-

bicamente contrastes simultâneos e inventa palavras compostas

mamento da mãe, um mergulho na infância — na infância própria

de nomes e cores. Além disso, podemos ler no texto um elogio à

individual e na infância da humanidade, numa «viagem univer-

juventude, ao corpo e ao pensamento, e se há imagens de locomo-

sal»61 para a claridade que se apresenta assim muito divergente do

tivas e palavras de ordem, o tom é de humor, como por exemplo:

mergulho descrito por Marinetti nos desperdícios industriais para

«Train charger de futuristes!», «Déhanchements subits de rondes

de lá surgir o homem-máquina futurista62. A figura do Arlequim,

espagnoles sous des écroulements de castagnettes roses!… Ce

personagem da Commedia dell’Arte que conjuga o trágico-cómico

sont les mitrailleuses au fracas élegant» ou «Je vous les offre tous

e o acrobata, é eleita por Almada como imagem-síntese do artis-

comme un bon chocolat… moi VERT FUTURISTE». [«Comboio

ta com esta atitude de admiração, alegria e melancolia para com

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o mundo, dele simultaneamente parte e apartado. Será presença assídua dos seus textos e desenhos, e em 1923 pinta um Arlequim com contrastes simultâneos de cores dissonantes.(72) Também Sonia Delaunay relata na sua autobiografia que, com o convívio com Robert Delaunay, que desprezava toda a cultura livresca, decidira deixara de ler aos 23 anos (o que, como se verifica depois, não deve ser tomado à letra, mas sim entendido como uma declaração de rejeição da cultura preestabelecida, pois Sonia lia os poetas seus contemporâneos e outras obras). A decisão traduz-se na vontade de ter os sentidos mais alerta para a natureza e de rejeitar mestres que não a sua própria intuição63. E escreve: «sou aluna de mim mesma»64. Compreende-se a afinidade sentida por Almada Negreiros com Sonia Delaunay, o seu desejo de com ela criar poemas em cores e ballets. Essa afinidade está plenamente integrada na acção artística de Almada, que absorve e recria, a partir de Portugal, o futurismo e os contrastes simultâneos, vistos à luz do olhar de uma infância deliberadamente procurada.

Por decisão pessoal, as autoras do texto não escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico 71

JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS (1893–1970) N.C. 5 - invention vert [invenção verde]

| N.C. 5 - invention vert [green invention], 1918 O Círculo Delaunay

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NOTAS 1

Mário de Sá-Carneiro, que está em Lisboa na altura em que os Delaunays por lá passam (só regressando a Paris a 11 de Julho de 1915), é informado da estada portuguesa dos pintores por José Pacheco e reage com entusiasmo (cf. carta de Mário de Sá-Carneiro a José Pacheco, datada de 11 de Agosto de 1915, in Daniel Pires, António Braz de Oliveira (dir.), Pacheko, Almada e «Contemporânea», Lisboa: Centro Nacional de Cultura/ /Bertrand Editora, 1993, p. 131). No mesmo dia em que recebe a notícia, 11 de Agosto de 1915, Sá-Carneiro transmite-a a Fernando Pessoa (cf. Manuela Parreira da Silva (ed.), Cartas de Mário de Sá-Carneiro a Fernando Pessoa, Lisboa: Assírio & Alvim, 2001, p. 190). Caso Pessoa tenha tido conhecimento da passagem dos Delaunays por Lisboa, nada diz a Sá-Carneiro. Presume-se, assim, que ignorasse o facto ou que dele não fizesse muito caso.

2

Cartas conservadas no Fundo Delaunay da Biblioteca Nacional de França, publicadas por Paulo Ferreira: Correspondance de quatre artistes portugais Almada-Negreiros, José Pacheco, Souza-Cardoso, Eduardo Vianna avec Robert et Sonia Delaunay, Paris: PUF, 1981. A observação dos originais das cartas, que a edição de Paulo Ferreira modifica substancialmente (sobretudo, corrigindo largamente o francês de Almada), levou-nos a efectuar ligeiríssimas modificações (destacadas a negrito) nas citações que delas faremos.

3

O catálogo da recente exposição Sonia Delaunay. Les couleurs de l’abstraction (Paris: Musée d’Art Moderne, 2014-2015, p. 93) informa-nos de uma exposição conjunta de Sonia e Robert Delaunay realizada, no início de 1916, a convite de José Pacheco na sua Galeria das Artes. Ora esta exposição – planeada de facto por Sonia Delaunay (cf. o dossier em torno de um projecto intitulado «exposition d’art simultané proposé par Madame Delaunay», Portugal, 1916, conservado no Fundo Delaunay pertencente à Biblioteca Kandinsky – Centro Georges Pompidou) na sequência do referido convite, confirmado por uma carta endereçada por José Pacheco a Robert Delaunay em [Maio] de 1916 (Biblioteca Kandinsky – Centro Georges Pompidou, Fundo Delaunay) – não terá visto a luz do dia. Instalada no Salão Bobone, que Pacheco adquire na Primavera de 1916 (cf. carta de Eduardo Viana a Sonia Delaunay, datada de 26 de Junho de 1916, publicada por Paulo Ferreira, op. cit., p. 162), a Galeria das Artes, vista como «Salão dos Futuristas» pelo Diário Nacional (cf. Gustavo Nobre, «José “Pacheko”» in Daniel Pires, António Braz de Oliveira (dir.), op. cit., p. 50), só terá sido inaugurada no início de Setembro de 1916 com uma exposição de obras de Almada Negreiros, José Pacheco, Jorge Barradas, Stuart Carvalhais, António Soares, Alice Rey Colaço, Manuel Maldito, Fernand Tibaut, José Andrade e Francisco Smith (cf. «Galeria das Artes» in A Capital, 8.09.1916, p. 2; e V.F. [Vítor Falcão], «“A Galeria das Artes”» in Atlântida, n.º 14, Outubro de 1916, pp. 144-147).

4

Constituída pelos Delaunays, Amadeo, Viana, Almada e Rossine, e que pretendia integrar também Cendrars e Apollinaire.

5

Todas as cartas de Almada ao casal Delaunay são endereçadas a Sonia. Robert é apenas brevemente referido, embora sempre entusiasticamente. No espólio de Almada Negreiros conservado pelos seus herdeiros existem dois testemunhos do contacto de Almada com o casal Delaunay. Uma fotografia de Sonia Delaunay e um exemplar de Les Fenêtres (Paris: André Marty, [1912]) da autoria de Guillaume Apollinaire e de Robert Delaunay, que em baixo se abordará. Numa carta enviada a Ramón Gómez de la Serna no final de 1922, Robert Delaunay manda cumprimentos a Pacheco, Viana e Almada

72

JOSÉ DE ALMADA NEGREIROS (1893–1970) S/ título (Arlequim) | Untitled (Harlequin), 1923

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Negreiros, sinal de que não esqueceu os amigos portugueses (carta pertencente ao

16

6 7

bleu, à M.me Sonia Delaunay-Terk, Suite-Style des métal-couleurs».

José de Almada Negreiros, «Arte e Artistas [carta de Almada a José Pacheco, sobre Sonia Delaunay]» in A Ideia Nacional, s. 2, n.º 19, 06.04.1916, p. 6.

17

Paulo Ferreira, op. cit., p. 93.

José de Almada Negreiros, Fernando Cabral Martins (ed.), Luis Manuel Gaspar (ed.),

18

As representações realizaram-se no Coliseu dos Recreios e no Teatro de São Carlos em

Mariana Pinto dos Santos (ed.), Ficções, Lisboa: Assírio & Alvim (Col. «Obra Literária de José de Almada Negreiros», vol. 2), 2002, p. [10]. Escrita entre 1915 e 1917, A Engoma-

Dezembro de 1917 e em Janeiro de 1918. 19

deira é também dedicada a José Pacheco. 8

José de Almada Negreiros, Fernando Cabral Martins (ed.), Luis Manuel Gaspar (ed.), Maboa: Assírio & Alvim (Col. «Obra Literária de José de Almada Negreiros», vol. 5), 2006,

Revista de História da Arte, série W, n.º 2, 2014, pp. 438-448. reira, op. cit., p. 108. 21

p. 55.

op. cit., p. 85. 22 Cf. Sara Afonso Ferreira, op. cit.

bastidores, por Almada Negreiros e Santa-Rita Pintor (responsáveis pela «tumultuosa

23 José de Almada Negreiros, «Arte e Artistas [carta de Almada a José Pacheco, sobre Sonia Delaunay]» in A Ideia Nacional, s. 2, n.º 19, 06.04.1916, p. 6.

Note-se que a publicação de Portugal Futurista (cuja edição não está datada) é geral-

24 Na tábua bibliográfica do Manifesto Anti-Dantas Almada menciona um «Guia de Po-

mente situada em Novembro de 1917. No entanto, o Ultimatum Futurista às Gerações

esias de José de Almada-Negreiros» dedicado «Aos meus amigos d’Orpheu José Pa-

Portuguesas do Século XX vem, nas páginas da revista, datado de Dezembro de 1917.

cheko, Mário de Sá-Carneiro, Álvaro de Campos e a Rui Coelho e a Blaise Cendrars dou a

Sonia Delaunay é directamente referida em Portugal Futurista como responsável da

elegância de os preferir». Recorde-se que um poema inédito de Blaise Cendrars, cedido

publicação de dois inéditos, de Blaise Cendrars e de Guillaume Apollinaire.

11

por Sonia Delaunay, surge nas páginas de Portugal Futurista.

José de Almada Negreiros, Fernando Cabral Martins (ed.), Luis Manuel Gaspar (ed.),

25 Paulo Ferreira, op. cit., p. 175. O termo destacado a negrito foi modificado com base na

Mariana Pinto dos Santos (ed.), Poemas, Lisboa: Assírio & Alvim (Col. «Obra Literária de

verificação dos originais das cartas (cf. nota n.º 2). Na edição de Paulo Ferreira lê-se

José de Almada Negreiros», vol. 1), 2005 (2001), p. 49.

«demande». «Zénith vit avec moi, et je vous le prie à genoux si vous voulez. Oui, c’est

Paulo Ferreira, op. cit., p. 176: «Plus je vis, plus je suis jeune, bellement jeune, plus

par amour qu’il est chez moi. Je le comprends si bien, comme si c’était mon portrait

j’aime mon talent grandissant en vous admirant excessivement, à la manière du

où j’aparaisse plus beau. Je ne comprends même pas que Zénith n’ait pas été fait

luxe impérial de la Russie-Sonia. O! ce vice de vous croire la seule, Celle qui rit dans

pour moi.»

les éclairs, Sujet de mon Poème qui fera tourner le monde plus vite, La seule qui fait

26 Carta de Almada a Sonia Delaunay, datada de 30 de Maio de 1916, in Paulo Ferreira, op.

taire et qui vit dans les images des miroirs Véronèse aux gestes phosphorescents

cit., p. 176. O exemplar do Manifesto Anti-Dantas dedicado por Almada a Sonia Delau-

de mon désir surnaturel délire de vous croire descendue en Europe pour prêcher La Vérité des choses» (sublinhado da autora). 12

nay encontra-se no Fundo Delaunay da Biblioteca Nacional de França. 27

Fernando Cabral Martins, «O Comum de Toda a Arte», in José de Almada Negreiros,

Ibid., p. 93: «Il est joyeux de me voir ; il crie aux passants qu’ils sont emmerdants et

Fernando Cabral Martins (ed.), Luis Manuel Gaspar (ed.), Mariana Pinto dos Santos (ed.),

que je suis un chic type, et vous, il dit que vous êtes tout simplement merveilleux.

Poemas, Lisboa: Assírio & Alvim (Col. «Obra Literária de José de Almada Negreiros»,

[…] Il fait tout de suite des danses rythmiques en plein trottoir. Il serait enchanté de faire des ballets russes – danses simultanées – avec un costume de couleurs fait par

vol. 1), 2005 (2001), p. 288. 28 Celina Silva, A Busca de uma Poética da Ingenuidade, Porto: Fundação Eng. António de

Madame.» 13

Carta de Almada a Sonia Delaunay, datada de 24 de Agosto de 1915, in Paulo Ferreira,

Revista dirigida oficialmente por Carlos Filipe Porfírio e sem dúvida orquestrada, nos apresentação do Futurismo ao povo português» em Abril de 1917 no Teatro República).

10

Cf. Sara Afonso Ferreira, «Almada, os Bailados Russos e o “Club das Cinco Cores”» in

20 Carta de Almada a Sonia Delaunay, datada de [Fevereiro-Março de 1916], in Paulo Fer-

riana Pinto dos Santos (ed.), Sara Afonso Ferreira (ed.), Manifestos e Conferências, Lis-

9

No Manifesto Anti-Dantas o título do bailado é seguido da indicação «(en préparation)». N’A Engomadeira o título surge ligeiramente modificado: «Ballet véronèse et

espólio de José Pacheco conservado no Centro Nacional de Cultura, em Lisboa).

Almeida, 1994, p. 105.

Ibid., p. 108: «Et nos ballets ? Est-ce que vous les avez oubliés ? Oh ! moi, non ! Moi, je

29 Cf. Paulo Ferreira, op. cit., pp. 204, 208 e 209.

les chante tous les soirs en désirs électriques d’exhibition. Je sens dans vos tableaux

30 No palco do Salão dos Humoristas e Modernistas do Porto, inaugurado em Maio de

les beaux gestes de mes ballets simultanistes. Je vois des disques tout nus où raidit

1915, Almada expõe obras cujos títulos remetem directamente para o projecto desse

l’obscénité d’être belle, où bouge la rondeur des ventres qui glissent en sueurs d’amour.

livro de «prosas ilustradas pelo autor» anunciado em Orpheu 1: O Eco e Primavera, que

Il y a là aussi tout l’internationalisme de la musique des montagnes et l’expression fris-

apresentam os títulos exactos de dois dos seus Frisos; Mima!, que parece convocar o

sonnante des grands mots, et les caresses passionnées du génie féminin.» 14

Ibid., p. 177.

15

Existem duas versões deste manifesto: a que se publica no interior de K4 O Quadrado Azul, em Março de 1917, e um folheto independente, graficamente mais cuidado, pre-

poema Mima Fataxa; e Morreu Colombina!, que lembra o final do poema Ciúmes. 31

Paulo Ferreira, op. cit., p. 85. O excerto destacado a negrito foi modificado com base na verificação dos originais das cartas (cf. nota n.º 2). Na edição de Paulo Ferreira lê-se «nos poèmes, les couleurs».

sumivelmente lançado no momento da exposição lisboeta de Amadeo em Dezembro

32 Paulo Ferreira, op. cit., p. 108: «Ma poésie n’est pas distraite, ma délicatesse, oui. Mais

de 1916. Esta última versão, menos conhecida, vem reproduzida no volume coordenado

j’ai fait des poèmes avec des yeux blonds, âgé de trois ans et les jambes nues, sur les

por Helena de Freitas: Amadeo de Souza-Cardoso Fotobiografia, Lisboa: Assírio & Al-

plages. J’ai chanté aussi les monstres perpendiculaires des sculptures à briser, et le

vim, 2007, pp. 248-249.

silence de mes chaises, assises et maigres et sans foi. J’ai voulu donner au monde la

O Círculo Delaunay

155

révélation nette de ce qu’il ne veut pas voir de ses yeux naïfs. Et un très long poème plein

43 «et de trouver, en plus des accords fondées sur des contrastes, des dissonances, c’est

de haine bourgeoise que je crie dans des rythmes exagérés d’esclave empoisonné. C’est

à dire des vibrations rapides qui provoquent une exaltation plus grande de la couleur par

la scène de la haine. C’est un cri européen et blond du Nord. Je chante ici mon grand

la voisignage de certaines couleurs chaudes et froides». Sonia Delaunay, Nous irons jusqu’au soleil, op. cit., p. 76.

désir d’être danseur de force et d’avoir des yeux tous blancs. Je pense toujours toujours à nos poèmes en couleurs, mais je sais que je n’en ai pas encore fait un digne de ma

44 Idem, p. 76.

gloire avec votre belle collaboration.»

45 A este respeito outros autores já referiram a ligação entre pintura e desenho em Almada

33 Almada induz-nos neste sentido ao afirmar que Chez Moi, a que a passagem acima

Negreiros, como Carlos Paulo Martínez Pereiro, A Pintura nas Palavras (A Engomadeira

citada «le silence de mes chaises, assises et maigres et sans foi» se refere manifesta-

de Almada Negreiros: Uma Novela em Chave Plástica), Santiago de Compostela: Edi-

mente, não é digno da sua glória no âmbito da colaboração com Sonia Delaunay, e que

cións Laiovento, 1996. Também Ellen Sapega analisou a projecção das «técnicas» da

«[m]on poème que je vous ai envoyé n’est pas tout ce que je le veux mais je l’aime […].

pintura e das «artes plásticas», na literatura de Almada. Cf. «Lisbon Stories: The Dialo-

Cette Ronda Alentejana […] n’est pas encore le dernier cri» (Paulo Ferreira, op. cit., p.

gue between Word and Image in the work of José de Almada Negreiros» in Stephen Dix,

105).

Jerónimo Pizarro (ed.), Portuguese Modernisms – Multiple Perspectives on Literature

34 No Fundo Delaunay conservado na Biblioteca Nacional de França encontra-se o dac-

and the Visual Arts, Oxford: Legenda, 2011. Cf. ainda Alberto Pimenta, «Almada-Ne-

tiloscrito deste poema, assinado à mão por Almada, com a indicação «em Lisboa, nos

greiros e a Medicina das cores» in Colóquio-Letras, n.º 79, Lisboa: Fundação Calouste

últimos dias do ano da guerra de mil novecentos e quinze». Foi sem dúvida uma cópia

Gulbenkian, Maio 1984. Também Vítor Silva Tavares, que conviveu com Almada, se re-

deste dactiloscrito, fornecida por José-Augusto França, que serviu de base à primeira

feriu ao seu «pintar literário», e de como «desenhava» e «recortava» as palavras (cf.

publicação do poema na Obra Completa de José de Almada Negreiros (Rio de Janei-

«A Haste do dê» in Ler, n.º 46, Verão 1999, p. 99; e «Ouçam, é de ler» in audiolivro

ro: Editora Nova Aguilar, 1997, pp. 110-114). A publicação posterior – in José de Almada

Nome de Guerra de José de Almada Negreiros, Col. «O Verbo e o Vento», Teatro A Bar-

Negreiros, Fernando Cabral Martins (ed.), Luis Manuel Gaspar (ed.), Mariana Pinto dos

raca, 2012) e Herberto Helder escreveu que em Almada a palavra é «pintada, escrita,

Santos (ed.), Poemas, Lisboa: Assírio & Alvim (Col. «Obra Literária de José de Almada

movida, falada» (cf. «Desalmadamente» in A Phala, n.º 89, Assírio & Alvim, Outubro/ Novembro 2001).

Negreiros», vol. 1), 2005 (2001), pp. 44-48 – retoma a da Nova Aguilar. Notam-se algumas dissonâncias entre o dactiloscrito e as versões publicadas.

46 Partindo aliás da correspondência entre vogais e cores feita por Arthur Rimbaud, poeta

35 No Fundo Delaunay conservado na Biblioteca Nacional de França encontra-se o dacti-

essencial para Sonia Delaunay. Sobre este assunto veja-se Pascal Rosseau, «Voyelles.

loscrito de um poema intitulado Ronda Alentejana, assinado à mão por Almada, com a

Sonia Delaunay et le langage universel de l’audition colorée» in Sonia Delaunay. Les

indicação «Lisboa 15 de Janeiro de mil novecentos e quinze». Trata-se de uma versão

Couleurs de l’abstraction, Paris Musées, 2014, catálogo da exposição com o mesmo

variante do poema Rondel do Alentejo, publicado pela primeira vez em Junho de 1922,

título apresentada no Musée d’Art moderne de la Ville de Paris (17.10.2014-22.02.2015) e na Tate Modern, Londres (15.04-09.08.2015).  

na revista Contemporânea, com a data de 1913. A localização deste dactiloscrito abre novos caminhos na leitura de Rondel do Alentejo e impõe que seja revista a sua data-

47

ção.

A correspondência de Amadeo com os Delaunays informa que Amadeo começa a trabalhar com pochoirs, técnica em que se sente inábil, por causa do projecto em comum

36 Agradece-se esta informação a Annika Öhrner.

com o casal, no âmbito das planeadas Expositions Mouvantes e da Corporation Nou-

37

velle, nas quais trabalha (bem como Eduardo Viana) em 1915 e 1916. Na carta de 11 de

Paulo Ferreira, op. cit., p. 177.

38 «A ce moment-là, les gens se choisissaient par affinité. […] En fin de compte, tous

Junho de 1915 a Robert Delaunay Amadeo chega a pedir-lhe instruções sobre como

les créateurs vivaient ensemble, ou tout au moins avaient des échanges fréquents».

trabalhar com guache, uma vez que sentia dificuldades com esse material, estando

Sonia Delaunay, Nous irons jusqu’au soleil, Paris: Éditions Robert Lafont, 1978, p. 37.

antes habituado ao óleo. Cf. Paulo Ferreira, Correspondance de quatre artistes portu-

39 José de Almada Negreiros, «Prefácio ao Livro de Qualquer Poeta» in Atlântico, n.º 2,

gais avec Sonia et Robert Delaunay, Presses Universitaires de France, Paris, 1972, p.

1942; e conferência «Poesia é Criação» in Manifestos e Conferências, op. cit., pp. 287-

69. Por esta carta verifica-se que é pouco antes de Junho de 1915 que Amadeo começa

292. Cf. Mariana Pinto dos Santos, «Almada Negreiros: cuidar da Pintura» in Revista do Instituto de História da Arte, série W, n.º 2, Instituto de História da Arte, Faculdade

a trabalhar com pochoir e guache. 48 Cf. Sonia Delaunay, op. cit., pp. 46 e ss. Ver também carta de Robert Delaunay a André

de Ciências Sociais e Humanas, 2015.

Rouveyre [s/d], publicada nas memórias de Sonia Delaunay, op. cit. (pp. 49-50), e no

40 Saltimbancos (contrastes simultâneos) é publicado na revista Portugal Futurista em

catálogo Sonia e Robert Delaunay, Fundação Calouste Gulbenkian, 1982, sem n.º de

1917. 41

página [p. 17].

Em 1913 Marinetti alarga o Manifesto Técnico da Literatura Futurista de 1912 publican-

49 Paris: Imprimerie d’André Marty, [1912?].

do o manifesto Distruzione della sintassi – immaginazione senza fili – parole in libertà.

50 Cf. Gerhard Dörr, «Apollinaire et Der Sturm, Berlin, Janvier 1913» in Amis européens

Um exemplo de poesia com «palavras em liberdade» é o seu Zang Tumb Tuuum, po-

d’Apollinaire: actes du seizième Colloque de Stavelot (1-3 Setembro 1993) (dir. Michel

ema futurista de 1912-14 sobre a Batalha de Adrianopoli testemunhada por Marinetti enquanto jornalista. 42 Sonia Delaunay, Nous irons jusqu’au soleil, Paris: Éditions Robert Lafont, 1978, p. 44.

156

Décaudin), Paris: Presses de la Sorbonne Nouvelle, 1995, p. 154. 51

As reproduções são das obras: Tête-Ocean [Cabeça-Oceano], c. 1915, Trou de la Serrure / PARTO DA VIOLA / Bon Ménage / Fraise avant-garde, c. 1916; Arabesco Dyna-

mico = REAL / ocre rouge café / rouge / ZIG ZAG / vibraçoens metalicas / (Esplendor mecano-geometrico), c. 1916. 52 Catarina Alfaro, «1916» in Catálogo Raisonné: Amadeo de Souza-Cardoso — Fotobiografia, Lisboa: Assírio & Alvim / Fundação Calouste Gulbenkian, 2007, pp. 229-256. 53 Cf. José de Almada Negreiros, Manifestos e Conferências, Lisboa: Assírio & Alvim, 2006, pp. 17-20. 54 É impossível determinar quem colou as fotografias no catálogo, mas parece ser mais plausível ter sido o próprio Almada porque não só Amadeo rejeitava a ideia de grupo ou escola e daí parecer estranho colar reproduções das suas pinturas num catálogo de Delaunay, como também a datação e assinatura apontam mais para uma oferta volante, entregue em mão, no final da exposição de Amadeo em Lisboa. 55 Sobre este assunto a hipótese estudada por Marta Soares a partir de quatro fotografias presentes no espólio de Amadeo depositado na Biblioteca de Arte da Fundação Calous-

Sara Afonso Ferreira é membro do Instituto de Estudos de Literatura Tradicional (IELT) da Universidade Nova de Lisboa e doutoranda em História da Arte (Université Libre de Bruxelas) e em Literatura Portuguesa (Universidade Nova de Lisboa). Editora da Obra Literária de José de Almada Negreiros (Assírio & Alvim), colaborou no Dicionário de Fernando Pessoa e do Modernismo Português (Caminho, 2008), e autora da edição crítica e anotada do Manifesto Anti-Dantas (Assírio & Alvim, 2013). Foi comissária da exposição Suroeste: Relações Literárias e Artísticas entre Portugal e Espanha (1890-1936) (MEIAC, 2010), co-coordenadora da exposição “Almada por contar» (Biblioteca Nacional de Portugal, 27 de junho a 5 de outubro de 2013) e do catálogo homónimo (Babel/ BNP, 2013) e curadora da exposição e catálogo Almada: O que Nunca Ninguém Soube que Houve (Fundação EDP, Documenta, 2014).

te Gulbenkian parece muito plausível. Cf. Marta Soares, «Os 4 Hors-Textes de Orpheu 3» in Os Caminhos de Orpheu (org. Richard Zenith), Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal / Babel, 2015; e «Amadeo e Orpheu», comunicação apresentada no congresso «100 Orpheu», Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, Março 2015. 56 Cf. José de Almada Negreiros, Manifestos e Conferências, op. cit., pp. 25-32. 57

Cf. Almada Negreiros, Orpheu 1915-1965, Lisboa: Ática, 1965.

58 As meninas eram: Tareca (Maria Madalena Morais da Silva Amado); Lalá (Maria Adelaide Burnay Soares Cardoso); Zeca (Maria José Burnay Soares Cardoso); e Tatão (Maria da Conceição de Mello Breyner). 59 Cf. José de Almada Negreiros, Manifestos e Conferências, op. cit., p. 167. 60 José de Almada Negreiros, «Ingenuidade Voluntária ou as Desventuras da Esperteza Saloia» (1937) in Manifestos e Conferência, op. cit., pp. 243-255. 61

«Bom-Dia, Mãe! / Senta-te ao meu lado, que eu vou contar-te a viagem que eu fiz. Dá-me a tua mão para que eu a conte bem! / Dei a volta ao mundo, fiz o itinerário

Mariana Pinto dos Santos é historiadora da arte e editora (Pianola / O Homem do Saco). Doutorada pela Universidade de Barcelona (Facultat de Belles Arts) em 2015, é investigadora do Instituto de História da Arte da FCSH-UNL. É autora do livro Vanguarda & Outras Loas, Percurso Teórico de Ernesto de Sousa (Assírio & Alvim, 2007) e do «catálogo» Outra Vez Não. Eduardo Batarda (Assírio & Alvim/Museu de Serralves/Fundação EDP, 2011). Tem apresentado e publicado diversos trabalhos sobre história da arte contemporânea, teoria e historiografia da arte. Fundou a revista Intervalo (Pianola/Vendaval)e é co-editora da Obra Literária de Almada Negreiros (Assírio & Alvim). Fundou a revista Intervalo (Pianola/Vendaval)e é co-editora da Obra Literária de Almada Negreiros (Assírio & Alvim). Tem diversos estudos publicados sobre Almada Negreiros e prepara uma exposição da sua obra (CAM-FCG, 2017).

universal. […]», José de Almada Negreiros, A Invenção do Dia Claro (1921) in Manifestos e Conferências, op. cit., p. 79. Veja-se a este propósito a reflexão de João Albuquerque sobre a universalidade implicada no Cristo Verde (Semana Sancta) pintado por Almada para a capa d’A Ideia Nacional de Abril de 1916, e sua ligação desse Cristo sem rosto ao evocado pelo autor n’A Invenção do Dia Claro: João Albuquerque, «A emancipação crística do homem segundo Almada Negreiros» in Revista de História da Arte, série W, n.º 2, Instituto de História da Arte, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, 2015 (publicação online). 62 Filippo Tommaso Marinetti, Manifesto do Futurismo, Le Figaro, 20 de Fevereiro de 1909. 63 Sonia Delaunay, op. cit., pp. 24 e 25. 64 «je suis l’élève de mois-même», idem, p. 35.

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