Controle de mérito do negócio jurídico processual e legitimidade de decisões estruturais/intermédias: efeitos da ponderação?

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Controle de mérito do negócio jurídico processual e legitimidade de decisões estruturais/intermédias: efeitos da ponderação? – Por Tiago Gagliano Pinto Alberto
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Por Tiago Gagliano Pinto Alberto – 14/04/2016
Olá a todos!!!
Nas últimas semanas venho escrevendo sobre ponderação, ou mais especificamente, acerca do §2º do artigo 489 do CPC/15 que expressamente introduziu tal técnica como uma espécie de sugestão para a resolução de casos em que configurada colisão entre princípios. As abordagens que antecederam ao presente texto foram feitas sob o pálio da teoria geral do direito e filosofia, de modo que agora, nesta semana, pretendo apresentar algumas questões dogmáticas, direcionadas, sobretudo, aos processualistas e operadores do direito que trabalharão com o malfadado parágrafo.
A primeira das questões que desejo abordar diz respeito à ponderação e ao princípio da congruência ou correlação, inserido no artigo 492 do NCPC[1]. Este princípio, cuja classificação enquanto tal é bem questionável (mas essa é outra questão, que não comporta aqui maior digressão), objetiva vedar a prolação de sentenças ultra, citra ou extra petita, vale dizer, aquelas em que o juiz julgue para além do pedido inaugural, aquém ao que foi postulado, ou, ainda, conceda algo diverso do que foi requerido. Não constitui propriamente novidade dizer que em algumas situações este princípio (sic) já vinha sendo relativizado em ordem a viabilizar a prestação jurisdicional de maneira mais consentânea ao que realmente se pode depreender da postulação vestibular. Assim é que, por exemplo, no âmbito dos Juizados Especiais, máxime naquelas situações em que, em demandas até 20 (vinte) salários mínimos, a Parte interessada prescinde de advogado e, por isso, acaba por apresentar postulação algo incompleta e incoerente no que toca à relação entre a causa de pedir e os pedidos, este princípio já vinha recebendo uma leitura mais flexível, adequando-se ao contexto de deficiência de apresentação de razões e sua correspondência à completude da tutela invocada. Bem por isso, aliás, o NCPC previu, no §2º do artigo 322, em regra que também se aplica aos Juizados Especiais, que "A interpretação do pedido considerará o conjunto da postulação e observará o princípio da boa-fé.".
Entrementes, para além do âmbito dos Juizados Especiais, a técnica da ponderação pode gerar alguma dúvida no caso de decisões que não se limitam à adjudicação do direito postulado, ou, ainda que o façam, assim procedem deliberando de maneira prospectiva em relação ao cumprimento do ordenado. Entre as várias situações em que tal se dá, trago à colação os provimentos de natureza estruturantes e as decisões intermédias. No primeiro caso, acaso compreendidas como aceitáveis sob o pálio do sistema processual civil pátrio, tem-se decisão que, ademais do acertamento da causa, ainda delibera acerca da sua forma de implementação, seja a nível administrativo-gerencial (determinando a abertura de concurso, ou a realização de licitação, por exemplo, para suprir a carência de servidores, ou a realização de determinado serviço reconhecido como necessário), seja sob o ponto de vista do mercado e, portanto, atuante no contexto privado; e, no segundo caso, cogitando acerca de eventual ablação diferida, posterga os efeitos de uma inconstitucionalidade reconhecida para momento temporal distinto ao da decisão, ou, de outra senda, limita os efeitos da pecha a algum segmento social, ou a determinado objeto.
Nesses casos, entre muitos possíveis, não se pode prescindir de uma visão mais aberta em relação ao princípio da congruência/correlação, porque, afinal, conquanto a decisão esteja de fato e de direito atrelada ao que postulado na peça inaugural, situou seus efeitos, inclusive temporais, bem para além do que foi requerido, adentrando em competências e searas que não são afetas à missão do poder Judiciário, ao menos como regra.
Para estes problemas, a ponderação pode ser uma hipótese que consubstancie a esperada legitimidade da atuação jurisdicional e, acaso assim admitida, constitua forma viável de realização da função jurisdicional despida de eivas, ou reticências verificadas sob o ponto de vista da competência constitucionalmente atribuída ao Poder Judiciário. De novo, porém, encontraremos a questão da legitimidade argumentativa como limite entre, de um lado, o descalabro subjetivo e defeituoso e, de outro, a linha argumentativa lastreada em racionalidade. A dificuldade, assim, ficará por conta da utilização da ponderação para esse fim, ponto que abordei em textos anteriores, para os quais remeto o leitor.
Uma outra questão afeta à ponderação/proporcionalidade e que sob o aspecto dogmático pode surgir com o §2º do artigo 485 e a sua aplicação no cotidiano judicial diz respeito à (im)possibilidade de controle do conteúdo dos negócios jurídicos processuais previstos nos artigos 190 e 191 do NCPC[2]. O parágrafo único do artigo 190 admite o controle de legalidade por parte do juiz[3], já havendo manifestação da literatura no sentido de que o juiz estaria autorizado a proscrever, ou não admitir, cláusulas absolutamente nulas e, no caso das nulidades relativas, aquelas em que o prejuízo for patente e invocado pela parte interessada. Entretanto, não se tem examinado com profundidade o tema da possibilidade do controle do mérito das cláusulas negociadas, por intermédio da técnica da ponderação/proporcionalidade. Por exemplo, estaria o juiz autorizado a alterar o calendário estipulado pelas Partes, ou, no mesmo sentido, algumas faculdades, ou ônus estabelecidos, sob o argumento de que a avença, naquele ponto, malfere a proporcionalidade, ainda que ambas as Partes compreendam, de comum acordo, em sentido diverso? Ou, examinando sob outro ponto de vista, tendo as Partes ajustado o negócio jurídico processual, poderia o juiz alterá-lo, agravando alguns dos deveres convencionados, ou impondo algum tipo de sanção para o descumprimento de uma ou mais cláusulas, ainda que as Partes nada tenham estabelecido a respeito?
O controle do conteúdo de atos jurídicos com amparo na proporcionalidade (e ponderação) não é tampouco inédito. Os Tribunais pátrios consolidaram, por exemplo, a possibilidade de redução de penas administrativas de multa com lastro nesta técnica[4], ou até mesmo penalidades administrativas aplicadas a servidores[5], entre outras situações.
Admitida a utilização da técnica para controle genérico do conteúdo de atos jurídicos, igualmente viável será a sua adoção para aferição do cerne do negócio jurídico processual? Vejamos como a jurisprudência trabalhará o tema. O exame teórico da questão impõe aprofundamento que, por ora, não será possível neste texto.
Em suma, seja a nível filosófico, seja no campo da teoria geral do direito, ou, ainda, dogmático, possível observar que a técnica da ponderação gera dúvidas e incertezas. Vez mais, por isso, questiono-me se deveria mesmo ter havido a sua inserção do §2º no campo normativo do artigo 489. Cada vez mais me convenço que não.
Um grande abraço a todos. Compartilhe a paz!

Notas e Referências:
[1] Com a seguinte redação: "Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado.
Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional."
[2] Eis as correspondentes redações, para facilitar: "Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.".
[3] "Art. 190: omissis; Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade."
[4] Recurso Especial nº 1.279.622/MG (2011/0168356-0), 2ª Turma do STJ, Rel. Humberto Martins. j. 06.08.2015, DJe 17.08.2015.
[5] MS 12.955/DF, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, DJe 19.05.2015. Segurança concedida. Agravo regimental prejudicado. (Mandado de Segurança nº 19.126/DF (2012/0187722-2), 1ª Seção do STJ, Rel. Humberto Martins. j. 09.09.2015, DJe 16.09.2015


Tiago Gagliano é Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professor da Escola da Magistratura do Estado do Paraná (EMAP). Professor da Escola da Magistratura Federal em Curitiba (ESMAFE). Coordenador da Pós-graduação em teoria da decisão judicial na Escola da Magistratura do Estado de Tocantins (ESMAT). Membro fundador do Instituto Latino-Americano de Argumentação Jurídica (ILAJJ). Juiz de Direito Titular da 2ª Vara de Fazenda Pública da Comarca de Curitiba.

Imagem Ilustrativa do Post: Swingers // Foto de: David Goehring // Sem alterações
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