Controle da natalidade: o fim de um debate.

September 28, 2017 | Autor: I. Costa | Categoria: Brasil, Demografia
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CONTROLE DA NATALIDADE: O FIM DE UM DEBATE

Iraci del Nero da Costa
Nelson Hideiki Nozoe


As recentes iniciativas governamentais no âmbito da política
previdenciária, com sua universalização para o meio rural, e no da política
populacional -- instituição da Comissão de Estudos de Direitos da
Reprodução Humana --, ensejam reflexões sobre a formulação e implementação
de uma política demográfica explícita para o Brasil; a qual, a nosso ver,
impõe-se com força de necessidade.(1) Sobre esta última assertiva teceremos
algumas considerações.

No Brasil de nossos dias dificilmente encontraremos pessoas ou entidades a
advogar clara e abertamente uma política absolutamente natalista ou
estritamente controlacionista. Mesmo os que não vêem maiores problemas no
tocante ao comportamento de nossas variáveis demográficas são favoráveis ao
desenvolvimento de programas de planejamento familiar, o qual aparece como
uma unanimidade nacional e se define em termos da liberdade do casal na
determinação do tamanho da família e da obrigação do Estado em prover as
condições socioeconômicas e os conhecimentos indispensáveis a fim de que
tal decisão se faça em circunstâncias as mais favoráveis possíveis.

Há os que chegam a esta postura a partir, tão-somente, de considerações
calcadas nas variáveis econômicas; em termos simples pode-se dizer que
estas pessoas esposam a idéia de que para garantirmos o crescimento
econômico é preciso enfrentar os óbices representados pelo crescimento
desproporcionado de nossa população. Afastados tais impedimentos, conseguir-
se-á, sem alterações estruturais substantivas, o estabelecimento de
condições necessárias ao desenvolvimento econômico.

Para outros, impõem-se as aludidas reformas, as quais, por vias mediatas,
conduzirão ao arrefecimento de um eventual crescimento demográfico
desmesurado. Para este segmento da opinião nacional a implementação de
programas de planejamento familiar não deve ser pensada estritamente no
âmbito do fato econômico; sua justificação decorre de outra ordem de
razões, as quais dizem respeito à saúde e ao bem-estar das mães e de seus
filhos, à liberdade de escolha do casal e ao direito de que devem gozar as
mulheres para decidir livremente quanto ao espaçamento entre as gestações,
ao número de filhos e à oportunidade de concebê-los. Enfim, esta última
posição refere o planejamento familiar aos direitos humanos e do cidadão e
não às variáveis econômicas.

Vista sob a ótica do planejamento familiar, a questão populacional passou a
ser concebida em bases que possibilitaram a superação dos estreitos limites
a que ela foi confinada no quadro da polêmica entre neomalthusianos e
antimalthusianos.

Em face de tamanha concordância -- a qual sobrepassando barreiras
ideológicas, econômicas e políticas mostra-se capaz de fazer ressoar em
uníssono vozes vincadas pelas imensas disparidades de nossa sociedade --,
não é descabido procurar identificar os elementos que estão a condicionar
tal convergência de opiniões.

Seria pueril referir tal confluência a uma só determinação. Parece mais
plausível pensar em duas determinações básicas que, embora apresentem a
mesma forma, correspondem a conteúdos radicalmente distintos. Assim, de uma
parte encontrar-se-iam os imperativos do capital, o qual, definindo-se como
um elemento sócio-natural, exige a adequação da população aos interesses de
sua reprodução em escala ampliada; em termos precisos, trata-se de adequar
ao capital o exército de reserva, que, até há pouco, não se colocava na
órbita do capital, pois os ônus de sua manutenção não estavam sob a
"responsabilidade" daquela força natural e social. No momento em que o
Estado chama a si parcela substantiva dos custos de produção e reprodução
da força de trabalho, faz-se necessário dimensioná-la de sorte a serem
evitados os gastos com a formação de mão-de-obra redundante. A pura lei da
natureza não pode mais determinar os efetivos humanos, eles devem
subordinar-se à natureza do capital. É justamente este processo que se
verifica acentuadamente no Brasil dos últimos lustros -- sistematicamente
vêem-se ampliadas as fronteiras das responsabilidades do Estado para com
populações anteriormente marginalizadas, as quais, correlatamente, vão-se
integrando à economia de mercado, vale dizer, universalizam-se as relações
capitalistas de produção.

A segunda determinação, por seu turno, expressaria idealmente a sociedade
do futuro, na qual desenvolver-se-á em novo estágio a emancipação do homem
em face da natureza. Em termos hegelianos, tal determinação deriva de uma
"potencialidade lutando por se realizar" e anuncia a emergência da
humanidade como sujeito do seu processo de desenvolvimento e o homem como
senhor autoconsciente de sua existência. Neste quadro também não se poderá
deixar à lei da natureza o estabelecimento dos efetivos populacionais; faz-
se imperiosa sua subordinação à volição humana.

Destarte, tanto a ordem presente como a do futuro parecem conspirar para a
efetivação de um programa explícito de controle da natalidade.

Formulá-lo e implementá-lo em sua primeira versão é tarefa que se coloca à
nossa geração; cumpre, pois, reservar-lhe o devido espaço na ampla pauta
que se formulará em função da Constituinte, que a todos nos empolga.

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(1) Discutimos exaustivamente esta questão em trabalho de nossa autoria
financiado pela FINEP e intitulado Políticas Populacionais: o caso
brasileiro, São Paulo, IPE/USP, 1983.
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