CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE BIOLOGIA PARA UMA PERSPECTIVA OMNILATERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA

July 22, 2017 | Autor: Maicon Azevedo | Categoria: Educação em ciências
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CONTRIBUIÇÕES DO ENSINO DE BIOLOGIA PARA UMA PERSPECTIVA OMNILATERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA RESUMO Que contribuições pode trazer o ensino de Biologia para uma perspectiva integral de formação profissional tecnológica de nível médio? O estudo busca articulação entre os campos do Currículo e do Trabalho & Educação, para a construção de uma proposta de currículo integrado para disciplina escolar Biologia no CEFET/RJ. Mobiliza os conceitos de disciplina escolar e integração curricular para a construção de uma proposta que tem como pilar o trabalho como princípio educativo. Considerando que esta é uma discussão que se inicia e que, certamente necessita de adensamentos, buscamos proporcionar um mote para as discussões futuras. Neste estudo, inicialmente buscamos apresentar de forma muito breve como o campo de Trabalho e Educação vem se dedicando às questões da educação técnica de nível médio no país. Logo a seguir, buscamos apresentar, também de forma muito breve, as contribuições que o campo de Currículo pode trazer para a discussão sobre formação técnica de nível médio e por fim, apresentamos uma proposta de currículo integrado para disciplina escolar Biologia no CEFET/RJ. PALAVRAS-CHAVE: Integração curricular, Trabalho e Educação, Currículo, Educação Profissional e Tecnológica. APRESENTAÇÃO Que contribuições pode trazer o ensino de Biologia para uma perspectiva integral de formação profissional tecnológica de nível médio? Esta certamente não é uma pergunta fácil de ser respondida, sobretudo porque implica necessariamente, na articulação de diferentes áreas de conhecimento com uma concepção específica de formação técnica de nível médio. Esta pergunta motivadora, que provavelmente ecoa pelos corredores de muitas escolas técnicas de todo o país, foi o que nos motivou a buscar diálogos entre dois campos distintos do conhecimento: o campo Currículo e o campo de Trabalho & Educação. O diálogo acontece ambientado no contexto da formação profissional técnica de nível médio, mais precisamente, no momento ímpar de reformulação pelo qual passa o Centro Federal de Educação Tecnológica – Celso Suckow da Fonseca, CEFET/RJ. Neste sentido este estudo se desenvolve. Inicialmente buscamos apresentar de forma muito breve como o campo de Trabalho e Educação vem se dedicando as questões da educação técnica de nível médio no país. Logo a seguir, buscamos apresentar, também de forma muito breve, as contribuições que o campo de Currículo pode trazer para a discussão sobre formação técnica de nível médio e por fim, apresentamos uma proposta de currículo integrado para disciplina escolar Biologia no CEFET/RJ. EDUCAÇÃO PROFISSIONAL TECNOLÓGICA (EPT)

Tradicionalmente a Educação Profissional Tecnológica (EPT) vem sendo discutida no âmbito das relações entre trabalho & educação. Neste campo 1, historicamente, muitas críticas tem sido feitas a forma com que a EPT vem sendo conduzida ao longo da história da educação brasileira. As posturas variam desde o pessimismo culturalista2 (Arroyo, 1991) ao determinismo tecnológico3 ambas tem como principal ponto de convergência o uso da educação a serviço do capital, enxergando a educação profissional como preparo para o exercício de tarefas para o mercado de trabalho, tendo como pano de fundo a reprodução das relações sociais estabelecidas. A contrapartida vem sendo (re) construída desde a década de 80 quando Dermeval Saviani, através do curso de doutorado em Educação na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), buscou (re) introduzir 4 no debate pedagógico o conceito de Educação politécnica, notadamente a partir do estudo das concepções de Marx e de Antonio Gramsci sobre o tema. Elegendo o trabalho como princípio educativo, essa proposta se pauta pela compreensão dos princípios e fundamentos científicos do processo de produção e por uma ampla concepção de educação profissional. Entendemos que eleger o trabalho como princípio educativo significa: compreender a relação indissociável entre trabalho, ciência e cultura, e que esta relação se opõe a simples formação para o mercado de trabalho; Trabalhar a relação entre as mudanças ocorridas no mundo do trabalho e as novas demandas de educação geral, profissional e tecnológica, com vista a participação direta dos membros da sociedade no trabalho socialmente produtivo; Reconhecer que é pelo trabalho que os seres humanos desenvolvem condições para que assegurem sua sobrevivência. Enfim, é tomar o desafio de desenvolver consciências críticas capazes de compreender a relação entre o conhecimento, produção e relações sociais, democratizando o saber científico e tecnológico, permitindo ao homem ampliar sua leitura da realidade, enquanto cidadão e trabalhador, participar como sujeito na vida social, política e produtiva, organizar-se para construir a possibilidade de emancipação humana. De acordo com Ramos (2003), o conceito de politecnia 5 estaria em um segundo nível de compreensão do trabalho como princípio educativo. A noção de politecnia encaminha a questão da dualidade dos princípios da educação e se coloca na direção da superação da dicotomia entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre a formação geral e a formação profissional. Para Saviani (2002), a politecnia contrapõe-se a ideia de dualidade, postulando que o processo de trabalho desenvolva em uma unidade

indissolúvel, os aspectos manuais e intelectuais. Neste sentido, os fundamentos científicos das diferentes técnicas que caracterizam o processo produtivo moderno devem estar disponíveis para o trabalhador, seja ele de que segmento for, tendo acesso à compreensão de seu caráter e de sua essência. Ainda segundo o autor, “A idéia de politecnia envolve a articulação entre trabalho intelectual e trabalho manual, implicando uma formação que, a partir do próprio trabalho social, desenvolva a compreensão das bases da organização do trabalho na nossa sociedade e que, portanto, nos permite compreender o seu funcionamento.” (SAVIANI, 2002 p.142).

A apropriação dos princípios da politecnia para a educação profissional implicaria, necessariamente, no rompimento com um modelo de formação ainda vigente. Demandaria um embasamento em práticas pedagógicas concretas, livre de uma educação livresca e descolada do mundo do trabalho. Busca se o desenvolvimento de uma escola unitária que desenvolva ao máximo as potencialidades do indivíduo. Ciavatta (2006) propõe uma reflexão sobre a relação da ciência, da técnica, da tecnologia com o trabalho e educação, em outras palavras, nos chama atenção para (re) pensar o papel da ciência e da tecnologia na formação profissional técnica de nível médio. A CONTRIBUIÇÃO DA HISTÓRIA DAS DISCIPLINAS ESCOLARES De outra forma, o campo de ensino de Biologia, visto por uma perspectiva curricular, vem tecendo diálogos que podem ser bastante frutíferos para o enriquecimento das discussões que por hora tomam a EPT. Um deles, por meio da história das disciplinas escolares (HDE), vem produzindo reflexões férteis que buscam compreender a disciplina como um artefato sócio-historicamente construído a partir de exigências sociais, tanto no contexto científico quanto no acadêmico e escolar. (GOODSON, 1997). Neste contexto, as produções de Ferreira (2007) e Ferreira & Selles (2008), são modelos inspiradores. Neste sentido, acreditamos que ao adotar esta perspectiva estejamos projetando um primeiro passo em direção aos princípios da politecnia, uma vez que, o princípio baseia-se na busca de acesso aos fundamentos científicos que estruturam o conhecimento. Enxergar a disciplina escolar Biologia como uma construção humana atravessada por perspectivas sociais, históricas e acadêmicas que se materializam no dia a dia, expõe na verdade seus cânones. Cabe ressaltar que para sustentar esta perspectiva nos apoiamos em Forquin (1993), considerando que as disciplina escolar e disciplina científica ou acadêmica, são

diferentes e possuem identidades próprias, ainda que apresentem certo grau de correspondência, atendem a mecanismos de regulação diversos. A educação escolar constrói-se em um processo de seleção no interior da cultura e em uma reelaboração dos conteúdos da cultura destinados a serem transmitidos às novas gerações. Para Forquin (1993), a seleção e reelaboração didática implicam na construção de “uma verdadeira problemática das relações entre escola e cultura” que acaba por produzir uma “versão” legitimada da cultura: “O que se ensina é, então, com efeito, menos a cultura do que esta parte ou esta imagem idealizada da cultura que constitui o objeto de uma aprovação social e constitui de qualquer modo sua ´versão autorizada´, sua face legítima” (p. 16). Contudo, Forquin afirma que ocorre um trabalho de reorganização, de reestruturação, ou, conforme se referem Verret e Chevallard (1975 e 1985, respectivamente) há um trabalho de “transposição didática”. O autor compreende que este processo “impõe a emergência de configurações específicas (os saberes e os modos de pensamento tipicamente escolares)” (p. 17) que constituem uma “espécie de ´cultura escolar´ suis generis, dotada de dinâmica própria e capaz de sair dos limites da escola” (p. 17) capaz de constituir uma identidade e sustentar outras dinâmicas sociais, constituindo-se como uma força edificadora de hábitos na sociedade. A “especificidade relativa” da cultura escolar faz com que Forquin a entenda como uma “cultura didatizada” (p. 172), um “conjunto dos conteúdos cognitivos e simbólicos” que apóia as aprendizagens sistemáticas com finalidades formadoras nas quais os conteúdos são “selecionados, organizados, `normalizados`, ´rotinizados´ sob o efeito dos imperativos de didatização” (p 167). Concorrendo com esta perspectiva, Marandino et al. (2009) alertam que muitas vezes as escolhas de conteúdos e métodos não tem como única referência as ciências de referência, neste caso as Ciências Biológicas, muitas vezes esta escolha está baseada em outros critérios, nas demandas e necessidades da escola, dos alunos e da comunidade. Enquadram-se nesta perspectiva os projetos que se constituem a partir de problemas locais ou mesmo buscam ênfase em temas como saúde e sexualidade. Para Forquin (1993), o campo possibilita obter informação acerca da seleção cultural que faz a escola, identificando o que é, em determinada época, compreendido como mais importante e, portanto, o que deve ser ensinado. INTEGRAÇÃO CURRICULAR.

O outro diálogo que se apresenta como boa possibilidade de articulação com a EPT, também sob a ótica curricular, é a perspectiva de construção de um currículo integrado. Segundo Santomé (1998), a defesa do currículo integrado, pode se basear em diversas razões. Razões epistemológicas e metodológicas defendem que um ensino integrado traz a possibilidade de análise de uma situação sob diferentes óticas disciplinares. O argumento é de que o conhecimento científico está tão inter-relacionado que uma perspectiva integrada romperia com as barreiras disciplinares. Razões psicológicas, que defendem a integração como meio de atender às necessidades e aos interesses dos indivíduos, valorizando-se a experiência individual e os processos de aprendizagem. E por último as razões sociológicas, as quais defendem a humanização do conhecimento escolar, pois este produz e realça visões alienadas da sociedade, como se o mundo fosse a-histórico, inevitável e sem atores participantes de sua configuração. Dessa forma, o currículo integrado permitiria: trabalhar com conteúdos culturais mais relevantes e/ou situados nas fronteiras das disciplinas; favorecer a atuação e formação de professores-pesquisadores; a adaptação aos atuais processos de trabalho e à crescente mobilidade de empregos; além de estimular a análise de problemas e a busca de soluções (SANTOMÉ, 1998). Entretanto, é preciso considerar que o currículo é constituído por relações de poder e de controle existentes no contexto social mais amplo. Neste sentido, a defesa do currículo integrado condiciona a interpretação das disciplinas como espaços neutros e harmoniosos, como se as disciplinas estivessem dissociadas das relações sociais de poder e controle. A supervalorização das questões psicológicas engendra no currículo uma perspectiva progressivista6, que pode fazer com que o mesmo se apresente centrado apenas na experiência individual e nos processos de aprendizagem. Esta perspectiva talvez tire a possibilidade de análise de questões e visões mais gerais. Assim como as questões sociológicas também devem ser analisadas com cuidado, uma vez que podem estar silenciando as disputas e debates, assim como as relações de controle social. A discussão sobre currículo integrado pode se tornar bastante complexa, basta considerarmos a diversidade de orientações teóricas que são construídas em torno do mesmo tema, capazes de orientar de diferentes formas a construção do currículo integrado. De acordo com Lopes & Macedo (2011), existem inúmeras propostas de currículos integrados, sob denominações distintas: currículo global; metodologia de projetos, currículo transversal e etc. Ainda de acordo com as autoras, podemos reunir as diferentes propostas de integração curricular em três modalidades, organizadas em

função dos princípios como base de integração, são eles: integração pelas competências e habilidades a serem trabalhadas; a integração de conceitos das disciplinas baseadas na lógica da ciência de referência e integração com base nos interesses dos alunos e demandas sociais. A integração pode ser desenvolvida tanto em uma matriz interdisciplinar quanto em uma matriz disciplinar, de maneira a coexistirem disciplinas e integração (Macedo & Lopes apud Abreu, 2001). Neste estudo propomos uma visão curricular que se distinga da dicotomia entre um currículo disciplinar tradicional e o currículo integrado. Para tanto, nos apoiamos em autores como Bernstein (1996), que conceitua o currículo como um conjunto de conhecimentos selecionados e organizados de acordo com os códigos de poder e controle, os quais se baseiam em dois princípios regulativos: a classificação e o enquadramento. A classificação se refere às relações entre as categorias, isto é, se a relação entre as disciplinas é mais ou menos integrada. Quanto mais forte a classificação, maior o isolamento entre as disciplinas, menor a integração entre elas. Já o enquadramento se refere ao controle na transmissão dos conhecimentos. Quanto maior o controle do processo de transmissão, maior é o enquadramento, ou seja, maior é o controle do tempo, do ritmo, do que pode ser dito ou não, como, por quem e quando. Ainda nesta perspectiva o autor identifica uma nova classificação da estrutura curricular. Para Bernstein o currículo pode se apresentar na forma de coleção ou integrado. Nos currículos do tipo coleção, a classificação das disciplinas, do tempo e do espaço das relações pedagógicas é bastante rígida. Os sujeitos destas relações têm suas funções fortemente definidas, permanecendo isolados, o que de certa forma favorece as relações hierarquizadas. Nos parâmetros do autor, esta forma curricular possui alto grau de enquadramento e classificação. Nos currículos integrados, há uma maior flexibilidade nas fronteiras disciplinares, os sujeitos desta forma curricular já não estão isolados. As relações pedagógicas, de organização de tempo e espaços são ressignificadas, favorecendo relações mais horizontais e estimulando o diálogo entre os sujeitos. Abreu (2001) argumenta que o grau de participação e controle por parte de alunos e professores sobre os processos de seleção, organização e a distribuição dos conhecimentos, são fundamentais para o processo de integração. Talvez esteja justamente neste ponto a principal contribuição desta perspectiva para as relações com a EPT. Boa parte da Educação básica em nosso país, tradicionalmente, tem trabalhado com um currículo centrado nas disciplinas escolares, concebendo as disciplinas como construções pedagógicas a serem definidas em função

das finalidades sociais a serem atendidas. As disciplinas escolares possuem socialmente uma individualidade muito forte e arraigada, características e conhecimentos específicos, marcantes, códigos e regras próprias. Considerando os parâmetros apresentados por Bernstein (1996), de classificação e enquadramento, propor uma organização que permita o diálogo entre os diferentes saberes, exigirá disponibilidade de tempo para o diálogo entre as disciplinas e formação distinta para professores. As novas condições para o trabalho integrado produzirão conflitos/tensões na estrutura do contexto escolar, tradicionalmente rígida e inflexível, desenvolvida historicamente como forma de controle do trabalho pedagógico. Abreu (2001), alerta que a integração requer também novas formas de poder e controle sobre todo o processo pedagógico. Os mecanismos de seleção, organização e distribuição escolar precisam mudar para atender novas demandas de organização curricular e também para continuar atendendo às exigências sociais existentes. O CEFET/RJ EO PROJETO DE EDUCAÇÃO INTEGRADA. O CEFET/RJ passa por um momento muito rico em que revê possibilidades de inovações curriculares. Discute se a implantação de um currículo integrado, o projeto foi inicialmente gestado no grupo de estudo Educação Integrada7. O momento é importante porque abre a possibilidade da instalação de fóruns de discussão que volta sua atenção para a formação profissional de nível médio. O movimento alicerça suas discussões nos princípios da politecnia, tendo o trabalho como princípio educativo e recusando uma concepção de educação profissional como simples preparo para o exercício de tarefas no mercado de trabalho. Apóia-se na crítica à dualidade educacional, que se desdobra na redução da concepção curricular, contrapondo-se a concepção de educação unitária, integral e politécnica. A proposta é pensar que homem e que mulher se quer formar, a que finalidade se destina a educação. Assim como Frigotto (2007), entendemos os Centros Federais de Educação tecnológica, em particular o CEFET/RJ, como lócus privilegiado para a realização de uma educação capaz de oferecer os fundamentos científicos gerais de todos os processos de produção e das diferentes dimensões da vida. E concordamos com Saviani (apud. Frigotto, 2007) que os Centros Federais de Educação Tecnológica, em particular o CEFET/RJ reúne bases materiais para a realização de uma educação politécnica. A PROPOSTA DE INTEGRAÇÃO CURRÍCULAR POR TEMAS Neste sentido, nos propomos a tentar articular as questões discutidas no campo do Currículo com a EPT. Sabemos que tradicionalmente as discussões sobre educação

técnica integrada foram alavancadas pelo campo de Educação & Trabalho que, atualmente, discute a questão a partir de um projeto de formação que busque unir a formação geral e a formação técnica em um mesmo projeto, tendo como pressuposto a formação omnilateral no sentido de formar o ser humano em sua integralidade física, mental, cultural, política e científico-tecnológica (CIAVATTA, 2005). Por conta disto, o termo integração tende a assumir significados diferentes, se considerarmos uma perspectiva curricular. Contudo, não as consideramos excludentes, pelo contrário, ao nosso modo de ver, importantes contribuições podem ser articuladas. Se considerarmos que as disciplinas escolares atendem a demandas sociais, sendo constituída e influenciada por interesses e relações de poder e controle, e ainda, de que não devem se apresentar como monólitos, talvez desnaturalizar e problematizar o conhecimento/conteúdo apresentado pela disciplina escolar possam se constituir como um bom ponto de partida para pensar suas relações com a EPT. No sentido de (re) pensar os processos de estabilidade e mudanças dos conteúdos disciplinares e não no sentido de ajustamento ou acomodação a diferentes modalidades profissionalizantes. Adotar uma perspectiva como esta significa reforçar a visão dualista de educação, que historicamente se divide entre aquela destinada aos que produzem a vida e a riqueza da sociedade usando sua força de trabalho e aquela destinada aos dirigentes, às elites, aos grupos e segmentos que dão orientação e direção à sociedade. Buscar compreender que as disciplinas escolares se constituem, ao longo do tempo, de conhecimentos capazes de criar vínculos entre atores sociais, que pode mobilizar recursos matérias e simbólicos e, ainda, delimitar territórios de atuação, pode tornar mais acessível o conceito de integração do ponto de vista curricular. Uma vez que, desestabiliza mitos relacionados às disciplinas escolares como sendo sistemas fechados, ordenados segundo normativas governamentais e burocráticas. Conceber as disciplinas como fruto de um processo social e historicamente situado, nos encoraja a propor um modelo de forma curricular. Diferentes propostas curriculares e o contexto pelo qual passa o CEFET/RJ, nos inspiraram a pensar em uma proposta curricular para a disciplina escolar Biologia no contexto da EPT. Um currículo organizado em temas, os quais conectam se aos conceitos, dos quais derivam as atividades integradoras, como os autores propõem. Entretanto, nesta proposta a escolha dos temas foge a uma perspectiva eminentemente progressivista e se aproxima das questões que tradicionalmente permeiam as discussões sobre a EPT. Os temas devem ser definidos em função do trabalho como princípio educativo, considerando o

desenvolvimento crítico da comunidade escolar. Neste sentido, novas formas de seleção e organização dos conteúdos são necessárias, a ordem dos conteúdos das disciplinas, constituídas a partir de uma lógica científica ou acadêmica, não precisa ser respeitada. Os conteúdos podem ser reorganizados em função das práticas que o tema suscitar. Tomar novos temas estruturadores como, por exemplo: Ciência & Tecnologia e Ambiente & Sociedade, por exemplo, podem se constituir como base para novas formas curriculares. Tal proposta permite que ao mesmo tempo, possamos privilegiar discussões que trabalhem o domínio dos fundamentos científicos e das técnicas que permeiam o mundo do trabalho. E ainda reconhecer que é o trabalho humano que produz o conhecimento, que transforma a natureza construindo a sociedade, que desenvolve e consolida sua visão de mundo, construindo sua história. Desta forma, consideramos que as dimensões sócio-históricas e os processos culturais também estão contemplados nesta proposta. Abreu (2001) argumenta que temas relacionados à vida social e ao trabalho, associando os conteúdos aos processos tecnológicos, podem se constituir como bons pontos de partida para integração para o Ensino Médio, desde que os processos de avaliação centralizada como o ENEM desenvolvam-se também nesta direção. Neste sentido, o CEFET/RJ se apresenta mais uma vez como lócus privilegiado para construção deste projeto, já que a pressão exercida pelos processos de avaliação é teoricamente menor, uma vez que se trata de uma escola técnica. Não há “obrigação oficial” de preparar o aluno para os exames de final de curso. Outro ponto favorável para o provável sucesso do projeto são as condições de trabalho que, embora estejam longe das ideais, se distanciam bastante da realidade de outras escolas de educação básica. Beane (apud Lopes & Macedo, 2011) chama atenção para que as condições de trabalho na escola sejam modificadas para a realização do currículo integrado. Julgamos que esta proposta abre possibilidades reais de um abrandamento dos enquadramentos e classificações, discutidas por Bernstein (1996), confere maior iniciativa a professores e alunos, abrindo portas para a integração. DISTANCIAMENENTOS E APROXIMAÇÕES Consideramos também que a proposta de currículo de Biologia por temas para o CEFET/RJ possui muitos pontos de aproximação e também de distanciamentos com outras propostas de curriculares. Neste sentido, buscaremos dialogar com três propostas curriculares, que inicialmente, nos parecem próximas.

Uma leitura inicial pode, por exemplo, nos aproximar de uma proposta de currículo por temas transversais. De acordo com Lopes & Macedo (2011) um currículo por temas transversais pode ser desenvolvido de três formas possíveis, não excludentes. Uma das possibilidades é não fazer distinção entre as disciplinas tradicionais e o eixo transversal; outra é a realização de projetos, abrindo espaço entre as disciplinas tradicionais e por fim, organizar atividades entre uma ou mais disciplinas escolares que garanta uma abordagem dos temas transversais. Em princípio, nos parece que a convergência está somente ligada à predileção pelo tema como eixo integrador. Uma vez que, um dos objetivos dos temas transversais e alcançar finalidades, normalmente, não atingidas pelas disciplinas escolares através de temas tidos como importantes para a sociedade contemporânea. A ideia central é a de que, estes temas atravessem todas as disciplinas escolares. Como destacam Lopes & Macedo (2011, p.127), nesta perspectiva, normalmente as disciplinas escolares não abrem mão dos chamados conteúdos tradicionais. Neste sentido, buscamos uma posição diametralmente oposta, vemos o tema como eixo conector dos conteúdos disciplinares. Acreditamos que desta forma o tema assume a centralidade do processo, diferente da proposta dos temas transversais, em que os mesmos atuam como co-adjuvantes. Outra possibilidade de interpretação seria uma aproximação como um currículo CTS ou com ênfase nas relações entre ciência, tecnologia e questões sociais. De acordo com Araujo & Silva (2012), o movimento ou enfoque CTS não foi, desde o seu início, um movimento educacional, mas repercutiu na educação apresentando reflexos diretos no currículo escolar. Embora as duas propostas curriculares inicialmente se aproximem quanto à formação crítica e o exercício da cidadania, não é objetivo desta nossa proposta centrar ações somente na formação científica e tecnológica dos alunos. Consideramos estes aspectos fundamentais, porém, buscamos oportunizar aos alunos o acesso a cultura, ao trabalho e a ciência por meio da compreensão dos princípios científico-tecnológicos e históricos, de modo que, propicie a construção de caminhos para a produção da vida. Defendemos que nossa proposta, embora se situe em um contexto diferente da maior parte das escolas de educação básica do país, se aproxima da prática das escolas. Buscamos articular uma proposta de currículo integrado vinculada a disciplina escolar, considerando as estratificações sociais de saberes, pessoas e classes, mediadas por relações de poder. Neste contexto, a integração curricular e a compreensão das dinâmicas que constituem as disciplinas escolares ganham importância ímpar.

E por fim, buscaremos diálogo com uma proposta que busca atuar em uma perspectiva crítica de educação. De acordo com o Beane (2003), esta proposta defende a ideia de uma abordagem curricular integradora com ênfase em unidades temáticas, centrada em determinados problemas, selecionados por professores e alunos. Os temas são definidos em função dos interesses dos alunos e da perspectiva de desenvolvimento crítico da comunidade escolar. Beane propõe um processo de integração que vá além da simples unificação de fragmentos do currículo, que se converta em algo mais amplo capaz de relacionar conteúdos e suas interconexões. Beane almeja uma perspectiva crítica de educação, buscar formar para uma sociedade democrática, tentando associar a discussão à questão das desigualdades sociais. Os pontos apontados até o momento são quase que integralmente aceitos em nossa proposta. Assim como Apple & Beane (1997) e Beane (2003), buscamos trabalhar em uma perspectiva crítica dos saberes que sustentam a ordem instituída. Por outro lado, entendemos que o autor aposta demasiadamente em uma perspectiva acadêmica para as disciplinas escolares. Ao ponto de eleger, inicialmente, como principal objetivo desta proposta curricular, o ingresso dos alunos no mundo acadêmico das universidades. Opinião amenizada ao final do artigo de 2003 é verdade, mas que ainda assim não considera as especificidades das disciplinas escolares e de certa forma tece criticas aos processos de didatização dos saberes para fins escolares. Aspecto que nos opomos frontalmente e que consideramos um dos pilares de nossa proposta curricular. Outro ponto em provável desacordo é a escolha dos temas. Não pela participação de alunos e professores na escolha dos temas, mas, pelo foco que gostaríamos de imprimir em nossa proposta, o trabalho com princípio educativo. CONSIDERAÇÕES FINAIS Entendemos que a proposta que, ora lançamos, se aproxima da prática das escolas no sentido em que considera a organização escolar submetida à matriz disciplinar. A matriz disciplinar, de acordo com Macedo & Lopes (2002) é uma tecnologia de organização curricular que desenvolve processos de organização e controle da escola. Cabe destacar que a proposta que lançamos, não busca a superação das disciplinas escolares, pelo contrário, as considera e busca a integração a partir de uma disciplina, neste caso específico, a Biologia escolar. Defendemos esta posição porque assim como Lopes (2008) não consideramos as disciplinas escolares imutáveis. Julgamos que em uma perspectiva crítica, nossa proposta de currículo integrado para a disciplina escolar Biologia possibilitaria o entendimento da realidade, sua história

e tradições, visando a uma participação social-democrática, responsável e solidária. Observadas as suas especificidades, as questões curriculares são percebidas e enfocadas dentro de um projeto de dimensão maior que visa a participação mais ampla na sociedade. Entendemos que uma proposta de currículo integrado não pode estar dissociada da análise das disciplinas escolares, dado que os mecanismos de integração na escola permanecem submetidos a uma matriz disciplinar (Lopes, 2008). E por fim, consideramos que ao buscar uma proposta de currículo integrado para disciplina escolar Biologia no CEFET/RJ, propusemos um discussão que extrapola a barreira disciplinar e nos aproxima da compreensão de como as disciplinas escolares podem contribuir para uma perspectiva de formação integral do sujeito. NOTAS DE RODAPÉ. 1.

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Consideramos o conceito de “campo” tal como foi definido por Bourdieu (1983, p. 122-123). Esta perspectiva vê no trabalho a degradação do homem, soma-se a velhas formas de produção e relações sociais (ARROYO,1992). Neste movimento os avanços tecnológicos situam se como invenções impostas ao homem e que tem como principal objetivo o seu controle. Neste sentido espera-se que a escola adote uma posição de alerta do futuro trabalhador. Cabe destacar que mesmo antes da década de 80, já havia publicações que abordavam a educação politécnica, Contudo sem grande projeção. A conceituação dos termos politecnia e educação politécnica não estão compreendidas no escopo deste trabalho, buscamos apenas apresentar noções de politecnia. Com esse objetivo diversos estudos, tanto nacionais quanto internacionais, podem ser consultados, dentre os quais destacamos Kuenzer (1992), Rodrigues (1993) e Saviani (1989). Um currículo de base progressivista é aquele que assume parâmetros científicos para a sua organização e neste contexto, a psicologia tem papel fundamental. Valoriza as experiências democráticas, os saberes devem fazer sentido na vida dos alunos. John Dewey é um de seus maiores expoentes. LOPES & MACEDO (2011) O grupo de estudo se reúne no CEFET/RJ desde 2011 com reuniões que alternam a periodicidade, ora mensais, ora quinzenais para discutir a formação técnica de nível médio em suas diversas possibilidades. Esquema originalmente encontrado em Beane (2003).

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Atividade Integradora

Conceito Conceito

Conceito

Tema Atividade Integradora

Atividade Integradora

Conceito

Conceito

Figura 1 – Esquema de integração curricular na proposta de currículo integrado por temas para a disciplina escolar Biologia no CEFET/RJ8

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