Contratos de Financiamento - Dir. Inglês x Dir. Islâmico

September 27, 2017 | Autor: W. Silva Filho | Categoria: Direito, Islamic Finance, Financiamento, Reino Unido
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Descrição do Produto

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio " "
"Centro de Ciências Sociais – CCS "Departamento de Direito – JUR "
"Aluno: Wellington Gomes da Silva "Matrícula: "Turma: 2HX "
"Filho "1013878 " "

Relatório de Atividade Complementar
Palestra "Lei aplicável nos contratos de financiamento internacional:
direito inglês ou direito islâmico – análise de um caso concreto", com o
professor canadense Jeffrey Talpis
19 mar. 2012, 19h00 – PUC-Rio, Auditório B8

Começa o evento. O prof. Lauro Gama introduz o assunto e o
palestrante:
"Há vários países no mundo em que o Direito tem grande intimidade com
a religião, como a Arábia Saudita, o Kuwait (islamismo) e Israel
(judaísmo). Hoje, é crescente o número de contratos de financiamentos com
países islâmicos, e muitos desses contratos têm que respeitar regras desses
países. O professor Jeffrey, da Universidade de Montréal, está aqui e vai
falar quando essas regras se aplicam aos países ocidentais onde a religião
não é relevante para o direito, e como acomodá-las."

A prof.ª Nádia de Araújo complementa, em seguida:
"Para acomodar esses contratos às regras islâmicas, é usado um
contrato chamado murābahah, que é um jeitinho para que o financimento tenha
juros, já que a sharia (lei islâmica) não os permite. É uma espécie de
venda casada, onde o banco compra para vender, e aí embute os juros. O
fiscal da religião deve atestar o compliance, isto é, o cumprimento da
sharia, e, desta forma, o contrato cumpre a lei."

O prof. Jeffrey Talpis inicia, finalmente, sua palestra:
"Nenhum país secular tem disposições dizendo que o contrato se rege
pela religião de uma das partes. E não é possível haver conflito de normas
entre religião e direito. Só que, em alguns países, o direito é baseado na
religião. E há vezes em que as cortes terão que levar em consideração a
religião das pessoas.
Um exemplo: No Brasil, uma questão de casamento. A lei aplicável ao
casamento é a do domicílio das partes. Se um homem do Egito, onde a lei é
baseada na sharia, e se lhe permite ter quatro esposas, vier ao Brasil,
seus casamentos são considerados válidos?
Outro caso: Na Tunísia, onde, pela sharia, o homem pode repudiar sua
mulher, isto é considerado válido divórcio. E se ele viesse aqui, seria
também, porque vale a lei tunisiana, ou não, porque é discriminação?
Um caso real: Na Alemanha, a lei do casamento é a lei da nacionalidade
das partes. Uma mulher de país islâmico tenta se divorciar do marido na
Alemanha por sofrer violência física e moral. O marido diz não, e que não é
possível, pois é uma maneira de corrigir a mulher que a sharia (que é a lei
das partes) admite. A primeira instância concordou com o argumento do
marido, mas a segunda instância não permitiu alegando ferimento à ordem
pública alemã.
O financiamento islâmico é uma instituição com cerca de 1400 anos; é
complexa e detalhada, e poucos entendem. Isto porque, no Ocidente, os
financiamentos se fundamentam em juros, enquanto lá é proibido.
Vamos analisar aqui dois aspectos dos contratos que envolvem, de
alguma maneira, legislação islâmica: (i) A lei que governa (inteiramente ou
em parte) a validade e a execução de um contrato; e (ii) a validade e o
reconhecimento de qualquer garantia real sobre o financiamento.
Quanto ao primeiro aspecto, tais contratos podem encarar três
possibilidades:
A) As partes escolhem a sharia como lei aplicável ao contrato, em vez
de um sistema jurídico nacional. Bem, esta hipótese só seria cogitável num
país onde dá para escolher, porque no Brasil não dá, só se for por
arbitragem. Mas, considerando um país onde seja possível, poder-se-ia
escolher qualquer direito, só os princípios de direito, ou um direito não
estatal como a sharia também? Não. Segundo a doutrina majoritária, somente
é possível estabelecer como lei aplicável de um contrato uma legislação
nacional. Assim, escolher a sharia como lei aplicável não pode, porque ela
não é direito, é um conjunto de normas religiosas. Teria que ser de um país
que segue a sharia, como veremos na hipótese C.
B) As partes incorporam princípios da sharia num contrato governado
por um direito nacional, como o brasileiro. Exemplo: "(...) A lei aplicável
a este contrato é a lei inglesa, sujeito, porém, aos princípios da sharia".
Pela autonomia da vontade das partes, é possível. Exemplo melhor, muito
usado, é "sujeito aos princípios do UNIDROIT". Dá para fazer o mesmo com a
sharia? Veremos ao analisar, mais à frente, um caso concreto.
C) A lei aplicável é a de um país que segue a sharia, como o Barein,
por escolha das partes ou não (Ex: a lei aplicável é aquela porque o
contrato foi assinado lá). Como vimos na hipótese 1, sendo permitido às
partes, em um país, escolherem que outra legislação se aplica, é possível,
pois é uma legislação nacional.
Um caso concreto: Há um contrato de financiamento internacional.
Conformá-lo com os princípios da sharia é difícil, por causa dos juros. Há
uma espécie de conselho bancário que analisa se o contrato está conformado
às regras da sharia. O contrato é o seguinte: A Beximco Pharmaceuticals
Ltd., de Bangladesh, pede um financiamento ao Shamil Bank, do Barein, em
1995. Sobre a lei aplicável, o contrato diz: "Respeitados os princípios da
sharia, este contrato é governado pela lei inglesa". Para obter o
compliance com a lei islâmica do citado conselho, e ainda conseguir auferir
juros, foi feito um contrato murābahah, que é como uma venda casada: o
financiado vende os bens a serem financiados para o banco, e o banco
revende para o destinatário dos bens financiados. Só que os bancos vendem
mais caro, embutindo aí os juros.
Há, depois uma disputa. A Beximco entra em default, e o caso vai
parar na justiça inglesa. E a financiada alega, perante as cortes inglesas,
que o contrato fere os princípios da sharia, e portanto, haveria
inadimplemento do Shamil Bank quanto à cláusula da lei aplicável.
Os tribunais entenderam que:
1) A cláusula era só um marketing do banco, para mostrar seus valores
primordiais, mas não tinha força de norma, as partes não tinham a real
intenção de usar a sharia para regular o contrato, sendo a menção
absolutamente sem significado;
2) Mesmo assumindo que as partes quiseram se sujeitar à lei islâmica,
não dá para usar dois sistemas jurídicos para regular um contrato. E ainda
assim, sharia não é direito, é um conjunto de normas religiosas;
3) Mesmo que as partes quisessem se submeter a alguns princípios
islâmicos, a simples referência à sharia não identifica que princípios são
esses, não havendo consenso em se definir aque princípios da lei islâmica
as partes queriam se submeter.
E desconsideraram ser ou não um contrato murābahah, disseram q se
aplica a legislação inglesa e condenaram a empresa bengalesa a pagar.
Bem, vamos a algumas considerações: Se eles não queriam seguir tais
princípios, porque colocariam no contrato? A corte não prestou muita
atenção na vontade das partes. E perdeu uma grande oportunidade de discutir
os contratos islâmicos ao considerar o acordo um simples contrato de
financiamento regido pela lei inglesa.
Então, o que se deve fazer num contrato de financiamento:
a) não se submeter à sharia;
b) selecionar determinados princípios da sharia para se submeter, e
incorporá-los ao contrato, para que não haja dúvidas quanto a quais
princípios se quer seguir;
c) escolher, como lei aplicável, a lei de um país simpático à lei
islâmica; ou, cada vez mais utilizado,
d) escolher arbitragem, pois os árbitros podem aplicar tais normas e,
inclusive, há árbitros especialistas em tal sistema jurídico."


Algumas observações complementares:
Prof. Lauro: "A cláusula não dizia que o direito inglês estava abaixo
da sharia, mas sim que os princípios da sharia se aplicavam, sendo regras
obrigatórias as do direito inglês."
Profª. Nádia: "Esses países são muito refratários a não usarem suas
próprias leis. O negócio mesmo é utilizar lei de Londres ou Nova Iorque.
Esta última é ainda melhor, pois tem disposição expressa permitindo julgar
qualquer contrato acima de US$ 1 milhão. E nesses lugares, eles não estão
interessados em princípios da sharia ou qualquer coisa, vale mesmo a lei
local."
Prof. Jeffrey: "O outro aspecto que não comentei se refere às
garantias reais. Elas fazem complicar ainda mais o contrato, pois, em
geral, a lei que rege tais garantias é a do lugar onde se encontra a
coisa".


Fim da palestra.
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