Contributos para a compreensão da arqueologia urbana realizada no Centro Histórico de Leiria desde o início do século XXI

July 14, 2017 | Autor: Micael Sousa | Categoria: Arqueología, Arqueología urbana, Leiria, Centro Histórico de Leiria
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CONTRIBUTOS PARA A COMPREENSÃO DA ARQUEOLOGIA URBANA REALIZADA NO CENTRO HISTÓRICO DE LEIRIA DESDE O INÍCIO DO SÉCULO XXI

Mestrado em Estudos do Património Unidade curricular: Património Arqueológico Professor Doutor João Luís Cardoso / Professor Doutor Paulo Oliveira Ramos Autor: Micael Sousa Aluno nº: 1100043

Índice

1. Algumas características da arqueologia urbana realizada no centro histórico de Leiria 1 1.1. Breve resenha história da arqueologia urbana em Leiria ................................... 1

2. 3.

1.2.

Caso da Praça Rodrigues Lobo .......................................................................... 3

1.3.

Caso da Casa dos Pintores ................................................................................. 5

1.4.

Caso da Casa dos Ataydes ................................................................................. 8

Conclusão ................................................................................................................. 9 Bibliografia ............................................................................................................. 11

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1. Introdução

O presente trabalho pretende fazer uma breve compilação de alguns casos de arqueologia urbana realizados no centro histórico de leiria desde o início do século XXI, de modo a ensaiar uma breve história dirigida para analise dos passos e percursos para a salvaguarda do património local. Para isso foi feita uma análise global da sequência de iniciativas tomadas localmente no âmbito da arqueologia urbana e salvaguarda do património edificado, tal como referidos, com mais pormenor, três casos representativos de três dimensões distintas, nomeadamente: a primeira intervenção arqueológica, associada à Praça Rodrigues Lobo de caracter mais antropológico e histórico-social; um exemplo de projeto de arqueologia arquitetónica da responsabilidade da autarquia associado ao projeto de reabilitação do edifício Casa dos Pintores; e, por fim, um projeto de restauro e reabilitação de um palacete Casa dos Athaydes, assumido por uma entidade privada local para utilização como sede dos seus serviços. Pretende-se então traçar uma breve análise das mais-valias e dificuldades encontradas localmente ao longo do período retratado, que acaba por ser o espaço temporal em que a arqueologia se sistematizou no município de Leiria para seu centro histórico.

1. Algumas características da arqueologia urbana realizada no centro histórico de Leiria

1.1. Breve resenha história da arqueologia urbana em Leiria Depois de elaborada uma pequena entrevista escrita dirigida aos responsáveis/dirigentes técnicos do município1 e da análise da bibliografia disponível, foi possível estabelecer alguns encadeamentos da sequência história da arqueologia no centro histórico. As primeiras preocupações sistemáticas do município de Leiria para com o património do seu centro histórico terão começado em 2001, com a definição da Área Crítica de Reabilitação Urbana (ACCRU) (ML, 2011). “Pretendia-se travar o processo de degradação do território que envolve o núcleo mais antigo da cidade e o Bairro dos

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Ver anexos, onde se regista todo o conteúdo das perguntas e respostas.

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Anjos, que foi delimitado com base em inquéritos e levantamentos”, segundo Vitória Mendes2, que reforçou a informação afirmando que essa iniciativa local não de qualquer obrigação legal. No entanto, considerando a entrada em vigor do Decreto-lei 107/2001, a iniciativa estratégica política cruzava-se com a necessidade de salvaguarda definida pela legislação em causa. Mas ainda antes da definição da ACCRU, existia já uma Zona Especial de Proteção (ZEP) do Castelo de Leiria e Capela de São Pedro, segundo o – Decreto de 16-06-1910, publicado em Diário do Governo, n.º 136, de 23-06-1910, onde se define a zona especial de proteção que inclui zona “non aedificandi” fixada pela Portaria publicada no Diário do Governo, II Série, n.º 134, de 8-06-1967 (E e F), dependendo da tutela e da articulação com os municípios, a intervenção e quaisquer intervenções nestas zonas. (ML, 2014ª; Lopes, 2013). Por seu lado, a Carta Arqueológica do Concelho de Leiria (CARQLEI) esteve inicialmente em vigor entre 2004 e 2009, tendo como objetivo sistematizar a informação arqueológica recolhida até ao momento e a identificação dos sítios arqueológicos. Posteriormente, este instrumento dinâmico foi integrado no Sistema de Informação Geográfica (SIG) do Município de Leiria e no processo de revisão do Plano Diretor Municipal em curso (PDM) (ML, 2014a). Sandra Cadima3 corrobora essa mesma conjugação: “Quanto ao património arquitetónico, o regulamento do PDM, em vigor desde 4 de setembro de 1995, integra um anexo com uma listagem dos imóveis a classificar”. Vânia Carvalho4 reforça também essa informação, indicando que no “PDM de 1995 já se encontram definidos alguns sítios arqueológicos, na lista de imóveis a classificar. Após a aprovação do Relatório de progresso da Carta Arqueológica de Leiria a existência dos sítios fica reportada, num relatório aprovado, e passa a ser obrigatório o cumprimento do Decreto-lei 107/2001”. Ou seja, existiam várias ferramentas com ligação parcial, mas a total integração só está a ser feita actualmente, através do processo de revisão de PDM, que se prevê estar concluído no final do atual semestre de 2015. De salientar que em 2011 foi aprovado um aditamento que alargou a Área de Reabilitação Urbana (ARU) de Leiria, tendo a primeira ARU resultado de um plano realizado pela Parque-Expo em 2008, na sequência do Pograma Polis em Leiria. Essa 2

Vitória Mendes é arquitecta do Município de Leiria, coordenadora funcional do Gabinete de Reabilitação Urbana. 3 Sandra Cadima, chefe de divisão da divisão de planeamento e ordenamento do território do Município de Leiria. 4 Vânia Carvalho, arqueóloga do Município de Leiria. Micael Sousa nº1100043

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primeira ARU surgiu da reformulação da anterior ACCRU, de modo a fazer cumprir o Decreto- Lei nº 307/2009 e a permitir as candidaturas a fundos europeus através do PALOR. Através da ARU definiram-se as Operações Sistemáticas de Reabilitação Urbana (OSRU), que pretendiam contribuir para reabilitar e valorizar o património delimitado pela ARU (ML, 2011), considerando que essas iniciativas públicas também serviriam para alavancar a iniciativa privada. Atualmente está simultaneamente em vigor o Regulamento do Centro Histórico de Leiria, aprovado em 28 de Fevereiro de 2014, define as características de cada edifício, assinalando-os e classificando-os de A a F (ML, 2014b). Para cada classificação existem prescrições de salvaguarda e intervenção permitida. O regulamento serve de primeira filtragem para análise do gabinete de reabilitação urbana e de apoio às intervenções, tal como de suporte à análise feita pela tutela, através da Direcção Regional de Cultura do Centro (DRCC) que tem parecer vinculativo sobre todas as intervenções na Zona Especial de Proteção do Castelo de Leiria, Igreja de São Pedro e Sé Catedral de Leiria, e demais zonas de protecção de edifícios e património classificado da cidade.

1.2. Caso da Praça Rodrigues Lobo Entre Novembro de 2000 e Março de 2001 realizaram-se trabalhos e escavações arqueológicas na Praça Rodrigues Lobo devido às obras de construção e renovação do saneamento básico no centro histórico da cidade de Leiria. Nessas escavações foi encontrada uma necrópole medieval/moderna associada à antiga Igreja de St.º Agostinho. Identificaram-se vários vestígios arqueológicos, de 66 sepulturas e 162 enterramentos, a partir dos quais foi possível elaborar um quadro representativo do ritmo de ocupação desse espaço funerário, tal como recolher evidências que permitiram deduzir os cenários socioeconómicos das épocas de utilização da dita necrópole (ERA, 2002). Logo a partir da primeira análise da recolha de dados arqueológicos foi possível aferir quais os potenciais grupos socias e as actividades económicas associadas à freguesia medieval de St.º Agostinho, caracterizados por um caracter industrial e comercial, sendo notória, através dos achados funerários, a evolução do poder económico dos habitantes locais. Nessa freguesia habitavam, a partir de meados do século XII, os estratos sociais mais elevados da vila. Era nessa zona que viviam os nobres e oficiais da coroa, vereadores e clérigos. Em 1488 situava-se nessa zona o Micael Sousa nº1100043

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palácio do alcaide-mor, o Marquês de Vila-Real, e até ao século XVI, garantidamente, era o local onde se tomavam as decisões judiciais e administrativas (Cabral, 1993). Denotam-se também alguns padrões cíclicos de enterramentos sem grande preparação, provavelmente associados a epidemias. Detetaram-se igualmente algumas marcas de influência pagã nos enterramentos, nomeadamente a deposição de moedas (ERA, 2002). Da desaparecida igreja, citada em várias fontes, incluindo o Couseiro (2011), não se detectaram quaisquer vestígios. Surpreendentemente, o Município decidiu avançar com os trabalhos de saneamento com intervenção direta nesta zona, em 2001, sem preocupações prévias quanto à eventualidade de resultarem das escavações de obra achados arqueológicos importantes, isto porque já em 1943 Afonso Zúquete referia o aparecimento de ossadas aquando de escavações realizadas na zona das arcadas que ladeiam a praça (Zúquete, 2013). Depois, em 1993, em virtude das obras de remodelação da Praça Rodrigues Lobo, o IPPAR foi contactado pelo Município de Leiria para solicitar presença de um arqueólogo devido ao aparecimento de vestígios arqueológicos, tendo o trabalho decorrido entre 12 e 14 de Julho de 1993 e ficada a cargo do Artur Corte-Real. De notar que foi a partir deste estudo que o Município de Leiria começou a sistematizar os seus serviços arqueológicos, com contratação para os seus quadros de técnicos de arqueologia, cruzando a necessidade e obrigatoriedade legal com as políticas locais de defesa e valorização do património do seu centro histórico. Deste estudo arqueológico e de todo o material recolhido surgiram outros trabalhos de continuidade que contribuíram para o avanço real do conhecimento histórico, arqueológico, antropológico e outros. A tese de doutoramento de Maria Susana de Jesus Garcia, sobre maleitas do corpo em tempos medievais, onde, entre muitas informações, conclui que os adultos da freguesia medieval de St.º Agostinho tinham uma média de altura superior aos habitantes de Lisboa do início de século XX, mas que eram semelhantes às restantes séries medievais. Seria um efeito da industrialização comum a toda a europa, mas em Portugal mais associado à instabilidade política da época. Reforçaram-se os indícios de que as doenças infecciosas faziam parte do quotidiano dos habitantes de Leiria no período de utilização da necrópole. A tuberculose era recorrente, tal como o stresse ocorrido durante a fase de crescimento dos habitantes, associado às condições de vida mais agrestes, acidentes de rabalho e violências várias (Garcia, 2007)

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Regista-se também o artigo de Hugo Cardoso e Susana Garcia sobre o crescimento humano na idade média, seguindo no mesmo sentido de demonstrar que, surpreendentemente e tal como havia feito Garcia na sua tese, o crescimento dos indivíduos na Idade Média era maior que no início do século XX (Cardoso & Garcia, 2009). Outro estudo de Garcia focou-se na análise do osso da tíbia para determinar o sexo dos esqueletos de achados arqueológicos (Garcia, 2010). E por fim, o trabalho de seminário final de Joana Gaspar debruçou-se sobre a determinação do sexo em não-adultos, através da aplicação do método não métrico para o estudo do dimorfismo sexual (Gaspar, 2013).

1.3. Caso da Casa dos Pintores O processo da “Casa dos Pintores” teve início em 2001, após a declaração do centro histórico de Leiria como Área Crítica de Recuperação e Reconversão Urbanística. Nessa altura o Município de Leiria seleccionou cinco edifícios, entre os devolutos e degradados, como sendo mais relevantes do ponto de vista patrimonial. Seria através desses edifícios que a iniciativa municipal de salvaguarda e reabilitação do património arquitetónico e arqueológico pretendia incentivar a tomada de consciência para o potencial e valor do restante património privado edificado (Carvalho et al., 2012-2013). Para isso foi necessário proceder à aquisição dos imóveis. No caso da Casa dos Pintores foi necessário recorrer à expropriação. Assim o edifício foi comprado em 2003, tendo como objectivo instalar os serviços técnicos de arqueologia, isto porque o Município de Leiria contava agora com serviços de arqueologia próprios e pretendia constituir-se como um núcleo de estudo e salvaguarda onde pudessem igualmente participar e colaborar outros investigadores, técnicos e entidades. “A Casa dos Pintores” foi inaugurada em 2009, depois de um longo processo de estudo arqueológico urbano e aquitetónico que possibilitou recolher informação valiosíssima sobre o edifício para fundamentar a sua reabilitação e reutilização. Colaboraram neste projecto a Direcção Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais, o Instituto Superior Técnico e o extinto Gabinete de Apoio Técnico de Leiria. A investigação, que se socorreu das técnicas tradicionais da arqueologia adaptadas a edifício e da fotografia métrica rectificada, permitiu aprofundar conhecimento sobre Micael Sousa nº1100043

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questões relacionadas com a reabilitação do património tradicional e aprofundar o domínio dos materiais e técnicas tradicionais. A dimensão arqueológica foi assegurada pelos técnicos do Município em parceria com a tutela. Cruzaram-se múltiplas fontes de modo a optimizar a recolha de informação, tais como a fotografia aérea e de época, plantas e projectos de arquitectura, fotografia métrica rectificada, estratigrafia paramental e outras fontes diversas. A análise paramental baseou-se na filosofia de abordagem desenvolvida por tabelas de Rodriguez. Registou-se e analisou-se a estratigrafia arquitectónica do conjunto do edificado de acordo com os princípios da estratigrafia arqueológica e da implementação do sistema ou método de Harris (Carvalho & Carvalho, 2012). Detetou-se a existência de dezenas de níveis arqueológicos, entre a baixa idade média e o período contemporâneo. Identificaram-se vários elementos estruturais que revelaram as sucessivas fases de construção e características do ponto de vista tecnológico e artístico. O edifício era inicialmente constituído por dois corpos distintos, associados à parede-mestra encontrada nas escavações. Aquando da união os pés direitos mudaram, tal como a organização do espaço interior, devido aos registos de alteração das janelas. A constituição das paredes sofreu alterações com colmatação de blocos de adobe e tijolo de burro. De notar o lintel de cariz manuelino encontrado e duas pias de calcário e cerâmica respetivamente. Em 1721 a rua estaria um metro mais abaixo do que se encontra atualmente. Durante as demolições das paredes encontraram-se diversas peças arqueológicas, incluindo um bloco de calcário com inscrição funerário do século XVI/XVII, embutido junto ao paramento da ombreira da porta. No século XVI deveria já existir um edifício de um piso e logradouro. Posteriormente foi evoluindo em altura e construída outra edificação contígua no antigo espaço do logradouro interior. Na época contemporânea o edifício terá sido convertido num só edifício, tal como existe actualmente. O edifício terá albergado uma loja e armazém no rés-do-chão. Foi mercearia, barbearia e taberna no século XX. No piso intermédio terá existido um comércio e produção de vestuário compatibilizados com habitação. Já o terceiro piso estaria reservado totalmente para habitação (Carvalho et al., 2012-2013). Antes da intervenção de reabilitação, do ponto de vista estrutural, o edifício era constituído por paredes resistentes construídas em alvenaria ordinária. Os pavimentos em madeira eram suportados por barrotes que assentavam nas paredes-mestras. As

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divisórias interiores aconteciam em tabique5. O telhado revestido por telha de canudo desenvolvia-se sobre estrutura de madeira. O avançado estado de degradação do edifício obrigou ao reforço das paredes com injecção de caldas ligantes, mas tal não garantiu a necessária resistência estrutural, comprovada após realização de ensaios mecânicos laboratoriais. Estas deficiências obrigaram à construção de um lintel de coroamento das paredes-mestras em betão armado e à aplicação de uma estrutura metálica interior autónoma. Os restantes elementos foram removidos por impossibilidade de reabilitação e por necessidades funcionais de utilização do edifício, uma vez que as suas áreas eram bastante diminutas. Privilegiou-se a imagem do edifício exterior, mantendo as fachadas e a forma e materiais da cobertura. Interiormente o edifício tornou-se amplo e construiu-se uma nova estrutura de madeira de suporte do telhado executado em telhas de canudo. A opção pela estrutura metálica interior, que escora as paredes e onde assentam pisos em madeira, tem como vantagens a maximização do espaço interior e a reversibilidade, tal como destingir o que é intervenção recente do que são as existências originais, tal como prescrevem as convenções internacionais de salvaguarda do património. Foram aplicadas argamassas de cal por melhor se compatibilizarem com os materiais tradicionais,

especialmente

no

comportamento

higrotérmico.

As

humidades

ascensionais foram tidas em conta, embora o problema não tenha ficado completamente resolvido, através da construção de um lambril interior com caixa-de-ar. Evitou-se também ao máximo a abertura de roços e valas para passagem de infra-estruturas técnicas. Houve igualmente necessidade de reproduzir elementos de cantarias que estavam bastante degradados. O mesmo se passou com as caixilharias que, apesar de serem executadas em novos materiais de superior eficiência térmica, sempre que não era possível reproduzir os originais. Quanto às dimensões mantiveram-se as características originais (Carvalho et al., 2012-2013). Foi um projecto experimental pluridisciplinar concreto e prático que permitiu recolher conhecimentos e experiência dos técnicos e do Município para a arqueologia urbana no centro histórico de Leiria e para a salvaguarda do património local associado a essa zona. Foi um processo moroso e oneroso que dificilmente poderia ser suportado pelos proprietários de num edifício de uso habitacional unifamiliar de rendimentos médios.

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Tábuas de madeira ripada onde se aplicava reboco.

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1.4. Caso da Casa dos Ataydes O acompanhamento arqueológico da Casa dos Athaydes teve inicio como medida de minimização do impacte patrimonial do projecto “Recuperação Casa Athayde para Administração e Fundação Caixa Agrícola de Leiria (Ca-Leiria)” realizado no conjunto edificado designado como Casa Athayde/ Solar dos Ataides, efectuado ao abrigo da lei 107/01 de 8 de Setembro – Lei do Património Cultural e do Decreto-lei nº 270/99 de 15 de Julho – Regulamento de Trabalhos Arqueológicos. No relatório de arqueologia pode lerse nas conclusões finais: “O conjunto edificado apresenta características complexas, devendo ser encarado como um espaço que tendo uma longa diacronia de ocupação, desde a Idade Média até à época actual, apresenta igualmente as marcas das transformações estruturais e das múltiplas funções que desempenhou ao longo destes séculos de vida.” (Carvalho, 2008). Apesar de ser uma obrigação legal, a Fundação Caixa de Crédito de

Leiria teve o cuidado de editar um livro de registo da intervenção de reabilitação e restauro que desenvolveu tal como efectuar visitas e eventos públicos de divulgação do seu património. Teresa Ferreira refere, nessa publicação, que o processo de intervenção passou primeiro pelo estudo do edifício antes da definição da intervenção necessária, pois o palacete setecentista teria de ser readaptado para uso de serviços, nomeadamente para a sede do banco (Orfão & Veludo, 2013). As prospecções arqueológicas realizadas no decorrer da obra permitiram revelar a existência de um poço, de vias de penetração a partir do Largo Cândido dos Reis (conhecido como Terreiro), anteriores à construção do século XVII. A construção do solar veio anexar o espaço público de atravessamento e a área de três quarteirões da época medieval. A intervenção, segundo a autora anteriormente citada, “pautou-se por uma cuidadosa interpretação dos elementos formais e construtivos existentes, reabilitando-os e criando novos elementos que dialogassem com aqueles, e imprimindo por vezes uma acentuada presença de conjunto.”6. O projeto teve algumas demolições, daquilo que seriam supostamente construções recentes sem valor patrimonial e estético relevantes, permitindo algumas ampliações para utilização mais funcional dos espaços. Construiuse um novo elemento contemporâneo, que contrasta e se distingue das existências.

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Ibidem

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Este caso será um bom exemplo de reutilização, reabilitação e restauro de um edifício de valor patrimonial inegável, sendo que dinamizou um grande quarteirão de uma das zonas mais nobres do centro histórico mas também mais sujeitas à desertificação. De salientar que o projeto foi galardoado com o prémio Korrodi em 2012. No entanto, nenhuma reabilitação deste género, onde se incluem igualmente ampliações de elementos contemporâneos, está isenta de crítica ou de perigos para a preservação do património material. Não esquecer que as conveções internacionais7 apontam para a preservação dos elementos das várias épocas, mas que também aconselham a reutilização e introdução de novos elementos desde que não se confundam com as existências. Neste caso importou o registo arqueológico e histórico, tal como a composição onde se distinguem os elementos preexistentes dos novos, sendo que foi muito considerável a dimensão de restauro efectuado, sempre muito onerosas e pouco habituais em iniciativas privadas. Provavelmente só uma instituição com a missão social associada semelhante à Fundação da Caixa de Crédito de Leiria e fundos financeiros como a Caixa de Credito de Leiria, enquanto instituição bancária, poderia garantir condições de sucesso para este tipo de reabilitação, embora em nada a isentasse dos perigos decorrentes da sensibilidade da preservação do património arqueológico, histórico e arquitectónico.

2. Conclusão A arqueologia urbana no centro histórico de Leiria apenas ganhou corpo de sistematização recentemente, com o início do século XXI, dai a inclusão do período temporal na escolha do título para este trabalho. Já existiam casos pontuais de intervenções da tutela em parceria com o Município de Leiria, mas sem acompanhamento no terreno permanente. Isso mudou com a constituição da Área Crítica de Reabilitação Urbana, à qual se associaram meios e recursos materiais e humanos para poder sistematizar o estudo arqueológico e salvaguarda do património, pois, apesar da anterior constituição da Zona Especial de Protecção do Castelo de Leiria e outros patrimónios classificados, dificilmente poderia haver uma atitude ativa e proactiva sem os devidos meios e 7

Carta de Atenas, Veneza e Cracóvia, como referências internacionais para a salvaguarda do património edificado. Micael Sousa nº1100043

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acompanhamento direto in situ. Foi necessária a decisão política para transformar as tendências que depois se tornaram obrigações legais, e vice-versa, em efectivas medidas de tratamento do património arqueológico local. Posteriormente, o desenvolvimento do Plano Diretor Municipal, com a integração pluridisciplinar das temáticas patrimoniais permitiu dar novo impulso à arqueologia urbana, tal com a constituição do Regulamento do Centro Histórico de Leiria. No entanto continuam a existir vários instrumentos de gestão do território, vários outros mecanismos, legislação e regulamentação da especialidade que devem ser conjugados e uniformizados. Essa tem sido a tendência mas importa continuar a trilhar por esse caminho. As entidades públicas de proximidade, especialmente os municípios, devem estar preparadas e participar nestes processos de agilização e intervenção. Os três exemplos citados pretendem demonstrar os impactos positivos da arqueologia urbana realizada no centro histórico de Leiria. O primeiro caso resultou em investigações científicas históricas, sociológicas e antropológicas relevantes. O segundo contribuiu para o conhecimento académico e técnico das práticas de reabilitação urbana do edificado tradicional. O terceiro foi caracteriza-se pela iniciativa privada que soube igualmente estudar, salvaguardar e valorizar o seu património, que no fundo é também património colectivo ao serviço da comunidade. Destes casos conclui-se, especialmente nos processos de reabilitação e salvaguarda do património arquitetónico, a imperativa necessidade de cabimento financeiro e da morosidade dos próprios processos. Será um desafio conseguir minimizar os custos e prazos deste tipo de projectos. A intervenção das entidades públicas é essencial, tanto na fiscalização como no assumir de atitudes pró-ativas e de apoio ao desenvolvimento profícuo deste tipo de projectos, garantindo o interesse público e a sustentabilidade geral transversal, tanto pública como privada. Em resumo, importa continuar a desenvolver esta dimensão da arqueologia local, compatibilizando a vontade política municipal, dando o exemplo, com os necessários meios técnicos humanos e matérias, tal como reforçar positivamente e fiscalizar o trabalho e a iniciativa privada de reabilitação, tão importante para a vida e revitalização das zonas históricas. Importa nunca esquecer que o património arqueológico urbano, mesmo que seja, privado, tem sempre interesse público, mas que são necessários fundos consideráveis para o poder salvaguardar e alguma flexibilidade para garantir o seu uso vida.

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3. Bibliografia CABRAL, João – Anais do Município de Leiria – volume I. Edição revista e aumentada. Leiria: Câmara Municipal de Leiria, 1993. CARDOSO, F. V. Hugo & GARCIA, Susana – “The Not-So-Dark Ages: Ecology for Human Growth in Medieval and Early Twentieth Century Portugal as Inferred From Skeletal Growth Profiles”. American Journal of Physical Anthropology. 138:136–147, 2009 CARVALHO, Vânia - Relatório Final de Acompanhamento Arqueológico – Casa Athayde. Leiria: Município de Leiria, 2008. CARVALHO, Vânia; MENDES, Vitória; CARREIRA, Sofia; PINHAL, Ana Sofia - “A casa dos pintores: do projeto de reabilitação à oficina municipal de arqueologia de Leiria”. Revista da Associação dos Arqueólogos Portugueses. Lisboa: Associação dos Arqueólogos Portugueses, Vol. 64-65, 2012-2013.

CARVALHO, S; CARVALHO, V. - Relatório de progresso da Carta Arqueológica de Leiria (2004-2007). Leiria: Câmara Municipal de Leiria, 2008. [Não publicado].

CARVALHO, Susana; CARVALHO, Vânia - Relatório final dos trabalhos arqueológicos realizados na casa dos pintores – Leiria. Casa dos Pintores Oficina de Arqueologia. Leiria: Câmara Municipal de Leiria, [2012?]

ERA, Arqueologia, Lda. - Relatório das Escavações arqueológicas na praça Rodrigues Lobo. Leiria: 2002?

GARCIA, Maria Susana de Jesus - Maleitas do corpo em tempos medievais indicadores paleodemograficos, de stresse e paleopatológico numa série osteológica urbana de leiria. Coimbra: Departamento de arqueologia da universidade de coimbra, 2007. Tese de doutoramento em antropologia biológica.

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GARCIA, S. – “Is the Circumference at the Nutrient Foramen of the Tibia of Value to Sex Determination on Human Osteological Collections? Testing a New Method”. International Journal of Osteoarchaeology - Institute J. Osteoarchaeol. Wiley Online Library, 2010.

GASPAR, Sara Joana Pereira - Determinação do sexo em não-adultos: aplicação de um método métrico para o estudo do dimorfismo sexual na colecção osteológica nãoidentificada de São Martinho (Leria).Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade Técnica de Lisboa, 2013. Seminário Final da Licenciatura em Antropologia. LOPES, Flávio – Zonas de protecção ao património arquitectónico – Para que servem? Sintra: Caleidoscópio, 2013.

ML, Município de Leiria - Programa estratégico de reabilitação urbana do centro da cidade de Leiria - Aditamento – 2011. Leiria: Departamento de Planeamento e Gestão Urbanística / Gabinete de Reabilitação Urbana do Município de Leiria, 2011.

ML, Município de Leiria - Estudos de Caracterização e Diagnóstico do Plano Diretor Municipal - Tomo VI património: documento da revisão do PDM de Leiria de Abril de 2014. Leiria: Divisão de Planeamento e Ordenamento do Território do Município de Leiria do Município de Leiria, 2014a. ML. Município de Leiria – Regulamento do Centro Histórico de Leiria. Leiria: Município de Leiria, 2014b.

ORFÃO, Rui; VELUDO, Helena - Casa do Terreiro. Leiria: Fundação Caixa de Leiria, 2013. [S.N.] – Couseiro ou Memórias do Bispado de Leiria. 4ª edição ou transcrição da 2ª Edição de 1898. Leiria, Textiverso, 2011.

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ZÚQUETE, Afonso – Monografia de Leiria – A cidade e o concelho 1950. 2ª Edição. Leiria: Folheto Edições & Design, 2013)

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ANEXOS – ENTREVISTAS

Questões 

Quando e porque foi definida a área crítica de recuperação e reconversão urbanística? Foi resultado de alguma obrigação legal ou foi apenas opção política?



Quando foi criada acarta arqueológica do concelho de Leiria?



Quando foi integrada a carta do património arqueológico e as preocupações com o património arquitectónico e arqueológico no PDM Leiria?



Desde quando passou a ser obrigatório o acompanhamento arqueológico das intervenções no CHL. O que o definiu inicialmente?

Respostas

Vitória Mendes - Arquiteta coordenadora do gabinete de reabilitação urbana da CML

A Área Crítica - ACCRU foi criada em 2001 e não decorreu de obrigação legal. Pretendia-se travar o processo de degradação do território que envolve o núcleo mais antigo da cidade e o Bairro dos Anjos, que foi delimitado com base em inquéritos e levantamentos.

Sandra Cadima - Chefe de divisão da Divisão de Planeamento e Ordenamento do Território da CML

A carta do património arqueológico apenas foi integrada, no PDM de Leiria, na atual proposta de revisão ainda em curso. Quanto ao património arquitetónico, o regulamento do PDM, em vigor desde 4 de setembro de 1995, integra um anexo com uma listagem dos imóveis a classificar.

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Vânia Carvalho - Arqueóloga do Município de Leiria desde 2001.



Quando foi criada a carta arqueológica do concelho de Leiria?

Resposta: O PNTA denominado Carta Arqueológica do Concelho de Leiria – CARQLEI, esteve em vigor entre 2004 e 2009, sendo da responsabilidade científica de Susana Carvalho, João Tavares e da signatária, e teve como entidade promotora e financiadora a Câmara Municipal de Leiria. Este projeto visou sistematizar a informação existente sobre as ocupações humanas, no território do concelho de Leiria, bem como identificar novos sítios arqueológicos, no quadro de prospeções intensivas e sistemáticas (Carvalho & Carvalho, 2007). Em 2007, foi elaborado o relatório de progresso, referente aos anos entre 2005 e 2007, no qual foi efetuada uma revisão dos dados, convertida em base de dados.Este programa de trabalhos prosseguiu até 2009, estando atualmente em fase de conclusão o seu relatório final. Saliente-se que o /terminus /do PNTA não corresponde à conclusão da Carta Arqueológica, que representa um instrumento dinâmico de salvaguarda e gestão patrimonial, e que se encontra em permanente atualização, tendo os dados georreferenciados, sido atualizados em março de 2014.Os resultados do PNTA, materializados numa base de dados associada a um Sistema de Informação Geográfica, encontram-se integrados nos documentos de revisão do Plano Diretor Municipal de Leiria. O processo relativo ao PNTA, bem como, a base de dados atualizada, encontram-se disponíveis para consulta ao público, na Oficina Municipal de Arqueologia de Leiria, tendo-se tido em consideração os dados existentes, quer no relatório de progresso, quer na base de dados de acesso público disponibilizada (Carvalho & Carvalho, 2007).



Quando foi integrada a carta do património arqueológico e as preocupações com o património arquitectónico e arqueológico no PDM Leiria?*

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Mestrado em Estudos do Património UC: Património Arqueológico Contributos para a compreensão da arqueologia urbana realizada no centro histórico de Leiria desde o início do século XXI

No PDM de 1995 já se encontram definidos alguns sítios arqueológicos, na lista de imóveis a classificar. Após a aprovação do Relatório de progresso da Carta Arqueológica de Leiria a existência dos sitios fica reportada, num relatório aprovado, e passa a ser obrigatório o cumprimento da 107/2001.



Desde quando passou a ser obrigatório o acompanhamento arqueológico das intervenções no CHL. O que o definiu inicialmente?*

Resposta: O acompanhamento arqueológico é uma tipologia de intervenção, entre outras, pelo que a pergunta se encontra indevidamente formulada. Se perguntarmos "Desde quando passou a ser obrigatório realizar trabalhos arqueológicos nas intervenções situadas no CHL. O que o definiu inicialmente?" a resposta é: A existência de trabalhos arqueológicos, tal como em todo o país decorre da lei geral 107/2001 e anteriores, e em cada caso especifico das condicionantes inerentes à existência das Zonas Especiais de Proteção dos monumentos classificados, sendo estas definidas delas entidades de tutela. Quando existem planos de pormenor ou cartas arqueológicas com proposta de condicionantes a definição passa a ser mais "fina". No nosso caso, o articulado proposto em pdm define o modleo de ação, bem como o regulamento do CHL (artigo 5º).

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