Contratos Agrários

May 23, 2017 | Autor: Manuel David Masseno | Categoria: Contracts, Portugal, Agricultural Law, Derecho agrario
Share Embed


Descrição do Produto

Contratos Agrários 10 de março de 2017

UMAU

Manuel David Masseno 1

.

Contratos Agrários

I – os contratos agrários, em geral a) a qualificação 

os "contratos agrários" como categoria doutrinária:  prima facies, na falta de uma definição legislativa, seriam todos os contratos, de algum modo, relacionados com a produção de vegetais e de animais, assim como com a prestação de serviços para a sustentabilidade ambiental rural  daí a ligação, intrínseca, entre os contratos agrários e a empresa agrícola  desde a aquisição de todos os fatores de produção, até à colocação dos produtos, e serviços, obtidos, id est, tanto os contratos para a empresa quanto os contratos da empresa  mas, é necessário delimitar, adicionalmente, a matéria, também atendendo aos objetivos do Curso, com base na respetiva causa, objetiva, tida como a função social e económica juridicamente tutelada 2

Contratos Agrários





a obtenção de direitos de utilização da terra, e dos demais recursos naturais, de natureza biológica, para a produção, ambientalmente sustentável, enquanto causa comum aos vários tipos contratuais agrários presentes (Art.ºs 93.º n.º 1 alíneas b), d) e e) da CRP e Art.ºs 3.º n.º 1 alínea b) e n.º 2 alínea b), os Art.ºs 12.º a 20.º da LBDA – Lei de Bases do Desenvolvimento Agrário / Lei n.º 86/95, de 1 de setembro) a tudo isto, acresce o estabelecimento de uma tipicidade legal relativamente a tais contratos, apenas sendo viáveis contratos de arrendamento rural, incluindo o arrendamento agrícola, o arrendamento de campanha e o arrendamento florestal, contratos mistos de arrendamento e parceria florestal e contratos de parceria pecuária (Art.º 36.º da LAR – Lei do Arrendamento Rural, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de outubro)

3

Contratos Agrários

b) da pluralidade à unicidade dos contratos agrários: 

a simplificação imperfeita do Liberalismo: 









a "libertação da terra" como aspiração política e legislativa e os contratos agrários enquanto meios de fruição indireta da propriedade, na Constituições de 1822 e 1830, bem como na Carta de 1826 o compromisso do Código de Seabra, de 1867, nos deveres de exploração do rendeiro e uma consideração, ainda que limitada, das condicionantes da "natureza das coisas" na agricultura, embora, com uma afirmação da autonomia contratual e da "igualdade" entre as partes… a continuidade substantiva do Liberalismo Económico na Constituição Republicana de 1911 o aforamento como via de acesso à terra no Projecto de lei sobre a Utilização dos Terrenos Incultos de Ezequiel de Campos e a não consideração do Arrendamento Rural na Política de Fomento Agrícola de Brito Camacho, em 1911

previsão do arrendamento compulsivo no Decreto de Mobilização Agrícola de Lima Bastos, de 1917, mas apenas para responder ao esforço de Guerra 4

Contratos Agrários





a transcrição do regime do Código de Seabra para a Lei de 1919, a continuidade da disciplina anterior, em contraponto com novo regime do arrendamento comercial e industrial

as considerações sociais do Estado Novo e sua ineficácia: 





o Corporativismo e a Função Social da Propriedade, do Capital e do Trabalho e na Constituição e no Estatuto do Trabalho Nacional, de 1933 a Colonização Interna e o Arrendamento Rural no II Plano de Fomento (1959-1964), os fundamentos de ordem e corporativa da Lei de bases do arrendamento rural, de junho de 1962, nomeadamente, com a distinção no arrendamento rural do "arrendamento a cultivador direto" e a intervenção corporativa nas rendas e na resolução de conflitos

o regresso a um Liberalismo Conservador com o Código de Vaz Serra, em 1966, eliminando as considerações produtivistas imediatamente anteriores, designadamente, com a convergência da disciplina da parceria agrícola na do arrendamento rural, mantendo-se a parceria pecuária

5

Contratos Agrários 

a II República: 





 



a Reforma Agrária de 1975, com a proteção dos rendeiros como objetivo central da normativa agrícola revolucionária a Constituição Agrária de 1976, com um favor explícito para os rendeiros e a previsão de extinção da parceria agrícola as Leis de 1977 e de 1988, com o controlo administrativo sobre a exploração da terra a autonomização e refluxo do arrendamento florestal a difícil extinção da parceria agrícola e sua confluência no arrendamento rural, entre 1977 e 2009, e a continuidade e a eliminação da disciplina da exploração direta por empresas familiares

o Novo Arrendamento Rural (2009): 





a, derradeira, reductio ad unum da tipicidade normativa dos contratos agrários, não só de troca, no arrendamento rural e a "nova igualdade" das Partes, em territórios desertificados, assim como a desregulamentação, a desestatização e a confianças nos "Mercados" o arrendamento enquanto contrato para a empresa e o alargamento do regime a outras empresas rurais, designadamente às de serviços a nova relevância das considerações ambientais 6

Contratos Agrários

c) uma destrinça estrutural 





enquanto, a parceria é "o contrato pelo qual uma ou mais pessoas, o parceiro proprietário, entregam a outra ou outras, o parceiro pensador ou cultivador, para estas criarem e ou explorarem, animais e ou prédios rústicos, com o ajuste de repartirem entre si os lucros futuros em certa proporção", (Art.º 5.º alínea n), temos que o arredamento rural consiste na "locação, total ou parcial, de prédios rústicos para fins agrícolas, florestais, ou outras atividades de produção de bens ou serviços associadas à agricultura, à pecuária ou à florestal." (Art.ºs 5.º alínea n) e 2.º n.º 1 da LAR) o que exige uma análise estrutural, id est, sendo ambos contratos onerosos e sinalagmáticos, o arrendamento rural e a parceria constituem tipos sociais e, sobretudo, reais normativos distintos

7

Contratos Agrários 

se o arredamento rural, enquanto species do genus locação, corresponde a um ‘contrato de troca’, ou seja, um contrato que implica a comutação de uma coisa ou serviço por uma contrapartida certa (já assim era em Direito Romano, com as 3 formas da locatio condutio - rei, opera e operarum -, bem como com os vários tipos constantes do Livro 20 do Digesto) 



o contrato de troca por excelência é o de compra e venda, ou seja "o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço" (Art.º 874.º do CC) e a disciplina da compra e venda aplica-se subsidiariamente aos demais "contratos de troca" (Art.ºs 874.º e 939.º do CC)

já a parceria é um ‘contrato associativo’, i.e., um contrato no qual as partes concorrem para um fim comum, partilhando o risco económico que lhe subjaz 

neste caso, o tipo normativo de referência é o contrato de sociedade, "aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa actividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade" (Art.º 980.º, também do CC) 8

Contratos Agrários 

além disso, as noções de quo reúnem séries de tipos, cujas contrapartidas podem ser diferentes, id est, tipos contratuais que comportam assimetrias, à partida, no que se refere às posições dos contraentes, as quais ditarão estratégias distintas na maximização dos benefícios para cada uma delas 





nomeadamente, nos contratos de troca assim é no de trabalho, no mandato profissional ou na doação enquanto, nos contratos associativos, tal ocorre no consórcio, na associação em participação e nas sociedades em comandita, simples ou por ações

existem ainda formas contratuais mistas, não apenas entre tipos da mesma espécie, como a doação modal ou a venda por preço inferior ao custo.  é assim com a presença de cláusulas típicas de contratos de troca em contratos associativos, e vice versa, por exemplo nas unidades de participação em fundos de investimento estruturado, na participação nos resultados pelos trabalhadores ou nos títulos de participação com remuneração mínima garantida 9

Contratos Agrários

d) o atual sistema de Fontes 

a inserção sistemática da matéria: 





o caráter produtivo das atividades reguladas pelo arrendamento rural e pelas parcerias, agrícola e pecuária a previsão expressa duma integração do arrendamento rural no microssistema centrado na LBDA (Art.º 38.º)

a nova estratificação das sedes dos Princípios relevantes:  





a Constituição da República e o Direito da União Europeia as Leis de Bases enquanto concretizações da Constituição, começando pela do Desenvolvimento Agrário a relevância apenas técnica, i.e., não valorativa, das normas constantes do Código Civil, pelo que da previsão da disciplina respeitante ao contrato de locação e aos contratos em geral constante do Código Civil enquanto direito subsidiário, para o arrendamento rural (Art.º 38.º da LAR), assim como a inserção da do contrato de parceria pecuária no mesmo Código, não poderá deixar de exigir interpretações e integrações desde a Constituição e as Leis de Bases pertinentes 10

Contratos Agrários

II – o arrendamento rural d) as causas contratuais típicas 

as atividades agrícolas e pecuárias: 







recordando a definição legal de "atividade agrícola": "a produção, cultivo e colheita de produtos agrícolas, a criação de animais e produção de bens de origem animal e a manutenção das terras em boas condições agrícolas e ambientais" (Art.º 5.º alínea c da LAR) as consequências da delimitação entre a agricultura e as empresas comerciais (e industriais), tanto antes como atualmente (Art.º 464.º 2.º e 4.º do Código Comercial) a irrelevância jurídica das espécies, vegetais ou animais, ou dos fungos, criadas e da extensão do ciclo biológico, a inclusão dos "viveiros" e os "engordadores" de animais (Art.º 5.º alínea e) da LAR e Art.º 464.º 4.º do Código Comercial) a questão da agricultura e da pecuária "sem terra", em especial, a não exigência de conexão à produção vegetal, em contraponto com o regime anterior (Art.º 1.º n.ºs 3 e 4 do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro) 11

Contratos Agrários 



e ainda a "manutenção das terras em boas condições agrícolas e ambientais" enquanto atividade agrícola hoc sensu, suas implicações (Art.º 5.º alínea c) in fine da LAR)

as atividades florestais / silvícolas: 





e também, a definição legal e a tipologia: "a instalação, condução e exploração de povoamentos florestais em terrenos nus ou cobertos de vegetação espontânea, a condução e exploração de povoamentos florestais já existentes, a instalação e exploração de viveiros florestais, a constituição ou ampliação de zonas de conservação e todas as atividades associadas ao desenvolvimento, à manutenção e exploração dos povoamentos e dos viveiros florestais" (Art.º 5.º alínea e) da LAR) a consideração separada das atividades agro-florestais, com a exclusão do extrativismo em si mesmo do respetivo âmbito e a atração pelo regime do arrendamento agrícola (Art.º 5.º alínea d) as consequências da incorporação do arrendamento florestal no arrendamento rural e as especificidades remanescentes: a duração dos contratos (Art.º 9.º n.ºs 4 e 6), a estrutura das rendas (Art.º 11.º n.º 2) e sua eventual redução (Art.º 12.º n.º 2), e o regime relativo aos frutos pendentes (Art.º 15.º n.º 3) 12

Contratos Agrários



as "atividades conexas": 







partindo da consideração da amplitude do "desenvolvimento agrário" e dos incentivos destinados às "atividades conexas e complementares à atividade agrícola" (Art.ºs 1.º n.º 1 e 22.º n.º 1 alínea d) da LBDA) assim como da a referência legal às "atividades associadas" à agricultura e à floresta (Art.ºs 2.º n.º 1 e 4.º n.º 4 da LAR), nomeadamente, entendendo a transformação e a comercialização dos produtos agrícolas e florestais como atividades conexas típicas (Art.º 4.º n.º 4 alínea b) sem deixar de ter presente que a qualificação da natureza jurídica de tais atividades, de per si, seria mercantil, e não agrária ou civil (Art.ºs 230.º n.º 1 e 2 e §§ 1.º e 2 do Código Comercial) em síntese, estamos perante atividades não agrícolas, nem florestais, mas a que, pela sua ligação àquelas, em termos inclusive de normalidade, são aplicáveis os seus regimes, nomeadamente o do arrendamento rural

13

Contratos Agrários 



e temos ainda uma definição legislativa, até coetânea da disciplina do arrendamento rural vigente, "'Atividade conexa ou complementar à atividade agrícola' aquela que sendo realizada na exploração agrícola, utiliza os meios e as infra-estruturas à disposição da mesma, mas com objetivos distintos da produção de matérias primárias, nomeadamente as atividades relacionadas com a produção de outros bens ou serviços, que são parte integrante da economia da exploração, ou serviços de preservação do ambiente, do património e do espaço rural." (Art.º 3.º alínea b) do DecretoLei n.º 73/2009, de 31 de março, o qual aprovou o novo regime da RAN – Reserva Agrícola Nacional)

e os critérios de conexão: 

 

a conexão subjetiva, coincidindo ambas atividades na pessoa do mesmo empresário, singular ou coletivo a conexão objetiva, com a integração vertical da produção, e o vínculo de relação e de interdependência, colocando-se a questão da exigência exclusividade, ou apenas da predominância, da produção agrícola ou florestal própria

14

Contratos Agrários 

as atividades de serviços no espaço rural: 







a não exigência de conexão específica com as atividades agrícolas e/ou florestais (todas as alíneas do Art.º 4.º n.º 4 da LAR) a tipicidade legal das empresas de serviços rurais (Ibidem)

os empreendimentos de "turismo no espaço rural": 







a afirmação multifuncionalidade da agricultura, (Art.ºs 2.º alínea a) e 22.º alínea d) da LBDA)

a possibilidade de uma interpretação restritiva, apenas relevando o agro-turismo (Art.º 4.º n.º 4 alínea a)

a animação turística em espaço rural (Ibidem, e Decreto-Lei n.º 108/2009, de 15 de maio) a exploração de zonas de caça turística (Ibidem, alínea c)

as atividades de conservação dos recursos naturais e da paisagem (Art.º 4.º n.º 4 alínea d): 



desde as disciplinas da conservação da natureza e da biodiversidade (Decreto-Lei n.º 142/2008, de 24 de julho, e Decreto-Lei n.º 140/99, de 24 de abril) as atividades de animação e educação ambientais (Decreto-Lei n.º 202/2004, de 18 de agosto) 15

Contratos Agrários

b) os prédios rústicos e os outros bens objeto do contrato 

o objeto mínimo (Art.º 4.º n.º 1, da LAR): 



um critério limitativo: "abrange o terreno, as águas e a vegetação", id est, as árvores, os arbustos e os frutos, também em contraponto com o regime anterior, no qual o "arvoredo existente em terrenos destinados ao corte de matos", as "árvores florestais dispersas" e a "cortiça produzida por sobreiros existentes nos prédios locados" integravam o objeto máximo (Art.º 2. n.º 2 alíneas a), b) e c) do Decreto-Lei n.º 385/88, de 25 de outubro)

o objeto médio (Art.º 4.º n.º 2, também da LAR): 





um critério de normalidade: "as construções e infra-estruturas destinadas, habitualmente, aos fins próprios da exploração normal e regular dos prédios locados", incluindo todas as partes integrantes, com ligação material ao prédio (Art.º 4.º n.º 1, alínea a), e Art.º 204.º n.º 3 do Código Civil) as construções destinadas ao "desenvolvimento de outras atividades económicas associadas à agricultura e à floresta, incluindo as atividades de conservação dos recursos naturais"(Art.º 4.º n.º 1, alínea b)

e ainda a "habitação do arrendatário"(Ibidem) 16

Contratos Agrários 

o objeto máximo: 



as coisas acessórias, i.e. , "outros bens, designadamente máquinas e equipamentos" (Art.º 4.º n.º 1 alínea c) da LAR e Art.º 210.º do CC)

podendo incluir direitos industriais, desde que suscetíveis de cessão da respetiva posição contratual:  



direitos de utilização de sementes ou de cultivares direitos sobre sinais distintivos, nomeadamente no que se refere ao logótipo, a marcas, incluindo marcas coletivas, a indicações geográficas e denominações de origem, e ainda a recompensas, sempre que relacionadas com os prédios arrendados

e ainda outros direitos, tais como "direitos de produção e direitos a apoios financeiros no âmbito da política agrícola comum", também passíveis de transmissão (Art.º 4.º n.º 3 da LAR): 

quotas açucareiras



direitos de plantação de vinhas



e, sobretudo, os direitos a ajudas agro-ambientais e silvoambientais 17

Contratos Agrários



os fundamentos e as consequências desta disciplina: 







o arrendamento rural não disciplina os negócios sobre um "Estabelecimento agrícola - a universalidade de bens e serviços organizada distintamente com vista ao exercício da atividade agrícola por uma empresa agrícola" (Art.º 3.º n.º 2 da Lei 109/88, de 26 de setembro, Lei de Bases da Reforma Agrária), como ocorre com a Ley, espanhola, de arrendamientos rústicos, de 2003 (Art.º 2.º) nem sequer sobre um fundus instructus (D. 33.7.8.pr.), por faltar a ligação funcional ao prédio dos instrumenta, estando a respetiva inclusão no contrato na plena disponibilidade das partes em síntese, o Legislador não procura salvaguardar a continuidade de uma exploração existente, do senhorio, mas sim possibilitar a criação ex novo de uma empresa rural, pelo arrendatário embora, possa ser viável uma circulação da exploração criada pelo rendeiro, por trespasse ou por cessão de exploração…

18

Contratos Agrários

c) o conteúdo contratual, entre a Lei e a autonomia privada 

o conteúdo contratual, em termos gerais: 



recordemos que este consiste na regulação das relações entre as partes



pela Lei, e/ou pelo Costume, mesmo em conflito entre si…



ou pela atuação jurígena das próprias partes

a autonomia privada no arrendamento rural: 





surge conformada pela Lei, através da causa e do tipo, designadamente através da predisposição de normas imperativas

neste regime, a mesma é sempre individual, isto é, não é assistida através da contratação coletiva ou da auto-regulação, nem é já acompanhada pela Administração Pública porém, está sempre funcionalizada em termos típicos e causais, v.g., com o "intuito de garantir a utilização do prédio em conformidade com os fins constantes do contrato e numa perspetiva de melhorar as condições de produção e produtividade" (Art.º 21 n.º 1 da LAR)

19

Contratos Agrários



as partes: 





podem ser tanto pessoas singulares quanto coletivas (como resulta, implicitamente, do Art.º 20.º n.º 2 e do Art.º 11.º n.º 4 da LAR) logo, a legitimidade do locador afere-se nos termos do direito comum, simplesmente (Art.ºs 1024.º e 1034.º do CC) por sua vez, a do rendeiro não passa por quaisquer exigências de profissionalidade, de formação específica ou experiência prévia, nem mesmo de ser um "agricultor a título principal" aliás, desaparece a distinção entre o arrendamento a "agricultor autónomo" / "cultivador direto" e a "agricultor empresário"; embora a aumento dos prazos do arrendamento de campanha, de até 1 para até 6 anos (Art.º 9.º n.º 6), e a possibilidade de oposição à efetivação da oposição à renovação ou da denúncia, quando "o rendimento obtido do prédio constitua a fonte principal ou exclusiva de rendimento para o seu agregado familiar" (Art.º 19.º n.º 9 alínea b da LAR), sugira uma sua continuidade, embora dissimulada

20

Contratos Agrários









adicionalmente, essa desaparição é de uma constitucionalidade e legalidade problemáticas, por ficar a faltar no arrendamento rural um favor consistente para a agricultura familiar (Art.ºs 93.º n.º 1 alínea e) in fine, 94.º n.º 2, 96.º n.º 1 in fine e 97.º n.º 1 da CRP, bem como Art.ºs 14.º n.º 2, 21.º n.º 1 alínea a) da LBDA) e também da sucessão no contrato dos "parentes ou afins, na linha reta, que com o mesmo viviam em comunhão de mesa e habitação ou em economia comum há mais de um ano consecutivo" (Art.º 20.º n.º 2 alínea a) in fine) adicionalmente, a Lei prevê uma preferência nos novos arrendamentos, sempre que "a cessação do contrato de arrendamento ocorra, por causa não imputável ao arrendatário" (Art.º 31.º n.º 1 da LAR)

as claúsulas nulas (Art.º 8.º): 

sendo certo que da Lei consta um elenco exemplificativo, também o serão quaisquer outras que colidam com quaisquer normas imperativas ou com disposições destinadas a salvaguardar o interesse público, i.e., de ordem púbica, ou o da empresa do arrendatário (Art.ºs 280.º e 405.º n.º 1 do CC e Art.º 96.º n.º 1 in fine da CRP) 21

Contratos Agrários 







logo, a sua presença não afeta a validade do contrato, relevando aqui a regra utile per inutile non vitiatur, com redução contrato, mas sem se aplicar o regime comum (Art.º 292.º in fine do CC) salvo no que se refere às renúncias (Art.º 8.º alíneas b) e c), as quais têm essencialmente por objetivo proteger o arrendatário e/ou salvaguardar a racionalidade da exploração, já as demais deixaram de fazer sentido por força da nova disciplina das rendas (Art.º 11.º), a não ser por razões tributárias… isto, com exceção daquela que procura reforçar a autonomia empresarial do arrendatário, id est, este "se obrigue, por qualquer título, a serviços que não revertam em benefício directo do prédio ou se sujeite a encargos extraordinários" (alínea d)

os poderes, direitos e deveres essenciais das partes: 

para o senhorio, além da entrega dos bens objeto do contrato em boas condições (Art.ºs 22.º n.º 5, 4.º n.º 1 alínea c) e 7.º n.º 3 da LAR), existe o dever de não perturbar o exercício da empresa pelo rendeiro (Art.º 21.º n.º 2 in fine), indo bastante além do regime comum em matéria de locação (Art.º 1031.º do CC)

22

Contratos Agrários





para o arrendatário, além de pagar a renda, cabe-lhe o exercício da sua empresa, praticando todos os atos inerentes à gestão racional e sustentável dos bens objeto do contrato, e ainda a restituição dos mesmos no final deste (Art.ºs 22.º n.º 1 e n.º 2 e 17.º n.ºs 1 e 2 alíneas a) e e) da LAR) para ambos, senhorio e rendeiro, o Legislador comina um dever de conservação do prédio e das pertenças e coisas acessórias objeto do contrato, bem como o melhoramento daquele (Art.ºs 21.º n.º 1, 22.º n.º 1 e 23.º n.º 1 alínea a), sempre da LAR)

23

Contratos Agrários

d) a duração dos contratos 

o estabilidade do vínculo enquanto objetivo: 







antes de mais, trata-se de efetivar uma finalidade central da Política Agrícola, de modo a assegurar a estabilidade da empresa do arrendatário (Art.º 96.º n.º 1 da CRP e 38.º n.º 1 da LBDA) com o fim de aumentar a produção e a produtividade das explorações (Art.º 93.º n.º 1 da CRP e Art.º 3.º n.º 1 alínea a) da LBDA)

e, ainda, para promover a exploração sustentável dos solos e dos outros recursos naturais (Art.º 93.º n.º 1 alínea d) da CRP e Art.ºs 3.º n.º 1 alínea b), e 12.º a 20.º da LBDA)

instrumentos ao serviço da estabilidade: 



a previsão de um regime dos prazos mínimos, ainda que curtos pelos padrões europeus e sem renovações obrigatórias (Art.ºs 9.º e 8.º alínea c) a taxatividade das formas de cessação do contrato (Art.º 15.º), assim como dos os fundamentos da resolução (17.º n.º 2)

24

Contratos Agrários 









bem como, nesta, a presença de uma regra geral exigindo, para a resolução, um "incumprimento pela outra parte, que, pela sua gravidade ou consequências, torne inexigível à outra parte a manutenção do arrendamento, ou alteração significativa da natureza e, ou, da capacidade produtiva do prédio", não bastando a verificação de qualquer um dos fundamentos tipificados (Art.º 17.º n.ºs 1 e 2 da LAR) além da previsão de processos complexos para a resolução e a oposição à renovação ou à denúncia do contrato (Art.ºs 19.º n.ºs 3, 4, 7, 8 e 9, 29.º e 30.º da LAR), assim como a indemnizações por parte do senhorio (Art.º 19.º n.ºs 10 e 11 da LAR) a possibilidade de alargamento dos prazos (Art. 9.º n.º 7 alínea b) e/ou de redução das rendas (Art.º 12.º), sempre que sobrevenham situações objetivas que alterem o equilíbrio contratual inicial, como alternativa à resolução (Art.º 17.º n.º 4 alínea c) e também a previsão de um alargamento dos prazos devido a "investimentos de desenvolvimento, melhoria ou reconversão cultural ou obras de beneficiação do prédio" (Art.º 9.º n.º 7 alínea a) finalmente, temos a disciplina das benfeitorias úteis por parte do rendeiro, com direito a indemnizações (Art.º 23.ºn.ºs 2 e 5) e dotadas de um direito de retenção, com natureza real (Art.º 1273.º do CC)

25

Contratos Agrários 

os prazos: 







um mínimo de 7 anos para o arrendamento agrícola, incluindo os arrendamentos para prestação de serviços rurais (Art.º 9.º n.º 1), também em termos supletivos (Art.º 9. n.º 2) dúvidas quanto à imperatividade do limite comum de 30 anos (Art.º 1025.º do CC), atendendo à necessidade assegurar a manutenção dos contratos para a realização de investimentos vultuosos e de retorno lento, com recurso a financiamentos externos (Art.ºs 9.º n.º 7 alínea a), bem como ao prazo de 70 anos previsto para o arrendamento florestal (Art.º 9.º n.º 4) os contratos de arrendamento agrícola são renováveis, automaticamente, por iguais períodos, até à respetiva denúncia (Art.º 9.º n.º 3) para os arrendamentos florestais, os prazos vão de 7 a 70 anos (Art.º 9.º n.º 4), sem renovação automática, caducando se não houver um acordo expresso das partes (Art.º 9.º n.º 6) já os arrendamentos de campanha não têm prazo mínimo, salvo o que decorre do ciclo inerente à cultura, em princípio sazonal, a que se destinam (Art.º 5.º alíneas h) e p) e podem ir até 6 anos (Art.º 9.º n.º 5), também sem renovação automática e igualmente caducando na ausência de um acordo expresso (Art.º 9.º n.º 6)

26

Contratos Agrários

e) os direitos de preferência  em novo arrendamento (Art.º 31.º n.º 1 da LAR): 









como vimos, a Lei estabelece um limite à autonomia privada do senhorio, o qual fica impedido de escolher a contraparte que mais lhe aprouver, apenas ficando excluídos deste direito aqueles que não exploraram o prédio de uma forma, económica e ambientalmente, racional ou incumpriram disposições legais (Art.º 17.º n.º 2 da LAR)

corresponde a um favorecimento dos empresários agrícolas com experiência, tanto em termos de estabilidade (Art.º 96.º n.º 1 da CRP e Art.º 38.º n.º 1 da LBDA), como no acesso à terra (Art.º 93.º n.º 1 alínea b) in fine e Art.º 3.º n.º 2 alínea a) in fine da LBDA) este direito vigora nos 5 anos seguintes à cessação do contrato anterior, podendo concorrer com o de arrendatários subsequentes, em caso de cessação antecipada ou de arrendamento de campanha subsistem dúvidas quanto ao objeto do novo contrato, nomeadamente se não for idêntico ou se se tratar de outros prédios do mesmo senhorio

na aquisição dos prédios objeto de arrendamento (Art.º 31.º n.ºs 2 a 7 da LAR) - matéria já abordada, ao tratase de um ius ad rem

27

Contratos Agrários

g) as vias de controle do conteúdo contratual 

aspetos gerais: 







sendo o de arrendamento rural um contrato típico, mais propriamente um tipo real normativo, a autonomia das partes está, à partida, limitada pelas normas imperativas postas pelo Legislador consequentemente, o controle do conteúdo terá por objeto os espaço deixados a um tal articular de interesses, mas sempre em ordem à efetivação dos fins típicos do contrato ainda assim, é de apontar para os dois parâmetros de controle do conteúdo contratual mais relevantes no que se refere aos contratos envolvendo organizações empresariais: a ordem pública económica e a boa fé objetiva

a ordem pública económica: 

a validade do exercício da autonomia contratual passa pela respetiva não colisão com as normas e os princípios fundamentais do Ordenamento, isto é, com a Ordem Pública (Art.ºs 405.º e 280.º n.º 2 do CC)

28

Contratos Agrários 





neste caso, além das normas imperativas ordinárias, está em causa a compatibilização funcional do conteúdo prefigurado pelas partes para o contrato com os Objetivos da Política Agrícola (Art.ºs 93.º e 96.º n.º 1 da CRP e 39.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia) e com os Fundamentos da Constituição Económica (Art.ºs 80.º e 81.º da CRP e Art.º 3.º n.º 2 do Tratado da União Europeia) uma das possibilidades a atender é a da aplicação do regime do abuso da dependência económica ao mercado de arrendamento de terras (Art.º 12.º da Lei da Concorrência, Lei n.º 19/2012, de 18 de maio), sobretudo se tivermos em conta a ligação que pode ser feita entre as disciplinas constitucionais relativas à eliminação dos latifúndios e de reordenar os minifúndios e a da concorrência (Art.ºs 81.º alínea h, 94.º e 95.º e 81.º alínea f) da CRP) em todo o caso, é necessário atentar na estrutura concreta de cada mercado local de terras, inclusivamente porque pode ser o potencial arrendatário a dispor de um poder económico muito mais forte que o dos proprietários dos prédios, designadamente no arrendamento florestal

29

Contratos Agrários 

a boa fé objetiva: 







embora com uma menor importância neste contexto, se a compararmos com domínios como o das relações contratuais envolvendo consumidores, releva ainda a boa fé objetiva, enquanto feixe de deveres de correção, atendendo aos interesses da contraparte e sempre orientada à efetivação dos fins do contrato

o que supõe uma regulação da conduta das partes em cada uma das fases do processo contratual, determinando a legitimidade da respetiva atuação, nomeadamente com base na cláusula geral relativa ao abuso do direito (Art.º 334.º do CC) por outro lado, no que se refere a modificações do conteúdo contratual, por alteração das circunstâncias, é a própria regulação típica a seguir vias próprias, distintas das comuns, que têm por referência a boa fé (Art.º 437.º do CC) neste domínio, assume um especial relevo a disciplina das cláusulas contratuais gerais, ao permitir a qualificação como abusivas as cláusulas contrárias à boa fé, e tendo para nós um especial interesse as que se referem às relações interempresariais (Art.ºs 15.º e 16.º e 17.º a 19.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de outubro)

30

Contratos Agrários

III – as parcerias a) uma opção política clara 

assumidamente, a atual Lei do Arrendamento Rural é a mais liberal desde a entrada em vigor da Lei n.º 2114, de 15 de junho de 1962: 





no seu afã modernizador e desregulamentador, ensaiando uma adequação aos novos rumos da Política Agrícola Comum da EU, o Legislador procurou deixar claros e separados os papéis do senhorio, enquanto titular dos capital fundiário, e do rendeiro, enquanto empresário rural, com o inerente risco tal opção política, além de concretizar a norma constitucional de eliminação da parceria agrícola, mas sem ser acompanhada de medidas de Política Agrária, levou à concentração num tipo real normativo único os contratos para o aproveitamento agrícola da terra (Art.ºs 3.º e 36.º da LAR) em consequência, foi proibida tanto a celebração de contratos de parceria agrícola quanto os mistos de arrendamento rural e parceria agrícola, e imposta a respetiva conversão em contratos de arrendamento rural (Art.º 36.º n.ºs 1 e 2 da LAR) 31

Contratos Agrários 



quando celebrados sem prazo, os atuais contratos cessarão ainda "por acordo entre os parceiros, ou por iniciativa e vontade expressa, ou morte do parceiro cultivador" (Art.º 36.º n.º 3 da LAR)

mas, poderia ter sido diferente a opção legislativa? 





a norma constitucional (Art.º 94.º n.º 2 in fine da CRP), além de estritamente programática, "serão criadas condições aos cultivadores para a efectiva abolição do regime de parceria agrícola", corresponde a um contexto económico e social que já não existe os nossos mais próximos parceiros e competidores, a França (Loi n.º 88-1202, de 30 de dezembro) e a Espanha (Ley 26/2005, de 30 de novembro), mantiveram o contrato de parceria agrícola, ainda que aproximando-o do de arrendamento rural e com um reforço da posição do parceiro cultivador, e na Itália a Corte Costituzionale limitou o alcance da Legge de 1982 o Legislador poderia ter modernizado o contrato de parceria agrícola, até em linha com a tradição portuguesa, e alinhando-o com as atuais tendências para a integração vertical, mas não o fez…

32

Contratos Agrários

c) a parceria florestal 

continua a ser aceite, mas apenas no âmbito de um contrato misto de parceria-arrendamento, assim "Não estão abrangidos pela proibição constante do n.º 1 os contratos de arrendamento florestal em que se estabeleça, conjuntamente com uma renda fixa, uma parte da renda variável, calculada em função do valor da produção florestal" (Art.ºs 36.º n.º 5 e 11.º n.º 3 da LAR)

d) a parceria pecuária 



mantem-se, ainda que com uma relevância residual, inclusive por não ter sido tentada sequer uma modernização do instituto, designadamente para fins de estruturação das fileiras produtivas (Art.º 36.º n.º 4 da LAR e Art.ºs 1121.º a 1128.º do CC) o respetivo regime, constante do Código Civil, é muito fragmentário, remetendo quase toda a disciplina para os "usos da terra" (Art.º 1128.º do CC, em termos genéricos) 

assim, não existindo prazos usuais de referência, pode cada uma das partes pedir a resolução ("fazer caducar") do contrato (Art.º 1122.º n.º 1 do CC). 33

Contratos Agrários 



relevante é a disciplina da distribuição do risco contratual, em cujos termos a "Se os animais perecerem, se inutilizarem ou diminuírem de valor, por facto não imputável ao parceiro pensador, o risco corre por conta do proprietário. Se, porém, algum proveito se puder tirar dos animas que pereceram ou se inutilizaram, pertence o benefício ao proprietário até ao valor deles no momento da entrega.", sendo estas regras imperativas (Art.º 1126.º n.ºs 1, 2 e 3 do CC) neste contexto, é ainda de assinalar que este regime é aplicável a quaisquer "animais", logo a "qualquer espécimen vivo bovino, suíno, ovino, caprino, equídeo, ave, leporídeo (coelhos e lebres) ou outra espécie que seja explorada com destino à sua reprodução ou produção de carne, leite, ovos, lã, seda, pelo, pele ou repovoamento cinegético, bem como a produção pecuária de animais destinados a animais de companhia, de trabalho ou a atividades culturais ou desportivas" (Art.º 2.º alínea c) do Regime de Exercício da Atividade Pecuária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 81/2013, de 14 de junho) 

embora, em especial, pela sua importância económica, sobretudo à época, a lei prevê que o "parceiro pensador de gado lanígero não pode fazer a tosquia sem que previna o parceiro proprietário; se o não prevenir, pagará em dobro o valor da parte que deveria pertencer ao proprietário.“ (Art.º 1127.º do CC)

34

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.