Contribuições sobre o desamparo, a feminilidade e o masoquismo para o conceito de subjetividade em Freud

June 14, 2017 | Autor: Raquel Conte | Categoria: Psicanálise, Psicologia E Psicanalise
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Raquel Conte
Psicóloga Clínica
Doutoranda em Diversidade e Inclusào Social- FEEVALE- Bolsista Taxa CAPES
2015

Contribuições sobre o desamparo, a feminilidade e o masoquismo para o conceito de subjetividade em Freud

O Objetivo deste trabalho é o de discutir os conceitos de desamparo, subjetividade e feminilidade a partir da obra de Freud. Portanto os termos referidos estão de acordo com a obra freudiana, como por exemplo, o termo o "outro" como o outro sujeito, isto é, objeto externo ao sujeito.
A subjetividade humana, para a psicanálise, se caracteriza por uma fragilidade estrutural, sendo que para viver as pessoas buscam possibilidades afetivas ou destinos de enfrentamento do desamparo. Estes destinos podem ser criativos ou funestos, dependendo da aceitação ou evitação em relação a este desamparo. Os sujeitos, por serem frágeis e mortais, buscam artifícios para sustentar sua suposta autossuficiência e onipotência, através de ideais narcísicos e fálicos (MENEZES, 2012).
A problemática do desamparo na obra de Freud tem dupla face: a erótica e sexual que diz respeito a um lugar infantil e à sexualidade traumática advinda da mãe, a qual corresponde ao desamparo original estruturante do psiquismo; e a face da falta de garantias do sujeito sobre seu existir e sobre seu futuro, que o sujeito é obrigado a uma renúncia pulsional como condição para viver em sociedade (MENEZES, 2012).
O evitamento do desamparo conduziria o sujeito ao masoquismo patológico, ou seja, aos destinos funestos face ao desamparo, enquanto que sua aceitação levaria o sujeito ao confronto com o masoquismo erógeno e, portanto, como consequência haveria a possibilidade de erotização, do investimento erótico num outro que não seja algoz, obtendo possibilidades de construção de destinos sublimatórios frente ao desamparo, ou seja, a destinos criativos (MENEZES, 2012).
A feminilidade, para Freud, em seu trabalho "O repúdio da feminilidade" (1937), deve ser um dos focos de análise uma vez que este repúdio estaria ligado ao evitamento do desamparo. A feminilidade é considerada como um destino criativo no processo de subjetivação, ao mesmo tempo em que representa uma perda dos poderes fálicos, o que poderia remeter ao horror da castração e o medo da perda do amor, ao desamparo terrorífico, levando a total dependência do outro. Nos casos de repúdio à feminilidade, o sujeito estaria à mercê do masoquismo como figura de servidão, como uma defesa frente ao masoquismo erógeno.
Na atualidade, de acordo com Menezes (2012), o sujeito contemporâneo vivencia uma subjetividade que privilegia processos psíquicos narcísicos, procurando evitar o confronto com o desamparo, o que no circuito pulsional diz respeito à posição masoquista.
A evolução na obra de Freud acerca da associação entre feminilidade, masoquismo e desamparo produziu-se muitos anos depois, sendo que inicialmente sua proposta para pensar a subjetividade estava articulada à diferença anatômica dos sexos, à primazia do pênis para acender a condição do masculino ou feminino e, suas respectivas posições de atividade e passividade.

O desamparo na obra de Freud
Para Freud (1921/1996) o desamparo biológico do momento do nascimento é marcado por uma posição em que o sujeito nada pode contra as forças da natureza, do outro, ou contra os estímulos internos do seu próprio organismo. Neste sentido, o desamparo não diz respeito a apenas um estado "orgânico", mas também a uma condição subjetiva do recém-nascido que está totalmente à mercê de um outro. É nesse momento que o bebê precisa que esse outro possa cuidar e tirar o sujeito deste estado de desamparo. O amor e o cuidado será imprescindível neste momento.
O sujeito precisa caminhar em direção ao Complexo de Édipo na tentativa de manter seu falo, ou dar prioridade ao seu desejo de ordem narcísica. Frente a isso, a criança sente o desejo de ir em direção ao outro. As escolhas objetais futuras tendem a sofrer essas influências, seja em alguém que se assemelhe a si próprio ou às figuras parentais. A substituição do objeto do desejo parental por outro é a marca da resolução do conflito (FREUD, 1924/1996).
Durante o período em que a criança vive aquilo que para Freud seria o Complexo de Édipo, o pai enquanto o representante da cultura e também o responsável pela possibilidade da criança estruturar-se como sujeito, recebe por um lado o amor da criança em virtude da proteção que ele oferece, mas, por outro lado, o ódio dela por privá-la de seu objeto de desejo que é, até este momento, sua mãe. Para Birman (2003) há uma transformação radical em relação à figura do pai, a qual se desloca de uma posição de proteção da subjetividade para outra; como fantasma, passando a ser caracterizada pelos atributos da falta e a falha.
De acordo com Freud (1905/1996) o complexo de Édipo está atrelado ao processo de identificação inconsciente da criança com seus progenitores e à introjeção do pai simbólico como ideal do eu que posteriormente representará o Supereu. O menino, portador do pênis, identifica-se com o pai na tentativa de ter de volta a mãe que é seu objeto de desejo perdido. Já com a menina, ocorre o que Freud denominou de "Édipo invertido", pois a identificação com a mãe, como não portadora do pênis, faria com que aquela buscasse no pai o objeto de seu desejo. Uma das principais funções do Supereu é conter a pulsão de morte, cuja tarefa é realizada por uma pressão no sentido de impor limites à agressividade e poder de destruição dos indivíduos.
Para Freud (1920/1996) a entrada na cultura só será possível, quando o sujeito puder renunciar a sua satisfação imediata e desenfreada de suas pulsões. A sociedade, portanto, estrutura-se a partir da restrição da satisfação do sujeito, fazendo com que o seu funcionamento esteja de acordo com o princípio de realidade e não com o princípio do prazer. De acordo com o anteriormente descrito, o indivíduo renuncia sua satisfação devido à sua condição de desamparo inicial, na qual depende do outro para sobreviver.
A análise das relações da criança desde seu início de vida até o Édipo se fez necessária para compreender que as mesmas trazem um conflito semelhante e estruturante do sujeito: a relação entre o amor e o desamparo. Freud (1939/1996) conclui que o desamparo continuará presente por toda a vida e as criações humanas nada podem fazer para protegê-lo de seu fim último que é a morte.
Outros autores contemporâneos, como Birman (2005), chegam a afirmar que o desamparo é o próprio "Mal-estar na Civilização". De acordo com este autor, para resolver sua situação de desamparo frente suas pulsões, o sujeito deverá encontrar saídas para um domínio seguro das pulsões sexuais. De acordo com o autor: "A vida seria algo a ser conquistado, um vir-a-ser e um destino possível, mas não um valor instituído de maneira originária" (Birman, 2005, p. 213).
De acordo com Birman (2005), a definição de desamparo em Freud está intimamente atrelada aos conceitos de feminilidade e masoquismo "tanto pelo enunciado da pulsão de morte, quanto pela formulação dos conceitos de angústia do real em 1926, e de feminilidade em 1937 em Freud, era sempre a questão do desamparo que estava em pauta." (BIRMAN, 2005, p. 210). Portanto, a condição do desamparo é que torna possível a construção do sujeito, uma vez que implica na entrada da linguagem, na estruturação de um sujeito e na construção de um Eu.

A feminilidade e sua relação com o desamparo
Para pensar sobre a construção da feminilidade, Freud desenvolveu vários trabalhos nesta área, sendo estes os principais: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905), A dissolução do complexo de Édipo (1924), Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos (1925), Sexualidade feminina (1931), Feminilidade (1933) e Análise terminável e interminável (1937).
Para Freud, a assunção ao masculino ou feminino dependeria de uma série de investimentos e processos identificatórios, da criança com os adultos, de acordo com a referência fálica. Ao mesmo tempo, Freud afirma que embora o órgão masculino seja uma das formas assumidas pelo falo, este não se reduz ao pênis (ALMEIDA, 2012).
Enquanto para Freud a saída do Édipo para o menino se dá pela renúncia à mãe e identificação ao pai, a menina teria uma saída mais enigmática, uma vez que ela não encontra um elemento simbólico, como o menino, para garantir sua feminilidade. De acordo com Almeida (2012), enquanto a masculinidade obedeceria à ordem da transmissão, a feminilidade diria respeito à invenção, a cargo da mulher.
Foi apenas em 1919, que Freud em seu trabalho intitulado "O Problema econômico do masoquismo" modifica sua teoria falocêntrica, baseada na primazia do pênis e atribui novas relações entre gênero, desamparo, masoquismo e feminilidade. Esta última passa a ser concebida como condição originária dos sujeitos, independente de seu sexo anatômico, ou seja, representa a outra face da experiência do desamparo, na medida em que indica a perda dos emblemas fálicos para ambos os sexos/gêneros. A posição da feminilidade seria aquela que produziria horror tanto a homens quanto a mulheres diante do confronto com a perda da arrogância fálica, seja por não mais se sentirem superiores pela posse do pênis/falo, seja pela inveja do pênis. Seria para além da lógica fálica e para o desvanecimento narcísico que nos remete a feminilidade, para além da diferença sexual.
A aceitação da feminilidade equivale à aceitação da castração e à condição originária do sentimento de incompletude e de desamparo, cujo repúdio denuncia que o sujeito tende a se defender dessa experiência através do reforço de investimentos fálico-narcísicos. Vai-se deslocando, no discurso freudiano, uma figura de sujeito na qual o desamparo passa a ser o traço básico (BIRMAN, 1999). Diante destas reformulações, as concepções sobre o masoquismo foram revisadas: haveria um primado do masoquismo não só nas mulheres, pois a submissão a um outro pode ser experienciada por todos os sujeitos como saída da condição de angústia gerada pelo desamparo.
Portanto, na obra de Freud é possível perceber os conceitos de feminino, sexualidade feminina e feminilidade. O feminino se articula com a posição feminina na dialética fálica, na qual o feminino se articula com a castração e à passividade em oposição ao masculino que é relacionado ao fálico e a atividade. A sexualidade feminina designa o destino da sexualidade da mulher, a partir da referência fálica. A feminilidade implica na inscrição do erotismo nos homens e nas mulheres sem referência à lógica fálica. A formação da feminilidade para Freud é um processo em devir, que dependerá da forma como as saídas possíveis do sujeito frente o complexo de castração. Nesse sentido não é possível desvincular a sexuação feminina e a cultura. As formas que o sujeito vai encontrar para lidar com sua situação de desamparo, frente suas demandas sexuais, dependerá das suas escolhas. Estas podem ser narcísicas ou edípicas, de acordo com sua possibilidade de enfrentamento ou evitação, frente suas pulsões de vida e de morte (ALMEIDA, 2012).
De acordo com Almeida (2012) ao descobrir-se castrado, o sujeito, homem ou mulher, confronta-se com uma feminilidade primária que, se de um lado o remete a uma experiência de angústia, face à sua fragilidade e incompletude, de outro lhe abre novas possibilidades sublimatórias.
Conclusões
As condições de incompletude e de fragilidade, como cerne do ser humano, impõe a ele essa condição associada à feminilidade, proposta por Freud, que denuncia sua busca de completude oferecida pela busca pelo prazer. Portanto, o erotismo humano, parece estar fundado no desamparo humano e na feminilidade.
A partir das idéias deste trabalho, também podemos concluir que todas as alianças sociais e afetivas do sujeito são um processo e um meio de realização dos objetivos inconscientes. As alianças inconscientes são produzidas por diferentes modos de produção do inconsciente, sendo que elas produzem o inconsciente e esses modos de produção permanecem inconscientes também. As alianças produzem, portanto experiências psíquicas, sendo que o desamparo, o masoquismo e a condição de criação de novos destinos às pulsões recalcadas. Esta condição orginária é o equivalente da condição denominada por Freud de "feminilidade", associada aqui com o conceito de aceitação da castração e da incompletude do ser humano.
A história das subjetividades humanas, e em específico do feminino, precisa sempre ser compreendida à luz dos processos sociais e históricos, sendo que a cultura dominante de uma determinada época, sem dúvida conduz a alguns posicionamentos teóricos que marcam lugares e espaços também psíquicos para os sujeitos. Novas formas de subjetivações do feminino podem ser repensadas, sendo que atualmente já não é mais possível associar as práticas das mulheres como sintomas relacionados à inveja do pênis.

Bibliografia
ALMEIDA, Angela, M. M. de (2012). Feminilidade e caminho da subjetivação. In: Estudos de psicanálise, Belo Horizonte, MG, n. 38, p. 29-44.
BIRMAN, Joel. (1999). Cartografias do feminino. São Paulo: Editora 34.
___________. (2003) Fraternidades: destinos e impasses da figura do pai na atualidade. Physis: Revista saúde Coletiva, 1(13), 93-114. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/physis/v13n1/a05v13n1.pdf. Acesso em 30 de nov. 2015.
___________. (2005) O mal-estar na modernidade e a psicanálise: a psicanálise à prova do social. Physis: Revista saúde coletiva, 15(suplemento), 203-224. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010373312005000300010&lng=en&nrm=iso. Acesso em 30 de nov. de 2015.
FREUD, S. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: Obras psicológicas completas de Sigmund Freud – Edição Standard Brasileira, Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. VII
FREUD, S. (1919). O problema econômico do masoquismo. In: Obras Completas. Ed. Standard Brasileira, Rio de Janeiro, Imago, 1980, v. XVII
Freud, S. (1919) Uma criança é espancada: uma contribuição ao estudo da origem das perversões sexuais. In: Obras Completas. Ed. Standard Brasileira,Imago, 1987, v..XVII,
FREUD, S. (1920). Além do princípio do prazer. Obras Completas, Ed. Standard Brasileira.Rio de Janeiro, Imago, 1996, v. XVIII.
FREUD, S. (1921). Psicologia das Massas e Análise do Eu. Obras completas (P. C. Souza, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras, 2011, v. XV.
FREUD, S. A dissolução do complexo de Édipo (1924). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud – Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v.XIX.
FREUD, S. Algumas consequências psíquicas da distinção anatômica entre os sexos (1925). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud – Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v.XIX.
FREUD, S. Sexualidade feminina (1931). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud – Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v.XXI.
FREUD, S. Feminilidade (1933). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud – Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v.XXII.
FREUD, S. Análise terminável e interminável (1937). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud – Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v.XXIII.
FREUD, S. Esboço de psicanálise (1938). Obras psicológicas completas de Sigmund Freud – Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v.XXIII.
FREUD, Sigmund. Moisés e o monoteísmo (1939) Obras psicológicas completas de Sigmund Freud – Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v.XXIII.
MENEZES, Luciane S. de. (2012). Desamparo. São Paulo: Casa do Psicólogo.



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