CONTROLE PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS SOBRE OS PREÇOS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – SEUS FUNDAMENTOS E LIMITES. EXTERNAL CONTROL BY AUDITING COURTS REGARDING THE PRICES OF PUBLIC CONTRACTS – ITS LEGAL BASICS AND LIMITATIONS

May 28, 2017 | Autor: Alexandre Aroeira | Categoria: Direito Administrativo, Public Administration and Policy
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CONTROLE PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS SOBRE OS PREÇOS DOS CONTRATOS ADMINISTRATIVOS – SEUS FUNDAMENTOS E LIMITES. EXTERNAL CONTROL BY AUDITING COURTS REGARDING THE PRICES OF PUBLIC CONTRACTS – ITS LEGAL BASICS AND LIMITATIONS.

Alexandre Aroeira Salles1

RESUMO: O texto procura identificar as limitações jurídicas dos órgãos de controle externo da Administração Pública quanto ao denominado sobrepreço. Busca ainda identificar o conteúdo jurídico dos termos superfaturamento e sobrepreço, demonstrando que suas consequências jurídicas serão distintas. Avalia as condições para agentes públicos e os particulares sofrerem condenações nos Tribunais de Contas por causa de sobrepreço e de ilegalidade em contrato administrativo. Palavras-chave: direito administrativo — controle externo — Tribunais de Contas — economicidade — ilegalidade — irregularidade — sobrepreço – superfaturamento agente público — responsabilidade administrativa — particular contratado da Administração Pública. ABSTRACT: This article aims to identify the legal limitations of the use of economical analyses in public contracts by external control bodies. It also analyses the irregularity and illegality provisions in Articles 71 and 74 of the Brazilian Constitution and their respective legal consequences. This article also looks at the conditions under which public officials and individuals are penalized by the auditing courts because of over prices in public contracts. Keywords: administrative law — public contract — external control — Auditing courts — over prices — illegality — irregularity — public official — administrative responsibility.

I – Introdução Há muito que órgãos de controle externo da administração pública vem

decidindo

pela

necessidade

de

o

particular,

contratado

pela

Administração Pública, devolver parte dos valores que recebeu no curso da execução de uma obra ou da prestação de um serviço. O argumento que utilizam é o de que teriam identificado, quando da auditoria no referido contrato, o que denominam de sobrepreço.

                                                                                                                1  Advogado, mestre em direito administrativo pela UFMG e doutorando no mesmo ramo do direito pela PUC/SP.  

Interessante que, no curso do processo, depois de utilizarem duas ou mais vezes tal expressão – sobrepreço – os órgãos de controle comumente passam a coloca-los indistintamente da seguinte forma: sobrepreço / superfaturamento. A não delimitação clara do conteúdo jurídico exato de cada qual expressão acarreta inúmeras injustiças, danos às defesas e ao alcance do interesse público, prejudicando o funcionamento da administração pública e fragilizando a segurança jurídica necessária a todos os contratos. O objetivo do presente artigo é demonstrar, ainda que de forma singela e não exaustiva, que tais termos possuem pressupostos e consequências jurídicas completamente diferentes, e portanto deveriam ser mais bem distinguidos no curso das auditorias da atividade de controle externo. II – Contrato Administrativo e Segurança Jurídica. A Constituição, em seu artigo 1o declara como um dos fundamentos da nossa República a livre iniciativa, e o artigo 170 proclama a propriedade privada como um dos princípios de nossa ordem econômica. O seu artigo 5o, inciso II, determina que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei 2 ”; o inciso XXVII garante o direito de propriedade; e o inciso XXXVI protege o ato jurídico perfeito. Vivemos, ou ao menos deveríamos viver, em uma democracia, sob o império de um Estado de Direito. Quando um particular cria uma empresa, um de seus objetivos deve ser o lucro, pois sem o lucro não há possibilidade de o empreendedor prosperar, contratar trabalhadores, criar riquezas para si e para a sociedade. Para que haja possibilidade de um empresário se lançar à sorte de empreender, é necessário que esteja em ambiente onde haja observância e respeito a um dos pilares da Teoria do Direito, qual seja: segurança jurídica! A nossa Constituição, como visto acima, proclama tal princípio desde o seu artigo 1o, na realidade o faz a partir do preâmbulo quando diz que                                                                                                                 2

A palavra lei é aqui considerada como um dos instrumentos introdutórios de normas jurídicas previstos no artigo 59 da Constituição da República.

estamos destinados a assegurar, entre outros, o exercício dos direitos individuais, a liberdade, a segurança e o desenvolvimento. É necessário para o bem estar de uma sociedade que todas as pessoas prevejam minimamente a quais obrigações deverão submeter-se. A Teoria dos Contratos igualmente consagra a segurança jurídicocontratual como a sua razão existir. Não haveria teoria dos contratos se não houvesse previsibilidade sobre a obrigação de as partes cumprirem os termos que ali se delinearam, bem como garantia de que tais termos não poderiam ser alterados unilateralmente, ao alvedrio de qualquer uma delas. Mais do que isso. Não haveria a nossa civilização se não houvesse proteção à segurança jurídica, proteção ao pacta sunt servanda. O Código Civil brasileiro é claro em determinar às partes contratantes que se vinculem aos termos licitamente pactuados, durante a formação, execução e extinção do contrato. O mesmo ocorre com a Lei Nacional de Licitações Públicas, a Lei 8666/93, senão vejamos: Art. 54. Os contratos administrativos de que trata esta Lei regulamse pelas suas cláusulas e pelos preceitos de direito público, aplicando-selhes, supletivamente, os princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de direito privado. § 1o Os contratos devem estabelecer com clareza e precisão as condições para sua execução, expressas em cláusulas que definam os direitos, obrigações e responsabilidades das partes, em conformidade com os termos da licitação e da proposta a que se vinculam. Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: I - o objeto e seus elementos característicos; II - o regime de execução ou a forma de fornecimento; III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento; Art. 58. (...) § 1o As cláusulas econômico-financeiras e monetárias dos contratos administrativos não poderão ser alteradas sem prévia concordância do contratado. Art. 66. O contrato deverá ser executado fielmente pelas partes, de acordo com as cláusulas avençadas e as normas desta Lei, respondendo cada uma pelas conseqüências de sua inexecução total ou parcial.

Essas previsões legislativas buscaram corretamente os seus fundamentos de validade nas normas constitucionais, podendo citar ainda o artigo 37, inciso XXI, da CF/88: (...) “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei (...).” Portanto, se a formação da relação jurídico-contratual tiver sido coerente à legislação pátria, devem as partes e os aplicadores do direito respeitarem os termos contratados, sob pena de responderem por inadimplemento contratual. Não obstante, se na formação ou no curso da execução contratual, qualquer das partes, ou ambas conjuntamente, agirem de forma ilegal ou violadores das regras do próprio contrato, o vínculo contratual deverá ser revisto, considerando a respectiva culpabilidade e proporcionalidade. Quanto

às

auditorias

realizadas

nos

preços

dos

contratos

administrativos brasileiros, em especial as procedidas pelo Tribunal de Contas da União, identificam-se duas hipóteses merecedoras de análise: as que apuram superfaturamento e as que apontam sobrepreço. Como se verá, defende-se nesse artigo que as referidas hipóteses devem acarretar distintas consequências. III – Superfaturamento: exemplo claro de ilegalidade. Há muitos anos que o legislador pátrio positivou o ato de faturar mais do que verdadeiramente se executou de obras, serviços ou entrega de materiais. Isto significa estelionato, artigos 171 e 172 do Código Penal, com possibilidade de o autor do ato de superfaturamento sofrer pena de restrição de liberdade de ir e vir, além de multa. Ademais, quem pratica este ato macula com o vício da nulidade o contrato administrativo ou parte dele, devendo, portanto, devolver o prejuízo acarretado ao contratante, além de sofrer sanções previstas em lei. A Lei 8666/93 é expressa ao determinar:

Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

Não se pode olvidar as condutas descritas nos artigos 10 e 11 da lei de improbidade administrativa, nas quais se enquadraria com precisão o ato de superfaturar. Assim, pode-se dizer que quanto a esse tipo legal, não há dúvidas sobre as claras consequências jurídicas advindas de tal prática. IV – Sobrepreço: conteúdo ligado à economicidade. Quanto

ao

denominado

sobrepreço,

os

fundamentos

e

consequências nos parecem muito diferentes, pois esse ato está dirigido ao fato de haver em dado contrato preços contratados tidos como superiores aos preços calculados por alguém ou dados em referenciais teóricos. Podem-se citar inúmeros distintos exemplos do que se denomina sobrepreço, desde a aquisição simples de canetas BIC para órgão da Administração Pública, até a extremamente complexa execução de uma Usina Nuclear. Com exceção da fase em que no Brasil vivemos o famigerado tabelamento de preços, é muito provável que se fôssemos auditar minuciosamente

nossas

compras

semanais

no

Supermercado

AAA,

encontraríamos, por exemplo, o tomate, a pasta de dente e o papel higiênico com preços superiores ao que poderia ter sido comprado no Mercado BBB. O fato do sobrepreço está claramente ligado ao princípio da economicidade. Caso clássico referente ao denominado sobrepreço, com inúmeras e inúmeras decisões da Corte de Contas da União, é aquele sintetizado assim:

1)

Órgão da administração pública expede edital de licitação, contendo projeto, orçamento estimativo e regra para aceitação das propostas pelos licitantes;

2)

Os licitantes estudam o edital e as condições econômicofinanceiras delimitadas pela Administração por meio de seu edital, que vincula objetivamente a todos;

3)

Os licitantes elaboram suas propostas de preços, concordes com os critérios que a própria Administração Pública delineou;

4)

O licitante que apresenta o menor preço vence a concorrência;

5)

A licitação foi válida e legal, nada tendo sido apontado quanto à sua legalidade;

6)

Assinam o contrato administrativo, também legal, e o contratado inicia a sua execução, sem qualquer violação às suas regras;

7)

Ambas as partes, contratante e contratado cumprem fielmente as cláusulas contratuais, incluindo aquelas que delimitam o seu conteúdo econômico financeiro;

8)

No curso ou no final da consecução contratual, o Tribunal de Contas instaura processo e inicia auditoria, chegando à conclusão de que os preços contratados estão superiores

àqueles

que

ele,

Tribunal

de

Contas,

compreende como os de mercado, mesmo tendo o contratado e o contratante seguido exatamente os termos contratados; 9)

Com essa conclusão do Tribunal de Contas, este decide que deve o contratado devolver ao contratante parte do que já recebeu pelo que já prestou de sua obrigação, retroagindo ao início do contrato e calculando a diferença entre o valor contratado e dito de mercado: o que denomina de débito decorrente de sobrepreço.

Por esse exemplo fático hipotético, podem-se retirar os seguintes pressupostos: (i) edital de licitação aderente à legalidade, ou ao menos aparentemente legal para todos3; (ii) no curso da licitação, os particulares licitantes tendo agido igualmente de forma legal; (iii) proposta de preços do licitante vencedor compatível com o edital de licitação e com a lei; (iv) execução contratual correspondente aos parâmetros contratados. Se não houve atuação ilegal do particular contratado; se esse seguiu os procedimentos licitatórios indicados pelo próprio contratante público; se o seu preço foi o menor obtido na licitação; se o mesmo executou as obras (ou prestou os serviços) nos moldes como contratados; se sua contraprestação foi exatamente aquela contratada e correspondente ao que prestou: tem-se portanto o que se denomina de ato jurídico perfeito, protegido contra alterações posteriores surpreendentes. Infelizmente não é assim que vem há muito compreendendo o Tribunal de Contas da União (TCU). Em muitos casos, de obras complexas, já praticamente executadas em sua totalidade, em que o particular propôs todos os seus valores unitários abaixo do orçado pela Administração Pública na fase licitatória, o TCU recalcula os preços orçados pela Administração Pública a partir de outros referenciais e premissas, depois calcula a diferença entre os preços contratados com aqueles recém recalculados, para ao final determinar ao particular que devolva os valores resultantes da respectiva diferença4. Na prática é como se o Poder Público contratante, depois que o particular contratado já executou as obras, recalculasse quanto ele, contratante, deseja pagar ao fim pelos serviços pactuados. Claro que essa forma de aplicar o Direito está equivocada, violando os princípios e normas legais acima delineadas. Além disso, retroagir uma análise econômica, depois de já executado o contrato, para impor ao particular que receba menos do que ele se propôs quando da licitação, fragiliza outros princípios estruturantes do Direito: o da                                                                                                                 3

Por que se adotou aqui o aparentemente? Porque pode ocorrer de algum vício oculto na fase interna da licitação que não seja de conhecimento dos licitantes e nem da sociedade, que estarão como terceiros de boa-fé. 4 E para piorar ainda mais a situação, aplica juros de mora contados desde a data em que o empresário teria recebido o valor pelos serviços que executou.  

boa fé objetiva e o da presunção de veracidade e legitimidade dos atos da administração pública. Na fase de licitação a Administração Pública determinou quais eram as suas regras e como se conformava seu orçamento. O particular partiu do pressuposto de que a própria Administração Pública haveria de respeitar e honrar suas condições. Por causa disso é que os licitantes se propuseram a competir e, vencido o certame, assinar o contrato, executando o seu objeto. Não é possível que, tempos depois, o próprio Poder Público (mesmo que por outro órgão seu, como o TCU) modifique seus parâmetros, exigindo que o contratado de boa-fé receba valores menores do que os contratados. IV.1 – Sobrepreço, economicidade e boa gestão pública. Contudo, se a atividade de controle externo considerar, no curso de um contrato administrativo, que os preços daquele contrato estão superiores aos que poderiam ser obtidos caso a Administração Pública se lançasse à sorte de um novo processo licitatório, deverá o TCU fazer determinação ao gestor para que busque (i) repactuar os preços contratados com o contratado ou, não o obtendo, (ii) rescinda-o unilateralmente, por interesse público, como faculta a Lei 8666/93 em seu artigo 585. Essa é a forma como a Constituição entrega competência para o Tribunal de Contas, conforme seu artigo 71, inciso XI, proteger o erário contra eventuais anti-economicidades: “representar ao Poder competente sobre irregularidades ou abusos apurados”. Claro que o gestor público poderá ser sancionado por haver contratado ou mantido contrato com preços desvantajosos para a Administração Pública. Ao administrador do erário incumbe cuidado redobrado com a economicidade de suas escolhas. O artigo 70 da                                                                                                                 5  Todo   esse   tema   foi   mais   bem   desenvolvido   pelo   autor   no   artigo   publicado   na   Revista   de   Direito   Administrativo   n.   271/2016   (SALLES,   Alexandre   Aroeira.   Ação   de   improbidade,   controle   externo   e   economicidade   —   as   diferentes   consequências   jurídicas   entre   a   atuação   administrativa   ilegal   e   a   antieconômica   (ou   irregular).   Ed.   FGV.   Rio   de   Janeiro.   Revista   Direito   Administrativo  -­‐  RDA  n.  271/2016,  pp.  223  a  250).    

Constituição não lhe dá alternativa. Obviamente que a sanção a sofrer deverá ser amparada em sua específica culpabilidade. A sua responsabilidade não é objetiva. Já o particular de boa-fé não poderá sofrer sanção por ter agido exatamente da forma como o Direito espera que aja: concorreu licitamente com outros tantos licitantes, apresentando a melhor proposta para a Administração naquele momento, naquele lugar e com aquelas condições editalícias, bem como assinou o contrato e o executou como prometido. Lembre-se que a Lei 8666/93 declara, em seu artigo 3o, que um dos destinos da licitação é o de selecionar a proposta mais vantajosa para a administração, devendo ser processada e julgada “em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”. Disto se pode afirmar que os preços obtidos em uma licitação lícita são os preços de mercado alcançados naquele momento e naquele lugar. Não se pode, no futuro, recalcular quais deveriam ou poderiam ter sido os preços, para depois retroagir seus efeitos e impor ao particular que receba menos do que se propôs a receber. Não há uma única norma legal que prevê tamanho despautério. E mesmo se houvesse, não poderia nunca ser considerada constitucional. Deve o Poder Público, sempre, acompanhar a evolução dos preços no mercado, caso identifique que aquele contrato já celebrado não mais lhe é vantajoso,

poderá

solicitar

a

repactuação

bilateral

ou

o

rescindir

unilateralmente por interesse público6. IV.2 – Sobrepreço e ilegalidade.

                                                                                                                6

Essa possibilidade de rescisão unilateral por interesse publico já é a exorbitância do contrato público em comparação do contrato privado, tolerada em nossa ordem constitucional pelo equilíbrio que é dado ao proteger o conteúdo econômico da proposta de preços do particular (Artigo 37, inciso XXI, da CF/88).

Deve-se registrar que há óbvia possibilidade de existir ato administrativo ou contrato em que se encontre, conjuntamente, ilegalidade e antieconomicidade (sobrepreço). Exemplos são os casos em que se descobriu conluio entre os licitantes, ou fraude do licitante vencedor com o agente público responsável pela licitação, tendo esses atos ilícitos possibilitado que o contrato fosse celebrado com preços acima dos de mercado, ou seja, com sobrepreço. Nesse caso, por causa da violação à lei, a Administração Pública deve anulá-los por ilegalidade, aplicando-se os seguintes artigos da Lei 8666: Art. 49. A autoridade competente para a aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado. § 1o A anulação do procedimento licitatório por motivo de ilegalidade não gera obrigação de indenizar, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. § 2o A nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 59 desta Lei. Art. 59. A declaração de nulidade do contrato administrativo opera retroativamente impedindo os efeitos jurídicos que ele, ordinariamente, deveria produzir, além de desconstituir os já produzidos. Parágrafo único. A nulidade não exonera a Administração do dever de indenizar o contratado pelo que este houver executado até a data em que ela for declarada e por outros prejuízos regularmente comprovados, contanto que não lhe seja imputável, promovendo-se a responsabilidade de quem lhe deu causa.

Outro bom exemplo é aquele em que a Comissão de Licitação comete erro gritante no seu edital e respectivo orçamento, acarretando um desarrazoado e expressivo aumento do valor de importantes itens de preços do orçamento (de modo a repercutir seriamente no curso final do contrato). Contudo, mesmo se apercebendo de tal erro, o particular se omite 7 , buscando locupletar-se indevidamente acaba por propor os mesmos preços absolutamente errados do orçamento (algo que seria facilmente percebido por qualquer pessoa mediana). Neste caso faltou ao particular conduzir-se

                                                                                                                7

Incumbiria ao particular utilizar-se do expediente de perguntas à Comissão, impugnação ao Edital ou ainda do direito de petição. Caso a Comissão persistisse no erro, poderia o licitante orçar adequadamente a sua proposta, corrigindo a falta gritante da comissão.

com boa fé, e o agente público cometeu ato negligente, gerando ao final prejuízo ao erário. Esta última hipótese também é exemplo de nulidade contratual, não por causa tão somente de sobrepreço, mas em virtude de condutas incompatíveis com a ordem jurídica, violadoras expressas de normas legais. V – Conclusão: Se no curso de uma auditoria ou fiscalização de contrato de obras ou serviços, por parte dos Tribunais de Contas, chegar-se à conclusão da ocorrência de, por parte do contratado, faturamento superior ao efetivamente executado (superfaturamento), devem ser adotadas medidas visando anular tais atos ilícitos e criminosos, aplicando-se as sanções previstas na ordem jurídica. De outro lado, caso a auditoria de contas chegue à conclusão de que a Administração Pública teria licitamente contratado obras ou serviços com valores superiores àqueles recalculados, posteriormente, como os de mercado (sobrepreço), poderá o Tribunal de Contas adotar medida para recomendar ao Gestor Público que repactue bilateralmente o contrato com o particular ou, não sendo possível, rescinda-o por interesse público. Importante salientar que nesta última hipótese não se pode pretender cobrar do particular a diferença entre o valor que ele já executou conforme seu contrato advindo de procedimento licitatório lícito, e o novo e surpreendente valor recalculado pelo Tribunal de Contas. Caso isso ocorresse, significaria violação aos mais comezinhos princípios do direito, como os da segurança jurídica, legalidade, proteção ao ato jurídico perfeito, livre iniciativa, boa fé objetiva e manutenção das condição efetivas da proposta licitatória. Apenas na hipótese de se provar a atuação ilegal do particular para com a Administração Pública é que se poderia, usando do artigo 59 da Lei 8666/93, decretar a nulidade do contrato e cobrar os prejuízos ao erário acarretados, além obviamente das sanções prevista na legislação específica.

REFERÊNCIAS: ARAGÃO, Alexandre Santos de. Interpretação consequencialista e análise econômica do direito público à luz dos princípios constitucionais da eficiência e da economicidade. In: RAMALHO, Pedro Ivo Sebba (Org.). Regulação e agências reguladoras: governança e análise de impacto regulatório. Brasília: Anvisa, 2009. p. 29-52. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio, Curso de direito administrativo. 29. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2012. BASSO, Jackson José. Exame multidisciplinar do princípio da economicidade: condição

para

segurança

jurídica.

Monografia

(especialização

em

direito

administrativo) — Instituto Brasiliense de Direito Público, Brasília, 2010. BRASIL, Lei 8.443, de 16 julho de 1992. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 jul. 1992. BUGARIN, Paulo Soares. O princípio constitucional da economicidade na jurisprudência do Tribunal de Contas da União. Belo Horizonte: Fórum: 2004. CAMMAROSANO, Márcio. O princípio da moralidade e o exercício da função administrativa. Belo Horizonte: Fórum, 2006. CITADINI, Antonio Roque. A economicidade nos gastos públicos. Disponível em: . FREITAS, Juarez. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. São Paulo: Malheiros, 2007. PARDINI, Frederico. Tribunal de Contas da União: órgão de destaque constitucional. Tese (doutorado em direito público) — Faculdade de Direito, Universidade de Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 1997. SALLES,   Alexandre   Aroeira.   Ação   de   improbidade,   controle   externo   e   economicidade   —   as   diferentes   consequências   jurídicas   entre   a   atuação   administrativa   ilegal   e   a   antieconômica   (ou   irregular).   Ed.   FGV.   Rio   de   Janeiro.   Revista  Direito  Administrativo  -­‐  RDA  n.  271/2016,  pp.  223  a  250 TORRES, Ricardo Lobo. O Tribunal de Contas e o controle da legalidade, economicidade e legitimidade. Revista do TCE/RJ, Rio de Janeiro, n. 22, p. 37-44, jul. 1991.

ZAFFARONI, Eugenio Raul. Manual de direito penal brasileiro, volume 1: parte geral. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

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