Convergência e a atualização do contrato de comunicação de veículos noticiosos multiplataforma: buscando marcas no dispositivo jornalístico

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Convergência e a atualização do contrato de comunicação de veículos noticiosos multiplataforma: buscando marcas no dispositivo jornalístico

Convergência e a atualização do contrato de comunicação de veículos noticiosos multiplataforma: buscando marcas no dispositivo jornalístico Vivian de Carvalho Belochio Doutoranda em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul [email protected]

Resumo Este artigo aborda a possibilidade da atualização do contrato de comunicação estabelecido em veículos noticiosos em contexto de convergência jornalística. Ele parte de uma reflexão inicial sobre a questão, focando-se nas transformações provocadas por uma das dimensões desse processo: a distribuição multiplataforma. Ela é considerada como potencial influência para a transformação dos dispositivos jornalísticos.

Palavras-chave Convergência Jornalística; Contrato de Comunicação; Zero Hora; Distribuição Multiplataforma; Jornalismo Digital.

1 Introdução O presente trabalho tem como objetivo central refletir sobre a possibilidade da atualização do contrato de comunicação estabelecido em veículos noticiosos em contexto de convergência jornalística. O trabalho realiza uma reflexão inicial sobre a questão, focando-se nas transformações provocadas por uma das dimensões desse processo: a distribuição multiplataforma. Ela é considerada aqui como potencial influência para a transformação dos dispositivos jornalísticos.

18 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 26, p. 18-37, jul. 2012.

Convergência e a atualização do contrato de comunicação de veículos noticiosos multiplataforma: buscando marcas no dispositivo jornalístico

Num primeiro momento, discute-se a convergência jornalística e as transformações que ela vem provocando nos processos de produção e na própria configuração dos produtos noticiosos. Destacam-se as dimensões da convergência jornalística (SALAVERRÍA, 2003; DOMINGO et al., 2007; SALAVERRÍA, NEGREDO, 2008) e as suas implicações possíveis nas formas de pensar o fazer jornalístico. Em seguida, define-se o contrato de comunicação e as suas lógicas na comunicação midiática a partir de Charaudeau (2007). Por fim, reflete-se sobre o dispositivo jornalístico e a sua possível modificação a partir das dinâmicas da distribuição multiplataforma. Exemplos coletados do jornal gaúcho Zero Hora são descritos no último tópico.

2 Convergência jornalística: dinâmicas transformando produtos O jornalismo vem se desenvolvendo de forma estratégica no ciberespaço, desde que reconheceu a importância de se adequar ao perfil dos leitores e às tecnologias características deste meio. Tal transformação aconteceu ao longo das suas quatro gerações1 na Web (MIELNICZUK, 2003; BARBOSA, 2007; 2008). Entre as mudanças observadas durante o seu desenvolvimento, destacam-se o surgimento de novas práticas e linguagens mediante a apropriação e o agenciamento de diferentes tecnologias. Elas permitem a produção e o consumo das informações de maneira diferente daquela observada nos veículos jornalísticos tradicionais. Para exemplificar, é interessante observar as dinâmicas abertas com a simples apresentação hipertextual dos conteúdos. As possibilidades de organização dos mesmos e, além disso, de consumo destes, automaticamente foram alteradas2. Igualmente, a utilização de recursos de áudio e de vídeo, além do texto, na construção das notícias, resultou na adoção do que SALAVERRÍA (2003) chama de retórica jornalística multimídia3. Também se

Mielniczuk (2003) identifica a fase da transposição (ou cópia) dos conteúdos de suportes analógicos ao contexto digital (primeira geraç~o); de reaproveitamento, ou “fase da met|fora” (segunda geraç~o), observando-se a potencialização dos conteúdos e explorando-se recursos das redes; e a terceira geraç~o, marcada por “tentativas de, efetivamente, explorar e aplicar as potencialidades oferecidas pela web para fins jornalísticos” (2003, p.36). Na quarta geraç~o, mudanças radicais ocorreram a partir da incorporação da tecnologia das bases de dados (BDs) nos processos e sistemas produtivos do jornalismo no ciberespaço. Criou-se um novo modelo para a produção e a apresentação das notícias e dos conteúdos em redes: o paradigma do jornalismo digital em base de dados (JDBD) (BARBOSA, 2007). 2 RIBAS (2005) destaca que, com a adoção da linguagem hipertextual, as notícias passaram a ser acessadas, o que representa mudanças interessantes no relacionamento do público com os conteúdos jornalísticos. 3 Segundo o autor, a revolução digital permite o surgimento e o desenvolvimento dessa retórica, mediante a utilização de tecnologias que permitem a construção de novas linguagens. 1

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destacam como práticas diferentes a distribuição de conteúdos em múltiplas plataformas4 e o aproveitamento de iniciativas da inteligência coletiva (LÉVY, 1998) na Web 2.0 (O’REILLY, 2005), incluindo-se aí a implantação de sistemas participativos e colaborativos5 nas publicações. Mais recentemente, com o lançamento de diferentes versões dos produtos noticiosos em aparatos móveis, como celulares e tablets, foram ampliadas as possibilidades de como os conteúdos jornalísticos podem ser disponibilizados e de como o contato do público com as notícias pode acontecer. É pertinente atentar para o fato de que as alterações expostas nos parágrafos anteriores podem ser potencializadas nos veículos em contexto de convergência jornalística. Segundo Barbosa (2009, p.38), trata-se de “uma das subconvergências ora em aç~o em um panorama mais extensivo marcado pelo paradigma da convergência”. Jenkins (2008, p.31) salienta que uma das características do referido paradigma é a interaç~o entre “novas e antigas mídias (...) de formas cada vez mais complexas”. Ele destaca que neste modelo acontecem o “fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midi|ticos”, a “cooperaç~o entre múltiplos mercados midi|ticos” e o “comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam.” (JENKINS, 2008, p.27). Nesta realidade, como afirma Barbosa (2009), torna-se possível a convergência jornalística, entendida da seguinte forma:

[...] o que caracteriza a convergência jornalística é a integração entre meios distintos; a produção de conteúdos dentro do ciclo contínuo 24/7; a reorganização das redações; jornalistas que são plataform-agnostic, isto é, capazes de tratar a informação – a notícia – de maneira correta, seja para distribuir no impresso, na web, nas plataformas móveis, etc; a introdução de novas funções, além de habilidades multitarefas para os jornalistas; a comunidade/audiência ativa atuando segundo o modelo Pro-Am (profissionais em parceria com amadores). (BARBOSA, 2009, p.38)

Como acontece quando os veículos jornalísticos se manifestam em redes sociais na internet (RECUERO, 2009). Neste trabalho, parte-se da ideia de que sistemas participativos e colaborativos possuem diferenças baseadas no tipo de trocas que permitem. A colaboraç~o é considerada um “estilo que implica intervenç~o, mais que uma participaç~o subjetiva e reativa no jornalismo digital” (BELOCHIO, 2010), envolvendo, dessa forma, interações mútuas, caracterizadas “por relações interdependentes e processos de negociação, em que cada interagente participa da construção inventiva e cooperada do relacionamento, afetando-se mutuamente” (PRIMO, 2007, p.57). J| a participaç~o é vista como um processo mais geral, que também pode abranger interações reativas. Segundo Primo (2007, p.57) elas s~o limitadas “por relações determinísticas de estímulo e resposta”. Assim ocorre nas enquetes, por exemplo, nas quais as opções de interação são pré-determinadas e os resultados do processo são previsíveis. Na navegação, esse tipo de interação também é possível, visto que o interagente acessa conteúdos pré-fabricados clicando nos links que escolher. 4 5

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São características do processo descrito a unificação das redações de veículos impressos, radiofônicos e televisivos e a exigência crescente de profissionais polivalentes (DOMINGO et al., 2007; SALAVERRÍA, 2003; SALAVERRÍA, NEGREDO, 2008; RAMOS, 2010; BARBOSA, 2009; RODRIGUES, 2009; KISCHINHEVSKY, 2009). Segundo Barbosa (2009, p.37), isso pode ser observado quando “em uma redaç~o integrada ou em redações independentes de distintos meios trabalhando em cooperação se elaboram conteúdos e produtos para mais de um meio, adaptados de acordo com as linguagens específicas de cada um”. Uma das consequências dessa pr|tica, para Rodrigues (2009, p.30), é que seja afetado “o desempenho de todos os tipos de profissionais, embaralhando as fronteiras das classificações de jornalismo e trazendo consequências para a formaç~o profissional”. Salaverría (2003) e Salaverría e Negredo (2008) citam quatro dimensões da convergência jornalística: a) Empresarial, referente à multiplicação de meios administrados por um único grupo de comunicação; b) Tecnológica, relacionada com a adoção de tecnologias digitais que provocam a reconfiguração das tarefas jornalísticas tradicionais e permitem a inovação; c) Profissional, ligada à mudança do perfil dos profissionais nas redações, que se tornam multiárea e multimídia; d) Comunicacional, marcada pela criação de novos horizontes para a expressão jornalística, a partir da apropriação das tecnologias digitais e das novas configurações organizacionais estabelecidas no sistema convergente. Já Domingo et al. (2007, p.3) considera como dimensões da convergência: a) A produção integrada, relacionada à unificação das redações de diferentes meios e à produção de conteúdos distintos para cada um deles, considerando-se as suas especificidades; b) O jornalista polivalente, profissional capaz de desenvolver a chamada pauta integrada6 (BARBOSA, 2010); c) A distribuição multiplataforma, referente à circulação de conteúdos em múltiplos ambientes da Web 2.0 e em diferentes suportes;

Segundo Barbosa (2010), a pauta integrada significa “como partir de uma ideia, de um assunto amplo, apurar, pesquisar e prever como seriam os conteúdos multimídia que estariam agregados, pensando principalmente na estrutura hipertextual desse material” (TONETTO, CUNHA, 2010, p.87). 6

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d) A audiência ativa, relacionada com a inclusão do público na produção das notícias, por meio de sistemas de participação ou de colaboração. Na opini~o de Domingo et al. (2007), as fases citadas têm “diferentes níveis de desenvolvimento, fazendo da convergência um processo aberto com muitos resultados diferentes possíveis7”. Salaverría (2003, p.7) acredita que a convergência jornalística possibilita o desenvolvimento de um “modelo de jornalismo entendido como um continuum informativo que se difunde através de múltiplas plataformas”. Além das impressões dos autores, compreende-se neste trabalho que cada uma das dimensões listadas pode trazer implicações diretas nas formas de pensar o fazer jornalístico. Em outras palavras, elas podem interferir nas dinâmicas de produção e de distribuição de conteúdos noticiosos, sendo que as ações realizadas pelos atores envolvidos em tais transformações podem afetar o produto final.

3 A instância midiática em contexto de convergência jornalística: atualização do contrato de comunicação? Verifica-se, no cenário descrito até aqui, a possibilidade de que tenham se alterado as expectativas dos jornalistas com relação às preferências do público e deste sobre o perfil dos produtos jornalísticos. Como afirmam Salaverría e Negredo (2008, p.47), “os cidad~os dispõem cada vez mais, em suas mãos, de aparatos que lhes permitem acessar conteúdos textuais, sonoros e gráficos em qualquer momento e de qualquer lugar 8”. Isso obriga os meios noticiosos a buscarem alternativas que permitam acompanhar as distintas tendências que surgem a partir daí. Para os autores, o que se percebe nessa realidade é a mudança de prioridades das empresas jornalísticas, com a finalidade de conquistar a audiência de maneira diferente: De forma mais geral, é levantado um desafio na hora de servir ao usuário, que cada vez será mais exigente. Já não faz parte de uma audiência cativa: se seu jornal de toda a vida não lhe oferece na Internet um conteúdo apropriado para o suporte, ele o buscará na casa de um pure player que cubra melhor suas

Traduç~o livre do seguinte trecho: “[...]can have a different level of development, making convergence an open process with many possible different outcomes”. 8 Tradução livre do seguinte trecho: [...] los ciudadanos disponen cada vez más en sus manos de aparatos que les permiten acceder a contenidos textuales, sonoros y gr|ficos en cualquier momento y desde cualquier lugar” (SALAVERRÍA, NEGREDO, 2008, p.47). 7

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necessidades (...) Se impõe uma mudança de prioridades9. (SALAVERRÍA, NEGREDO, 2008, p.61)

Assim, ocorrem distintas iniciativas de um mesmo veículo noticioso em conjunturas diferenciadas, como forma de atender demandas da convergência jornalística. À medida que tal movimento se realiza, podem emergir novos tipos de relacionamentos entre estes e o público. A diversificação das linguagens, dos espaços de atuação e dos suportes nos quais um produto noticioso pode ser oferecido complexificam as estratégias do jornalismo em redes. Diante disso, questionamos: como tal realidade atualiza o contrato de comunicação (CHARAUDEAU, 2007) desses veículos? Para refletir sobre a questão, é necessário compreender, num primeiro momento, como se estabelece um contrato de comunicação. Segundo Charaudeau (2007):

O necessário reconhecimento recíproco das restrições da situação pelos parceiros da troca linguageira nos leva a dizer que estes estão ligados por uma espécie de acordo prévio sobre os dados desse quadro de referência. Eles se encontram na situação de dever subscrever, antes de qualquer intenção e estratégia particular, a um contrato de reconhecimento das condições de realização da troca linguageira em que estão envolvidos: um contrato de comunicação. (CHARAUDEAU, 2007, p.68)

O autor acrescenta que tal contrato resulta de dados externos e internos. Os dados externos s~o “características próprias { situaç~o de troca”. Eles s~o compostos por “regularidades comportamentais” e por “constantes” típicas das trocas que se estabilizaram ao longo do tempo. Em outras palavras, são os padrões cristalizados destes intercâmbios. S~o legitimados a partir de “discursos de representaç~o que lhes atribuem valores e determinam assim o quadro convencional no qual os atos de linguagem fazem sentido” (CHARAUDEAU, 2007, p.68). Charaudeau (2007) define quatro tipos de condições de produção linguageira pertencentes aos dados externos, a saber: a) A identidade dos parceiros engajados na troca, referente aos “traços identit|rios que interferem no ato de comunicaç~o” (CHARAUDEAU, 2007, p.69); Tradução livre do seguinte trecho: “De forma m|s general, se plantea un desafio a la hora de servir al usuario, que cada vez será más exigente. Ya no forma parte de una audiencia cautiva: si su periódico de toda la vida no le oferece en Internet un contenido apropriado para el soporte, lo buscar| en casa de un pure player que cubra mejor sus necesidades (…) Se impone un cambio de prioridades”. 9

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b) A finalidade, relacionada com a organização de um ato de linguagem a partir de um objetivo específico. Este cria a expectativa de sentido a partir da finalidade do dizer; c) O propósito, ligado à construção de sentidos em universos de discurso baseados em um “macro-tema”. Nestes espaços podem ser incluídos outros temas e subtemas, desde que os parceiros envolvidos os reconheçam; d) O dispositivo, que, segundo Charaudeau (2007, p.70), “é a condiç~o que requer que o ato de comunicação se construa de uma maneira particular, segundo as circunstâncias materiais em que se desenvolve”. Trata-se do “quadro topológico da troca” e tem ligaç~o com o espaço onde ocorre o ato de comunicação, com os lugares físicos ocupados pelos parceiros e com o canal de transmissão utilizado (CHARAUDEAU, 2007). J| os dados internos s~o referentes {s “características discursivas decorrentes” dos dados externos. Os dados internos estão relacionados com as maneiras de dizer. Segundo Charaudeau (2007, p.70), eles “s~o o conjunto dos comportamentos linguageiros esperados quando os dados externos da situação de comunicação são percebidos, depreendidos, reconhecidos”. Os dados internos s~o divididos em “três espaços de comportamentos linguageiros”, que s~o: 1) O espaço de locução, no qual o sujeito falante deve “conquistar o seu direito de poder comunicar”, identificando previamente o destinat|rio e impondo-se a ele; 2) O espaço de relação, no qual o sujeito falante define a sua identidade de locutor e a identidade do seu interlocutor, constituindo “relações de força ou de aliança, de exclus~o ou de inclus~o, de agress~o ou de conivência” com o mesmo (CHARAUDEAU, 2007, p.71); 3) O espaço de tematizaç~o, no qual é “tratado e organizado o domínio (ou domínios) do saber, o tema (ou temas) da troca, sejam eles predeterminados ou introduzidos pelos participantes da troca” (CHARAUDEAU, 2007, p.71). Todas as lógicas mencionadas anteriormente se aplicam à comunicação midiática. A observação das características do contrato de comunicação nesse contexto, entretanto, depende da identificação de aspectos relacionados à instância de produção e à instância de recepção. Charaudeau (2007) chama a instância de produção de instância midiática, definindo-a como a “inst}ncia global de produç~o que integra os diferentes atores que contribuem para determinar a inst}ncia da enunciaç~o discursiva” (CHARAUDEAU, 2007, p.73). A inst}ncia de recepç~o é definida como o público enquanto “entidade compósita que n~o pode ser tratado de maneira global” (2007, p.78). Esta se diferencia considerando-se 24 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 26, p. 18-37, jul. 2012.

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fatores como os suportes de transmissão, por exemplo. Além disso, o público é visto de forma distinta nas situações em que é alvo e nas quais é consumidor. Como visto, cada instância é composta por conjuntos de atores envolvidos em sistemas e níveis distintos de trocas e de geração de sentidos. Nos interessam especificamente as características assumidas pela instância midiática em contextos de convergência jornalística. Como tais aspectos afetam o seu contrato de comunicação com a instância de recepção? Tendo em vista que os processos da convergência envolvem desde as iniciativas empresariais até as rotinas dos profissionais dentro das redações, conforme destacado anteriormente, como se atualiza o contrato estabelecido nessas organizações? Entende-se que, se a instância midiática é efetivamente composta por grupos de atores que contribuem para o sentido final do discurso midiático, e a convergência jornalística atinge esses grupos diretamente, pode-se considerar o pressuposto apresentado. A proposta central deste artigo é realizar uma reflexão inicial sobre a questão. Com este intuito, uma das dimensões da convergência jornalística, a distribuição multiplataforma, será discutida a seguir. Ela é considerada aqui como potencial influência para a transformaç~o dos dispositivos jornalísticos. Segundo Charaudeau (2007, p.70), “o dispositivo é o que determina variantes de realização no interior de um mesmo contrato de comunicaç~o”. Sendo assim, ele pode influenciar a sua transformaç~o. Exemplos coletados de maneira aleatória do jornal gaúcho Zero Hora10 serão descritos, com a finalidade de destacar aspectos da dinâmica de um veículo noticioso com atuação em múltiplas plataformas.

3.1 Distribuição transformação

multiplataforma:

dispositivos

jornalísticos

em

Conforme exposto anteriormente, a distribuição multiplataforma tem como característica principal a disponibilização de notícias e de conteúdos em diferentes espaços e suportes. Salaverría e Negredo (2008) lembram que:

[...] quando se fala de “produção jornalística multiplataforma” (ou cross-media) refere-se àqueles processos tecnológicos e editoriais orientados à geração de conteúdos para seu posterior consumo através de múltiplos meios ou dispositivos de recepção. Quando uma informação é elaborada por um único 10

Jornal mantido pelo Grupo RBS, com sede na capital gaúcha, Porto Alegre.

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produtor, mas pode ser consumida através de distintos suportes, se fala, finalmente, em multiplataforma (Grifo meu)11. (SALAVERRÍA, NEGREDO, 2008, p.53)

Os autores explicam que esse tipo de procedimento pode fazer com que uma notícia seja “redifundida”, isto é, que ela seja replicada em diferentes suportes: impresso, televisivo, radiofônico, internet e móvel. Nestes casos, pode ocorrer, conforme os autores, o processo de “shovelware”, que significa “publicar informaç~o em massa, sem seleção nem adaptação ao suporte” (SALAVERRÍA, NEGREDO, 2008, p.58). Isso pode ser observado quando uma mesma informação aparece em dois ou mais suportes de distribuição sem alterações ou adequações. Verifica-se, aí, um movimento de apropriação tecnológica conservador, que prioriza a continuidade das práticas e dos modelos institucionalizados. É o que ocorria na primeira geração do jornalismo digital, por exemplo, na qual acontecia a transposição dos conteúdos veiculados no suporte impresso para a Web sem considerar as peculiaridades do meio, bem como o perfil dos seus consumidores (MIELNICZUK, 2003). Os pesquisadores atentam para o fato de que essa manifestação ampliada de um veículo jornalístico12 pode, também, ir além do shovelware, chegando à fase denominada “repurposing”. Esta ultrapassa a reproduç~o de conteúdos e de formatos, chegando { “adaptaç~o editorial expressa da matéria prima informativa com conteúdo reciclado que tira o máximo partido das potencialidades comunicacionais próprias da nova plataforma13” (SALAVERRÍA, NEGREDO, 2008, p.59). Relaciona-se tal processo ao que Bolter e Grusin (2000) chamam de remediação. Trata-se da adaptação de determinadas lógicas, modelos e práticas às potencialidades de novas tecnologias, sem que a sua essência cristalizada seja perdida ou substituída. Pode resultar na potencialização (PALACIOS, 2002), ou na própria renovação de padrões estabelecidos.

Tradução livre do seguinte trecho: [...] “cuando se habla de ‘producción periodística multiplataforma’ (o cross-media) se alude a aquellos procesos tecnológicos y editoriales que se orientan a la generación de contenidos para su posterior consumo a través de multiplos medios o dispositivos de recepción. Cuando uma información es elaborada por un único productor pero puede ser consumida a distintos soportes se habla, em fin, de multiplataforma”. 12 Na convergência jornalística, a construção de conteúdos para diferentes suportes pode acontecer em organizações que mantêm vários tipos de meios noticiosos vinculados a ela, tais como o Grupo RBS, por exemplo. Nesses casos, as redações de veículos impressos, radiofônicos, televisivos e de Web podem trabalhar em regime de colaboração, sendo unificadas ou não. Aí se verifica, em determinadas ocasiões, a organização e o desenvolvimento de pautas integradas, que contemplam as diferentes linguagens e possibilidades de cada meio para a construção da notícia de forma direcionada. Esse sistema pode acontecer, também, quando apenas um veículo jornalístico tem representações em múltiplos suportes. O foco deste trabalho é esta última realidade. 13 Traduç~o livre do seguinte trecho: “adaptación editorial expresa de la materia prima informativa, com lo que el contenido reciclado aprovecha a fondo las potencialidades comunicativas proprias de la nueva plataforma”. 11

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Considera-se

que,

além

dos

dois

processos

mencionados,

a

distribuição

multiplataforma pode resultar em modificações mais radicais. Um único produto, ao ramificar as suas manifestações em ambientes distintos, pode alterar as suas possibilidades de relacionamento com o público. Compreende-se que as diferentes iniciativas realizadas nesse sentido, em contextos de convergência, podem interferir na organização tradicional dos dispositivos do jornalismo. Como destaca Charaudeau (2007), o dispositivo14 é um dos elementos que permitem o reconhecimento recíproco, ou a cointencionalidade, estabelecidos entre a instância de produção e a instância de recepção, necessários quando se institui um contrato de comunicaç~o. Na comunicaç~o midi|tica, o dispositivo “constitui o ambiente, o quadro, o suporte físico da mensagem, mas não se trata de um simples vetor indiferente ao que veicula, ou de um meio de transportar qualquer mensagem sem que esta se ressinta das características do suporte” (CHARAUDEAU 2007, p.105). Diz o autor:

De maneira geral, ele compreende um ou vários tipos de materiais e se constitui como suporte com o auxílio de uma tecnologia. É no material que se informa, toma corpo e se manifesta, de maneira codificada, o sistema significante: a oralidade, a escrituralidade, a gestualidade, a iconicidade. No estudo do dispositivo, pode-se incluir a natureza da textura desse material: a vibração da voz, o pigmento das cores, a tipografia, etc. (...) O suporte também é um elemento material e funciona como canal de transmissão, fixo ou móvel: pergaminho, papel, madeira, uma parede, ondas sonoras, uma tela de cinema, uma tela de vídeo. (CHARAUDEAU, 2007, p.105)

Diante disso, entende-se que um veículo como o jornal impresso, por exemplo, pode ser compreendido como um dispositivo do jornalismo, com características e regras internas peculiares e fronteiras que delimitam a situação de comunicação. Trata-se de um ambiente especial, que apresenta manifestações (materiais) inerentes. Falando sobre o jornalismo como um gênero discursivo, Benetti (2007, p.11) observa que “a produç~o do discurso jornalístico se dá em um ambiente com configurações bastante específicas” (BENETTI, 2007,

Os estudos sobre a midiatização trazem discussões mais amplas sobre as funções do dispositivo midiático e acerca das suas possíveis apropriações. Ferreira (2006, p.145), por exemplo, afirma que ele é “lugar de acoplamentos estruturais entre v|rios sistemas”. Ele entende que tais acoplamentos, que significam o interrelacionamento de fatores sociais, discursivos, simbólicos e tecnológicos, expandem o processo de midiatização. Logo, à medida que os dispositivos midiáticos adquirem diferentes significados a partir das situações em que são apropriados, privilegiam a unificação de mercados discursivos, ou a interdiscursividade (FAUSTO NETO, 2006). A técnica e a tecnologia adquirem, nesse sentido, status distinto. Para atender à finalidade do presente artigo, contudo, optou-se por trabalhar com a abordagem de Charaudeau (2007) sobre o dispositivo, visto que ela está mais relacionada ao contrato de comunicação. Não é nossa intenção refletir, neste texto, sobre a midiatização. 14

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p.11). Segundo a pesquisadora, estas caracterizam a sua condição de dispositivo. Pode-se relacionar tal compreensão com a situação do jornal, exemplificada anteriormente. Acredita-se que as configurações citadas pela autora podem estar passando por alterações. À medida que a representação de um jornal é disponibilizada também na Web, na forma de jornal digital, em perfis de mídias sociais, em celulares, nas versões mobile, e em smartphones e tablets, por meio de aplicativos específicos, verifica-se a ampliação do seu espectro de ação. Surgem perfis diferentes de um mesmo produto em contextos diversificados. As particularidades tecnológicas e outras características relacionadas a cada ambiente condicionam, limitando ou expandindo, a sua apresentação naqueles espaços. Igualmente, isso ocorre com a configuração do seu relacionamento com o público.

3.2 Dinâmicas da distribuição multiplataforma no jornal Zero Hora O jornal Zero Hora é um exemplo interessante do quadro descrito anteriormente. O veículo, até pouco tempo reconhecido pelo público como jornal impresso tradicional do Estado do Rio Grande do Sul, tem representações também na Web, em versão mobile, para celulares e smartphones, e em tablets. Em cada suporte, permite o consumo diferenciado dos seus conteúdos. É interessante perceber como algumas noções tradicionais sobre o contato com a publicação podem estar sendo modificadas, partindo da sua versão impressa. Se antes da distribuição multiplataforma era comum que a exploração de determinadas pautas respeitasse a periodicidade de cada edição, o que estimulava os interessados a aguardarem as próximas publicações, o que se vê hoje é diferente. A pauta continua sendo desenvolvida em outras representações do veículo nas redes digitais, dando uma impressão de atualização contínua. O jornal costuma remeter os leitores às suas extensões nos demais suportes com os quais trabalha, propondo a ampliação da experiência do público com a publicação. É o que mostra a imagem a seguir:

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Figura 1: Chamada publicada na Zero Hora impressa convida leitores para acessarem sua versão digital.

Como pode ser visto na figura 1, chamadas para os conteúdos de Zero Hora.com, como a exibida anteriormente, são expostas no jornal impresso Zero Hora, junto às suas matérias. No caso ilustrado na imagem, que mostra a notícia “Cinzas atrapalham voos”, publicada em 2/07/2011, uma espécie de selo específico convida os leitores para acessarem mais conteúdos sobre o tema na versão digital do jornal. Estratégia semelhante é aplicada para chamar a atenção do público para os blogs de colunistas e de jornalistas vinculados ao veículo. Buscando-se mais informações sobre o assunto em Zero Hora.com, pode-se encontrar uma série de notícias relacionadas, com datas atuais e de dias anteriores, e com novos desfechos publicados em horários alternados. Dessa forma, os interessados pelo tema podem acompanhar a cobertura atualizada. Além disso, uma infografia sobre o perigo das cinzas para os aviões permanece disponível em várias das notícias sobre o assunto.

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Já em outras matérias sobre o tema, vídeos complementam a cobertura, como no caso da notícia “Cinzas de vulc~o chileno transformam Bariloche em cidade-fantasma, em pleno inverno15”, também do dia 2/07/2011. Entre os par|grafos desse texto, além da opç~o para conferir um vídeo, aparece uma chamada-convite solicitando o envio de fotografias do tempo aos interagentes, além de um link que disponibiliza foto em 360 graus da cidade atingida pelas cinzas, em Bariloche. No final da matéria aparece o seguinte link: “Leia a reportagem completa na ediç~o impressa de Zero Hora”. Este permite que os assinantes do jornal Zero Hora acessem a matéria “Paraíso engolido pelo Puyehue”, do dia 3/07/2011, em formato HTML ou na versão impressa digitalizada16. Verifica-se, nos exemplos descritos, a iniciativa de interrelacionar as coberturas jornalísticas realizadas nas versões impressa e digital de Zero Hora. Um efeito interessante dessa ação é a alteração das referências do público sobre as possibilidades de consumo das informações nos diferentes suportes onde a publicação está disponível. O leitor do impresso, depois de se relacionar com um produto palpável, imutável, pode se movimentar para o digital e, nesse espaço, tornar-se um interagente17. Nessa condição, ele pode conferir o mesmo produto em constante mutação, num sistema de construção contínua. Além disso, pode interagir mais intensamente, contando com espaços exclusivos para isso. Amplia-se a quantidade de referências que ele tem sobre a relação possível com o jornal. É interessante destacar que, além dos detalhes descritos anteriormente, as matérias exibidas em Zero Hora.com permitem o compartilhamento de chamadas no microblog Twitter e no Facebook, além da ferramenta “Enviar para um amigo”. Estas opções aparecem sempre no rodapé da página, quando se acessa as notícias. Além disso, é possível comentar e indicar erros nas matérias, entre outros recursos. Trata-se de possibilidades de intervenção que não estão presentes nas edições impressas. Entretanto, elas integram o conjunto de estratégias do veículo, configurando, simultaneamente, propostas de relacionamento com o

Disponível em http://zerohora.clicrbs.com.br/zerohora/jsp/default.jsp?uf=1&local=1§ion =Geral&newsID=a3374681.htm. 16 A versão impressa digitalizada é a edição de Zero Hora no formato em que foi publicada no suporte impresso. Os assinantes podem fazer a leitura da mesma no computador, inclusive utilizando a opção de folhear o jornal. O acesso só pode ser feito, em Zero Hora.com, mediante fornecimento de login e senha. Já no aplicativo de tablets as últimas 30 edições podem ser baixadas gratuitamente. 17 Conforme Primo (2007), “receptor, usu|rio, utilizador e novo espectador são termos infelizes no estudo da interação, pois deixam subentendido que essas figuras estão à mercê de alguém hierarquicamente superior, que é quem pode tomar de fato as decisões” (2007, p.149). Por essa raz~o, o termo interagente é utilizado, subentendendo a ação do internauta no processo interativo. 15

30 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 26, p. 18-37, jul. 2012.

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público. Os recursos presentes nas matérias observadas podem ser relacionados aos modelos de repurposing. Outra iniciativa que demonstra a criação de referências distintas sobre a experiência com o jornal Zero Hora pode ser visualizada na matéria “Divórcios est~o em alta nos cartórios gaúchos”, publicada em 14/07/2011. A próxima figura mostra a matéria:

Figura 2: Chamada publicada na Zero Hora impressa convida leitores para participarem de chat.

O texto, que fala dos impactos da lei que permite a realização de divórcios em um período de 24 horas, traz novamente um selo com chamada para Zero Hora.com (imagem ampliada). Este exibe a seguinte mensagem: “O advogado Rodrigo Falc~o, especialista em direito da família, vai participar de um chat com os internautas a partir das 13h de hoje. Participe em www.zerohora.com.br”.

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Partindo do convite realizado na versão impressa do jornal, os interessados podiam enviar as suas perguntas ao especialista com o auxílio da ferramenta CoverItLive18, a partir do horário previamente informado. O resultado foi a realização de uma conversa sobre a questão, exibida e realizada em tempo real em Zero Hora na Web (Zero Hora.com), junto à matéria “Tire suas dúvidas sobre a Lei do Divórcio”. Finalizado o bate-papo, foram expostas, nesta mesma matéria, as principais dúvidas esclarecidas durante o evento. Todo o conteúdo do chat permanece disponível no espaço. Além disso, o bate-papo foi realizado no aplicativo do jornal em tablets. A imagem que segue mostra o chat no iPad19:

Figura 3: Perguntas e respostas foram exibidas juntamente com instruções sobre a utilização do CoverItLive no tablet. “CoverItLive é uma ferramenta para coberturas online ao vivo que permite narração em texto minuto a minuto e interação com leitores, além de inserç~o de fotos e integraç~o com Twitter” (In: http://wp.clicrbs.com.br/conexaozh/como-usar-ocoveritlive/?topo=13,1,1,,,e154). 19 Vale lembrar que o jornal Zero Hora também trabalha com o Kindle, onde disponibiliza os seus conteúdos de maneira diferente. Este artigo não traz considerações sobre todos os formatos e todos os suportes nos quais a publicação aparece, devido a limitações de espaço. 18

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Verifica-se, na figura 3, a mesma matéria que foi disponibilizada em Zero Hora.com, exposta no aplicativo do jornal no iPad. Somente o título e os detalhes a respeito das principais dúvidas registradas durante o chat são diferentes. Isso aconteceu provavelmente porque as imagens foram captadas em horários distintos: no tablet o registro foi feito às 13h10, antes que novas atualizações fossem realizadas, e na Web ele ocorreu às 16h14 do mesmo dia. Entende-se que a repetição da notícia indica uma forma de shovelware entre os suportes digitais (web e móvel), visto que não há alterações expressivas, ou mesmo adaptações, da matéria prima informativa. Porém, comparando-se os conteúdos e a própria iniciativa do chat entre o meio impresso e os suportes digitais, percebe-se o repurposing. Isso porque o chat, recurso possível no meio digital, permitiu outra forma de contato do público com a informação. A fonte da notícia, que no caso do jornal impresso precisaria ser intermediada completamente pelo jornalista, sem possibilidades de intervenção dos leitores, tornou-se acessível de maneira mais direta aos interagentes. Aconteceram, através do bate-papo, interações mútuas, isto é, marcadas por diálogo, recursivas, com resultados finais imprevisíveis (PRIMO, 2007). Tudo sucedeu em tempo real, com perguntas, moderação e respostas quase instantâneas. Tal processo não é possível no jornalismo impresso, porém, no caso aqui relatado, ele foi realizado por um jornal impresso através das suas representações no meio digital.

4 Considerações finais Em casos como o exposto, acredita-se que a distribuição multiplataforma influencia a condição do dispositivo jornalístico. Ora, se o dispositivo pode ser considerado como suporte apoiado em determinada tecnologia, como já visto em Charaudeau (2007), a partir do momento em que a sua estruturação em nome de um veículo jornalístico se dá em múltiplos espaços e mediante a apropriação de diferentes aparatos tecnológicos, surgem lógicas diferenciadas na sua organização. Diante disso, questiona-se: como estudar a sua manifestação material quando ele apresenta variações inerentes à sua apresentação em contextos distintos? Estamos falando de apenas um dispositivo ou de vários dispositivos interligados, vinculados a um único produto noticioso?

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Considerando-se a observação das dinâmicas de Zero Hora, percebe-se que a distribuição multiplataforma pode gerar referências distintas sobre o veículo jornalístico para o seu público. Isso ocorre especialmente em casos de repurposing. Entende-se que eles demonstram a ampliação da experiência do indivíduo com a publicação, à medida que, de leitor, ele pode se transformar em interagente. Cada um desses papéis permite diferentes formas de consumo, criando novas expectativas sobre o que produto pode oferecer. Visto que tal processo já pode ser visualizado em jornais como Zero Hora, quando o shovelware ocorre pode acabar provocando frustração entre os consumidores. Vale lembrar que o presente trabalho se ocupou apenas de uma das dimensões da convergência, que é a distribuição multiplataforma, para refletir sobre um pressuposto mais amplo: a atualização do contrato de comunicação dos veículos noticiosos em contexto de convergência jornalística. Ele permitiu a verificação de marcas sobre a influência dessa prática na transformação do dispositivo de um veículo noticioso: o jornal Zero Hora. Tratase de uma abordagem não conclusiva. Portanto, destaca-se a necessidade de uma pesquisa mais ampla sobre a questão, contemplando os demais processos que envolvem a transformação em questão.

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Convergence and update of the communication contract vehicle news multiplatform: seeking evidence on the device journalistic Abstract This article discusses the possibility of upgrading the communication contract established in news media in the context of convergence journalism. It starts with an initial reflection on the issue, focusing on the changes caused by one of the dimensions of this process: the multiplatform distribution. It is considered as a potential influence on the transformation of journalistic devices.

Keywords Convergence Journalism, Communications Contract, Zero Hora, Multiplatform Distribution, Digital Journalism.

Convergencia y la actualización del contrato de comunicación de los medios multiplataforma: buscando marcas en el dispositivo periodistico Resumen En este artículo se discute la posibilidad de actualización del contrato de comunicación que se establece en los medios informativos en contexto de convergencia periodística. El texto comienza con una reflexión inicial sobre el tema, centrándose en los cambios causados por una de las dimensiones de este proceso: la distribución multiplataforma. Ella es considerada como una influencia potencial en la transformación de los dispositivos periodísticos.

36 Intexto, Porto Alegre, UFRGS, n. 26, p. 18-37, jul. 2012.

Convergência e a atualização do contrato de comunicação de veículos noticiosos multiplataforma: buscando marcas no dispositivo jornalístico

Palabras-clave Periodismo de convergencia del contrato, comunicaciones, Zero Hora, distribución multiplataforma, Periodismo Digital

Recebido em 13/09/2011 Aceito em 20/06/2012

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