Controle difuso de constitucionalidade e declaração de não recepção de leis inconstitucionais em ações coletivas

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CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE E DECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DE LEIS INCONSTITUCIONAIS EM AÇÕES COLETIVAS

CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE E DECLARAÇÃO DE NÃO RECEPÇÃO DE LEIS INCONSTITUCIONAIS EM AÇÕES COLETIVAS Revista dos Tribunais | vol. 926 | p. 571 | Dez / 2012DTR\2012\451079 Georges Abboud Mestre e Doutorando em direitos e difusos coletivos pela PUC-SP. Advogado. Área do Direito: Constitucional Resumo: 0 artigo tem por escopo examinar udecisão do STF em que foi realizado controle difuso de constitucionalidade em sede de ação coletiva, mais precisamente, o controle de constitucionalidade de lei produzida antes da Constituição vigente. Palavras-chave: Controle difuso de constitucionalidade - Ação coletiva. Abstract: The article aims at examining a STF (Supreme Court) decision in which it was exerted a judicial review of class action, more precisely, the constitutionality control of a act proclaimed before the Constitution in effect. Keywords: judicial review-Class action. Sumário: A)ACÓRDÃO - B)COMENTÁRIO - 3.A POSSIBILIDADE DE SE REALIZAR CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO EM AÇÃO COLETIVA. A INCONSTITUCIONALIDADE OU A NÃO RECEPÇÃO DA LEI INCONSTITUCIONAL COMO CAUSA DE PEDIR - 4.CONSIDERAÇÃO FINAL: O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL E SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO COLETIVO A) ACÓRDÃO STF - AgRg nos EDcl no RE 633.195/SP - 1.ª T. - j. 12.06.2012 -v.u.- rel. Min. DiasToffoli - DJe 29.06.2012 -Área do Direito: Constitucional. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE - Ação civil pública - Declaração incidental Admissibilidade - Meio adequado para arguir incompatibilidade de norma pré-constitucional com a atual Constituição quando configurar tão somente a causa de pedir da ação. AgRg nos EDcl no RE 633.195/São Paulo. Relator: Min. Dias Toffoli. Agravante: União - advogado: Advogado-Geral da União. Agravados: Ministério Público Federal - Procurador: Procurador-Geral da República; Caixa Econômica Federal - advogado: Antonio José Camilo do Nascimento; Banco Comercial e de Investimento Sudameris S.A. - advogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes; Banco Bandeirantes S.A. e outros - advogados: Eduardo Arruda Alvim e outros; e Banco Antônio de Queiroz S.A. - advogado: Realsi Roberto Citadella. Ementa Oficial: Agravo regimental nos embargos de declaração no recurso extraordinário. Constitucional. Ação civil pública. Declaração incidental de incompatibilidade de norma pré-constitucional com a Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) vigente. Possibilidade. Precedentes. 1. Consoante à jurisprudência desta Corte, a ação civil pública é meio adequado para que se declare, na via incidental, a incompatibilidade do direito pré-constitucional com a Constituição vigente quando referida declaração configurar tão somente a causa de pedir da ação. 2. Agravo regimental não provido. ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da 1.ª T. do STF, sob a presidência do Sr. Min. Dias Toffoli, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, Página 1

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por unanimidade de votos, em negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator. Brasília, 12 de junho de 2012 - DIAS TOFFOLI, relator. RELATÓRIO - O Exmo. Sr. Min. Dias Toffoli (relator): União interpõe tempestivo agravo regimental contra decisão em que foram acolhidos os embargos de declaração por ela opostos para suprir a omissão apontada, mantendo-se, contudo, a negativa de seguimento do recurso extraordinário (f.). Eis o teor da referida decisão: “Vistos. União Federal interpõe tempestivos embargos de declaração contra decisão em que neguei seguimento ao recurso extraordinário (f.), com a seguinte fundamentação: ‘Vistos. A União interpõe recurso extraordinário (f.) contra acórdão proferido pela 4.ª T. do STJ, assim ementado: “Processual civil. Agravo regimental no recurso especial. Ação civil pública. Legitimidade ativa do Ministério Público Federal. SFH. 1. O Ministério Público Federal, em razão do relevante interesse social da matéria, tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa de direito individual homogêneo de mutuários do SFH” (f.). Interpostos sucessivos embargos de declaração (f.), foram rejeitados (f.), à exceção deste último, acolhido para sanar omissão e afastar a condenação em pena de multa. Insurge-se, no apelo extremo, fundado na alínea a do Permissivo Constitucional, contra suposta violação do art. 102, I, a e § l.º, da CF ( LGL 1988\3 ) , consubstanciada pelo reconhecimento da legitimidade ativa do recorrido para o ajuizamento da presente ação civil pública, bem assim pelo reconhecimento da adequação da via para tanto eleita pelo autor da ação. O recurso foi contra-arrazoado (f.) e, admitido, na origem (f.), vieram os autos a este Tribunal. Decido. Anote-se, inicialmente, que o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão publicado após 03.05.2007, quando já era plenamente exigível a demonstração da repercussão geral da matéria constitucional objeto do recurso, conforme decidido na QO no AgIn 664.567/RS, Pleno, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 06.09.2007. Todavia, apesar da petição recursal haver trazido a preliminar sobre o tema, não é de se proceder ao exame de sua existência, uma vez que, nos termos do art. 323 do RISTF ( LGL 1980\17 ) , com a redação introduzida pela ER 21/07, primeira parte, o procedimento acerca da existência da repercussão geral somente ocorrerá “quando não for o caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão”. E, no caso presente, não merece prosperar a irresignação, uma vez que o acórdão atacado reconheceu que o recorrido efetivamente detém legitimidade ativa para o ajuizamento da ação que intentou contra diversas instituições financeiras, demanda essa que tinha por objeto compeli-las a abster-se de promover a execução extrajudicial de contratos de financiamento imobiliário por elas realizados. Tal decisão encontra-se em perfeita consonância com a pacífica jurisprudência desta Suprema Corte a respeito do tema, no sentido de que os membros do Ministério Público concorrem com interesse de agir, bem como detêm legitimidade ativa para a propositura de ações civis públicas também na defesa de interesses individuais homogêneos, notadamente quando se trata de interesses de relevante valor social, como se dá na hipótese retratada nestes autos. Tal ocorre pelo menos desde o julgamento, pelo Plenário do STF, do RE 163.231/SP, relatado pelo ilustre Min. Maurício Corrêa, do qual se transcreve sua ementa: Página 2

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“Recurso extraordinário constitucional. Legitimidade do Ministério Público para promover ação civil pública em defesa dos interesses difusos, coletivos e homogêneos. Mensalidades escolares: capacidade postulatória do Parquet para discuti-las em juízo. 1. A Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) confere relevo ao Ministério Público como instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 127). 2. Por isso mesmo detém o Ministério Público capacidade postulatória, não só para a abertura do inquérito civil, da ação penal pública e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 129, I e III). 3. Interesses difusos são aqueles que abrangem número indeterminado de pessoas unidas pelas mesmas circunstâncias de fato e coletivos aqueles pertencentes a grupos, categorias ou classes de pessoas determináveis, ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base. 3.1. A indeterminidade é a característica fundamental dos interesses difusos e a determinidade a daqueles interesses que envolvem os coletivos. 4. Direitos ou interesses homogêneos são os que têm a mesma origem comum (art. 81, III, da Lei 8.078, de 11.09.1990), constituindo-se em subespécie de direitos coletivos. 4.1. Quer se afirme interesses coletivos ou particularmente interesses homogêneos, stricto sensu, ambos estão cingidos a uma mesma base jurídica, sendo coletivos, explicitamente dizendo, porque são relativos a grupos, categorias ou classes de pessoas, que conquanto digam respeito às pessoas isoladamente, não se classificam como direitos individuais para o fim de ser vedada a sua defesa em ação civil pública, porque sua concepção finalística destina-se à proteção desses grupos, categorias ou classe de pessoas. 5. As chamadas mensalidades escolares, quando abusivas ou ilegais, podem ser impugnadas por via de ação civil pública, a requerimento do Órgão do Ministério Público, pois ainda que sejam interesses homogêneos de origem comum, são subespécies de interesses coletivos, tutelados pelo Estado por esse meio processual como dispõe o art. 129, III, da CF ( LGL 1988\3 ) . 5.1. Cuidando-se de tema ligado à educação, amparada constitucionalmente como dever do Estado e obrigação de todos (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 205), está o Ministério Público investido da capacidade postulatória, patente a legitimidade ad causam, quando o bem que se busca resguardar se insere na órbita dos interesses coletivos, em segmento de extrema delicadeza e de conteúdo social tal que, acima de tudo, recomenda-se o abrigo estatal. Recurso extraordinário conhecido e provido para, afastada a alegada ilegitimidade do Ministério Público, com vistas à defesa dos interesses de uma coletividade, determinar a remessa dos autos ao Tribunal de origem, para prosseguir no julgamento da ação” (DJ 29.06.2001). Tal entendimento vem sendo reiteradamente seguido nesta Suprema Corte, como se colhe do recente julgamento proferido por sua 2.ª T., nos autos do AgRg no AgIn 718.547/SP, relatado pelo eminente Min. Eros Grau, cuja ementa assim dispõe: “Agravo regimental no agravo de instrumento. Reexame de provas. Ministério Público Federal. Legitimidade ativa. 1. Reexame de fatos e provas. Inviabilidade do recurso extraordinário. Súmulas 279 ( MIX 2010\2004 ) e 454 ( MIX 2010\2178 ) do STF. 2. O Ministério Público tem legitimidade ativa para propor ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, mas também de outros interesses difusos e coletivos. Agravo regimental a que se nega provimento” ( DJe 07.11.2008). Também em face de interesses tidos como disponíveis essa legitimação se faz presente, máxime em hipóteses de relevante interesse social, como ocorre na situação fática retratada nestes autos, em que se está a defender interesses de pessoas que firmaram contratos de financiamento imobiliário, com vistas a adquirir imóvel próprio. Em abono aos precedentes já colacionados aos autos, transcrevo as ementas dos seguintes julgados: “Direitos individuais homogêneos - Segurados da previdência social - Certidão parcial de tempo de serviço - Recusa da autarquia previdenciária - Direito de petição e direito de obtenção de certidão em repartições públicas - Prerrogativas jurídicas de índole eminentemente constitucional - Existência de relevante interesse social - Ação civil pública - Legitimação ativa do Ministério Público - A função institucional do Ministério Público como ‘defensor do povo’ (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 129, II) - Doutrina - Precedentes - Recurso de agravo improvido. - O direito à certidão traduz prerrogativa jurídica, de extração constitucional, destinada a viabilizar, em favor do indivíduo ou de uma determinada coletividade (como a dos segurados do sistema de previdência social), a defesa (individual ou Página 3

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coletiva) de direitos ou o esclarecimento de situações. - A injusta recusa estatal em fornecer certidões, não obstante presentes os pressupostos legitimadores dessa pretensão, autorizará a utilização de instrumentos processuais adequados, como o mandado de segurança ou a própria ação civil pública. - O Ministério Público tem legitimidade ativa para a defesa, em juízo, dos direitos e interesses individuais homogêneos, quando impregnados de relevante natureza social, como sucede com o direito de petição e o direito de obtenção de certidão em repartições públicas. Doutrina. Precedentes” (AgRg no RE 472.489/RS, 2.ª T., rel. Min. Celso de Mello, DJe 29.08.2008). “Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Ação civil pública. Interesse individual homogêneo. 3. Relevância social. Ministério Público. Legitimidade. 4. Jurisprudência dominante. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (AgRg no AgIn 516.419/PR, 2.ª T., rel. Min. Gilmar Mendes, DJe 30.11.2010). Pode-se, ainda, citar a ementa do seguinte e recente precedente, da 1.ª T. desta Suprema Corte, no mesmo sentido: “Agravo regimental no recurso extraordinário. Processual civil e constitucional. 1. Recurso especial parcialmente provido. Recurso extraordinário prejudicado. Precedentes. 2. Legitimidade ativa do Ministério Público para a defesa de direitos difusos, coletivos e homogêneos. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (AgRg no RE 599.529/RS, rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 01.07.2011). E, em arremate, a ementa do seguinte precedente específicos sobre o tema: “1. Legitimidade para a causa. Ativa. Caracterização. Ministério Público. Ação civil pública. Demanda sobre contratos de financiamento firmados no âm-bito do Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Tutela de diretos ou interesses individuais homogêneos. Matéria de alto relevo social. Pertinência ao perfil institucional do Ministério Público. Inteligência dos arts. 127 e 129, III e IX, da CF ( LGL 1988\3 ) . Precedentes. O Ministério público tem legitimação para ação civil pública em tutela de interesses individuais homogêneos dotados de alto relevo social, como os de mutuários em contratos de financiamento pelo Sistema Financeiro da Habitação. 2. Recurso. Embargos de declaração. Acórdão. Correção de erro material na ementa. Revogação de condenação ao pagamento de multa por litigância de má-fé. Embargos acolhidos, em parte, para esses fins. Embargos de declaração servem para corrigir erro material na redação da ementa do acórdão embargado, bem como para excluir condenação ao pagamento de multa, quando descaracterizada litigância de má-fé” (EDcl no AgRg no RE 470.135/MT, 2.ª T., rel. Min. Cezar Peluso, DJe 29.06.2007). Dessa pacífica orientação não se apartou o acórdão recorrido, razão pela qual, nego provimento ao recurso’. Sustenta a embargante, in verbis, que: ‘O recurso extraordinário interposto pela União às f. impugnou tão somente a questão da inadequação da via eleita pelo Ministério Público Federal, considerando-se a inexistência de um caso concreto a ser discutido nos autos. Alegou-se, no apelo extremo, a intenção do Parquet de se utilizar do instrumento da ação civil pública para realizar controle de constitucionalidade em abstrato ou reconhecer a não recepção da norma que regula a execução extrajudicial no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, o que se admite tão somente pela via da ação direta de inconstitucionalidade. (…) O recurso extraordinário interposto, todavia, foi desprovido por meio da decisão de f. Tal decisão fundamentou-se exclusivamente na questão da legitimidade ativa do Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública em defesa de interesses individuais homogêneos. A decisão monocrática, portanto, divergiu das razões recursais apresentadas pela União para impugnar o acórdão recorrido. Por esse motivo, a União respeitosamente requer o conhecimento e o subsequente provimento dos presentes embargos de declaração, para o fim de que seja suprida a omissão apontada’ (f.). Decido. Página 4

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Tem razão a embargante quanto à omissão apontada. De fato, no recurso extraordinário, a União sustenta violação do ‘art. 102, I, a e § 1.º, da CF ( LGL 1988\3 ) , por não ser a presente ação civil pública ajuizada via adequada para o questionamento em abstrato da constitucionalidade de norma, mesmo que seja de direito pré- -constitucional’ (f.). Aduz que ‘a ação civil pública não se prestaria à declaração de inconstitucionalidade do instituto da execução extrajudicial/revogação, por não versar sobre qualquer caso concreto, não se dando essa análise incidenter tantum, na presente ação’ (f.). Afirma, também, que ‘sob pena de se usurpar a competência constitucional do STF, de julgamento abstrato de constitucionalidade/recepção de normas, impende que seja restaurado o venerando acórdão proferido pelo TRF-3.ª Reg., e reformado pela 4.ª T. do STJ, sob o entendimento de ser a ação civil pública via inadequada para discussão de constitucionalidade de direito pré-constitucional, quando objeto do pedido principal a não aplicação da lei, não estando sob discussão qualquer caso concreto’ (f.). Contudo, o certo é que, mesmo que suprida a omissão suscitada, o recurso extraordinário não merece prosperar. E isso, porque no caso dos presentes autos, a ação civil pública não foi proposta pelo Ministério Público com o objetivo de obter a declaração de inconstitucionalidade do Dec.-lei 70/1966, mas, sim, de que o mesmo não foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988. Com efeito, a pretensão de que o referido decreto não foi recepcionado pela Carta Magna ( LGL 1988\3 ) de 1988 configura, tão somente, a causa de pedir da ação civil ação civil pública em questão, sem representar, todavia, o seu pedido principal. Dessa forma, é certo que o acórdão recorrido está em conformidade com a jurisprudência desta Corte, que firmou entendimento no sentido de reconhecer o cabimento da ação civil pública como instrumento legítimo de fiscalização incidental de constitucionalidade. Nesse sentido, destaco o acórdão do RE 511.961/SP, Pleno, rel. Min. Gilmar Mendes, assim ementado na parte que interessa: ‘(…) 3. Cabimento da ação civil pública. A não recepção do Dec.-lei 972/1969 pela Constituição de 1988 constitui a causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que está plenamente de acordo com a jurisprudência desta Corte. A controvérsia constitucional, portanto, constitui apenas questão prejudicial indispensável à solução do litígio, e não seu pedido único e principal. Admissibilidade da utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade. Precedentes do STF.’ Dadas as preciosas lições que encerra para o deslinde da controvérsia instaurada nestes autos, transcrevo trecho da fundamentação do voto proferido pelo relator do referido julgado, que bem aborda a questão: ‘(…) A ação civil pública não se confunde, pela própria forma e natureza, com processos cognominados de “processos subjetivos”. A parte ativa, nesse processo, não atua na defesa de interesse próprio, mas procura defender interesse público devidamente caracterizado. Afigura-se difícil, se não impossível, sustentar que a decisão que, eventualmente, afaste a incidência de uma lei considerada inconstitucional, em ação civil pública, tenha efeito limitado às partes processualmente legitimadas. A ação civil pública aproxima-se muito de processo sem partes ou de processo objetivo, no qual a parte autora atua não na defesa de situações subjetivas, agindo, fundamentalmente, com o escopo de garantir a tutela do interesse público. Não foi por outra razão que o legislador, ao disciplinar a eficácia da decisão proferida na ação civil, viu-se compelido a estabelecer que “a sentença civil fará coisa julgada erga omnes”. Isso significa que, se utilizada com o propósito de proceder ao controle de constitucionalidade, a decisão que, em ação civil pública, afastar a incidência de dada norma por eventual incompatibilidade com a ordem constitucional acabará por ter eficácia semelhante à das Página 5

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ações diretas de inconstitucionalidade, isto é, eficácia geral e irrestrita. Assim, já o entendimento do STF no sentido de que essa espécie de controle genérico da constitucionalidade das leis constituiria atividade política de determinadas Cortes realça a impossibilidade de utilização da ação civil pública com esse objetivo. Ainda que se pudesse acrescentar algum outro desiderato adicional a uma ação civil pública destinada a afastar a incidência de dada norma infraconstitucional, é certo que o seu objetivo precípuo haveria de ser a impugnação direta e frontal da legitimidade de ato normativo. Não se trataria de discussão sobre aplicação de lei a caso concreto, porque de caso concreto não se cuida. Pelo contrário, a própria parte autora ou requerente legitima-se não em razão da necessidade de proteção de interesse específico, mas exatamente de interesse genérico amplíssimo, de interesse público. Ter-se-ia, pois, uma decisão (direta) sobre a legitimidade da norma. É certo que, ainda que se desenvolvam esforços no sentido de formular pretensão diversa, toda vez que, na ação civil pública, ficar evidente que a medida ou providência que se pretende questionar é a própria lei ou ato normativo, restará inequívoco que se trata mesmo é de impugnação direta de lei. Nessas condi- ções, para que não se chegue a um resultado que subverta todo o sistema de controle de constitucionalidade adotado no Brasil, tem-se de admitir a completa inidoneidade da ação civil pública como instrumento de controle de constitucionalidade, seja porque ela acabaria por instaurar um controle direto e abstrato no plano da jurisdição de 1.º grau, seja porque a decisão haveria de ter, necessariamente, eficácia transcendente das partes formais. Nesse sentido, afigura-se digno de referência acórdão no qual o STF acolheu reclamação que lhe foi submetida pelo Procurador-Geral da República, determinando o arquivamento de ações ajuizadas nas 2.ª e 3.ª Varas da Fazenda Pública da Comarca de São Paulo, por entender caracterizada a usurpação de competência da Corte, uma vez que a pretensão nelas veiculada não visava ao julgamento de uma relação jurídica concreta, mas ao da validade de lei em tese. Essa orientação da Suprema Corte reforçava, aparentemente, a ideia desenvolvida de que eventual esforço dissimulatório por parte do requerente da ação civil pública ficaria ainda mais evidente, porquanto, diversamente da situação aludida no precedente referido, o autor requer tutela genérica do interesse público, devendo, por isso, a decisão proferida ter eficácia erga omnes. Assim, eventual pronúncia de inconstitucionalidade da lei levada a efeito pelo juízo monocrático teria força idêntica à da decisão proferida pelo STF no controle direto de inconstitucionalidade. Todavia, o STF julgou improcedente a Rcl 602-6/SP, de que foi relator o Min. Ilmar Galvão, em data de 03.09.1997, cujo acórdão está assim ementado: “Reclamação. Decisão que, em ação civil pública, condenou instituição bancária a complementar os rendimentos de caderneta de poupança de seus correntistas, com base em índice até então vigente, após afastar a aplicação da norma que o havia reduzido, por considerá-la incompatível com a Constituição. Alegada usurpação da competência do STF, prevista no art. 102, I, a, da CF ( LGL 1988\3 ) . Improcedência da alegação, tendo em vista tratar-se de ação ajuizada, entre partes contratantes, na persecução de bem jurídico concreto, individual e perfeitamente definido, de ordem patrimonial, objetivo que jamais poderia ser alcançado pelo reclamado em sede de controle in abstracto de ato normativo. Quadro em que não sobra espaço para falar em invasão, pela corte reclamada, da jurisdição concentrada privativa do STF. Improcedência da reclamação”. No mesmo dia (03.09.1997) e no mesmo sentido, o julgamento da Rcl 600-0/ SP, relatada pelo Min. Néri da Silveira. Essa orientação do STF permite, aparentemente, distinguir a ação civil pública que tenha por objeto, propriamente, a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo de outra na qual a questão constitucional configura simples prejudicial da postulação principal. É o que foi afirmado na Rcl 2.224, da relatoria de Sepúlveda Pertence, na qual se enfatizou que “ação civil pública em que a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes não é posta como causa de pedir, mas, sim, como o próprio objeto do pedido, configurando hipótese reservada à ação direta de inconstitucionalidade”. Não se pode negar que a abrangência que se empresta - e que se há de emprestar - à decisão proferida em ação civil pública permite que, com uma simples decisão de caráter prejudicial, se retire qualquer efeito útil da lei, o que acaba por constituir, indiretamente, uma absorção de funções que a Constituição quis deferir ao STF. Colocado novamente diante desse tema no julgamento da Rcl 2.460/RJ, o tribunal arrostou a questão da existência, ou não, de usurpação de sua competência constitucional (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 102, I, a), em virtude da pendência do julgamento da ADIn 2.950/RJ e do deferimento de Página 6

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liminares em diversas ações civis públicas ajuizadas perante juízes federais e estaduais das instâncias ordinárias, sob o fundamento de inconstitucionalidade da mesma norma impugnada em sede direta. Entendeu-se que, ainda que se preservassem os atos acautelatórios adotados pela justiça local, seria recomendável determinar a suspensão de todas as ações civis até a decisão definitiva em sede da ação direta. Ressaltou-se, no ponto, que a suspensão das ações decorria não da sustentada usurpação da competência, mas, sim, do objetivo de coibir eventual trânsito em julgado nas referidas ações, com o consequente esvaziamento da decisão a ser proferida nos autos da ação direta. Essa decisão revela a necessidade de abertura de um diálogo ou de uma interlocução entre os modelos difuso e abstrato, especialmente nos casos em que a decisão no modelo difuso, como é o caso da decisão de controle de constitucionalidade em ação civil pública, acaba por ser dotada de eficácia ampla ou geral. As especificidades desse modelo de controle, o seu caráter excepcional, o restrito deferimento dessa prerrogativa no que se refere à aferição de constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal em face da Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) apenas ao Supremo, a legitimação restrita para provocação do Supremo - somente os órgãos e entes referidos no art. 103 da CF ( LGL 1988\3 ) estão autorizados a instaurar o processo de controle -, a dimensão política inegável dessa modalidade, enfim, tudo leva a não se admitir o controle de legitimidade de lei ou ato normativo federal ou estadual em face da Constituição, no âmbito da ação civil pública. No quadro normativo atual, poder-se-ia cogitar, nos casos de controle de constitucionalidade em ação civil pública, de suspensão do processo e remessa da questão constitucional ao STF, via arguição de descumprimento de preceito fundamental, mediante provocação do juiz ou tribunal competente para a causa. Simples alteração da Lei 9.882/1999 e da Lei 7.347/1985 poderia permitir a mudança proposta, elidindo a possibilidade de decisões conflitantes, no âmbito das instâncias ordinárias e do STF, com sérios prejuízos para a coerência do sistema e para a segurança jurídica. No caso, está claro que a não recepção do Dec.-lei 972/1969 pela Constituição de 1988 constitui apenas a causa de pedir da ação civil pública e não o seu pedido principal, o que está plenamente de acordo com a jurisprudência desta Corte, já pacificada, como apresentado acima, no sentido de que é legítima a utilização da ação civil pública como instrumento de fiscalização incidental de constitucionalidade, desde que a controvérsia constitucional não seja posta como pedido único e principal da ação, mas, antes, constitua apenas questão prejudicial indispensável à solução do litígio (Rcl 1.733/SP, rel. Min. Celso de Mello, DJ 01.12.2000; Rcl 554/MG, rel. Min. Maurício Corrêa; Rcl 61l/PE, rel. Min. Sydney Sanches; RE 424.993/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 19.10.2007). Nesse mesmo sentido, anote-se: “Constitucional. Recurso extraordinário. Ofensa à constituição. Ministério público. Ação civil pública. Legitimidade. I. - Somente a ofensa direta à Constituição autoriza a admissão do recurso extraordinário. No caso, o acórdão limita-se a interpretar normas infraconstitucionais. II. - Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando- -a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. III. - O Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública, fundamentada em inconstitucionalidade de lei, na qual opera-se apenas o controle difuso ou incidenter tantum de constitucionalidade. Precedente. IV. - Agravo não provido” (AgRg no AgIn 504.856/DF, 2.ª T., rel. Min. Carlos Velloso, DJ 08.10.2004). Ante o exposto, acolho os embargos de declaração para, tão somente, suprir a omissão apontada sem, contudo, modificar a parte dispositivo da decisão embargada. Publique-se”. Aduz a agravante, in verbis, que: “A decisão ora agravada afirmou que ‘no caso dos presentes autos, a ação civil pública não foi proposta pelo Ministério Público com o objetivo de obter a declaração de inconstitucionalidade do Dec.-lei 70/1966, mas sim, de que o mesmo não fosse recepcionado pela Constituição Federal de 1998‘ (f. - sem destaques no original). Reconheceu-se, desse modo, que se constitucionalidade, de natureza objetiva.

trata

de

processo

de

controle

concentrado

de

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A declaração judicial de que determinada norma pré-constitucional não fora recepcionada pela Constituição de 1988 configura, ao fim e ao cabo, objeto de Ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) (…)” (f.). É o relatório. VOTO - O Exmo. Sr. Min. Dias Toffoli (relator): O inconformismo não merece prosperar. Colhe-se da petição inicial da ação civil pública proposta pelo Ministério Público na origem: “No mérito, pede o autor que V. Exa. determine aos réus: a) o cumprimento de obrigação de não fazer, a fim de que se abstenham de executar extra judicialmente a retomada dos imóveis com amparo nos arts. 31 e 32 do Dec.-lei 70/1966, com a alteração do art. l.º, primeira parte, da Lei 5.741/1971, e arts. 19 e 21 da Lei 8.004/1990; b) o cumprimento de obrigação de fazer, de modo a que passem a observar o devido processo legal na eventualidade de retomada dos imóveis cujas prestações estejam atrasadas” (f.). Desse modo, extrai-se dos autos que a pretensão ministerial não era a declaração em si da não recepção do Dec.-lei 70/1966 pela CF/1988 ( LGL 1988\3 ) , mas tão somente a causa de pedir da ação, que foi proposta com o intuito de evitar a execução extrajudicial dos contratos do Sistema Financeiro de Habitação celebrados sob a égide do referido diploma normativo, sendo esse, portanto, o objeto e o pedido da ação civil pública. Correta, destarte, a decisão monocrática que, consoante a jurisprudência desta Corte, afirmou que a ação civil pública é meio adequado para que se declare, na via incidental, a incompatibilidade do direito pré-constitucional com a Constituição vigente, quando referida declaração configurar tão somente a causa de pedir da ação, como se dá no caso dos autos. Nesse sentido, os seguintes julgados: “Agravo regimental em recurso extraordinário. Ação civil pública. Pedido incidental de inconstitucionalidade. Possibilidade. Acórdão recorrido calçado em premissa afastada pela jurisprudência do STF. Matéria devidamente prequestionada. 1. A adoção explícita, pela instância judicante de origem, de tese afastada pela jurisprudência do STF evidencia o debate da matéria constitucional deduzida no extraordinário. 2. É pacífico nesta Casa de Justiça a possibilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade como pedido incidental em ação civil pública. Precedentes: AgRg no AgIn 557.291, da minha relatoria; e AgRg em RE 645.508, da relatoria da Min. Cármen Lúcia. 3. Agravo regimental desprovido” (AgRg em RE 372.571/GO, 2.ª T., rel. Min. Ayres Britto, DJe 26.04.2012). “Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum na ação civil pública: possibilidade. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (AgRg no RE 645.508/ SP, 1.ª T., rel. Min. Cármen Lúcia, DJe 13.12.2011). “Recurso extraordinário. Ação civil pública. Controle de constitucionalidade. Ocupação de logradouros públicos no Distrito Federal. Pedido de inconstitucionalidade incidenter tantum da Lei 754/1994 do Distrito Federal. Questão de ordem. Recurso do Distrito Federal desprovido. Recurso do Ministério Público do Distrito Federal prejudicado. Ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal com pedidos múltiplos, dentre eles, o pedido de declaração de inconstitucionalidade incidenter tantum da Lei distrital 754/1994, que disciplina a ocupação de logradouros públicos no Distrito Federal. Resolvida questão de ordem suscitada pelo relator no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade da Lei 754/1994 pelo TJDF não torna prejudicado, por perda de objeto, o recurso extraordinário. A jurisprudência do STF tem reconhecido que se pode pleitear a inconstitucionalidade de determinado ato normativo na ação civil pública, desde que incidenter tantum. Veda-se, no entanto, o uso da ação civil pública para alcançar a declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes. No caso, o pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei 754/1994 é meramente incidental, constituindo-se verdadeira causa de pedir. Negado provimento ao recurso extraordinário do Distrito Federal e julgado prejudicado o recurso extraordinário ajuizado pelo Ministério Público do Distrito Federal” (RE 424.993/DF, Pleno, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 19.10.2007). Página 8

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Ressalte-se, por fim, que a ação de descumprimento de preceito fundamental é meio processual típico do controle concentrado, apto a retirar a norma pré- -constitucional impugnada do ordenamento jurídico, com eficácia erga omnes e efeito vinculante. Nego provimento ao agravo regimental. EXTRATO DE ATA - 1.ª T.; AgRg nos EDcl no RE 633.195; procedência: São Paulo; relator: Min. Dias Toffoli; agravante: União - advogado: Advogado-Geral da União; agravado: Ministério Público Federal - procurador: Procurador-Geral da República, Caixa Econômica Federal - advogado: Antonio José Camilo do Nascimento. Banco Comercial e de Investimento Sudameris S.A. - advogado: Osmar Mendes Paixão Côrtes, Banco Bandeirantes S.A e outros - advogado: Eduardo Arruda Alvim e outros e Banco Antônio de Queiroz S.A - advogado: Realsi Roberto Citadella. Decisão: “A Turma negou provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do relator. Unânime. Não participaram, justificadamente, deste julgamento, os Srs. Ministros Marco Aurélio e Luiz Fux. Presidência do Sr. Min. Dias Toffoli. 1.ª T., 12.06.2012”. Presidência do Sr. Min. Dias Toffoli. Presentes à Sessão os Srs. Ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Luiz Fux e Rosa Weber. Subprocurador-Geral da República, Dr. Edson Oliveira de Almeida. Carmen Lilian Oliveira de Souza, secretária da 1.ª T. B) COMENTÁRIO 1. BREVE SÍNTESE DA DECISÃO E EXPOSIÇÃO DAS QUESTÕES JURÍDICAS A SEREM COMENTADAS O recurso extraordinário em que se interpôs este agravo regimental1 deu-se em face de acórdão da 4.ª T. do STJ, que decidiu que o Ministério Público tem legitimidade ativa para, por meio de Ação Civil Pública (ACP), defender em juízo direito individual homogêneo de mutuário do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), em razão do relevante interesse social da matéria. Por meio do recurso extraordinário, a União, derrotada no STJ, insurgiu- -se, primeiro, contra o reconhecimento da legitimidade ativa do MP para o ajuizamento da ACP, e segundo, contra a adequação da ACP para o controle abstrato de constitucionalidade e o controle da compatibilidade do direito pré-constitucional com a Constituição Federal de 1988, sustentando tratar- -se esta de competência exclusiva do STF, nos termos do art. 102, I, a, da Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) . No mérito do recurso extraordinário em tela, a 1.ª T. do STF decidiu, não destoando da decisão do STJ, que o MP detém legitimidade ativa para propor esse tipo de ação (ACPs), inclusive no tipo de contexto de relevante valor social, como no caso. Na decisão, citando também diversos precedentes do STF nesse sentido, a 1.ª T. negou provimento ao recurso extraordinário. Essa decisão denegatória, porém, deixou de analisar a questão da adequação da ACP como meio de controle direto e abstrato de constitucionalidade, suscitada pela União em seu recurso. Essa omissão deu ensejo à oposição de embargos de declaração pela União, apontando essa omissão e pleiteando o provimento do recurso extraordinário com base nessa questão, que deixou de ser analisada no julgamento. Na decisão dos embargos de declaração, entendeu-se que, de fato, o acórdão era omisso quanto ao ponto. Todavia, a 1.ª T. do STF considerou que, no mérito dessa questão, não assiste razão à União, porque o problema da recepção, ou não, da norma pré-constitucional discutida no caso (o Dec.-lei 70/1966) pela ordem constitucional de 1988, figura na causa de pedir da ACP, e não sendo o seu pedido. Assim, a questão constitucional é questão incidental, não é a principal, daí que a ACP não poderia meramente equiparada à ação direta de inconstitucionalidade. Outrossim, conforme diversos julgados colacionados, é plenamente admissível que a questão constitucional seja julgada em sede incidental na ACP, sem que tal controle se confunda com o controle direto e abstrato, consoante explanaremos ao longo do comentário. Portanto, não há a inadequação sustentada pela União, porque a ACP não visa ao controle direto, mas, sim, ao Página 9

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incidental. Os embargos de declaração, embora conhecidos, não prosperaram em favor da tese da União. Inconformada, a União interpôs, finalmente, o agravo regimental em análise, sustentando que, no caso, a ACP não foi proposta pelo MP visando obter a declaração incidental da inconstitucionalidade do Dec.-lei 70/1966, mas objetivando, sim, a não recepção desse decreto-lei pela Constituição Federal de 1988. Com isso, alega a União, transforma-se o controle incidental, feito em ACP, em controle direto, de natureza objetiva, porque a declaração judicial de que determinada norma pré-constitucional não foi recepcionada configura objeto da ação de descumprimento de preceito fundamental, instrumento do controle direto de constitucionalidade. Na decisão do agravo regimental em tela, foi negado provimento, porque a declaração de não recepção do Dec.-lei 70/1966 não consiste no objeto principal da ACP, mas configura uma de suas causas de pedir. O objetivo do MP, por meio da ACP, não foi obter tal declaração, mas evitar a execução extrajudicial dos contratos do Sistema Financeiro da Habitação celebrados sob a égide do Dec.-lei 70/1966, fundando tal pedido na não recepção de tal decreto-lei pela Constituição Federal de 1988. Esta é a causa de pedido da ACP; o pedido na ação é outro: o cumprimento da obrigação de não fazer, consistente em não executar extrajudicialmente os contratos do SFH firmados sob a égide do Dec.-lei 70/1966. A decisão do agravo regimental, ora comentado, cita precedentes nesse sentido e ressalta, por fim, que a ação de descumprimento de preceito fundamental é instrumento típico do controle concentrado (rectius: controle direto), apto a retirar a norma pré-constitucional impugnada do ordenamento jurídico (rectius novamente: declaração da não recepção), com eficácia erga omnes e efeito vinculante. Nesse contexto, nosso comentário cingir-se-á à análise de dois pontos fundamentais: (a) a questão da não recepção de leis anteriores à Constituição vs. declaração de inconstitucionalidade superveniente; e (b) exame da possibilidade de se realizar controle difuso e a declaração de não recepção de leis inconstitucionais. 2. A QUESTÃO DA NÃO RECEPÇÃO DAS LEIS ANTERIORES À CONSTITUIÇÃO FEDERAL Em regra, a jurisprudência do STF considera que as leis anteriores à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) não podem ser objeto de controle abstrato de constitucionalidade, porquanto, o correto seria considerar essas leis não recepcionadas pelo vigente diploma constitucional.2 2.1 A questão da inconstitucionalidade superveniente Em nossa ordem jurídica, não há a figura do controle de constitucionalidade superveniente, tal qual consta na Constituição portuguesa na alínea 2 do art. 282.3 Nesse contexto, a doutrina constitucional portuguesa distingue a inconstitucionalidade originária da superveniente. A supramencionada distinção refere-se ao momento de produção do texto constitucional. Por consequência, caso surja lei posterior ao texto constitucional vigente, ficará configurada a inconstitucionalidade originária, vale dizer, desde seu nascedouro (origem) a lei já seria inconstitucional. Por outro lado, se é produzido um novo texto constitucional, que torna desconforme a lei preexistente, caracteriza-se a inconstitucionalidade superveniente.4 Na definição de Canotilho, a inconstitucionalidade superveniente materializa-se no instante em que surge uma nova Constituição ou uma lei de revisão constitucional que estabeleça disciplina normativa em regras ou princípios contrários às leis anteriores.5 2.2 O fenômeno da não recepção das leis inconstitucionais Por inexistir dispositivo constitucional autorizando controle de constitucionalidade de lei anterior à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) , o mecanismo a ser utilizado para revogar essas leis é a declaração de não recepção dessas normas com a Constituição vigente por meio do controle difuso ou mediante a utilização da APDF na via concentrada. Na realidade, quando se põe a questão da revogação vs. declaração de inconstitucionalidade de lei anterior à Constituição, a coerência dessa diferenciação é a de que não se pode exigir o mesmo rigor Página 10

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procedimental para se examinar a conformidade constitucional de uma lei anterior ao regime constitucional em relação àquela promulgada sob a égide do vigente sistema constitucional e que, em tese, teria se submetido aos procedimentos do novo processo legislativo instituído pelo texto constitucional. Importante salientar que o menor rigor refere-se ao aspecto procedimento e não qualitativo acerca da constitucionalidade. Esse rigorismo diminuído diz refere-se, por exemplo, à desnecessidade de os tribunais submeterem-se à reserva de plenário (art. 97 da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) ) para declarar a não recepção de uma lei ou então, à impossibilidade de se examinar a inconstitucionalidade por vício do processo legislativo de lei anterior à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) vigente, e.g., o Código Tributário Nacional ( LGL 1966\26 ) . Ou seja, não faz sentido submeter ao mesmo rigorismo procedimental a aferição da constitucionalidade de uma lei produzida anteriormente à Constituição vigente em relação àquele elaborada sob a égide da Constituição em vigor. A distinção entre não recepção e declaração de inconstitucionalidade não é meramente teórica, ela possui reflexos prático-procedimentais no que diz respeito à necessidade de aplicação da reserva de plenário (art. 97 da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) ) para a desaplicação da lei inconstitucional por parte de nossos tribunais. Portanto, dispensa a regra do full bench, o afastamento de lei inconstitucional produzida antes da Constituição vigente.6 Em verdade, apesar das diferenças procedimentais, tanto a revogação de lei anterior à Constituição, quanto a declaração de inconstitucionalidade, têm por vício a própria inconstitucionalidade. Acerca da questão, Canotilho ensina que no fenômeno da não recepção, há uma contrariedade de nível hierárquico-normativo (lei anterior contrária à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) ) e um problema temporal de revogação (leis que se sucedem no tempo). Daí que nenhum tribunal pode aplicar lei anterior à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) que seja inconstitucional. Todavia, ela somente considera-se revogada por ser considerada contrária à Constituição.7 No mesmo sentido, Lucio Bittencourt afirma que: “uma lei incompatível com a Constituição é, sempre, na técnica jurídica pura, uma lei inconstitucional, pouco importando que tenha precedido o Estatuto Político ou lhe seja posterior. A revogação é consequência da inconstitucionalidade”.8 Ademais, justamente pelo vício ter a mesma origem, qual seja, a inconstitucionalidade, é que se admite recurso extraordinário com fundamento no art. 102, III, b contra decisão que declarar a inconstitucionalidade de lei ou tratado, ainda que anteriores à Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) .9 2.3 O controle concentrado de constitucionalidade de leis anteriores à Constituição. A utilização da arguição de descumprimento de preceito fundamental Atualmente, o art. 1.º, parágrafo único, I, da Lei 9.882/1999 estabeleceu a possibilidade de se fazer o controle de constitucionalidade (recepção) de leis anteriores à Constituição por meio da ação de descumprimento de preceito fundamental.10 O fato de ser autorizada a utilização da arguição para controlar a constitucionalidade de leis anteriores ao regime constitucional vigente, não contraria necessariamente a jurisprudência do STF. Na realidade, essa previsão, para uso da ação de descumprimento de preceito fundamental, tem por escopo preservar segurança jurídica quando houver divergência acerca da recepção ou não sobre determinadas leis. A ação de descumprimento de preceito fundamental, não obstante possuir o mesmo procedimento que a ADIn, a ela não se equipara porque ela possui natureza mista de processo objetivo e subjetivo, enquanto a ação direta é de natureza exclusivamente objetiva. Isso ocorre porque a ação de descumprimento de preceito fundamental tem duas funções: a de proteger interesse geral, e a de assegurar proteção de direitos subjetivos. Disso ocorre a inconstitucionalidade do veto presidencial que impediu o cidadão de manejar a ação de descumprimento de preceito fundamental, em desconformidade com o instituto de direito comparado que a influenciou.11-12 A proteção dos direitos subjetivos em ação de descumprimento de preceito fundamental é tão evidente que os principais precedentes do STF versaram justamente sobre essas questões, e.g., liberdade de expressão na ação de descumprimento de preceito fundamental da Lei de Imprensa Página 11

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(ADPF 130) e a questão da anencefalia, na ADPF 54. Assim, a utilização da ação de descumprimento de preceito fundamental não desnatura a questão da recepção, isso porque o STF quando faz o controle de constitucionalidade de leis anteriores à Constituição, em seu dispositivo, determina a não recepção dessas normas, e não pura e simplesmente sua inconstitucionalidade, tal qual faria em sede de ação direta.13 O que de fato ocorre é que a ação de descumprimento de preceito fundamental caracteriza- -se como meio hábil a dirimir controvérsia jurisprudencial acerca da recepção de determinadas leis em nosso ordenamento. 3. A POSSIBILIDADE DE SE REALIZAR CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DIFUSO EM AÇÃO COLETIVA. A INCONSTITUCIONALIDADE OU A NÃO RECEPÇÃO DA LEI INCONSTITUCIONAL COMO CAUSA DE PEDIR Após examinarmos o vício de inconstitucionalidade, que conduz à não recepção da lei inconstitucional, passamos a deslindar a verdadeira questão jurídica posta na lide, referente à possibilidade de se realizar o controle difuso de constitucionalidade em ações coletivas. Referido tema já foi objeto de nossa análise,14 porque consideramos fundamental sistematizar a matéria, a fim de explicitar em que medida é possível conciliar o efeito erga omnes da ação civil pública com a possibilidade se efetuar o controle difuso de constitucionalidade no bojo do processo coletivo. Sobre o tema, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery admitem o controle de constitucionalidade em ação coletiva, na medida em que “o objeto da ACP é a defesa de um dos direitos tutelados pela CF ( LGL 1988\3 ) , pelo CDC ( LGL 1990\40 ) e pela LACP. A ACP pode ter como fundamento a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. O objeto da ADIn é a declaração, em abstrato, da inconstitucionalidade da lei”.15 Nessa perspectiva, uma eventual inconstitucionalidade na exigência de um tributo, por exemplo, poderia ser discutida e reconhecida em ação civil pública, “objetivando a condenação do Poder Público em obrigação de não fazer (abster-se de cobrar impostos) tendo como fundamento (causa de pedir) a inconstitucionalidade ou ilegalidade do imposto. Na ACP, o pedido é obrigação de não fazer; e a causa de pedir, a inconstitucionalidade do imposto. Não se confunde com a ADIn, em que a declaração da inconstitucionalidade não é o fundamento da demanda, mas o próprio pedido”.16 3.1 A inexistência de usurpação de competência do STF pelo controle difuso de constitucionalidade em ações coletivas Nesse sentido, já se manifestou o STF na Rcl 600/SP, cujo relator foi o Min. Néri da Silveira.17 Entretanto, esse entendimento não é pacífico no próprio Supremo, tanto é que o Min. Gilmar Ferreira Mendes, na Rcl 2.224/SP, ponderou que existem casos em que a usurpação da competência do STF ocorreria, ainda que fosse como fundamento do pedido.18 O argumento principal, utilizado por Gilmar Ferreira Mendes, consiste na assertiva de a admissibilidade do controle de constitucionalidade, em ação civil pública, outorga poderes maiores à jurisdição ordinária que ao próprio Supremo, que precisa da ratificação do Senado para proporcionar efeito erga omnes à declaração que teria eficácia inter partes nos termos do art. 52, X, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) .19 Acontece que a eficácia erga omnes decorre da pretensão difusa tutelada na ação civil pública, e essa eficácia atinge o dispositivo da sentença, o provimento com eficácia condenatória ou mandamental que atinge o sujeito passivo da ação civil pública.20 Sendo assim, “o STF, tal como a jurisdição ordinária ao julgar ação coletiva que tutela interesses difusos, terá seu provimento acobertado pela eficácia erga omnes; ocorre que, por se tratar de controle difuso de constitucionalidade, a eficácia erga omnes atinge a eficácia condenatória ou mandamental da sentença, não atinge a fundamentação na qual foi considerada inconstitucional determinada lei; assim, não estão os demais tribunais nem os particulares vinculados a, obrigatoriamente, considerar inconstitucional a referida lei, tal como demonstraremos abaixo”.21 A resolução do Senado, nos termos do art. 52, X, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) : “tem o poder de atribuir eficácia erga omnes à fundamentação da sentença do STF, ou seja, ao suspender a Página 12

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aplicação da lei, faz com que o fundamento da decisão do Supremo na qual foi afastada determinada lei em razão de sua inconstitucionalidade adquira eficácia erga omnes, vinculando os tribunais a essa decisão, na medida em que ficarão impedidos de aplicar uma lei suspensa pela resolução do Senado. Ocorre que a suspensão nos termos da CF ( LGL 1988\3 ) , art. 52, X, poderá apenas operar com efeito ex nunc, e, também, não pode possuir nenhum efeito repristinatório presente nas decisões de acolhimento da ADIn”.22 3.2 Da necessária análise cuidadosa do efeito erga omnes. As razões pelas quais no controle difuso de constitucionalidade em ação coletiva a lei não é retirada da ordem jurídica O caso concreto amolda-se às premissas supracitadas, o pedido na ação civil pública era o cumprimento da obrigação de não fazer, consistente em não executar extrajudicialmente os contratos do SFH firmados sob a égide do Dec.-lei 70/1966, sob fundamento de que referido decreto seria inconstitucional, mais precisamente, não teria sido recepcionado pela Constituição vigente. Dessa forma, uma vez deferida a ação civil pública contida no acórdão ora comentado, a decisão proveniente da ACP terá eficácia erga omnes, tal como dispõe o art. 103 do CDC ( LGL 1990\40 ) . Frise-se, esse efeito erga omnes não se dá porque foi proferido acórdão pelo STF, mas tal efeito deve acompanhar a decisão desde o 1.º grau, caso julgada procedente. Nesse contexto, deve-se observar que o efeito erga omnes, seja proveniente do processo comum ou do controle abstrato de constitucionalidade, tem a aptidão de provocar efeito vinculante em razão do interesse difuso que tutela. No processo comum, ele vincula o réu da ação coletiva em caso de condenação; no processo abstrato, o efeito erga omnes existe porque a pretensão difusa a ser tutelada diz respeito a toda a sociedade.23 Os provimentos do STF, “advindos do controle abstrato, atingem toda a coletividade, vinculando-se à Administração Pública, cujo exercício interpretativo é limitado, além disso, permitem ao particular suscitar esse provimento em seu processo concreto, a fim de solucionar sua lide de maneira semelhante ao STF. Contudo, esse efeito erga omnes, se não estiver acompanhado do efeito vinculante da CF ( LGL 1988\3 ) , 102, § 2.º, não atinge o direito material e também não impede que o particular pleiteie e o juiz decida de maneira desconforme ao que foi decidido pelo Supremo”.24 Problema semelhante enfrentou o Supremo diante da Rcl 4.335-AC,25 cujo relator foi o Min. Gilmar Mendes. Nessa reclamação, alegou-se ofensa à decisão proferida no HC 82.959/SP, em foi que declarada a inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990, que vedava a progressão de regime a condenados pela prática de crimes hediondos. O Min. Gilmar Mendes, relator, julgou procedente a reclamação, para cassar as decisões impugnadas, assentando que caberia ao juízo reclamado proferir nova decisão para avaliar se, no caso concreto, os interessados atendem ou não aos requisitos para gozar do referido benefício, podendo determinar, para esse fim, e desde que de modo fundamentado, a realização de exame criminológico.26 Importante destacar que, nesse caso, a decisão que julgou inconstitucional o § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990 foi realizada em sede difusa, no bojo de um habeas corpus, logo, não é dotada de efeito vinculante, nos termos do art. 102, § 2.º, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) . Não se trata de debatermos sobre a polêmica em torno do art. 52, X, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) , que foi desconsiderado pelos votos de Gilmar Mendes e Eros Grau,27 e, sim, ressaltar que é possível a utilização da reclamação contra as decisões que não admitam a progressão de regime nos crimes hediondos; entretanto, por ser uma decisão que aplicou a interpretação conforme a Constituição, o Supremo, ao examinar essa reclamação, se entender que se trata de caso idêntico no qual deveria incidir sua interpretação, não pode apenas cassar a decisão reclamada e obrigar o tribunal a quo a adotar sua interpretação da lei federal; afinal, esta sua decisão não possui efeito vinculante, ou seja, essa lei não foi retirada do ordenamento, não pode o STF impedir o juiz a quo de interpretá-la e aplicá-la. Pode, sim, no caso que mencionamos, o Supremo, se entender que incide a mesma questão de direito e decidir pela necessidade de incidir sua interpretação (a inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990), pode conceder de ofício o habeas corpus para que o juiz examine os demais requisitos para deferimento da progressão.28 Em outras palavras, enquanto o Supremo não decidir pela inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990 em sede concentrada (abstrata), essa decisão de inconstitucionalidade não possui efeito vinculante, mantém-se válida a disposição legal, podendo sofrer outras interpretações, bem Página 13

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como ser arguida sua inconstitucionalidade diante da particularidade de todo caso concreto. Evidentemente, não estamos afirmando que ela possa ser ignorada pelo Judiciário durante a aplicação da questão jurídica em tela, contudo, ela deve ser vista como starting point da discussão e interpretada de acordo com as especificidades de cada caso concreto. Outrossim, como também, ainda que não possua efeito vinculante nos termos do art. 102, § 2.º, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) , podem as decisões que aplicarem o § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990 serem objeto de reclamação para o STF, isso porque nesses casos, ainda que o STF não conheça da reclamação, poderá conceder a soltura de ofício.29 Ao avaliar essa reclamação, se entender que a decisão reclamada possui a questão idêntica de direito a ser solucionada, o STF poderá conceder de ofício a soltura, mas não poderá impor sua interpretação ao tribunal a quo; sua decisão pode ser substitutiva, mas não cassatória; uma vez que a decisão pela inconstitucionalidade do § 1.º do art. 2.º da Lei 8.072/1990 não tem efeito vinculante e nem foi objeto de súmula vinculante. Fenômeno distinto ocorreria em decisão dotada de efeito vinculante, se o STF em ADIn entendesse que a lei X é inteiramente inconstitucional e pronunciasse sua nulidade, essa decisão seria dotada de efeito vinculante, vincularia os juízes e os particulares, o juiz estaria vedado de aplicar lei retirada do ordenamento jurídico e o particular não mais poderia suscitar essa lei diante de seu caso concreto, essa é a situação paradigmática para se manejar a reclamação. Em outros termos, essa lei sofreria a nadificação e estaria expurgada de nosso sistema. Importante salientar que na atual quadra de desenvolvimento do constitucionalismo, em termos práticos, os efeitos da decisão de inconstitucionalidade, seja no regime abstrato (e.g., Alemanha), seja no difuso (v.g., EUA), possuem eficácia muito próxima.30 Contudo, no sistema exclusivamente difuso, a declaração de inconstitucionalidade repercute em virtude do sistema de precedentes. Contra essa decisão, não há o efeito da nadificação, ou seja, a lei entra em estado de dormência e a qualquer momento pode voltar a ser aplicada se houver overruling jurisdicional.31 Isso ocorre porque, no common law, somente uma lei pode retirar outra lei da ordem jurídica. Nesse sentido, Paul Kauper enfatiza que: “the popular Idea that a court strikes down a statute may be symbolically accurate but is not theoretically correct. According to American theory only a legislature which enacted a statute has the Power to repeal it”.32 No sistema do controle abstrato de constitucionalidade, a decisão que declara inconstitucional um texto normativo tem o condão de vincular os particulares, uma vez que ela retira a lei da ordem jurídica. Referida decisão nadifica a lei, que não pode mais ser invocada nem pelas autoridades públicas e nem pelos particulares. Somente se o Legislativo promulgar nova lei com idêntico teor é que novamente poderá ser tratada a questão legislativa declarada inconstitucional.33 Com efeito, no caso comentado, o objetivo do Parquet, por meio da ACP, não foi obter tal declaração, mas evitar a execução extrajudicial dos contratos do Sistema Financeiro da Habitação celebrados sob a égide do Dec.-lei 70/1966, fundando tal pedido na não recepção de tal decreto-lei pela Constituição Federal de 1988. Esta é a causa de pedir (fundamento) da ACP; o pedido na ação é outro: o cumprimento da obrigação de não fazer, consistente em não executar extrajudicialmente os contratos do SFH firmados sob a égide do Dec.-lei 70/1966. A sentença na ação civil pública, apesar de possuir eficácia erga omnes, nunca poderá deferir a inconstitucionalidade (somente via ADIn) ou a não recepção da lei inconstitucional (somente via ação de descumprimento de preceito fundamental) como pedido da ação coletiva, mas apenas como fundamento, o pedido principal deverá consistir na condenação à obrigação de não fazer - in casu, a proibição de executar os contratos do SFG celebrados com fulcro no Dec.-lei 70/1966. Faz-se necessário pontuar que essa desaplicação (rectius não recepção) da lei em razão de inconstitucionalidade, no bojo da ação civil pública, não atinge o plano do direito material; a lei considerada inconstitucional não é destruída e retirada do ordenamento jurídico (nadificada), tal como aconteceria em sede de ação direta de inconstitucionalidade. Tanto é que a sentença proferida na ação civil pública não impede a reapreciação da mesma questão pelo STF em sede de controle abstrato por meio de ADIn ou ADC, daí não ficar caracterizada a usurpação de competência do STF, ainda que os efeitos práticos sejam muito semelhantes. No caso analisado, em razão de o Dec.-lei Página 14

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70/1966 ser anterior à Constituição vigente, o mecanismo para o STF apreciar sua inconstitucionalidade em sede concentrada é por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental. Esse ponto também diz respeito à extensão do efeito vinculante aos particulares - algo apenas possível no controle abstrato de constitucionalidade. Assim, apesar de o acórdão ora comentado possuir efeitos erga omnes, a apreciação da inconstitucionalidade/recepção do Dec.-lei 70/1966 não está acobertada pela imutabilidade da coisa julgada material. Tal fenômeno somente se concretizará se ele for objeto de ação de descumprimento de preceito fundamental.34 Em outros termos, a não recepção do Dec.-lei 70/1966 poderá ser suscitada e apreciada pelo Judiciário em outros processos, porque não transitada em julgado, não obstante a existência de um precedente do STF que deverá ser visualizado como orientador para aplicação da questão jurídica nos próximos casos, desde que preenchidas e atendidas às demais especificidades de cada caso concreto. 4. CONSIDERAÇÃO FINAL: O CONTROLE DIFUSO DE CONSTITUCIONALIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL E SUA IMPORTÂNCIA PARA O PROCESSO COLETIVO A partir de uma perspectiva constitucional, consideramos salutar a decisão do STF ora comentada, uma vez que ela corrobora a possibilidade de se realizar controle difuso de constitucionalidade em sede de ação coletiva. Em outras oportunidades já reiteramos que o controle difuso de constitucionalidade deve ser examinado com o status de verdadeiro direito fundamental do cidadão.35 Isso se dá porque é a judicial review que permite, no caso concreto, a concretização da principiologia constitucional assegurando efetivamente o devido processo legal e o contraditório, em suma a tutela jurisdicional efetiva e adequada. Nesse sentido, Christopher Wolfe destaca que, por meio da judicial review, o Judiciário não anula simplesmente o ato legislativo, pelo contrário, o Judiciário interpreta e esclarece o teor da legislação, inclusive afastando-a, a fim de não se permitir a violação a direitos fundamentais perante o caso concreto. O controle difuso de constitucionalidade legitima-se até mesmo porque a proteção desses direitos é o principal escopo do Poder Público.36 Vale dizer, o controle difuso de constitucionalidade é instituto de fundamental importância para assegurar a concretização dos direitos fundamentais. Tal relação, no Estado Constitucional é de absoluta relevância tendo em vista que: “os direitos fundamentais são atualmente os elementos fundantes e legitimadores do Estado Democrático de Direito. O Judiciário possui papel fundamental para a defesa dos direitos fundamentais, isso porque, conforme ressalta Coke, é a função do Judiciário garantir a supremacia dos direitos fundamentais perante a ingerência do Poder Público (real ou parlamentar) e também averiguar e controlar a adequabilidade dos atos do Poder Público ao historicismo. Ou seja, o Judiciário teria a função de examinar se atos do Poder Público ainda que formalmente válidos não estão em dissonância em relação aos da tradição histórica de determinada sociedade que, em sua formação, assegurou historicamente e progressivamente direitos fundamentais, cuja grande parte está, atualmente positivada no texto constitucional”.37 O caso sob exame, por exemplo, ilustra adequadamente a afirmação acima, a tutela jurisdicional adequada somente seria possível caso fosse admitido o uso do controle de constitucionalidade em face do Dec.-lei 70/1966 como causa petendi. Com efeito, a proteção da coletividade, mediante decisão coletiva impondo a obrigação de não fazer consistente em não executar extrajudicialmente os contratos do SFH firmados sob a égide do Dec.-lei 70/1966, somente seria viável com a admissão do manejo do controle de constitucionalidade em ação coletiva. O processo coletivo possui grande potencial para assegurar de forma eficiente e isonômica a proteção de direitos fundamentais de maneira coletiva bem como garantir o resguardo de proteção de minorias e dos próprios direitos coletivos e difusos. Em função de sua importância, não haveria a menor razoabilidade em se negar a utilização do controle difuso de constitucionalidade no processo coletivo, seria uma verdadeira amputação de seu potencial impedindo, portanto, em diversas hipóteses a concretização da tutela jurisdicional efetiva e adequado, em afronta ao que estabelece o art. 5.º, XXXV, da CF/1988 ( LGL 1988\3 ) .

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Nessa perspectiva, a decisão ora comentada prestigiou o controle difuso de constitucionalidade em ação coletiva resguardando os direitos de determinada coletividade, o que por consequência, recrudesce o potencial do processo coletivo como instrumento apto a assegurar a proteção e a reparação de direitos de forma difusa e coletiva.

1 STF, AgRg nos EDcl no RE 633.195/SP, 10.ª T., j. 12.06.2012, rel. Min. Dias Toffoli. 2 O acórdão paradigmático dessa questão é a seguinte: “Constituição. Lei anterior que a contrarie. Revogação. Inconstitucionalidade superveniente. Impossibilidade. 1. A lei ou é constitucional ou não é lei. Lei inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional quando fiel à Constituição; inconstitucional na medida em que a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da antiga jurisprudência do STF, mais que cinquentenária. 3. Ação direta de que se não conhece por impossibilidade jurídica do pedido” (STF, ADIn 2, Pleno, j. 06.02.1992, m.v., rel. Min. Paulo Brossard, DJU 21.11.1997, p. 60585). Mais recentemente: “ Controle de constitucionalidade de atos normativos anteriores à CF ( LGL 1988\3 ) . A questão referente ao controle de constitucionalidade de atos normativos anteriores à CF ( LGL 1988\3 ) foi exaustivamente debatida por esta Corte no julgamento da ADIn 2. Naquela oportunidade, o Min. Paulo Brossard, relator, sustentou que: ‘A teoria da inconstitucionalidade supõe, sempre e necessariamente, que a legislação, sobre cuja constitucionalidade se questiona, seja posterior à Constituição. Porque tudo estará em saber se o legislador ordinário agiu dentro de sua esfera de competência ou fora dela, se era competente ou incompetente para editar a lei que tenha editado. Quando se trata de antagonismo existente entre Constituição e lei a ela anterior, a questão é de distinta natureza; obviamente não é de hierarquia de leis; não é, nem pode ser, exatamente porque a lei maior é posterior à lei menor e, por conseguinte, não poderia limitar a competência do Poder Legislativo, que a editou. Num caso, o problema será de direito constitucional, noutro, de direito intertemporal. Se a lei anterior é contrariada pela lei posterior, tratar-se-á de revogação, pouco importando que a lei posterior seja ordinária, complementar ou constitucional. Em síntese, a lei posterior à Constituição, se a contrariar, será inconstitucional; a lei anterior à Constituição, se a contrariar, será por ela revogada, como aconteceria com qualquer lei que a sucedesse. Como ficou dito e vale ser repetido, num caso, o problema é de direito constitucional, noutro, é de direito intertemporal’. O vício da inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em face da Constituição vigente ao tempo de sua elaboração. Lei anterior não pode ser inconstitucional em relação à Constituição superveniente; nem o legislador poderia infringir Constituição futura. A Constituição sobrevinda não torna inconstitucionais leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fato de ser superior, a Constituição não deixa de produzir efeitos revogatórios. Seria ilógico que a lei fundamental, por ser suprema, não revogasse, ao ser promulgada, leis ordinárias. A lei maior valeria menos que a lei ordinária. Nestes termos, ficou assentado que não cabe a ação direta quando a norma atacada for anterior à Constituição, já que, se for com ela incompatível, é tida como revogada, e, caso contrário, como recebida. E o mesmo raciocínio há de ser aplicado em relação às emendas constitucionais, que passam a integrar a ordem jurídica com o mesmo status dos preceitos originários. Vale dizer, todo ato legislativo que contenha disposição incompatível com a ordem instaurada pela emenda à Constituição deve ser considerado revogado. Nesse sentido, a observação do Min. Celso de Mello, ao dispor que: ‘Torna-se necessário enfatizar, no entanto, que a jurisprudência firmada pelo STF tratando-se de fiscalização abstrata de constitucionalidade apenas admite como objeto idôneo de controle concentrado as leis e os atos normativos, que, emanados da União, dos Estados-membros e do Distrito Federal, tenham sido editados sob a égide de texto constitucional ainda vigente’ (STF, Pleno, ADIn 2.971, DJU 18.05.2004). A respeito do tema, esta Página 16

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Corte tem decidido que, nos casos em que o texto da CF ( LGL 1988\3 ) foi substancialmente modificado em decorrência de emenda superveniente, a ADIn fica prejudicada, visto que o controle concentrado de constitucionalidade é feito com base no texto constitucional em vigor e não do que vigorava anteriormente” (STF, Pleno, ADIn 888-9/RJ, j. 06.06.2005, rel. Min. Eros Grau, DJU 10.06.2005, p. 62). Sobre o tema, ver: Elival da Silva Ramos. A inconstitucionalidade das leis: vício e san- ção, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 73. Gilmar Ferreira Mendes. Arguição de descumprimento de preceito fundamental, São Paulo, Saraiva, 2007, p. 68 et seq., coment. 3, LADPF 1.º. Luís Roberto Barroso. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro, 4. ed., São Paulo, Saraiva, 2009, p. 182. Sobre modulação de efeitos de lei pré-constitucional, ver: Gilmar Ferreira Mendes. Estado de Direito e jurisdição constitucional, São Paulo, Saraiva, 2011, p. 124 et seq., parte III, n. 5. 3 Art. 282, alínea 2, da Constituição portuguesa: “Tratando-se, porém, de inconstitucionalidade ou de ilegalidade por infracção de norma constitucional ou legal posterior, a declaração só produz efeitos desde a entrada em vigor desta última”. 4 Cf. Jorge Miranda e Rui Medeiros. Constituição portuguesa anotada, Coimbra, Coimbra Ed., 2007, t. III, coments. art. 277, p. 708; Carlos Blanco de Morais. Justiça constitucional, Coimbra, Coimbra Ed., 2002, t. I, p. 180 et seq., parte II, cap. I. 5 José Joaquim Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da Constituição, 4. ed., Coimbra, Almedina, 2000, p. 984. 6 Ver: Elival da Silva Ramos, op. cit., p. 71. “Constitucional. Tributário. Falência. Multa. Natureza administrativa. Súmula 565/ STF. Art. 9.º do DL 1.893/1981. Afastamento. Reserva de Plenário. Art. 97 da Constituição. Súmula Vinculante 10. Inaplicabilidade. 1. Não se aplica a Súmula Vinculante 10 à decisão prolatada em momento anterior ao de adoção do enunciado. 2. A simples ausência de aplicação de uma dada norma jurídica ao caso sob exame não caracteriza, tão somente por si, violação da orientação firmada pelo STF. Não se exige a reserva estabelecida no art. 97 da Constituição sempre que o Plenário, ou órgão equivalente do Tribunal, já tiver decidido a questão. Também não se exige a submissão da matéria ao colegiado maior se a questão já foi examinada pelo STF. No caso em exame, a jurisprudência da Corte é no sentido de que à multa de natureza administrativa aplica-se a Súmula 565 ( MIX 2010\2288 ) /STF, ainda que na vigência da Constituição de 1988. 3. Esta Corte estabeleceu a distinção entre o juízo de recepção de norma pré-constitucional e o juízo de declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade (ADIn 2, rel. Min. Paulo Brossard). A reserva de Plenário prevista no art. 97 da Constituição não se aplica ao juízo de não recepção de norma pré-constitucional. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (STF, AgRg no RE 278.710/ RS, 2.ª T., j. 20.04.2010, rel. Min. Joaquim Barbosa, DJUE 28.05.2010). 7 José Joaquim Gomes Canotilho, op. cit., p. 1262. 8 Carlos Alberto Lúcio Bittencourt. O controle jurisdicional da constitucionalidade das leis, Rio de Janeiro, Forense, 1968, n. 10, p. 132. 9 Nesse ponto, vale transcrever a lição de Gilmar Mendes: “É fácil ver que o constituinte não concebeu a contrariedade à Constituição, em qualquer de suas formas, inclusive no que concerne à aplicação de leis pré-constitucionais, como simples questão de direito intertemporal, pois, do contrário, despiciendo seria o recurso extraordinário. Da mesma forma, afirmar a validade de lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição não parece traduzir juízo de mera compatibilidade entre direito ordinário e a Constituição, tendo em vista o postulado da Lex posterior.

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Essa conclusão resulta ainda mais evidente da cláusula contida no art. 102, III, b, que admite recurso extraordinário contra decisão que declarar a inconstitucionalidade de tratado ou de lei federal. Significa dizer que qualquer juízo sobre a incompatibilidade entre a lei federal ou o tratado pré-constitucional e a Constituição atual levado a efeito pela instância a quo é valorado pela Constituição como declaração de inconstitucionalidade, dando ensejo, por isso, ao recurso extraordinário. Tais reflexões permitem afirmar que, para fins de controle de constitucionalidade incidenter tantum no âmbito do recurso extraordinário, não assume qualquer relevância o momento da edição da lei, configurando eventual contrariedade à Constituição atual questão de constitucionalidade, e não de mero conflito de normas a se resolver com a aplicação do princípio da lex posterior” (Gilmar Ferreira Mendes. Arguição de descumprimento… cit., p. 66, coment. 3, LADPF 1.º. 10 “A jurisprudência do STF é firme no sentido da inadmissibilidade de controle abstrato, por meio de ADIn, da constitucionalidade de lei ou ato normativo editado anteriormente à CF ( LGL 1988\3 ) . Isto porque não haveria, no caso, interesse processual, porquanto referidas normas, se em desconformidade com a nova ordem constitucional, não teriam sido recepcionadas. Daí a desnecessidade de declará-las inconstitucionais. Entretanto, muito embora nesses casos não caiba a ADIn, esse controle pode ser exercido por meio da arguição de descumprimento de preceito fundamental, por expressa autorização da LADPF 1.º par. ún. I”. Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery. Constituição Federal ( LGL 1988\3 ) comentada e legislação constitucional, 3. ed., São Paulo, Ed. RT, 2012, p. 1180, coment. 16, LADPF 1. 11 Nesse sentido é o ensinamento de Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery: “A despeito do veto ao inc. II, pelo princípio constitucional do direito de ação, que proíbe a lei de subtrair do controle jurisdicional ameaça ou lesão a direito, e tendo em vista a possibilidade de utilização do instituto contra descumprimento relativamente a direito subjetivo, qualquer pessoal pode deduzir demanda diretamente ao STF, pleiteando a defesa de preceito fundamental descumprido pela autoridade ou órgão do Poder Público (CF ( LGL 1988\3 ) , 5.º, XXXV). O particular não pode deduzir a arguição em outro juízo ou tribunal porque o STF é a Corte Constitucional federal brasileira e nenhum outro órgão do Poder Judiciário está autorizado a decidir matéria constitucional com força de coisa julgada erga omnes. O processo, aqui, é misto de objetivo e subjetivo. Objetivo porque a decisão do STF tem caráter geral, produzindo efeitos erga omnes e vinculando os demais órgãos do Poder Público. Subjetivo porque evita ou repara a lesão a direito fundamental do autor da ação, uma vez descumprido o preceito constitucional fundamental pela autoridade ou órgão do Poder Público. Ademais, da forma como se encontra regida a legitimidade para a causa, na LADPF 2.º, há inconstitucionalidade por falta de regulamentação, pois reduziu-se o instituto a uma outra forma de controle de constitucionalidade, pelos mesmos legitimados da CF ( LGL 1988\3 ) , 103. Qualquer do povo pode pedir ao STF, por meio da ADPF, que controle a constitucionalidade de lei ou de ato normativo (federal, estadual, distrital ou municipal), se isto o estiver ameaçando ou prejudicando diretamente, concedendo-lhe a tutela jurisdicional, inibindo a prática de ato quando houver ameaça ou exprobando e desconstituindo o ato se o preceito constitucional fundamental já tiver sido violado. Quanto a outras ofensas constitucionais, que não sejam de preceitos fundamentais, o particular pode utilizar a via do mandado de segurança” (Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 1184, coment. 8, LADPF 2). 12 O instituto em questão é o Verfassungsbeschwerde do direito alemão. Sobre o tema, ver: Peter Häberle, La verfassungsbeschwerde nel sistema della giustizia costituzionale tedesca, Milano, Giuffrè, 2000; Peter Häberle, El recurso de amparo en el sistema Germano-Federal, in: Garcia Belaunde; Fernandez Segado (orgs.), La jurisdiccion constitucional en Iberoamerica, Madrid, Dykinson, 1997. Ver ainda: Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 1182, coment. 1, LADPF 2. 13 “Normas anteriores à CF ( LGL 1988\3 ) . Admissibilidade. Trata-se de ADPF, com pedido de medida liminar, proposta pelo Partido Popular Socialista - PPS, objetivando que esta Corte declare que não foi recepcionado pela CF ( LGL 1988\3 ) o DL 200/67. 8. Preliminarmente, reconheço a legitimidade ativa ad causam da agremiação partidária que assina a inicial. Depois, anoto que, é cabível a ADPF para evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Página 18

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Público, ou quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, inclusive anteriores à CF ( LGL 1988\3 ) . Não sendo admitida a utilização de ações diretas de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, isto é, não se verificando a existência de meio apto para solver a controvérsia constitucional relevante de forma ampla, geral e imediata, há de se entender possível a utilização da ADPF. Assim, numa primeira análise dos autos, reconheço que se afigura admissível a utilização da presente ADPF, sob o aspecto do princípio da subsidiariedade, vez que a norma nela impugnada veio a lume antes da vigência da CF ( LGL 1988\3 ) . No que concerne ao pedido de medida liminar, todavia, verifico que não se mostram presentes os requisitos autorizadores de sua concessão, quais sejam, o fumus boni iuris e o periculum in mora. Com efeito, observo que o dispositivo atacado estabeleceu que a tomada de contas referentes à movimentação dos créditos destinados à realização de despesas reservadas ou confidenciais será feita em caráter sigiloso. Ocorre, porém, que o princípio da publicidade na Administração Pública não é absoluto, porquanto a própria CF ( LGL 1988\3 ) , 5.º, XXXIII, in fine, restringiu o acesso público a informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. Em outras palavras, tanto o dispositivo contestado na presente ação, quanto a CF ( LGL 1988\3 ) , 5.º, XXXIII, ressalvaram o caráter sigiloso de determinadas informações relativas à Administração Pública. Não considero, portanto, suficientemente caracterizado o fumus boni iuris, seja porque o sigilo dos dados e informações da Administração Pública, ao menos numa primeira análise da questão, encontra guarida na própria Carta Magna ( LGL 1988\3 ) , seja porque ele não é decretado arbitrariamente, mas determinado segundo regras legais pré- -estabelecidas” (STF, ADPF(MC) 129/DF, j. 18.02.2008, rel. Min. Ricardo Lewandowski, decisão monocrática, DJUE 22.02.2008). “ Norma anterior. Lei de Imprensa. (…). 10. Não recepção em bloco da Lei 5.250 pela nova ordem constitucional. 10.1. Óbice lógico à confecção de uma lei de imprensa que se orne de compleição estatutária ou orgânica. A própria Constituição, quando o quis, convocou o legislador de segundo escalão para o aporte regratório da parte restante de seus dispositivos (art. 29, art. 93 e § 5.º do art. 128). São irregulamentáveis os bens de personalidade que se põem como o próprio conteúdo ou substrato da liberdade de informação jornalística, por se tratar de bens jurídicos que têm na própria interdição da prévia interferência do Estado o seu modo natural, cabal e ininterrupto de incidir. Vontade normativa que, em tema elementarmente de imprensa, surge e se exaure no próprio texto da Lei Suprema. 10.2. Incompatibilidade material insuperável entre a Lei 5.250/1967 e a Constituição de 1988. Impossibilidade de conciliação que, sobre ser do tipo material ou de substância (vertical), contamina toda a Lei de Imprensa: a) quanto ao seu entrelace de comandos, a serviço da prestidigitadora lógica de que para cada regra geral afirmativa da liberdade é aberto um leque de exceções que praticamente tudo desfaz; b) quanto ao seu inescondível efeito prático de ir além de um simples projeto de governo para alcançar a realização de um projeto de poder, este a se eternizar no tempo e a sufocar todo pensamento crítico no País. 10.3 São de todo imprestáveis as tentativas de conciliação hermenêutica da Lei 5.250/1967 com a Constituição, seja mediante expurgo puro e simples de destacados dispositivos da lei, seja mediante o emprego dessa refinada técnica de controle de constitucionalidade que atende pelo nome de ‘interpretação conforme a Constituição’. A técnica da interpretação conforme não pode artificializar ou forçar a descontaminação da parte restante do diploma legal interpretado, pena de descabido incursionamento do intérprete em legiferação por conta própria. Inapartabilidade de conteúdo, de fins e de viés semântico (linhas e entrelinhas) do texto interpretado. Caso-limite de interpretação necessariamente conglobante ou por arrastamento teleológico, a pré-excluir do intérprete/aplicador do direito qualquer possibilidade da declaração de inconstitucionalidade apenas de determinados dispositivos da lei sindicada, mas permanecendo incólume uma parte sobejante que já não tem significado autônomo. Não se muda, a golpes de interpretação, nem a inextrincabilidade de comandos nem as finalidades da norma interpretada. Impossibilidade de se preservar, após artificiosa hermenêutica de depuração, a coerência ou o equilíbrio interno de uma lei (a Lei Federal 5.250/1967) que foi ideologicamente concebida e normativamente apetrechada para operar em bloco ou como um todo pró-indiviso. 11. Efeitos jurídicos da decisão. Aplicam-se as normas da legislação comum, notadamente o Código Civil ( LGL 2002\400 ) , o Código Penal ( LGL 1940\2 ) , o Código de Processo Civil ( LGL 1973\5 ) e o Código de Processo Penal ( LGL 1941\8 ) às causas decorrentes das relações de imprensa. O direito de resposta, que se manifesta como ação de replicar ou de retificar matéria publicada é exercitável por parte daquele que se vê ofendido em sua honra objetiva, ou então subjetiva, conforme estampado no inc. V do art. 5.º da CF ( LGL 1988\3 ) . Norma, essa, ‘de eficácia plena e de aplicabilidade imediata’, conforme classificação de José Afonso da Silva. ‘Norma de pronta aplicação’, na linguagem de Celso Ribeiro Bastos e Carlos Ayres Britto, em obra doutrinária conjunta. 12. Procedência da ação. Total procedência da ADPF, para o efeito de declarar como não Página 19

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recepcionado pela Constituição de 1988 todo o conjunto de dispositivos da Lei Federal 5.250, de 09.02.1967” (STF, ADIn 130, Pleno, j. 30.04.2009, m.v., rel. Min. Carlos Britto, DJUE 06.11.2009). 14 Georges Abboud, Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, São Paulo, Ed. RT, 2011, p. 129 et seq., n. 2.7.1. 15 Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 1013, coment. 1, LACP 1.º. 16 Idem, ibidem. 17 “Reclamação. 2. Ação civil pública contra instituição bancária, objetivando a condenação da ré ao pagamento da ‘diferença entre a inflação do mês de março de 1990, apurada pelo IBGE, e o índice aplicado para crédito nas cadernetas de poupança, com vencimento entre 14 a 30.04.1990, mais juros de 0,5% ao mês, correção sobre o saldo, devendo o valor a ser pago a cada um fixar-se em liquidação de sentença’. 3. Ação julgada procedente em ambas as instâncias, havendo sido interpostos recursos especial e extraordinário. 4. Reclamação em que se sustenta que o acórdão da Corte reclamada, ao manter a sentença, estabeleceu ‘uma inconstitucionalidade no plano nacional, em relação a alguns aspectos da Lei 8.024/1990, que somente ao STF caberia decretar’. 5. Não se trata de hipótese suscetível de confronto com o precedente da Corte na Reclamação n. 434-1/ SP, onde se fazia inequívoco que o objetivo da ação civil pública era declarar a inconstitucionalidade da Lei 7.844/1992, do Estado de São Paulo. 6. No caso concreto, diferentemente, a ação objetiva relação jurídica decorrente de contrato expressamente identificado, a qual estaria sendo alcançada por norma legal subsequente, cuja aplicação levaria a ferir direito subjetivo dos substituídos. 7. Na ação civil pública, ora em julgamento, dá-se controle de constitucionalidade da Lei 8.024/1990, por via difusa. Mesmo admitindo que a decisão em exame afasta a incidência de Lei que seria aplicável à hipótese concreta, por ferir direito adquirido e ato jurídico perfeito, certo está que o acórdão respectivo não fica imune ao controle do STF, desde logo, à vista do art. 102, III, b, da Lei Maior, eis que decisão definitiva de Corte local terá reconhecido a inconstitucionalidade de lei federal, ao dirimir determinado conflito de interesses. Manifesta-se, dessa maneira, a convivência dos dois sistemas de controle de constitucionalidade: a mesma lei federal ou estadual poderá ter declarada sua invalidade, quer, em abstrato, na via concentrada, originariamente, pelo STF (CF ( LGL 1988\3 ) , art. 102, I, a), quer na via difusa, incidenter tantum, ao ensejo do desate de controvérsia, na defesa de direitos subjetivos de partes interessadas, afastando-se sua incidência no caso concreto em julgamento. 8. Nas ações coletivas, não se nega, à evidência, também, a possibilidade da declaração de inconstitucionalidade, incidenter tantum, de lei ou ato normativo federal ou local. 9. A eficácia erga omnes da decisão, na ação civil pública, ut art. 16 da Lei 7.347/1997, não subtrai o julgado do controle das instâncias superiores, inclusive do STF. No caso concreto, por exemplo, já se interpôs recurso extraordinário, relativamente ao qual, em situações graves, é viável emprestar-se, ademais, efeito suspensivo. 10. Em reclamação, onde sustentada a usurpação, pela Corte local, de competência do STF, não cabe, em tese, discutir em torno da eficácia da sentença na ação civil pública (Lei 7.347/1985, art. 16), o que poderá, entretanto, constituir, eventualmente, tema do recurso extraordinário. 11. Reclamação julgada improcedente, cassando-se a liminar” (STF, Rcl 600/SP, Pleno, j. 03.09.1997, v.u., rel. Min. Néri da Silveira, DJU 05.12.2003, p. 19) (grifamos). 18 Cf. STF, Rcl 2.224/SP, Pleno, j. 26.10.2005, v.u., rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU 10.02.2006, p. 8. V. ainda Gilmar Ferreira Mendes, Ação civil pública e controle de constitucionalidade, in: Arnoldo Wald (org.), Aspectos polêmicos da ação civil pública, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 151-165. 19 Gilmar Ferreira Mendes. Ação civil pública… cit., p. 162. 20 Georges Abboud, op. cit., p. 131, n. 2.7.1. 21 Idem, ibidem. 22 Idem, ibidem. 23 Idem, p. 132. 24 Idem, ibidem.

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25 Para uma crítica à decisão proferida pelo Min. Gilmar Mendes, ver: Nelson Nery Jr., Prefácio, in: Georges Abboud, Jurisdição constitucional e direitos fundamentais, São Paulo, Ed. RT, 2011. Ver ainda: Nelson Nery Jr., Anotações sobre mutação constitucional: alteração da Constituição sem modificação do texto, decisionismo e Verfassungsstaat, in: George Salomão Leite e Ingo Wolfgang Sarlet (orgs.), Direitos fundamentais e Estado Constitucional: estudos em homenagem a J. J. Gomes Canotilho, São Paulo, Ed. RT, 2009, p. 79-109. Ver ainda: Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 501-505, coments. 11/17, CF 52. Criticando as decisões da Rcl 4.335, ver: Lenio Streck. Verdade e consenso. São Paulo: Saraiva, p. 51 et seq., n. 4.2. Lenio Streck; Marcelo Andrade Cattoni de Oliveira; Martônio Mont’Alverne Barreto, A nova compreensão do STF sobre controle difuso de constitucionalidade: mutação constitucional e limites da legitimidade da jurisdição constitucional, Revista da Faculdade Mineira de Direito 10/37-58, Belo Horizonte, PUC-Minas, 2007. 26 Cf. Informativo STF/454. 27 Para tanto ver a fundamentada crítica de Nelson Nery Jr.; Rosa Maria de Andrade Nery, op. cit., p. 501-504, coment 12/14, CF 52. 28 Nesse sentido manifestou-se Sepúlveda Pertence em seu voto na Rcl 4.335/AC, cf. Informativo STF/454. 29 Nossa assertiva é corroborada por Lenio Luiz Streck que de forma perspicaz analisa e critica a referida decisão do STF da seguinte forma: “Aliás, nesse sentido, vale registrar o outro lado da moeda: no final do ano de 2006, o STF declarou inconstitucional o dispositivo que proibia a progressão nos crimes hediondos (art. 2.º da Lei 8.072/1990). De imediato, a decisão - mesmo sem efeito erga omnes, porque proferida em controle difuso e sem a aplicação do art. 52, X, da Constituição - passou a ser aplicada tabula rasa, isto é, os juízes, sem o exame da situação concreta de cada apenado, passaram a conceder a progressão de regime. Para controlar essa indevida universalização, o próprio STF editou súmula, determinando o exame de cada caso concreto. A pergunta a ser feita é: a aplicação do direito não implica o exame de cada caso concreto? Neste caso, o STF foi atropelado pelo imaginário jurídico-dogmático-dedutivista, para quem a decisão de inconstitucionalidade foi entendida como categoria, uma abstração, enfim, de um conceito que não exige a coisa. Pura metafísica, que somente pôde ser corrigida pelo próprio emissor da decisão” (Lenio Luiz Streck, op. cit., p. 371, n. 11.5). 30 Sobre tema, ver: Francisco Fernández Segado, La Justicial Constitucional: una visión de derecho comparado. Los sistemas de Justicia Constitucional. Las ‘Dissenting Opinions’. El control de las omisiones legislativas. El control de ‘comunitariedad’, Madrid, Dykinson, 2003, t. I, p. 142-158, n. II.3. 31 Sobre questão ver: Georges Abboud, Súmula vinculante versus precedentes: notas para evitar alguns enganos, RePro 165/225-226, São Paulo, Ed. RT, nov. 2008. Ver ainda: Georges Abboud, Precedente judicial versus jurisprudência dotada de efeito vinculante - A ineficácia e os equívocos das reformas legislativas na busca de uma cultura de precedentes, in: Teresa Arruda Alvim Wambier, Direito jurisprudencial, São Paulo, Ed. RT, 2012, passim. Georges Abboud e Lenio Streck, O que é isto - O precedente judicial e as súmulas vinculantes, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2012, p. 46 et seq., n. 2.5. 32 Paul G. Kauper, Judicial review of constitutional issues in the United States, in: Hermann Mosler (org.), Verfassungsgerichtsbarkeit in der Gegenwart, Berlim, Carl Heymanns Verlag, 1962, p. 611. Ver ainda: Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 140, n. 2.7.2.1.2.2. 33 Ver: Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 121-126, n. 2.6.3. 34 Sobre essa diferença, vale transcrever a seguinte passagem: “Mais precisamente, se uma lei X que institui um tributo municipal é considerada inconstitucional na causa de pedir em sentença proferida em ACP, essa decisão, em que pese o efeito erga omnes, Página 21

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vincula apenas o sujeito passivo da ação coletiva, no caso o Município que fica proibido de proceder à cobrança e ao lançamento do respectivo tributo. Ocorre que essa sentença proveniente da ação coletiva ainda que tenha eficácia erga omnes, não produz efeito vinculante em relação aos demais tribunais e particulares. Dessarte, após essa sentença coletiva, se algum particular ingressar na Justiça com o intuito de obter algum ressarcimento em razão do que despendeu com o tributo municipal, o juiz, ao apreciar o pedido do particular, não está obrigado, nesse novo processo, a seguir o que foi fixado na ação civil pública; assim, ele pode indeferir o pedido do particular porque, no caso concreto, considerou constitucional a lei complementar, algo que lhe estaria vedado se a lei tivesse sido declarada inconstitucional em sede de controle abstrato de constitucionalidade, ou se fosse suspensa pelo Senado nos termos do art. 52, X, da CF ( LGL 1988\3 ) . Outrossim, nem se poderia objetar a figura da coisa julgada; isso ocorre porque na ação civil pública a declaração de inconstitucionalidade está na motivação, logo não é acobertada pela coisa julgada. Também em relação aos particulares, o efeito vinculante não opera. Imaginemos que no exemplo ilustrado a sentença com eficácia erga omnes proferida em ação coletiva tenha considerado constitucional o tributo municipal; nada impediria o particular, diante de seu caso concreto, de suscitar a inconstitucionalidade do respectivo tributo municipal; afinal, o efeito vinculante não opera em relação aos particulares, salvo no controle concentrado de constitucionalidade” (Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 135, n. 2.6.3). 35 Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 343 et seq., n. 5.4.3. Georges Abboud, O mito da supremacia do interesse público sobre o privado - A dimensão constitucional dos direitos fundamentais e os requisitos necessários para se autorizar restrição a direitos fundamentais, RT 907/80, São Paulo, Ed. RT, maio 2011. 36 Christopher Wolfe, The rise of modern judicial review: from constitutional interpretation to judge-made law, Boston, Littlefield Adams Quality Paperbacks, 1994, p. 79, n. 3. 37 Georges Abboud, Jurisdição constitucional… cit., p. 352, n. 5.4.3.3.

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