Convenção destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de Imposto sobre a Renda, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Reino dos Países Baixos: Decreto nº 355/91

September 26, 2017 | Autor: Ricardo Perlingeiro | Categoria: Direito Tributário
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Nº CNJ RELATOR APELANTE APELADO ADVOGADO REMETENTE ORIGEM

: 0006755-85.2011.4.02.5101 : DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO : UNIAO FEDERAL / FAZENDA NACIONAL : SHELL BRASIL PETROLEO LTDA : SACHA CALMON NAVARRO COELHO E OUTROS : JUIZO FEDERAL DA 16A VARA-RJ : DÉCIMA SEXTA VARA FEDERAL DO RIO DE JANEIRO (201151010067550) RE L AT ÓRIO

Cuida-se, na origem, de Mandado de Segurança impetrado por SHELL BRASIL PETRÓLEO LTDA. Objetivando a concessão de ordem para que a autoridade coatora seja impedida de exigir imposto de renda sobre pagamentos efetuados em favor da empresa Shell International Exploration and Productior B.V. (domiciliada na Holanda) em razão de contrato de prestação de serviço e orientação profissional firmado entre as mencionadas empresas. A liminar foi deferida (fls. 241/246) e posteriormente confirmada na sentença, que concedeu a segurança para assegurar que não haja retenção de imposto de renda na fonte sobre a remessa de valores à Holanda a título de remuneração de serviços técnicos prestados naquele país (fls. 354/362). Apelação da União Federal / Fazenda Nacional sustentando, em resumo: a) que os contratos acostados aos autos demonstram que os serviços contratados serão prestados a preço de custo, isto é, sem margem de lucro; b) que o fato de as empresas contratante e contratada pertencerem ao mesmo grupo econômico permite a tributação; c) que os serviços foram prestados pela empresa holandesa no Brasil por mais de 6 meses, caracterizando a existência do estabelecimento permanente descrito na convenção celebrada entre Brasil e Holanda; d) que as quantias remetidas ao exterior constituem remuneração pelos serviços prestados, devendo ser qualificadas como "outros rendimentos" e não como "lucro" para fins de enquadramento no acordo internacional; e) que a Lei nº 9.779/97 expressamente estabelece a incidência de imposto de renda sobre os rendimentos remetidos ao exterior; f) que a legislação a respeito da exclusão do crédito tributário deve ser interpretada de forma restrita e literal, o que impede a ampliação do conceito de lucro previsto na convenção (fls. 388/405).

Contrarrazões às fls. 408/430. Manifestação do Ministério Público Federal opinando pelo provimento do recurso (fls. 6/15). É o relatório. Peço dia para julgamento. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL RICARDO PERLINGEIRO: (RELATOR) Consoante relatado, trata-se de Remessa Necessária e de Apelação interposta pela UNIÃO FEDERAL / FAZENDA NACIONAL contra sentença que concedeu a segurança requerida, determinando que a autoridade coatora se abstenha de exigir a retenção na fonte de imposto de renda sobre a remessa de valores à Holanda a título de remuneração por serviços técnicos prestados. Depreende-se dos autos que a empresa brasileira Shell Brasil Petróleo Ltda. efetuou remessa valores para a Holanda, com o objetivo de remunerar a empresa Shell International Exploration and Productior B.V. pelos serviços técnicos de orientação profissional prestados naquele país, e impetrou Mandado de Segurança objetivando o reconhecimento da inexigibilidade do imposto de renda incidente sobre os pagamentos dos serviços. Como fundamento de sua pretensão, alega que as quantias remetidas ao estrangeiro constituem lucro da empresa holandesa e que, por este motivo, a retenção do tributo deve ocorrer apenas na Holanda, na forma do art. 7º da Convenção assinada entre o Brasil e os Países Baixos destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento - Decreto nº 355/1991, verbis: ARTIGO 7 Lucros das Empresas 1 Os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis nesse Estado; a não ser que a empresa exerça, sua atividade no outro Estado Contratante, por meio de um estabelecimento permanente ali situado. Se

a empresa exerce suas atividades na forma indicada, seus lucros podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem, atribuíveis àquele estabelecimento permanente. Por sua vez, a União fundamenta a incidência do imposto de renda no art. 7º da Lei nº 9.779/1999, segundo o qual "os rendimentos do trabalho, com ou sem vínculo empregatício, e os da prestação de serviços, pagos, creditados, entregues, empregados ou remetidos a residentes ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de vinte e cinco por cento". Esclarece, ainda, que o caso envolve a prestação de serviços técnicos profissionais sem transferência de tecnologia, de maneira que a renda decorrente destas operações classifica-se como "outros rendimentos", e não como "lucro", o que autoriza a tributação no Brasil, na forma do Ato Declaratório COSIT nº 1/2000 e do art. 22 da referida Convenção: Ato Declaratório COSIT nº 1/2000 I - As remessas decorrentes de contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia sujeitam-se à tributação de acordo com o art. 685, inciso II, alínea "a", do Decreto nº 3.000, de 1999. II - Nas Convenções para Eliminar a Dupla Tributação da Renda das quais o Brasil é signatário, esses rendimentos classificam-se no artigo Rendimentos não Expressamente Mencionados, e, conseqüentemente, são tributados na forma do item I, o que se dará também na hipótese de a convenção não contemplar esse artigo. [...] Convenção assinada entre o Brasil e os Países Baixos ARTIGO 22 Outros Rendimentos Os rendimentos de um residente em um Estado Contratante, provenientes do outro Estado Contratante e não disciplinados nos Artigos precedentes desta Convenção, podem ser tributados nesse outro Estado. Observa-se, pois, que a controvérsia consiste em esclarecer se o dinheiro enviado para fora do país com o fim de pagar serviços técnicos realizados no exterior constitui "lucro" ou "outros rendimentos" da empresa

destinatária (no caso, holandesa), de modo a impedir ou autorizar o recolhimento de imposto de renda pela Receita Federal do Brasil. A mesma tese defendida pela Fazenda Nacional nestes autos foi exposta perante o Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1161467, ocasião em que a União também buscou enquadrar os rendimentos pagos à empresa estrangeira como "rendimentos não expressamente mencionados", salientando que "o que é pago pela prestação de um serviço não pode ser tido como lucro, porquanto se constitui em parcela da receita percebida que poderá compor o lucro, após as adições ou exclusões determinadas pela legislação pátria". Porém, o STJ rejeitou esta argumentação, estabelecendo que a natureza jurídica dos rendimentos pagos por empresa brasileira a outra sediada no estrangeiro pela prestação de serviços executados no exterior é de "lucro" na modalidade "lucro operacional", definida no art. 11 do Decreto n.º 3.000/1999 como resultado das atividades, principais ou acessórias, que constituam objeto da pessoa jurídica. Para melhor compreensão do raciocínio que levou a esta conclusão, destaco os seguintes trechos do voto condutor do acórdão: Ao que se apura, discute-se o enquadramento jurídico das quantias enviadas ao exterior como: "lucro", tal como defendido pela recorrida, ou "rendimentos não expressamente mencionados" nas duas Convenções, como sustenta a Fazenda Nacional. Os rendimentos não expressamente mencionados serão tributáveis no Estado de onde se originam. Já os expressamente mencionados, dentre eles o "lucro da empresa estrangeira", serão tributáveis no Estado de destino, onde domiciliado o adquirente. A recorrente nega-se a qualificar o valor remetido como "lucro da empresa estrangeira". Segundo entende, o que é pago pela prestação de um serviço não pode ser tido como lucro, porquanto se constitui em parcela da receita percebida que poderá compor o lucro, após as adições ou exclusões determinadas pela legislação pátria. Em outras palavras, a Fazenda Nacional equipara "lucro da empresa estrangeira", previsto no art. VII das duas Convenções, à "lucro real da empresa estrangeira". [...] A tese é engenhosa, mas não convence.

A expressão "lucro da empresa estrangeira", contida no art. VII das duas Convenções, não se limita ao "lucro real". Do contrário, não haveria materialidade possível sobre a qual incidir o dispositivo, porque todo e qualquer pagamento ou remuneração remetido ao estrangeiro está – e estará sempre – sujeito a adições e subtrações ao longo do exercício financeiro. A tributação do rendimento somente no Estado de destino torna possível que lá sejam realizados os ajustes necessários à apuração do lucro efetivamente tributável. Caso se admita a retenção antecipada – e, portanto, definitiva – do tributo na fonte pagadora, como defende a Fazenda Nacional, serão inviáveis os referidos ajustes, afastando-se a possibilidade de compensação se apurado lucro real negativo no final do exercício financeiro. Portanto, "lucro da empresa estrangeira" deve ser interpretado em acepção mais ampla do que "lucro real", sob pena de tornar sem valia o dispositivo e acolher a bitributação internacional como regra na Convenção, que objetiva, justamente, coibi-la. [...] (STJ, 2ª Turma, REsp 1161467, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJe 1.6.2012) Portanto, aplicando-se esta orientação ao caso concreto, conclui-se que a Impetrante tem direito de não recolher o imposto de renda quando da remessa de valores para empresa sediada na Holanda, uma vez que tais quantias constituem o lucro da empresa holandesa, independente de haver outros descontos e abatimentos posteriores por conta da legislação local. Também por este motivo, é irrelevante o fato de o serviço ser prestado pela empresa holandesa a preço de custo, tendo em vista que o lucro efetivo da sociedade ainda será apurado em conformidade com as leis vigentes naquele país. Desta forma, em consonância com o que dispõe o art. 7º da Convenção assinada entre Brasil e os Países Baixos, a tributação deverá ocorrer apenas na Holanda, sendo ilegítima a pretensão da Fazenda Nacional de tributar os valores no Brasil, sob pena de afronta à norma internacional que tem por escopo afastar a bitributação e desonerar as relações comerciais entre os dois países. Acrescente-se que o fato de as empresas Shell Brasil Petróleo Ltda. e Shell International Exploration and Productior B.V. pertencerem ao mesmo

grupo econômico não afasta a aplicação do art. 7º da Convenção, pois não há regra que torne obrigatória a retenção de imposto de renda no Brasil caso a operação tributada envolva empresas que mantenham este tipo de vínculo. Ressalte-se, também, que as empresas contratantes são pessoas jurídicas distintas, com sedes sociais diferentes, razão pela qual não se aplica ao caso o precedente citado pela União em seu recurso, tendo em vista que, naquela hipótese, considerou-se que as empresas envolvidas tinham a mesma sede (em Haia, na Holanda), o que poderia ensejar confusão entre credores e devedores, justificando a incidência do art. 116, parágrafo único do CTN. Ademais, a formação de um grupo econômico entre empresas coligadas não faz com que a sociedade holandesa Shell International Exploration and Productior B.V. tenha um estabelecimento permanente no Brasil, conforme disposto no art. 5º, item 8 da Convenção, verbis: 8. O fato de uma sociedade residente de num Estado Contratante controlar ou ser controlada por sociedade residente no outro Estado Contratante, ou exercer suas atividades naquele outro Estado (quer por meio de um estabelecimento permanente, ou por outro modo) , não será, por si só, bastante para fazer de uma dessas sociedades estabelecimento permanente da outra. A União alega, ainda, que "os contratos firmados pela Shell Brasil Petróleo Ltda. com a empresa holandesa Shell International Exploration and Productior B.V., sem transferência de tecnologia, de orientação profissional e serviços, bem como a perfuração de poços de petróleo, o foram por prazo superior a 6 (seis) meses, o que caracteriza a existência de 'estabelecimento permanente'" (fls. 395/396). Contudo, a Apelada nega a caracterização de estabelecimento permanente, considerando que "a Fazenda Nacional pretende fazer crer que a Shell Brasil Petróleo Ltda. [...] seria uma empresa de fachada" e que a União "não trouxe qualquer comprovação documental de que a prestadora de serviços teria um estabelecimento permanente no Brasil [...]" (fls. 427/428). No ponto, verifica-se que a Convenção somente utiliza o critério temporal para caracterizar a existência de estabelecimento permanente quando o serviço for prestado em "um canteiro de edificação, uma construção, um projeto em montagem ou instalação" (art. 5º, 3), circunstâncias estas que não foram comprovadas pela União no caso concreto. Ademais, tratando-se de prestação de serviços de orientação profissional para perfuração de poços de petróleo, não é possível presumir que o objeto do contrato foi realizado nas condições descritas.

Por derradeiro, cabe esclarecer que o art. 9º da Convenção, que dispõe sobre a tributação de empresas associadas, não é aplicável ao caso concreto, por disciplinar a prática denominada de preços de transferência. Nas palavras de Alberto Xavier: A prática denominada de preços de transferência consiste na política de preços que vigora nas relações internas de empresas interdependentes e que, em virtude destas relações especiais, pode conduzir à fixação de preços artificiais distintos dos preços de mercado. A figura da transferência indireta de lucros (transfer pricing) pressupõe uma divergência entre o preço efetivamente estipulado e o preço "justo", "normal" ou "objetivo", entendendo-se por este o que seria fixado entre empresas interdependentes, atuando em circunstâncias análogas [...]. [...] A figura dos preços de transferência encontra-se disciplinada no art. 9º do Modelo OCDE, de que não se afastam as diversas convenções assinadas pelo Brasil. [...] Em face deste preceito, consideramos requisitos essenciais deste instituto: (a) o elemento de estraneidade; (b) o nexo de interdependência; (c) a obtenção de vantagem anormal; (d) o nexo causal entre a vantagem e a interdependência. Como se verifica, este artigo versa sobre matéria estranha aos autos, pois não se está discutindo se os eventuais lucros obtidos com a prestação de serviços seriam anormais, de modo a justificar uma tributação diferenciada para evitar a elisão fiscal. Ante o exposto, NEGO PROVIMENTO À APELAÇÃO E À REMESSA NECESSÁRIA. É como voto. RICARDO PERLINGEIRO Desembargador Federal

EMENTA APE L AÇÃO CÍVE L E RE ME SSA NE CE SSÁRIA. I MP OS T O DE RE NDA. CONVE NÇÃO P ARA E VI T AR BI T RI BUT AÇÃO. RE ME S S A DE VAL ORE S P ARA O E XT E RI OR. 1. A natureza jurídica dos rendimentos pagos por em pr esa br asi l ei r a a out r a sedi ada no est r angei r o pel a pr est ação de ser vi ços execut ados no ext er i or é de "lucr o" na modalidade "lucr o oper acional", def inida no ar t . 11 do Decr et o n. º 3. 000/ 1999 com o r esul t ado das at i vi dades, pr i nci pai s ou acessór i as, que const i t uam objeto da pessoa jur ídica ( S T J, 2ª T ur ma, RE sp 1161467, Rel . Mi n. CAS T RO ME I RA, DJe 1. 6. 2012) . Apl i cável , por t ant o, o ar t . 7º da Convenção assi nada ent r e o Br asi l e os P aí ses Bai xos dest i nada a evi t ar a dupl a t r i but ação e pr eveni r a evasão f i scal em m at ér i a de i m post os sobr e o r endi m ent o - Decr et o nº 355/ 1991, que per m i t e a i nci dênci a do i m post o de r enda apenas no E st ado onde se si t ua o est abel eci m ent o per m anent e pr est ador do ser vi ço. 2. A pr est ação do ser vi ço a pr eço de cust o não af ast a a apl i cação do ar t . 7º da Convenção, t endo em vi st a que o l ucr o ef et i vo da soci edade ai nda ser á apur ado em conf or m i dade com as l ei s vi gent es no est r angei r o. 3. O f at o de as em pr esas cont r at ant e e cont r at ada per t encer em ao m esm o gr upo econôm i co não i m pede a incidência do ar t. 7º da Convenção, pois não há r egr a que t or ne obr i gat ór i a a r et enção de i m post o de r enda no Br asi l caso a oper ação t r i but ada envol va em pr esas que m ant enham est e t i po de ví ncul o. 4. A pr est ação do ser vi ço cont r at ado por pr azo super i or a sei s m eses, sem pr ova de que as at i vi dades f or am desem penhadas em cant ei r o de edi f i cação, const r ução, pr ojeto em montagem ou instalação ( ar t. 5º da Convenção), não caracteriza a existência de est abel eci m ent o per m anent e. 5. I napl i cabi l i dade do ar t . 9º da Convenção, que di spõe

sobr e a t r i but ação de em pr esas associ adas e di sci pl i na a pr át i ca denom i nada de pr eços de t r ansf er ênci a, por se t r at ar de m at ér i a est r anha aos aut os. 6. Apel ação e Rem essa Necessár i a não pr ovi das.

ACÓRDÃO Vi st os, r el at ados e di scut i dos est es aut os, em que são par t es as aci m a i ndi cadas, deci de a T er cei r a T ur m a E speci al i zada do T r i bunal Regi onal F eder al da 2ª Região, por unanimidade, negar pr ovimento à Apelação e à Rem essa Necessár i a, na f or m a do r el at ór i o e do vot o, const ant es dos aut os, que f i cam f azendo par t e do pr esent e j ul gado. Ri o de Janei r o, 10 de j unho de 2014 ( dat a do julgamento) . RI CARDO P E RL I NGE I RO Desem bar gador F eder al

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