Contribuições de Max Weber para as Ciências Sociais: Método, Conceitos e Sociologia da Religião

July 4, 2017 | Autor: Daniel Vasconcelos | Categoria: Max Weber, Sociologia, Sociologia da Religião
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Contribuições de Max Weber para as Ciências Sociais:
Método, Conceitos e Sociologia da Religião


Daniel Arthur Lisboa de Vasconcelos[1]

Resumo

O principal objetivo desse artigo é destacar alguns aspectos metodológicos
da obra de Max Weber, observando-os como uma das principais referências na
construção do conhecimento em Ciências Sociais. No decorrer do texto,
tentaremos trazer à tona o método tipológico e algumas categorias da
Sociologia weberiana, como a da Ação Social, demonstrando sua importância
para a análise dos fenômenos sociais, e também exemplificando o modo como
o autor procedeu em seus estudos acerca da Sociologia da Religião.
Palavras-Chave: Max Weber. Ciência Social. Método. Sociologia da Religião.



Abstract

The objective of this article is to recoup some aspects of the methodology
in the work of Max Weber, being observed them as one of the main references
in the knowledge construction in Social Sciences. It deals with some
aspects of the Weber methodology emphasizing the Sociology in the analysis
of religious phenomena.
Key-Words: Max Weber. Social Science. Method. Sociology. Religion.







Introdução


O teórico alemão Maximillian Carl Emil Weber (1864 -1920) é
considerado um dos fundadores da Ciência Sociológica. Conforme sua
perspectiva teórica, o objeto de estudo da Sociologia é a ação de um
indivíduo, desde que motivada pelo comportamento de outro(s), o que o autor
denominou "Ação Social".
Evidente se faz sua importância para as Ciências Sociais modernas,
visto que seu arcabouço metodológico-conceitual baliza diversos estudos,
desde a concepção de sua obra, que ocorreu entre o final do século XIX e o
início do século XX, até a contemporaneidade. Rompendo com os pressupostos
positivistas dominantes em sua época, Weber procurou aplicar a noção de
compreensão – ou Vesterhen – às suas análises sobre o fenômeno social
fundando, assim, uma concepção culturalista nos estudos sociológicos, na
qual buscava-se compreender os sentidos e conexões presentes nas ações
sociais.
Conforme o entendimento de Ringer (2004), o projeto metodológico de
Max Weber contribui de maneira muito específica para uma unificação das
ciências culturais e das ciências sociais, enfatizando a noção de
compreensão. Trata-se de uma hermenêutica de cunho interpretativo e
explicativo, na qual o pesquisador deve compreender textos, culturas e
períodos históricos como símbolos que devem ser elucidados dentro de seus
próprios sistemas de significação. Assim, conforme os preceitos weberianos,
para se compreender as ações sócio-históricas dos indivíduos, deve-se
analisar todo um complexo pano de fundo cultural que as orienta, ou seja,
as diversas representações, as simbologias através das quais interpretam
sua temporalidade, seu habitat espacial, suas relações com a natureza, com
os outros indivíduos, com o sobrenatural, etc. Entretanto, para se dotar de
alguma objetividade, a compreensão e a interpretação devem passar por um
constante processo de verificação racional, balizado na atribuição
hipotética de racionalidade.
A obra weberiana não constitui um sistema fechado de interpretação da
realidade. Desse modo, na tentativa de compreender uma sociedade moderna
constituída por um processo histórico de racionalização, Weber constrói as
suas análises fundando uma ciência da cultura, a qual busca interpretar a
ação social dos indivíduos para explicar suas causas, seu desenvolvimento e
seus efeitos. Uma peculiaridade desse método é a negação de leis que
determinam o devir histórico, ou seja, nessa acepção cada sociedade evolui
de maneira singular, com uma história peculiar, e sob relações
particulares, para que determinadas circunstâncias culturais se
configurem. Nesse contexto, podem intervir uma diversidade de fatores,
sendo o papel do pesquisador "interpretar" o que pode, ou poderia, ocorrer
caso essas variáveis sejam, ou fossem, diferentes.
A solução proposta por Weber aos complexos problemas metodológicos que
ocuparam a ciência social no início do século XX permitiu que novas
acepções fossem dadas a diversas questões sócio-histórico-culturais. Nesse
sentido, foram especialmente relevantes seus estudos acerca da Sociologia
da Religião. Nesse texto tentaremos explicar o método weberiano de análise
sócio-cultural, buscando elucidar alguns conceitos-chave para sua
compreensão, assim demonstrando como o autor aplicou seu arcabouço teórico
em alguns problemas referentes à esfera religiosa da vida social, tendo em
vista as complexas relações dessa com outras, a exemplo da econômica.
Nesse sentido, tentaremos trazer à tona algumas categorias da
sociologia compreensiva para a análise da religião como fenômeno social. O
primeiro destes conceitos é o de "tipo ideal", um instrumento teórico
utilizado pelo autor para tentar conferir objetividade aos seus estudos,
tanto no que tange a religião, quanto a outras esferas da realidade social;
tentaremos demonstrar como Weber procede na construção dos "tipos",
exemplificando como o autor aplicou esses instrumentos na análise do
"espírito do capitalismo", assim como na explicação do que chama de
"ascetismo" e "misticismo" religiosos. Também abordaremos a tipologia da
"ação social", que consiste numa classificação fundamental nas análises
weberianas, tentando demonstrar como ela é aplicada pelo autor na análise
da assim chamada "ação religiosa".


O Projeto Metodológico de Max Weber e os Tipos Ideais


O método tipológico de Max Weber é, para muitos cientistas sociais,
uma aproximação do método comparativo, quando o pesquisador, ao comparar
fenômenos sociais complexos, constrói tipos ou modelos ideais desses
fenômenos, no qual o cientista tem o papel de ampliar e ressaltar
determinados aspectos mais significativos do fenômeno social a ser
analisado, diferenciando-se, contudo, pela aplicação de instrumentos que
permitam a manutenção da objetividade científica.
É para ilustrar teoricamente a conexão entre "interpretação" e
"explicação" que Weber recomenda a utilização desses instrumentos, que o
autor denominou "tipos ideais", os quais, de acordo com Ringer (2004, p.16)
são constituídos como "simplificações ou caracterizações ´unilateralmente´
exageradas de fenômenos complexos que podem ser hipoteticamente concebidos
e depois comparados com as realidades que devem elucidar". Tal instrumento
de pesquisa é fundamental nas construções teóricas weberianas, permeando
toda a sua obra sociológica. Em seu texto traduzido como "A 'objetividade'
do conhecimento nas ciências sociais", o teórico nos esclarece acerca da
utilização desses instrumentos:


Obtém-se um tipo ideal mediante a acentuação unilateral de
um ou vários pontos de vista, e mediante o encadeamento de
grande quantidade de fenômenos isoladamente dados, difusos
e discretos, que se podem apresentar em maior ou menor
número ou mesmo faltar por completo, e que se acentuam, a
fim de se formar um quadro homogêneo de pensamento. Torna-
se impossível encontrar empiricamente na realidade esse
quadro, na sua pureza conceitual, pois trata-se de uma
utopia (WEBER, 1982, p.106). 


Para uma Sociologia na qual, segundo Weber (1982, p.92), "o
conceito de cultura é um conceito de valor" torna-se essencial à utilização
de algo que assegure ao pesquisador a objetividade do conhecimento.
Conforme Tragtenbeg (1992), muitos sociólogos confundem a pesquisa objetiva
com o juízo de valor, não utilizando de maneira correta o recurso
heurístico que constitui os tipos ideais que, em verdade, serve uma maior
objetividade aos estudos, sintetizando "compreensão" e "experimentação",
"explicação" e "valor", o "devir e o "ser" no conhecimento histórico-
social, como preceitua Weber (1992a).
Contudo, é conveniente defender a opinião de que uma objetividade
absoluta é impossível em Ciências Sociais e Culturais, por isso os tipos
ideais são utilizados apenas como meios de se construir uma
contextualização sócio-cultural, pois segundo Weber (1982, p.108) "[...] a
construção de tipos ideais abstratos não interessa como fim, mas única e
exclusivamente como meio de conhecimento". Sob essa acepção, sua finalidade
é a tentativa de evitar atribuição de valores subjetivos do pesquisador ao
estudo, pois sua elaboração só tem sentido teórico até o ponto em que eles
permitam realizar as interpretações e comparações propostas em uma
pesquisa.
Para exemplificar como Weber utilizou esse procedimento, podemos
citar os tipos puros de dominação: racional, tradicional e carismática
(1991); a tipologia dicotômica (ascetismo – misticismo) para a análise das
relações entre a religião e algumas ordens "desse mundo" (1982a); e as
descrições tipológicas de "A ética protestante e o espírito do capitalismo"
de racionalizações religiosas como o Calvinismo, o Pietismo, o Metodismo, e
as Seitas Batistas (1994). Todas essas construções foram elaboradas com a
maior pureza abstrata possível, mas não devem ser encaradas como um
perfeito reflexo da realidade, pois foram forjadas através processo de
racionalização, no qual se objetivou uma descrição referencial para se
lograr, qualitativamente falando, a dimensão dos desvios entre uma ação
racionalmente orientada em relação a fins (que levaria ao tipo puro) e uma
realidade sócio-histórica concreta, influenciada por desvios irracionais de
ação. É esse dimensionamento que permite ao pesquisador realizar conexões
causais entre os fenômenos sociais, culturais e a ação dos indivíduos.


Ação Social: o vínculo sociológico entre os indivíduos


Apenas tecendo um breve esclarecimento sobre a categoria ação
social, poderíamos, grosso modo, considerar que é um tipo de ação em que o
agente refere-se ao comportamento de outros indivíduos, orientado, assim,
seus atos. Nesse sentido, Weber nos esclarece que: "Nem toda espécie de
contato entre os homens é de caráter social, mas somente uma ação dirigida
para a ação dos outros" (1992, p.415); definindo-a como "[...] uma ação na
qual o sentido sugerido pelo sujeito ou sujeitos refere-se ao comportamento
de outros e se orienta nela no que diz respeito ao seu desenvolvimento"
(1992, p.400). Assim, o autor propõe uma tipologia da ação social, que pode
ser:


1) racional com relação a fins: determinada por
expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo
exterior como de outros homens, e, utilizando essas
expectativas, como "condições" ou "meios" para o alcance
de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos. 2)
racional com relação a valores: determinada pela crença
consciente no valor - interpretável como ético, estético,
religioso ou de qualquer outra forma - próprio e absoluto
de um determinado comportamento, considerado como tal, sem
levar em consideração as possibilidades de êxito. 3)
afetiva, especialmente emotiva, determinada por afetos e
estados sentimentais atuais; e 4) tradicional: determinada
por costumes arraigados. [grifo nosso]


Enfim, de acordo com os preceitos desse teórico, em sociologia
compreensiva a "ação social" deve ser tomada como um "dado central" que o
pesquisador deve analisar com base no modelo de "racionalidade com relação
a fins". Também ressalta-se que na realidade empírica a linha divisória
entre racionalidade e irracionalidade é praticamente inexistente, no
entanto, com a interpretação de modelos de racionalidade intencional dos
agentes, pode-se lograr um elevado grau de evidência, atribuindo a esses
uma motivação de racionalidade correta vinculada a um tipo-ideal. Desse
modo, os comportamentos desviantes dessa suposta racionalidade apontam
causas externas àquelas atribuídas ao agente ideal.


Sociologia e Religião


Max Weber dedicou boa parte de sua vida acadêmica ao estudo
sociológico do fenômeno religioso; para Mariz (2003), dentre os clássicos
da Sociologia (Marx, Durkheim e Weber)[2] esse é o autor que mais tem
influenciado as pesquisas na Sociologia da Religião. É na tentativa de
compreender uma sociedade moderna, constituída por um processo histórico de
racionalização, que Weber constrói as suas análises das religiões, fundando
uma ciência da cultura, enfim, uma ciência que busca interpretar a ação
social dos indivíduos, na tentativa de conciliar objetividade com valores
subjetivos.
Uma peculiaridade do método de Weber é a negação de leis que
determinam o devir histórico, ou seja, para ele cada sociedade evolui de
maneira singular, com uma história peculiar. É nesses parâmetros que Weber
busca entender o comportamento dos indivíduos nas diversas sociedades. A
aplicação de seu método fica evidente em uma de suas principais obras: "A
ética protestante e o espírito do capitalismo". Ao contrário do que alguns
pensam sobre esse livro, sua intenção não é demonstrar que uma "ética
protestante" determina o que o autor convencionou chamar "o espírito do
capitalismo". Ao encerrar a obra ele mesmo faz questão de explicitar,
evocando a interpretação do materialismo histórico:

[...] não se pode pensar em substituir uma interpretação
materialística unilateral por uma igualmente bitolada
interpretação causal da cultura e da história. Ambas são
igualmente viáveis, mas, qualquer uma delas, se não
servir de introdução, mas sim de conclusão, de muito
pouco serve no interesse da verdade histórica (WEBER,
1994, p. 132).


Nesse mesmo trecho também fica claro que a intenção do autor não é a
de substituir ou refutar a tese marxista, e sim propor mais uma maneira de
se compreender as relações entre os fenômenos sociais.
Segundo Mariz (2003), o interesse de Weber pela religião surge
quando esse autor observa que o protestantismo gerou um ethos social que
possuía uma afinidade eletiva com o moderno capitalismo, ou seja: "Ao levar
seus fiéis a se dedicar de forma ascética ao trabalho secular, o
protestantismo teria criado uma mão-de-obra que se motivava para produção
de riquezas e para a poupança antes mesmo do sistema capitalista ter uma
força e autonomia para gerar sua própria motivação" (MARIZ, 2003, p.75).
Nesse sentido, percebemos que em "A ética protestante e o espírito do
capitalismo" o interesse de Weber pelo fenômeno religioso é decorrente de
uma motivação para o entendimento de como a religião é capaz de influenciar
na ação social dos indivíduos.

A Ação Social e a Motivação Religiosa: tipologias




Relacionando a tipologia da ação social com alguns aspectos
religiosos Weber (1992) considera a "beatitude contemplativa" como uma ação
afetiva; também afirma que o indivíduo que alcança uma "sabedoria
religiosa" age de modo racional com relação a valores quando suas
convicções o levam a defender valores como o dever, a dignidade, a piedade,
entre outros, sem considerar as conseqüências previsíveis; nesse sentido
podemos evocar a figura do profeta emissário, que age segundo "mandatos" e
"exigências" que o mesmo acredita serem dirigidas à sua pessoa. Corrobora
com essa perspectiva, o seu comentário sobre a sociologia da religião no
capítulo V de "Economia e Sociedade", quando Weber afirma que a existência
primordial da "ação religiosa" orienta-se para "este mundo": "A ação
religiosa ou magicamente motivada é, [...] uma ação racional, pelo menos
relativamente: ainda que não seja necessariamente uma ação orientada por
meios e fins, orienta-se, pelo menos, pelas regras da experiência"
(1991:279). Também não podemos deixar de considerar que muitos indivíduos
que dizem "agir de maneira religiosa", no fundo agem de maneira
tradicional, ou seja, sua fé depende muito mais da tradição cultural e dos
costumes arraigados, do que de uma ação racionalmente ou afetivamente
orientada.
Enfim, como afirma Weber (1992), sua Sociologia não deve ficar
restrita a estudar a ação social dos indivíduos, porém, ele mesmo reafirma
que para o tipo de Sociologia que desenvolveu, a "ação social" deve ser
tomada como um "dado central". Desse modo, o autor não prescinde desse
conceito em suas considerações sociológicas sobre o fenômeno religioso.

A construção dos Tipos Ideais e o "Espírito do Capitalismo" na Ética
Protestante

Na obra em que estuda a ética protestante e o espírito do
capitalismo, Weber faz uma construção típico-ideal do que seria o que ele
denomina o "espírito do capitalismo". Para o autor, não devemos buscar
encontrar essa "pretensiosa" expressão em uma realidade empírica, ou seja,
isso significa que o caráter dessa expressão é unicamente histórico e
individual. Ele mesmo, no decorrer de seu estudo, afirma que essa expressão
é apenas a tentativa de definição de um objeto, cuja análise pode ser feita
sob várias óticas; não podendo, portanto, ser representada por conceitos
unilaterais. Na tentativa de ilustrar melhor essas idéias, Weber (1994, p.
30-31) cita-nos algumas frases de Benjamim Franklin, as quais podem
expressar um pouco do que se tenta expressar sobre o espírito do
capitalismo:


Lembra-te de que tempo é dinheiro. [...].
Lembra-te de que crédito é dinheiro. [...].
Lembra-te de que o dinheiro é de natureza prolífica,
procriativa. [...]
Lembra-te deste refrão: O bom pagador é dono da bôlsa
alheia. [...]
As mais significantes coisas que afetem o crédito de um
homem
devem ser consideradas.


Tomando as palavras de Franklin como exemplo do espírito do
capitalismo, Weber tenta afastar o juízo de valores em sua análise. No
decorrer desse estudo o autor também recorre a elaborações típico-ideais
para poder nos descrever o que seria uma "ética protestante". Nesse
sentido, desenvolve algumas reflexões acerca do ascetismo laico
caracterizando, de maneira típico-ideal, alguns desses movimentos
protestantes relativamente autônomos, mas não totalmente independentes dos
demais, como: o Calvinismo, que desenvolveu-se em países mais adiantados no
capitalismo por volta dos séculos XVI e XVII, e tinha a predestinação dos
indivíduos com um de seus dogmas principais; o Pietismo, também
historicamente considerada como a doutrina da predestinação; o Metodismo,
movimento religioso mais metódico e sistemático, que se direcionava para
uma "luta racional pela perfeição"; e as chamadas Seitas Batistas, nas
quais os indivíduos somente eram batizados quando adultos, e quando
adquirissem o conhecimento da própria fé.
Nas suas descrições típico-ideias do protestantismo, fica claro que
esses movimentos conduziam os indivíduos a um ascetismo, ou seja, segundo
essas crenças, Deus chama os indivíduos para as atividades produtivas do
cotidiano. Segundo Mariz (2003), essa concepção ascética do Cristianismo
foi inaugurada por Martinho Lutero, quando, por ele, a Bíblia Sagrada foi
traduzida para o Alemão; a partir disso, o termo "beruf" passou a designar
tanto "vocação" (no sentido de um chamado divino), quanto "trabalho" (ou
profissão). Nesse sentido de inovação dogmática, a ética protestante
distanciou-se bastante dos padrões católico-medievais com o
redirecionamento ascético, e a negação de ritos como a adoração de santos,
da prática de vários sacramentos, dos milagres, entre outros. Assim, o
protestantismo passa a representar um tipo de religião que se afasta do
misticismo medieval, acompanhando a racionalização moderna.


Ascetismo e Misticismo como Tipos Ideais

Segundo Mariz (2003), os estudos weberianos sobre a ética protestante
e espírito do capitalismo foram apenas uma pequena parte de um projeto bem
maior, que ficou inacabado pelo autor. Não obstante, Weber também dedicou-
se ao estudo de outros aspectos da sociologia da religião, como por exemplo
em seu texto "Rejeições religiosas do mundo e suas direções", onde é
construída um tipologia de forma dicotômica (ascetismo – misticismo) para a
análise das relações entre a religião e algumas ordens "desse mundo". Essas
construções visam contribuir para a "tipologia e sociologia do
racionalismo" (WEBER, 1982, p.372).
Como vimos, nas religiões ascéticas (a exemplo do protestantismo), os
fiéis são considerados instrumentos divinos. Desse modo, podemos perceber a
importância da concepção deísta, de um criador supramundano, para a busca
ascética da salvação. O misticismo, ao contrário, não é tão dependente de
uma cosmologia deísta, pois esse inclina-se para uma busca contemplativa,
que tende a uma despersonalização e imanência do poder de Deus. Desse modo,
Weber (1982) utiliza os tipos-ideais polares "ascetismo" e "misticismo"
para uma melhor distinção desses tipos de religiosidade.
Lembrando que esses pólos são apenas ilustrações teóricas, a
aplicação desses conceitos é feita de maneira que possamos identificar
características mistas na realidade empírica. Desse modo, Weber (1982,
p.373) nos exemplifica com os povos judeus, "[...] que desenvolveram o
misticismo, mas quase nenhum ascetismo do tipo ocidental". Entre esses
pólos, a realidade expressa-se tanto como um estado ascético (em que o
devoto deve ser instrumento divino praticando a ação no mundo desejada por
Deus) como no outro extremo, místico, no qual os devotos são "recipientes"
passivos da divindade. As gradações da realidade são infinitas, e podem
expressar-se desde como "uma fuga ascética do mundo", que ocorre quando os
indivíduos buscam superar sua malignidade nas ações do mundo, até um tipo
de "misticismo voltado para o mundo", no qual a participação do místico
tende a atitudes mais ascéticas.
Esses tipos da realidade empírica também podem ser personificados em
figuras proféticas. Segundo Weber (1991, p.303) entendemos por "profeta", o
indivíduo "[...] portador de um carisma[3] puramente pessoal, o qual, em
virtude de sua missão, anuncia uma doutrina religiosa ou um mandado
divino". Historicamente podemos identificar "profetas emissários", que
propunham e divulgavam "leis" divinas; segundo Weber, esses emissário
divinos cobravam de seus seguidores a prática da religiosidade no mundo, e
estavam mais voltados para o tipo ascético, podemos citar como exemplo
Jesus, o grande profeta do cristianismo. Já os chamados "profetas
exemplares" pregavam como religião da salvação o tipo contemplativo, mais
voltado para as práticas místicas. Um exemplo desse tipo personalizado
seria Sidarta Gautama, mais conhecido como Buda.
Enfim, é com o auxílio dos tipos ideais que Weber tece as suas
análises do fenômeno religioso tentando delinear a lógica interna das
diversas concepções culturais religiosas. No Entanto, concordamos com a
observação de Mariz (2003:84) de que "[...] a sociologia da religião de
Weber não se reduz a eles". Desse modo, não podemos procurar entender a
essência do fenômeno religioso exclusivamente por intermédio dessas
construções teóricas.



Considerações finais

Chegamos ao fim desse breve ensaio no intuito de ter logrado êxito
com nosso objetivo: explicitar a importância de alguns conceitos que
consideramos essenciais para uma análise da Sociologia de Max Weber,
principalmente no que se refere e o seu referencial metodológico e à sua
aplicação em estudos sociológicos, nesse caso, enfatizando a esfera
cultural da religiosidade. E suas relações com outras esferas, em especial,
a econômica.
Gostaríamos de destacar que não foi nossa pretensão promover uma
visão extensa e profunda da Ciência da Cultura weberiana mas, acima de
tudo, resgatar a origem de alguns conceitos e métodos bastante utilizados
na atualidade, porém, muitas vezes, pouco referenciados e mal
interpretados.
Há quem defenda que existe nas Ciências Sociais Contemporâneas uma
tendência de se "enterrar" o pensamento dos clássicos em nome de uma
obscura e nebulosa metodologia "pós-moderna". Ao mesmo passo há os que
defendem que os estudos sobre a religião pouco têm a contribuir para futuro
o desenvolvimento das Ciências Sociais. Não obstante, as categorias
apresentadas em nossa discussão vêm sendo utilizadas em diversos estudos na
atualidade, sejam eles sobre a esfera religiosa ou quaisquer outras da
complexa realidade social histórica ou contemporânea[4].





Referências


ARON, Raymond. 2003. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo:
Martins Fontes.

MARIZ, Cecília Loreto. 2003. A Sociologia da Religião de Max Weber. In
TEIXEIRA, Faustino (org.). Sociologia da religião: enfoques teóricos.
Petrópolis: Vozes. pp. 67-93.

WALLERSTEIN, Immanuel. 2002. A herança da Sociologia, a promessa social.
In: WALLERSTEIN, Immanuel. Como concebemos do mundo o fm – ciência social
para o século XXI. São Paulo: Revan. Pp.259-302

WEBER, Max. 1982. A "objetividade" do conhecimento nas ciências sociais. In
COHN, Gabriel (org.). Max Weber: Sociologia. São Paulo: Ática. pp. 79-127.


WEBER, Max. 1994, A ética protestante e o espírito do capitalismo. São
Paulo: Biblioteca Pioneira de Ciências Sociais.


WEBER, Max. 1992. Conceitos Sociológicos Fundamentais. In WEBER, Max.
Metodologia das Ciências Sociais, parte 2. São Paulo: Cortez; Campinas, SP:
Editora da Universidade Estadual de Campinas. pp. 399-429.



WEBER, Max. 1991. Economia e sociedade: fundamentos da sociologia
compreensiva. Brasília, DF: Editora Universidade de Brasília



WEBER, Max. 1992a. Estudos críticos sobre a lógica das Ciências da Cultura.
In Metodologia das Ciências Sociais. São Paulo: Cortez.



WEBER, Max. Metodologia das Ciências Sociais, parte 1. São Paulo: Cortez;
Campinas, SP: Editora da Universidade Estadual de Campinas. pp. 155-210.



WEBER, Max. 1982a. Rejeições religiosas do mundo e suas direções. In GERTH
H. H. e MILLS C. Wright (orgs.) Max Weber - Ensaios de sociologia. Rio de
Janeiro: Editora Guanabara. pp. 371-410.



RINGER, Fritz. 2004. A Metodologia de Max Weber: Unificação das Ciências
Culturais e Sociais. Tradução de Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo:
Editora da Universidade de São Paulo.



TRAGTENBERG, Maurício. 1992. Atualidade em Max Weber. In.: In WEBER, Max.
Metodologia das Ciências Sociais, parte 2. São Paulo: Cortez; Campinas, SP:
Editora da Universidade Estadual de Campinas. pp. XII-L.

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[1] Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Alagoas.- UFAL.
Contatos: [email protected]
[2] Na perspectiva de Wallerstein (2002) a principal herança da Sociologia
(uma disciplina com domínio particular, métodos e fronteiras delimitadas)
para a ciência social é o que o autor chama de "Cultura da Sociologia", a
qual consiste em uma comunidade de estudiosos, na qual a maioria de seus
membros compartilha um número comum de premissas, as quais são reveladas
pela canônica tríade teórica - Émile Durkheim, Karl Marx e Max Weber -
formadora do que se convencionou chamar Sociologia Clássica.
[3] Nesse sentido, Weber (1991) considera o carisma como uma espécie de dom
natural, pura e simplesmente vinculado a uma pessoa ou objeto.
[4] Destacamos, nesse sentido, a aplicação do método tipológico weberiano
para a abordagem de um estudo sobre esferas culturais de cunho histórico e
etnográfico/contemporâneo, o qual nos possibilitou a titulação de mestre
pela Universidade Federal de Alagoas. Para maiores referências consulta:
VASCONCELOS, Daniel Arthur Lisboa de. Identidades (In)visíveis: um Estudo
de Caso da Cultura Espírita em Santana do Ipanema - Alagoas. Dissertação de
Mestrado (Programa de Pós-Graduação em Sociologia) – Instituto de Ciências
Sociais / Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2009.
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